prática psicológica e compreensão da saúde e doença mental

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PONTIFICIA UNIVESIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Campus POÇOS DE CALDAS
FACULDADE DE PSICOLOGIA
PRÁTICA PSICOLÓGICA E COMPREENSÃO DA SAÚDE E
DOENÇA MENTAL
Vanderléia Osória da Silva Reis
Poços de Caldas
2007
10
Vanderléia Osória da Silva Reis
PRÁTICA PSICOLÓGICA E COMPREENSÃO DA SAÚDE E
DOENÇA MENTAL
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Faculdade de Psicologia da
Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, campus Poços de Caldas,
como requisito parcial para a obtenção
do título de Psicólogo.
Orientador: Francisco
Oliveira Bonatto
Poços de Caldas
2007
Rogério
de
11
Vanderléia Osória da Silva Reis
Compreensão sobre Saúde Mental e Doença Mental e da Prática Psicológica
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Psicologia da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Campus Poços de Caldas,
Poços de Caldas, 2007.
___________________________________________
Francisco Rogério de Oliveira Bonatto (Orientador) - PUC Minas Poços de Caldas
______________________________________
André Luis Masiero – PUC Minas Poços de Caldas
_______________________________________
Roberta Ecleide de Oliveira Gomes Kelly (suplente) – PUC Minas Poços de Caldas
12
Aos meus pais pelo incentivo e carinho...
Aos meus irmãos pela compreensão e auxílio...
Àqueles que de alguma forma estiveram presentes
quando eu precisei de um simples sorriso,
uma palavra, um abraço e que souberam me dar...
13
AGRADECIMENTOS
A todos que se dispuseram a participar deste trabalho, expondo suas
práticas profissionais e até mesmo deixando implícito algumas de suas
características pessoais. Enfim, que demonstraram um envolvimento com o
trabalho desenvolvido na assistência à Saúde Mental.
Ao orientador Francisco Rogério de Oliveira Bonatto pela dedicação,
paciência e pelo carinho.
A minha família pelo incentivo, compreensão e, principalmente, pela
confiança creditada em mim.
A todos que tem acompanhado minha história e que me ensinam muito
sobre a vida.
14
“Meu papel – mas até este é um termo
demasiado pomposo – é mostrar às
pessoas que elas são muito mais do que
imaginam, que elas têm por verdadeiros,
por evidentes, certos termos fabricados
num momento particular da história e
que essa pretensa evidência pode ser
criticada e destruída.”
Foucault
15
RESUMO
Este estudo procurou apontar as diferenças e as semelhanças em relação à compreensão sobre
saúde e doença mental de profissionais atuantes em tipos diferentes de instituição, que
possuem como objetivo tratar a doença mental. Esta atividade é compreendida sob duas
perspectivas: uma baseada no tratamento tradicional – os hospitais psiquiátricos – e outra
resultante de intensas críticas e reflexões sobre o tratamento tradicional – os Centros de
Atenção Psicossocial – exigindo a humanização na assistência e que a liberdade seja
entendida como valor que leva à dignidade humana. Foram utilizados questionários
formulados com perguntas sobre o tema saúde e doença mental e a prática das entrevistadas.
As respostas obtidas foram tratadas segundo o método de análise da construção de sentidos de
Spink, os mapas de associação de idéias. Concluiu-se que ocorreram mudanças na prática
psicológica, na capacidade de reflexão das psicólogas e que o contexto em que se encontram
inseridas influenciou o discurso apresentado.
Palavras-chave: Saúde mental, Luta Antimanicomial, Práticas psicológicas.
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LISTA DE SIGLAS
ABP: Associação Brasileira de Psiquiatria
AIH: Autorização de Intervenção Hospitalar
AIS: Programa de Ações Integradas de Saúde
CAPS: Centro de Atenção Psicossocial
CEBES: Comissões de Saúde Mental dos Sindicatos dos Médicos
CIPLAN: Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação
CISM: Comissões de Saúde Mental
CNSM: Campanha Nacional de Saúde Mental
CONASP: Conselho Consultivo da Administração de Saúde Previdenciária
CPPII: Centro Psiquiátrico Pedro II
DINSAM: Divisão Nacional de Saúde Mental
EUA: Estados Unidos da América
FAS: Fundo de Apoio Social
HP: Hospital Psiquiátrico
IBRAPSI: I Congresso Brasileiro de Psicanálise de Grupos e Instituições
IPAB: Instituto Professor Adauto Botelho
INAMPS: Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INPS: Instituto Nacional de Previdência Social
MPAS: Ministério da Previdência e Assistência Social
MS: Ministério da Saúde
MTSM: Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental
NAPS: Núcleo de Atenção Psicossocial
PREVSAÙDE: Programa Benefício Medicamento
REME: Movimento de Renovação Médica
SUDS: Sistema Único e Descentralizado de Saúde
SUS: Sistema Único de Saúde
UBS: Unidade Básica de Saúde
UFRJ: Universidade Federal do Rio de Janeiro
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.............................................................................................................. .... 09
1.1 Histórico da Saúde Mental.............................................................................................. 10
1.2 Movimento Antimanicomial no Brasil ........................................................................... 17
1.3 Situação atual do psicólogo no Brasil............................................................................. 20
1.4 O trabalho do psicólogo no campo da Saúde Mental ............................................... .... 26
1.5 Problema...................................................................................................................... .... 27
2 OBJETIVOS................................................................................................................... .... 28
2.1 Objetivo Geral.................................................................................................................. 28
2.2 Objetivos Específicos................................................................................................... .... 28
3 METODOLOGIA............................................................................................................... 29
3.1 A Análise do Discurso e o Construcionismo.................................................................. 29
3.2 Instrumentos de coleta de informações.......................................................................... 30
3.3 Procedimentos.................................................................................................................. 30
4 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO............................................ 32
4.1 Compreensão sobre a Saúde Mental, a Doença Mental e o Movimento
Antimanicomial................................................................................................................. .... 32
4.2 Formação e prática do psicólogo nas instituições de Saúde Mental ............................ 35
4.3
Conseqüências
do
trabalho
desenvolvido
para
os
usuários
e
suas
famílias.................................................................................................................................... 37
5 CONCLUSÃO..................................................................................................................... 38
18
1 INTRODUÇÃO
1.1 Histórico da Saúde Mental
Para se abordar a questão da doença mental, o modo como seu portador é tratado e o
papel do psicólogo nesse processo, faz-se necessário abordar primeiramente alguns aspectos
históricos.
