1 FILOSOFIA PARA CRIANÇAS - EDUCAÇÃO PARA PENSAR BEM

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FILOSOFIA PARA CRIANÇAS - EDUCAÇÃO PARA PENSAR BEM: A
PROPOSTA DE MATTHEW LIPMAN. 1
Marcos Antônio Lorieri
Programa Filosófico- educacional:
Programa educacional que propõe oferecer às crianças e jovens um espaço
investigativo-dialógico ( as aulas são sempre realizadas através de discussão, entre as
próprias perguntas e professores) no qual busquem, orientados por educadores para tanto
preparados, com envolvimento inicial com os procedimentos da investigação relativa às
temáticas filosóficas e, ao fazê-lo, possam desenvolver sua capacidade de “pensar bem”
através da metodologia da comunidade de investigação.
1.
Reflexão e compreensão inicial de temáticas filosóficas.

“Filosofia para Crianças”: trata-se de um programa de iniciação filosófica de
crianças e jovens que visa manter vivas, nas pessoas, desde o mais cedo possível, as
disposições para investigar as chamadas “temáticas filosóficas” bem como oferecer-lhes
subsídios para tanto. (exemplos de temáticas filosóficas: o que é a vida? Por que sou
diferente?, livre arbítrio, Deus, questões éticas, etc)

“A filosofia oferece um fórum no qual as crianças podem descobrir, por si
mesmas, a relevância, para suas vidas, dos ideais que norteiam a vida de todas as
pessoas”. (LIPMAN, 1990, p. 13). significa colocar em discussão, no fórum filosófico, os
significados presentes no cultural das pessoas de tal forma que elas possam avaliá-los e
não apenas recebê-los prontos. ( o forum filosófico é aula propriamente dita, que pode
ser desdobrada em mais de uma aula)
Temáticas: questões (perguntas/problema) cujas respostas se servem para
orientar sua forma de ser gente, sua forma de agir, sua forma de pensar, sua forma de
valorar.
A premissa da qual se parte na proposta do PFC- Filosofia para Criança, é que as
pessoas, todas as pessoas (professores e alunos), devem participar da construção das
referências significativas para suas vidas.
As temáticas dizem respeito:

À realidade em geral, ao seu ser, a seu possível sentido (ontologia ou
metafísica);

Ao ser humano (antropologia filosófica), ao seu ser, ao sentido de sua
existência;

Ao agir humano de onde derivam as questões relativas ao justo, ao bom, ao
certo, etc. (campo da ética);

Ao fato de o ser humano pensar e produzir conhecimentos (gnosiologia,
epistemologia), de onde derivam questões sobre a verdade, sobre o pensar, sobre as
melhores formas de produzir conhecimentos e sobre o seu papel na vida das pessoas,
etc.;
- Ao fato de os seres humanos viverem em sociedade e ao fato dramático da
existência do poder e sua relação com a liberdade (campo da filosofia social e política que
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Matthew Lipman. Nasceu em 1923 na cidade de Vineland - New Jersey - EUA. Doutorou-se em Filosofia na
Universidade Colúmbia, em Nova York, em 1953. Fez pós doutorado na França foi o fundador do IAPC (Instituto para
o Desenvolvimento de Filosofia para Crianças) ligado à Universidade Estadual de Montclair - New Jersey. Faleceu em
26/12/2010 em MontClair.
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se entrelaça especialmente com o campo da ética); dizem respeito à sensibilidade
humana e às suas manifestações artísticas, ao belo, à beleza, à sua busca e produçãorepresentação pelos homens (campo da estética);

dizem respeito ao nosso processo de argumentação-raciocínio (lógica); e a
tantas outras questões.
Exemplos de questionamento das crianças e o seu alcance:

“tento sempre pensar que sou um outro, e eu SOU, apesar disso, sempre
eu”. Ele atinge assim ao que constitui a origem de toda certeza, a consciência do ser no
conhecimento de si.

Um outro que escutava a história da gênese: “No começo Deus criou o céu e
a terra...”, logo perguntou: “Que havia então antes do começo?” Ele descobria assim que
as questões se engendram até o infinito, que o entendimento não conhece limites em
suas investigações e que, para ele, não existe resposta verdadeiramente concludente.