Um dos aspectos importantes neste contexto é a Idade Média. Foucault, em seu livro
História da Loucura (2005), ressalta a história dos leprosários que depois se tornaram
“depósitos para loucos”.
A partir da alta Idade Média até o final das Cruzadas, os leprosários tinham se
multiplicado por toda a Europa, e isto gerou um processo de exclusão explicado pela Igreja
como a vontade de Deus, pois a existência dos leprosos era uma manifestação de Deus, de sua
cólera e sua bondade, já que a sua salvação seria alcançada por sua exclusão (FOUCAULT,
2005).
Ao final da Idade Média, verifica-se o desaparecimento da lepra no mundo ocidental,
resultado natural da segregação a que os leprosos foram submetidos e conseqüência, após o
fim das Cruzadas, da separação com os focos orientais de infecção, deixando sem utilização
seus lugares obscuros e seus ritos que não eram utilizados para suprimi-la e sim para mantê-la
a certa distância dos lugares públicos.
Assim:
“Aquilo que sem dúvida vai permanecer por muito mais tempo que a lepra, e que se
manterá ainda numa época em que, há anos, os leprosários estavam vazios, são os
valores e as imagens que tinham aderido à personagem do leproso: é o sentido da
exclusão, a importância no grupo social dessa figura insistente e temida que não se
põe de lado sem se traçar a sua volta um círculo sagrado.” ( FOUCAULT, 2005, p.
6)
Os mesmos locais usados pelos leprosos irão ser retomados, mais tarde, com o mesmo
propósito de exclusão, pelos pobres, vagabundos, presidiários e pessoas alienadas (loucos).
Porém, o sentido da exclusão será diferente, variando em cada cultura. Primeiramente,
instalaram-se nesses lugares pessoas atingidas por doenças venéreas, mas que logo passaram a
ser tratadas como as outras doenças (FOUCAULT, 2005).
19
Quase dois séculos depois do desaparecimento da lepra é que a loucura assume o seu
papel nos medos seculares, levantando novamente reações de segregação, de exclusão, de
purificação.
Antes do século XVII, os loucos eram depositados em barcos, “a Nau dos Loucos”,
tinham uma vida errante, de uma cidade para a outra, ou eram confiados a grupos de
mercadores e peregrinos. Sua forma de purificação era sua peregrinação, que possibilitava sua
ida para bem longe das cidades e a segurança dos cidadãos. Assim, estavam entregues a
própria sorte, já que navegar era uma incerteza de volta à terra firme. Alguns eram tratados
em hospitais ou em lugares de detenção reservados aos insanos. Algumas cidades como
Nuremberg, na Alemanha, recebiam esses loucos e os colocava em prisões, sem dedicar-lhes
nenhum tratamento. Tais lugares eram considerados uma espécie de terra santa onde os
depositados esperavam a libertação de sua loucura, porém isso não ocorria.
Por volta do século XV, o tema loucura passa a fazer parte da literatura, do teatro, da
pintura; simbolizando uma inquietude surgida repentinamente na cultura européia,
substituindo o papel da morte, na crise da existência, de um vazio que ameaça. Por exemplo,
no teatro o louco toma um lugar central e de detentor da verdade:
“Se a loucura conduz todos a um estado de cegueira onde todos se perdem, o louco,
pelo contrário, lembra a cada um sua verdade; na comédia em que todos enganam
aos outros e iludem a si próprios, ele é a comédia em segundo grau, o engano do
engano.” (FOUCAULT, 2005, p. 14)
A loucura é vista como adesão imaginária do homem a si mesmo, constituindo-se no
apego que ele demonstra por si próprio e pela ilusão com que se alimenta. Esta, libera a alma
de suas preocupações e a entrega às diversas formas de voluptuosidade. Porém, é também
considerada o grande mal do homem, representando seus defeitos e seus limites. Fica evidente
a visão dupla sobre a loucura: uma é cósmica ligada ao trágico e, a outra, é de reflexão da
moral ligada à crítica. O confronto entre tais visões anima tudo o que pode ser sentido e
formulado sobre a loucura no começo da Renascença, mas este logo desaparecerá, pois a
consciência crítica da loucura ficará mais forte que suas figuras trágicas. Tal ausência pode
ser notada na experiência de loucura que possuímos atualmente, conduzindo a sua análise a
uma doença mental (FOUCAULT, 2005).
Então, a loucura toma uma forma relativa à razão, pela qual cada uma é a medida da
outra, se afirmam e se negam simultaneamente. Torna-se também uma das próprias formas da
20
razão, já que a loucura só tem sentido e valor no próprio campo da razão, significando a falta
de razão de um indivíduo. Razão esta, determinada pela cultura, história e sociedade.
Na experiência clássica a loucura deixa de ser uma figura ligada à morte, ao destino do
homem. Ela não irá mais adentrar uma nau, agora vai penetrar nos hospitais. Estes surgem sob
a custódia das Igrejas, tanto na Europa Ocidental cristã como na Europa Oriental islâmica, no
século IX, com o objetivo de oferecer assistência social, em caso de moléstia ou outras
causas. A partir do século XIII, o hospital medieval começou a sair das mãos dos religiosos e
a passar para a jurisdição secular, apenas administrativamente, já que monges e freiras
continuaram a cuidar dos enfermos. Assim, a administração passou a ser responsabilidade das
autoridades municipais que escolhiam e pagavam os médicos dos hospitais, as freiras e os
monges atendiam às necessidades dos doentes (ROSEN, 1994).
Havia também uma maior preocupação com a educação em saúde e a higiene pessoal,
sendo criado pelos monges um tratado de higiene direcionado, quase sempre, a uma pessoa de
classe mais alta, ensinando como viver de modo sadio. Vários desses tratados foram escritos
entre o século XII e XV, aconselhando três procedimentos para manter a saúde: sangria,
purgações e ventosas.
O período entre o século XVI e XVIII é marcado pelo desenvolvimento científico que
propiciou bases para a Anatomia e Fisiologia, onde a observação e a classificação
possibilitaram um maior conhecimento sobre as doenças. Porém, a administração dos
problemas de saúde pouco foi alterada em relação à Idade Média. Ainda no século XVIII, os
loucos eram trancafiados em prisões, casas de correção, asilos e hospícios. A enfermidade era
atribuída ao pecado e as atividades do diabo, assim como a retenção de excreções corporais,
distúrbios emocionais, dieta ruim e falta de sono, entre outras causas. O tratamento do insano
era dominado por superstições, ignorância e condenação moral.
No entanto, surgiram alguns movimentos de reforma da atenção à doença mental
motivados pelos ideais iluministas e pelo novo espírito humanista presente na sociedade. G. F.
Jaegerschmid, em 1774, investigou as condições do hospício de Pforzheim e propôs que os
pacientes menos perturbados ficassem mais livres e que só fossem encarcerados os mais
violentos e, ainda, que os enfermeiros cuidassem dos pacientes sob a supervisão de um
médico. Sua proposta não foi efetivada. Em 1788, Vincenzo Chiarugi propôs algo parecido no
Hospital de São Bonifácio, em Florença, precedendo a Philippe Pinel, na França, e a William
Tuke, na Inglaterra. No entanto não conseguiu ter grande influência.
Tuke elabora a idéia do Retiro, em York, 1792, fundado pela Sociedade de Amigos,
instituindo um regime fundamentado no senso comum e no cristianismo em que havia um
21
esforço para oferecer um ambiente familiar para os pacientes, como também alimentação, ar
fresco, exercício e atividades que substituíssem as correntes, a brutalidade, a inanição.
Philippe Pinel, em 1793, ao ser nomeado médico do Hospital Bicêtre, em Paris,
mostrou dar valor a um tratamento mais humano para o doente mental. Apoiado na bondade,
simpatia e no mínimo de contenção mecânica, retirou as correntes de cinqüenta e três
lunáticos. Depois de três anos, realizou algo parecido em Salpêtrière, o segundo maior
hospício de Paris (ROSEN, 1994).
Uma das conseqüências de tais feitos foi o estabelecimento de hospícios na Inglaterra,
como o asilo municipal de Nottingham, em 1811. Três anos depois haviam três hospícios em
funcionamento e, em 1842, já eram dezesseis. Grande parte dessas instituições possuía um
caráter mais humano e uma evolução no padrão dos profissionais que tratavam dos doentes
mentais. Isso veio possibilitar o estudo científico da doença mental.
Neste mesmo século, o XIX, o primeiro hospital psiquiátrico do Brasil foi fundado no
Rio de Janeiro, em 05 de dezembro de 1852, intitulado Hospício de Pedro II, em homenagem
ao então imperador do Brasil, tendo sido criado através do Decreto n° 82 em 18 de julho de
1841. Tinha como princípio básico, assim como o das naus utilizadas na Idade Média e depois
os hospitais, um duplo afastamento do louco do meio urbano e social, quer fosse pelo
distanciamento ou pela reclusão. Foi escolhida a Praia Vermelha, local onde foi construído o
hospício, por ser um local afastado do centro urbano. Com isso, ficava evidente a prática de
exclusão tão presente nas diversas maneiras de lidar com as formas de loucura (JORGE,
1997).
Com a queda do Império e o surgimento da República, em 1890, o Hospício de Pedro
II passou a se chamar "Hospício Nacional de Alienados", através do Decreto n° 206A, de 15
de fevereiro de 1890, ficando sob administração do governo federal, quando anteriormente era
vinculando à Santa Casa, ficando subordinado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores.
Nesse mesmo ano foi instituída a Assistência Médico-Legal aos Alienados e criadas e
anexadas ao Hospício Nacional as Colônias de São Bento e a Colônia de Conde de Mesquita,
ambas para pacientes do sexo masculino, na Ilha do Galeão, atual Ilha do Governador. As
Colônias tinham por finalidade principal resolver os problemas de superlotação do hospício,
oferecendo uma forma de tratamento voltada às atividades de trabalho, principalmente a
agropecuária e diversos artesanatos que caracterizavam os modelos de colônias.
Aproximadamente em 1902, devido as diversas irregularidades existentes no Hospício
Nacional de Alienados e nas colônias, foi feita a abertura de inquérito, cuja comissão
composta pelos médicos Francisco Eiras, Salles Guerra e Antônio Maria Teixeira e o
22
farmacêutico Silva Araújo, sugeriram algumas mudanças visando melhorar a situação
existente. Nesta época, e em conseqüência do inquérito, foi então nomeado Diretor da
Assistência Médico-Legal aos Alienados o Dr. Juliano Moreira, professor substituto da
cadeira de Clínica Psiquiátrica da Bahia.
Pressionados pelos frades da Ordem de São Bento, proprietários do terreno onde se
localizava a Colônia de São Bento e em função das críticas às condições das instalações,
feitas principalmente pelo então Diretor Geral Professor Juliano Moreira, o Governo resolveu
adquirir a fazenda do Engenho Novo, em Jacarepaguá para as instalações de uma nova
Colônia com o objetivo de receber os pacientes da Ilha do Governador.
Devido à superlotação de mulheres no Hospital Nacional, surgiu a necessidade da
implantação de um hospital, específico para mulheres. O primeiro diretor da Colônia das
Alienadas, como foi chamado, foi o alienista Dr. Simplício de Lemos Braule Pinto. A
Colônia, que atualmente é o Centro Psiquiátrico Pedro II, tinha como objetivo inicial receber
exclusivamente pacientes indigentes do sexo feminino que seriam transferidas do Hospício
Nacional de Alienados. Porém, seu principal objetivo era o de isolar os loucos do convívio
social, e cada vez mais afastá-los do centro urbano. Por mais que as justificativas pudessem
ser de criar melhores condições de alojamentos, esses lugares rapidamente superlotavam e se
deterioravam (JORGE, 1997).