Uma ‘menina faz um passeio: à entrada de uma clareira, contam-lhe
histórias de duendes que ali dançam à noite. “Mas, no entanto eles não existem. . .“
Ora, o conjunto destas e outras questões formam o conteúdo privilegiado que vem
desafiando a reflexão filosófica da humanidade e que tem nos grandes filósofos seus
melhores exemplares no trabalho de busca de respostas a elas. Há um acervo delas
distribuído em tendências, linhas, ou doutrinas filosóficas. Algumas das doutrinas
filosóficas tornam-se, historicamente, conjuntos de respostas que são aceitas como
referências orientadoras de sociedades e mesmo de épocas históricas. Tornam-se
hegemônicas. Muitas vezes essas referências orientadoras são impostas, ou
violentamente, ou sutilmente (o que não deixa de ser uma forma de violência).
Uma das formas de fazer acontecer uma “educação filosófica” é criar momentos
nos quais crianças e jovens são incentivados a explicitar seus questionamentos
filosóficos. Neles podem ser utilizados diversos recursos: relatos de situações vividas que
podem ser retomadas; peças teatrais; filmes; pequenos textos; pequenas histórias; etc.
Formas de acontecer a “educação filosófica”:

Começa por criar momentos nos quais crianças e jovens são incentivados a
explicitar seus questionamentos filosóficos.

Neles podem ser utilizados diversos recursos: relatos de situações vividas
que podem ser retomadas; peças teatrais; filmes; pequenos textos; pequenas histórias;
etc.

Pelo interesse nas questões filosóficas através do interesse pelas respostas
e pelas questões formuladas

E, principalmente, pelo interesse em trabalhar investigativamente tanto as
questões quanto as respostas com as quais se deparam.
O interesse surge ainda:

no confronto das perguntas que são postas,

nas respostas que recebem,
É neste espaço que uma “educação filosófica” precisa estar presente se queremos
gerações não conformistas e, portanto, participativas na construção de um mundo com
referências mais claras e mais consistentes, porque mais bem pensadas por todos.
Lipman propõe momentos de aulas, uma ou duas vezes por semana e, como
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recurso básico histórias escritas por ele ou, como ele as denomina, “novelas filosóficas”,
nas quais os personagens são crianças e jovens que se colocam as questões filosóficas,
defrontam-se com respostas variadas dadas a elas e colocam sob análise investigativa
tanto as questões, quanto as respostas.
Obviamente que, para fazerem isso de forma cada vez mais aprimorada, deve
haver ajuda educacional competente. Daí a necessidade de educadores bem preparados.
Tal preparo deve envolver uma formação básica e um preparo específico que envolve o
conhecimento da proposta do PFC e uma preparação na metodologia do mesmo, além, é
claro, de uma boa formação filosófica.
Objetivo a atingir:

manter vivas e interessantes (despertadoras de interesse) as questões
filosóficas que são próprias de todos os seres humanos.

Que essas crianças e jovens, ao longo da vida, se sintam convidados ao
exame cuidadoso e sistemático da produção filosófica acumulada historicamente: o
desejo é que, assim iniciados, sintam-se também convidados ao estudo dela já nos anos
finais da Educação Básica e na Educação Superior.

O desenvolvimento de maior capacidade para que todas as pessoas possam
participar da produção histórica das chamadas respostas filosóficas para que não corram
o risco de serem simplesmente doutrinadas.

Propiciar, progressivamente, maior envolvimento com o questionamento
filosófico (reflexão)

estimular o desenvolvimento dos instrumentos cognitivos 2 e disposições
necessárias e requeridas para o trato com tal questionamento.
Aprender a pensar
O desenvolvimento da maneira de pensar é realizado através de processo
contínuo, que nem sempre os resultados aparecem de imediato.
É necessário realizar atividades voltadas, intencionalmente, ao cultivo do “pensar
bem”, que é o que ele denomina de pensar de ordem superior que é crítico e criativo.
Envolve características do pensar crítico como: utilização de critérios, produção de
juízos ou julgamentos, auto-correção, sensibilidade ao contexto e outras. Envolve,
também, características do pensar criativo como: sensibilidade aos critérios sem se deixar
aprisionar por eles (sendo, portanto capaz de criar novos critérios), capacidade de autotranscendência, isto é, capacidade de “ir além ou transcender a si mesmo” (nota da p.44),
ou seja, capacidade de produzir novas relações e não apenas constatar as relações já
dadas.
O pensar é por si mesmo conteúdo da Filosofia. A investigação filosófica inclui
necessariamente o exame de como pensamos e de como conhecemos. Há, pois, na
2
Entende-se por funções cognitivas uma série de atividades mentais que são pré requisitos
para dominar as operações mentais (sendo estas um conjunto de ações interiorizadas, organizadas e
coordenadas, por meio das quais se elabora a informação procedente das fontes internas e externas
de estimulação). As principais funções cognitivas são: percepção, atenção, memória, linguagem e
funções executivas.
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Filosofia, um convite ao cuidado com o pensar que deriva de seu esforço metacognitivo,
que quando exercido, pode levar ao pensar reflexivo e auto-corretivo.
Lipman se pergunta o que seria pensar e, à página 140 da obra citada (1995) diz:
“pensar é fazer associações e pensar criativamente é fazer associações novas e
diferentes”. Em outra passagem ele explicita esta afirmação da seguinte maneira:
Pensar é o processo de descobrir relações existentes na realidade e
representá-las na consciência e que isso permite atinar com os significados ou os
sentidos que, de alguma forma, estão dados.
1º. Grupo: Habilidades de Investigação
habilidades cognitivas:

saber observar bem.
Observamos utilizando os sentidos externos e nossas capacidades de sensações
internas.

saber formular questões ou perguntas substantivas.
Trata-se de desenvolver a capacidade de formular perguntas substantivas: aquelas
que tenham conteúdo de interesse investigativo tal que nos impulsionam à busca e à
produção de conhecimentos.

saber formular hipóteses.
é necessário ser capaz de imaginar, supor, criar alternativas, inventar, etc. Isso está
diretamente ligado ao pensamento criativo.

saber buscar comprovações.
Saber buscar comprovações é habilidade que pode ser desenvolvida quando se
estimula para a verificação, para a averiguação, para a medição, para a argumentação,
para a experimentação, para a constatação, para a exemplificação, etc.. O não aceitar
afirmações gratuitas, isto é, sem que paguem o preço de alguma comprovação
E, ainda, a habilidade, ou melhor, a disposição à auto-correção
os achados são colocados à prova e as pessoas se dispõem a revê-los
2º. Grupo: Habilidades de Raciocínio.
Raciocínio é o processo de ordenar e coordenar aquilo que foi descoberto através
da Investigação. Implica em descobrir maneiras válidas de ampliar e organizar o que foi
descoberto ou inventado enquanto era mantido como verdade”.
Juízos são afirmações (ou negações) a respeito de algo
habilidades de raciocínio:

produzir bons juízos, isto é, a capacidade de produzir afirmações
sustentadas por boas razões.

estabelecer relações entre idéias e, especialmente, entre juízos.
Há relações de grau; de igualdade, de semelhança, de diferença; relações partetodo; relações de causa e efeito; relações espaciais; relações temporais; relações de
gênero; relações de número; relações sociais; relações semânticas; relações sintáticas;
relações de transitividade; relações de reciprocidade; etc.

inferir, isto é, de “tirar” conclusões. Esta é a habilidade básica que
permite o raciocínio.

Ser capaz de identificar ou perceber pressuposições subjacentes; ou
de “ler nas entrelinhas”, ou de inferir o que está subentendido.
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3o Grupo: Habilidades de Formação de Conceitos.
Conceito é sempre uma organização de informações numa ideia que pode ser
expressa por uma palavra, por um conjunto de palavras, por esquemas,
O trabalho com as palavras é um bom caminho para desenvolver habilidades
que auxiliam na formação de conceitos, tais como:

Habilidade de explicar, ou desdobrar, o significado de qualquer palavra;

Habilidade de analisar, de esmiuçar elementos que compõem um conceito
qualquer e de, em seguida, sintetizar, unir de novo tais elementos, reconstituindo o
conceito;

Habilidade de buscar significados de palavras em fontes como dicionários,
enciclopédias, pessoas, e de adequar os significados encontrados ao contexto em que
tais palavras são utilizadas;

Habilidade de observar características essenciais para que algo possa ser
identificado como tal;

Habilidade de definir, isto é, ser capaz de dizer o que algo é e que o torna
inconfundível.
4o Grupo: Habilidades de Tradução.
Traduzir é conseguir dizer algo que está dito com certas palavras, ou de certa
forma, por meio de outras palavras, ou por meio de outras formas, mantendo o mesmo
significado.
É necessário desenvolver a capacidade de interpretação, bem como todas as
habilidades envolvidas na formação dos conceitos.

Interpretar

Parafrasear

Analisar

E todas as habilidades relacionadas à formação de conceitos.
A proposta de educação para pensar bem de Lipman não pode ser entendida como
um mero treino de utilização de habilidades. O que ele propõe é o trabalho de
investigação dialógica
O que não se pode continuar a fazer é apenas apresentar conteúdos para que
deles simplesmente os alunos tomem ciência. Eles precisam, além de tomar ciência dos
conteúdos, serem capazes de analisá-los, avaliá-los, problematizá-los e re-elaborá-los.
Isto se faz pensando e, pensando bem.
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