Após o falecimento do Dr. Braule Pinto em 18 de setembro de 1918, assume a direção
da Colônia o Dr. Gustavo Riedel, que imprime uma série de transformações na instituição e
influi bastante na ideologia da assistência psiquiátrica do país da época. Cria-se, então, o
primeiro ambulatório psiquiátrico da América Latina.
A atenção aos doentes mentais da época ficava restrita ao interior dos asilos. Pode ser
vista como uma exceção à regra, o ambulatório do Engenho de Dentro, que tinha como
proposta não só acompanhar o doente, mas também promover o "aconselhamento genético"
como prevenção dos distúrbios mentais. Chamam a atenção os chamados "serviços abertos"
que possuíam um caráter inovador e eram inspirados em alguns outros serviços semelhantes
na Europa, tendo sido pioneiro Clifford Beers nos EUA. Podemos, com isso, afirmar que foi o
primeiro serviço aberto criado no Brasil.
Outro trabalho desenvolvido na época, foi a Assistência Hetero-Familiar, iniciada pelo
Dr. Juliano Moreira e implantado pelo Dr. Gustavo Riedel. Um dos seus objetivos era a
diminuição ou contenção dos gastos públicos com os doentes mentais, visto que a população
dos estabelecimentos psiquiátricos crescia vertiginosamente, assim criava-se uma falsa
liberdade, uma "família de técnicos", em substituição a sua família original, uma comunidade
23
assistida e acompanhada pela Psiquiatria. O serviço não teve grande desenvolvimento e foi
abandonado (JORGE, 1997).
Em 1938, Adauto Botelho assume a direção da Assistência aos Alienados, e cuida da
transformação da Colônia de Alienadas no Centro Psiquiátrico no Engenho de Dentro, para
onde seriam transferidos os doentes do Hospício Nacional de Alienados, que saía da Praia
Vermelha por ter-se tornado a Urca um bairro residencial. A transferência só veio a ocorrer
em 1943, com a desativação dos prédios do antigo Hospício Nacional de Alienados e sua
anexação pela Universidade do Brasil, inclusive o Pavilhão de Observação e Diagnóstico que
passou a se denominar de Instituto de Psicopatologia, onde atualmente é o Instituto de
Psiquiatria da UFRJ. O Centro Psiquiátrico Nacional passou a ser o grande herdeiro do antigo
Hospício que era o local de passagem de personagens ilustres do mundo científico e onde se
emanava todo conhecimento acerca da alma humana na época (JORGE, 1997).
Em 07 de janeiro de 1965, no governo militar do General Castelo Branco, que através
do Decreto-lei n° 55474, criou-se uma nova denominação para o Centro Psiquiátrico
Nacional, que passou a se chamar de Centro Psiquiátrico Pedro II (CPP II), resgatando a
homenagem ao antigo Imperador. Além do Centro Psiquiátrico Pedro II, integrava o Serviço
Nacional de Doenças Mentais, órgão do governo federal, mais três unidades, todas no Rio de
Janeiro - Hospital Pinel (antigo Hospital de Neuro-Sífilis), a Colônia Juliano Moreira e o
Manicômio Judiciário Heitor Carrilho.
Em 21 de fevereiro de 1967, através de Decreto-lei n° 60252, é criada a Campanha
Nacional de Saúde Mental (CNSM), instrumento que propiciou maior obtenção de recursos
extra-orçamentários e maior maleabilidade na administração pública. E, em 1968 é
implantado o Plano Nacional de Saúde pelo então Ministro da Saúde Leonel Miranda. Tal
Plano para a assistência médica à população em geral, apesar de fracassado, deixou alguns
pontos que permanecem até hoje. Dentre eles cabe ressaltar os convênios criados com
hospitais, clínicas e laboratórios.
A partir de 1974 é implantado o Plano de Pronta Ação pelo recém criado Ministério da
Previdência e Assistência Social. A partir dessa época, a dominância da "assistência médica"
sobre a "saúde pública" é acentuada através do Instituto Nacional de Previdência Social
(INPS), e posteriormente, pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência
Social (INAMPS). As pessoas que tinham direito à assistência médica do INPS eram, em
geral, trabalhadores que descontavam uma parcela de seu salário, financiando assim o
sistema. A assistência dessa população era realizada em hospitais próprios ou conveniados,
quando encaminhados.
24
A partir desse período, com as novas políticas de saúde preconizadas pelo então
governo de ditadura militar, os hospitais do Ministério da Saúde, principalmente o CPPII,
passaram a atender basicamente a população indigente, e os pacientes que porventura
tivessem algum vínculo previdenciário eram transferidos para as "clínicas conveniadas". No
CPPII, apenas uma unidade, o Instituto Professor Adauto Botelho (IPAB), prestava
atendimento aos pacientes da Previdência Social, através de convênio do Ministério da Saúde
(MS) com o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS).
Apesar de algumas tentativas esparsas, influenciadas pelas experiências que vinham
ocorrendo na Europa e pela grande penetração que a psicanálise vinha causando nos meios
assistenciais e de formação, o hospital caminhava para um processo de decadência e de
deterioração, tanto na qualidade da assistência como na conservação dos prédios.
A partir do ano de 1981, iniciou-se um processo onde o CPPII começou a modificar
suas feições, principalmente nos seus discursos oficiais, no planejamento das políticas de
condução da instituição e nas avaliações e críticas do modelo até então vigente. Pois no final
da década de 70 e início da década de 80, o país vinha apontando os primeiros sinais de
abertura política e de redemocratização, e no sentido oposto, ocorria uma política econômica
recessiva. Nessa conjuntura começou a surgir uma crise no modelo previdenciário, atribuídos
a aspectos estruturais - esquema de custeio e padrão de exploração capitalista dos serviços
médicos, e aspectos conjunturais - evasão de receitas em momento recessivo. Com a
continuidade da crise econômica, houve a necessidade de uma maior contenção de recursos.
Por outro lado, existindo pressões para a melhoria da qualidade da assistência à população,
iniciaram-se tentativas conjuntas de reformulação da política de saúde entre o MS e MPAS.
Em março de 1980 foi criada a Comissão Interministerial de Planejamento e
Coordenação (CIPLAN), coordenada pelos secretários gerais de ambos os ministérios e
integrada por representantes dos mesmos órgãos. A partir daí, surgiu a proposta de co-gestão
como forma de integração dos Ministérios, que serviu de base para os planos do Conselho
Consultivo da Administração de Saúde Previdenciária (CONASP). Foi composto um grupo de
trabalho com integrantes do Ministério da Saúde e Ministério da Previdência e Assistência
Social, através de Resolução CIPLAN n° 09/80.
Como desdobramento do Plano de Reorientação do CONASP, surgiu o Programa de
Reorientação da Assistência Psiquiátrica Previdenciária, elaborada em dezembro de 1982
(MPAS/MS, 1982). Havia a predominância do discurso crítico ao modelo manicomial. No
entanto, não representava o consenso da psiquiatria no Brasil, mas já apontava o poder
participativo de setores da psiquiatria com essa linha de pensamento e de militância.
25
Apesar de toda a crítica ao modelo custodial e à percepção dos determinantes sociais
das patologias mentais, visava-se a diminuição da hegemonia médica no tratamento e a
diminuição dos procedimentos hospitalares com o aumento dos chamados "métodos extrahospitalares". Não havia ainda propostas para o desmonte do aparato manicomial, criando-se
modelos substitutivos, apenas falava-se nos chamados "serviços intermediários", como por
exemplo, o hospital-dia, e a internação seriam indicados para alguns casos.
Nos dias 13 a 17 de dezembro de 1982, foi organizado um evento comemorativo do
38° aniversário do CPPII, como título de "Perspectivas de Saúde Mental no Brasil", contando
com pessoas ligadas a áreas de gerência, assistência e formação. Tinha como objetivo fazer
uma avaliação desse início do período de mudanças e também poder consolidar as linhas de
trabalho que vinham sendo desenvolvidas. Nesse encontro foi apresentada a "Proposta
Técnico-Assistencial do CPPII", que buscava a "transformação do espaço asilar". Pode-se
perceber claramente que se inicia uma mudança nos discursos oficiais, com a presença de
críticas marcantes ao modelo até então vigente, como à cronificação dos doentes e o retardo
de sua conscientização, a falta de adaptação dos hospitais e o seu processo de exclusão. A
estrutura autoritária e hierarquizada do hospital era vista como impeditiva de se poder
desenvolver um trabalho terapêutico.
As desativações eram justificadas para obras de reforma dos hospitais, com recursos
vindos do FAS (Fundo de Apoio Social) da Caixa Econômica Federal. Tais recursos nunca
chegaram ao hospital, inviabilizando as obras e mantendo os hospitais desativados até a
presente data.
Surge a proposta de um modelo de hospital-dia como instância intermediária à
internação e ao ambulatório, onde o paciente indicado seria aquele que o ambulatório não
tivesse condições de absorver para tratamento. O hospital-dia seria assim: um hospital sem o
poder segregador, excludente ou cronificador que foi atribuído ao manicômio. Essa proposta
não foi viabilizada e o hospital-dia permaneceu existindo apenas nos projetos e propostas dos
gerentes e nos programas oficiais.
Atualmente, o Centro Psiquiátrico Pedro II é um complexo hospitalar ocupando uma
área de 74800 m² com uma área construída de 52481 m² no bairro do Engenho de Dentro,
subúrbio da cidade do Rio de Janeiro. Nele existem quatro unidades hospitalares em
funcionamento e quatro serviços, que são denominados como Programas Assistenciais
conforme portaria do CPPII.
26
1.2 Movimento Antimanicomial no Brasil
O movimento antimanicomial inicia no Brasil entre os anos 1978 e 1980, através do
Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), que pode ser considerado o ator e
sujeito político de fundamental importância no projeto da reforma psiquiátrica brasileira, de
onde surgem as propostas de reformulação do sistema assistencial e no qual se consolida o
pensamento crítico ao saber psiquiátrico (AMARANTE, 1995).
Os principais movimentos, instituições e militâncias envolvidas na reformulação das
políticas de saúde mental no Brasil, além do MTSM, foram: Comissões de Saúde Mental dos
Sindicatos dos Médicos (CEBES), Movimento de Renovação Médica (REME), Rede de
Alternativas à Psiquiatria, Sociedade de Psicossíntese, Associação Brasileira de Psiquiatria
(ABP), Federação Brasileira de Hospitais (FBH), indústria farmacêutica, universidades, o
Estado, através do Ministério da Saúde (MS) e do Ministério da Previdência e Assistência
Social (MPAS). Todos possuindo interesses, mesmo que divergentes uns dos outros.
A “Crise da DINSAM” (Divisão Nacional de Saúde mental), em 1978, anunciada
através de uma greve seguida da demissão de alguns funcionários, marcou o início do
movimento da reforma psiquiátrica brasileira. Este órgão do MS era responsável pela
formulação de políticas de saúde do sub-setor saúde mental. Seus funcionários trabalhavam
em condições precárias, onde denúncias de estupro, agressão e trabalho escravo, morte eram
freqüentes e não eram devidamente esclarecidas.
Assim nasce o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental, cujo objetivo é a luta
por um espaço não institucional, onde debates e encaminhamentos de propostas de mudanças
da assistência psiquiátrica possam ser realizados.
Em outubro de 1978 foi realizado o V Congresso de Psiquiatria, em Camboriú,
surgindo a oportunidade de organizar esses movimentos. Nele repudia-se a privatização do
setor de saúde, já que exigiam mais democracia. Debate-se também o controle e a reprodução
das desigualdades sociais, no que diz respeito à política privatizante da saúde e as distorções à
assistência daí advindas.
27
Ainda nesse ano acontece o I Congresso Brasileiro de Psicanálise de Grupos e
Instituições (IBRAPSI), no Rio de Janeiro, de 19 a 22 de outubro. Neste, marcaram presença
Franco Basaglia, Felix Guatarri, Robert Castel, Erwing Goffman, dentre outros. Basaglia
denuncia o caráter elitista do evento e da Psicanálise e seu pensamento influencia o MTSM.
Em janeiro de 1979 ocorre, em São Paulo, o I Encontro Nacional do Movimento dos
Trabalhadores em Saúde Mental, cujas discussões fundamentaram-se na necessidade de um
estreitamento mais articulado com outros movimentos sociais, organizando-se fora do Estado
e denunciando a prática dominante deste. Busca uma democracia plena, uma organização
mais justa para a sociedade, o fortalecimento dos sindicatos e de outras associações
vinculadas ao movimento.
Também neste ano, só que em novembro, ocorre em Belo Horizonte o III Congresso
Mineiro de Psiquiatria, onde os primeiros debates são voltados para o levantamento da
realidade assistencial e dos planos sugeridos pelo governo e pelo INAMPS para a
reformulação das políticas de saúde.
Em 1980, no Rio de Janeiro, do dia 23 a 25 de maio, acontece o I encontro regional
dos Trabalhadores em Saúde Mental, onde problemas relacionados à doença mental, à saúde
mental e à psiquiatria são discutidos e buscam-se as alternativas. Em Salvador, neste mesmo
ano, ocorre paralelamente o II Encontro Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental e o VI
Congresso Brasileiro de Psiquiatria, de 22 a 27 de agosto. O MTSM e a ABP encontram-se
distanciados devido ao radicalismo do primeiro.
Critica-se o modelo assistencial como
ineficiente, cronificador e estigmatizante em relação à doença mental (AMARANTE, 1995).
Em Vitória, no Espírito Santo, de 26 a 28 de setembro do mesmo ano, foi realizado o I
Encontro Nacional de Coordenadores de Saúde Mental da Região Sudeste, com o tema oficial
“política de saúde mental para a região sudeste”. Nele pretendem avaliar o diagnóstico da
assistência psiquiátrica nos estados e formular propostas de reorientação da assistência
psiquiátrica, tendo como conseqüência a elaboração de relatórios a serem apresentados pelos
participantes do INAMPS e das secretarias. Decide-se pela criação de Comissões de Saúde
Mental (CISM), para serem implantadas nos estados da região e, se possível, nos municípios.
O I Encontro Estadual de Saúde Mental do Rio de janeiro ocorre nos dias 4 e 5 de
outubro, em 1986. O interesse desta é provocar debates para a I Conferência Estadual de
28
Saúde Mental. Há uma preocupação em relação à participação de pacientes e ex-pacientes
psiquiátricos para formular e executar políticas de assistência em saúde mental. Já a I
Conferência Estadual de Saúde Mental do Rio de Janeiro aconteceu nos dias 12, 13 e 14 de
março de 1987, no campus da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, tendo como tema
central a “política nacional de saúde mental na reforma psiquiátrica”, além de outros temas
discutidos por grupos de trabalho, compostos pelos participantes.
O II Encontro de Coordenadores de Saúde Mental da Região Sudeste foi realizado de
02 a 04 de abril de 1987, em Barbacena, onde os resultados do primeiro encontro foram
avaliados, constatando-se a não expansão de leitos manicomiais e hospitalares na região, a
implantação das Comissões Interinstitucionais de Saúde Mental (CISM), o fortalecimento da
articulação interinstitucional no subsetor e uma considerável expansão da rede ambulatorial e
de outros recursos externos.
Em 25 a 28 de junho de 1987 é realizada a I Conferência Nacional de Saúde Mental,
em desdobramento à 8ª Conferência Nacional de Saúde, estruturada com base em três temas:
economia, sociedade e Estado; Reforma Sanitária e reorganização da assistência à saúde
mental; cidadania e doença mental: direitos, deveres e legislação do doente mental.
Essa nova tendência é inaugurada no Congresso de Bauru, em 1988, repercutindo em
muitos outros âmbitos, além da transformação das políticas e práticas psiquiátricas, como por
exemplo, no modelo assistencial na ação cultural e na ação jurídico-política. Essa nova etapa
é marcada pelo surgimento de novas modalidades de atenção, como o Centro de Atenção
Psicossocial Professor Luiz da Rocha Cerqueira (CAPS), em 1987, em São Paulo. Este
obteve grande repercussão na transformação de outros serviços por todo país. Também foram
criados os NAPS (Núcleo de Atenção Psicossocial), o primeiro em setembro de 1989, em
Santos. Estes tinham a função de oferecer assistência aos usuários tanto em momentos de
crise, como auxilia-lo em seus projetos de vida, aumentando sua autonomia, qualidade de vida
e convivência social. Além de cuidar das doenças, o trabalho deve também valorizar a
capacidade de cada indivíduo (KODA, 2002).
A partir da criação dos CAPS e dos NAPS, o ministério da Saúde regulamentou e
financiou a Implantação de outros serviços da mesma natureza.
29
No campo jurídico-político, regulamentou-se os direitos do doente mental em relação
ao tratamento e anunciou-se a extinção progressiva dos manicômios públicos e privados, e sua
substituição por outros serviços não manicomiais de atendimento.
No entanto, apesar da importância dessas transformações, novos problemas se
apresentaram, como a qualidade do novo serviço tendo em vista a necessidade de ruptura com
o modelo psiquiátrico tradicional; a participação social de entidades e associações de usuários
e familiares no processo da reforma psiquiátrica demonstrou poder ser influenciada por
empresários ou grupos contrários ao movimento; o gasto elevado com assistência hospitalar
no Brasil, já que as doenças mentais estão entre as principais causas de incapacidade para o
trabalho, de internações e ocupam primeiro lugar com gastos públicos com assistência
hospitalar (AMARANTE, 1995).
1.3 Situação atual do psicólogo no Brasil
A recente história da profissão no Brasil, que somente foi reconhecida em 1962, pela
Lei Federal no. 4.119, garantiu um espaço institucionalizado de trabalho nas áreas de
orientação e seleção profissional, orientação pedagógica, diagnóstico psicológico, aplicação
de testes e outras áreas que antes pertenciam ao domínio médico, por exemplo, estudo de
casos, psicoterapias e perícias.
O psicólogo passou a atuar especialmente em quatro áreas: clínica, escolar, industrial e
magistério, atualmente ampliadas devido às pressões do mercado de trabalho, ocorrendo na
década de 70 sua inserção na área da saúde pública.
Tal inserção, especificamente na saúde mental, ocorreu devido ao contexto históricopolítico-econômico da época que propiciou uma supervalorização da profissão e a construção
e consolidação da idéia da importância da profissão para a sociedade.
30
Na década de 70 ocorreram mudanças sociais e econômicas, como o crescimento
acelerado populacional, migrações internas, queda no crescimento econômico, endividamento
externo, entre outros fatores, que acarretaram um déficit de assistência à população nos
serviços de saúde pública. Além disso, o sistema médico de atendimento era individualista e
assistencial privatista, visando o lucro. No setor de saúde mental, o modelo hospitalocêntrico
era predominante e havia uma mercantilização da loucura, tendo o Estado como principal
financiador. Inicia-se um processo de falência do modelo médico assistencial e há necessidade
da formação de equipes multiprofissionais, buscando mais eficácia e menor custo social,
ocorrendo a inserção do psicólogo nesse setor.
Além disso, essa época foi marcada por críticas e resistências ao regime ditatorial,
destacando-se o Movimento Sanitário, formado por intelectuais progressistas que buscavam
constituir-se um saber contra-hegemônico e construir reformas nas políticas e práticas de
saúde, criticando o modelo dominante de atenção à saúde.
Nos anos 80 surgiram algumas propostas de mudança no sistema de atendimento à
saúde, como PREVSAÚDE (1979), que previa a regionalização da assistência, hierarquização
dos serviços e dos profissionais, máxima padronização dos procedimentos e integração
institucional, o que não saiu do papel. Foram criados também o CONASP subdividido em:
AIH (Autorização de Internação Hospitalar) e AIS (Programa de Ações Integradas de Saúde),
o “Programa de Reorientação Psiquiátrica Previdenciária”, a DINSAM (Divisão Nacional de
Saúde Mental), a VIII Conferência Nacional de Saúde (em agosto de 1985, onde foram
definidas as bases do projeto de Reforma Sanitária brasileira), a I Conferência Nacional de
Saúde Mental (em junho de 1987, onde foram feitas críticas ao modelo asilar e denúncias de
sua ineficiência),o SUDS (Sistema Único e Descentralizado de Saúde) e, por fim, o SUS, em
setembro de 1990 (Sistema Único de Saúde), que é a forma atualmente proposta que visa a
descentralização, regionalização e hierarquização da assistência à saúde. Todas essas políticas
buscam uma mudança nas atividades desempenhadas pelo setor de saúde e uma maior
eficácia. Tais mudanças possibilitaram a abertura do campo para outros profissionais, além
dos médicos.
A grave crise econômica e social ocorrida no país em 1980 também contribui para a
entrada do psicólogo no setor da saúde. Havia a limitação dos mercados de atendimentos
psicológicos particulares, causando um desequilíbrio entre a oferta e a procura de serviços de
31
Psicologia, que fez com que os psicólogos procurassem maior segurança na remuneração
baixa, porém fixa e garantida do campo de saúde (DIMENSTEIN, 1998).
Os conselhos federais e estaduais saíram em defesa do mercado de trabalho do
psicólogo, não só no setor de saúde, mas também nas escolas e empresas.
Os psicólogos foram obrigados a buscar novas formas de inserção no trabalho devido
ao grande número de profissionais lançados no mercado, levando a desvalorização desses
títulos. Há também a perda de prestígio e de valor no mercado das profissões por ela se firmar
como uma profissão feminina.
O que também auxiliou a inserção do psicólogo no campo da saúde foi o processo de
difusão da psicanálise, que ocorreu em resposta a uma necessidade social de orientação das
pessoas afetadas pela modernização acelerada experimentada pela sociedade brasileira a partir
da década de 50, período em que ocorreram transformações políticas e desenvolvimento
econômico e, cujo lema se fazia representar pelos ideais da mudança, modernização e
progresso, altamente difundidos nas classes médias (DIMENSTEIN, 1998).
Devido a essa abertura do mercado de trabalho para o psicólogo, aconteceu também a
abertura de inúmeros cursos na área hospitalar, expandindo sua prática para além do
tratamento da doença mental. Tais fatores contribuíram para a entrada do psicólogo na área da
assistência pública à saúde, principalmente nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Porém,
nesta época o tempo de inserção dos psicólogos nas UBS é relativamente pequeno, existindo
poucos profissionais atuando na área, apesar de estar iniciando um aumento.
Há certas dificuldades enfrentadas pelos psicólogos na realização da Psicologia nas
Unidades Básicas de Saúde que podem estar relacionadas à inadequação de sua formação
acadêmica para o trabalho no setor. As origens dessa crise devem ser buscadas nas práticas da
profissão. Havia uma predominância no campo da Psicologia de enfoques em que o indivíduo
é tratado como um ser abstrato e sem história, desvinculado de seu contexto social, como se
todas as pessoas fossem iguais em toda época e em todo lugar. Trabalha-se também com o
conceito universal de cura das doenças que nem sempre são iguais em todos os pacientes.
Assim, a Psicologia se dizia uma ciência neutra e apolítica, quando realmente se
encontra envolvida pela ideologia dominante, como pode ser verificado na época da ditadura
militar, quando os psicólogos funcionavam como instrumento de controle social. Aqui, podese notar que essa neutralidade almejada pelos psicólogos era algo impossível, já que ele
também era um sujeito ativo nesse processo.
32
O conceito de sujeito, por exemplo, exerceu e ainda exerce grande influência no
trabalho do psicólogo. Este estava ligado à idéia de um indivíduo autônomo, senhor de si e
independente, ou seja, ausente de vínculos e dos determinismos universalmente definidos pela
cultura, que marca a ideologia ocidental moderna. Nesta, havia a predominância de uma
configuração particular - o indivíduo, moralmente autônomo, pré-social, despido de
transcendência, possuidor de direitos e deveres. Este ideário possibilitou a emergência de um
campo de saberes psi e, conseqüentemente de um tipo de subjetividade específica dentro das
sociedades modernas, ou pelo menos, em um dos seus segmentos, da classe média urbana.
Existe também a influência da Psicanálise, que com a idéia do inconsciente veio
empreender a problematização e superação da visão consciencialista do ser humano, cujas
implicações foram as idéias de que o sujeito é movido por forças que desconhece; o
verdadeiro sentido de suas experiências está onde sua consciência não pode chegar; ele é um
trágico personagem sempre tentando compreender e interpretar as motivações desconhecidas
que o governam (BEZERRA, 2001). Então, o indivíduo racional, autônomo, senhor de si, não
passaria de uma ilusão, pois o inconsciente é justamente o que determina suas motivações e
ações. A psicanálise, então, vem falar de um sujeito clivado, cindido, autodeterminado; vem
falar de um sujeito despossuído subjetivamente e dotado de uma interioridade psicológica
singular, a qual está condenado e que o diferencia dos demais seres humanos (DIMENSTEIN,
1998).
Esta concepção de subjetividade só foi possível emergir num contexto historicamente
datado e circunscrito, onde as idéias próprias ao ideário individualista vigoravam, isto é, a
idéia de um indivíduo livre, independente, igual a todos os outros, porém singular, pois é
dotado de uma interioridade ímpar.
A difusão dos ideais analíticos da década de 50 terminou por oferecer referenciais
estéticos, modelos identificatórios, ou seja, produziu uma representação ideal de sujeito, o
sujeito psicológico, e de práticas baseadas neste modo particular de subjetividade, que no caso
dos psicólogos, tornaram-se hegemônicas e definidoras de sua identidade. Existe uma
problemática em relação à hegemonia desta concepção de subjetividade no campo psi, na
medida em que ela não é contextualizada, ou seja, na medida em que ela é universalizada
como se fosse o único modelo de subjetividade possível, desprezando-se assim, a
complexidade e a multideterminação do processo de subjetivação, este entendido por
Dimenstein como engendrado por determinantes sociais - históricos, políticos, ideológicos, de
gênero, de religião, conscientes ou não. Desta forma, em diferentes contextos culturais,
diferentes subjetividades são produzidas (DIMENSTEIN, 2000).
33
Resumindo, pode-se dizer que a Psicologia cresceu comprometida com o capital e o
consumo, servindo principalmente de suporte científico das ideologias dominantes e de
auxílio na perpetuação do status quo ao longo do seu percurso de legitimação social. Em
função disso, considera-se que a Psicologia muito pouco exerceu um papel questionador e
transformador das instituições e das relações pessoais e contribuiu mais para a reprodução das
estruturas sociais e das relações de poder, pois na maioria das vezes, o psicólogo não tinha
claro como o conhecimento que utilizava (técnicas e conceitos) era produzido e a quem
beneficiava, de maneira que terminava contribuindo para o controle social da população. Isso
se iniciava na universidade com a adesão cega a teorias, técnicas, modelos e rituais
profissionais que condicionavam determinadas classes de respostas, consideradas suficientes e
adequadas para explicar os problemas, independentemente de quem os apresentavam e de
suas características. Assim, o poder era exercido, encoberto por uma formação que em muito
contribui para ausentar o profissional da sua responsabilidade social e pessoal. A Psicologia
acabava servindo ao sistema vigente, fazendo que ocorra uma adaptação a este
(DIMENSTEIN, 2000).
A imagem social da profissão era associada à prática psicoterápica individual, na
busca de ajustamento, já que existe a grande influência dos valores individualistas, do modelo
de atuação liberal privatista e do referencial psicanalítico. E este modelo clínico de atuação
privada principal entre os psicólogos - a psicoterapia individual de base psicanalítica - era
geralmente transposto para o setor público, tanto para postos, centros e ambulatórios de saúde,
independentemente dos objetivos dos mesmos e da população neles atendidas, tendo algumas
conseqüências importantes como não saber lidar com a demanda da população atendida.
Consequentemente havia uma baixa eficácia das terapias e alto índice de abandono dos
tratamentos, além de uma psicologização dos problemas sociais e seleção e hierarquização da
clientela (DIMENSTEIN, 1998).
Assim, uma das primeiras dificuldades com que o psicólogo se deparou no serviço
público de saúde diz respeito ao comportamento da clientela se distinguir do esperado por ele,
ou seja, ele se deparou com um grande número de faltas às consultas, atrasos freqüentes,
dificuldades de comunicação, resultados aquém dos pretendidos, além de um grande número
de abandono dos tratamentos; comportamento que na maioria das vezes pode ser atribuído à
falta de interesse ou capacidade de compreensão dos pacientes para a tarefa terapêutica. Além
disto, o psicólogo se viu diante de problemas que escapavam ao domínio específico da clínica,
referentes às condições de vida da população, as quais têm implicação nos problemas trazidos
até a instituição de saúde.
34
Quando os psicólogos colocaram suas técnicas e teorias psicológicas no atendimento
das camadas populares, partiram do pressuposto que esta população compartilhava da mesma
visão de mundo, que ela tinha as mesmas representações de saúde/doença, corpo etc., e o
mesmo modelo de subjetividade que fundamentava suas formas de atuação. Isto se deveu ao
fato de que partiam de uma perspectiva universalista-essencialista em torno da natureza
humana e de uma crença na eficácia dos procedimentos psicoterápicos de qualquer natureza.
Desta forma, ficavam incapacitados de perceber que nem sempre esse arsenal teórico-técnico
era adequado para as ações específicas do campo da assistência pública à saúde e para a
clientela que freqüenta estas instituições. Ou seja, as diferenças de classe e cultura impunham
uma diversidade cultural entre profissionais e pacientes, que resultava, geralmente, em
intervenções e estratégias de ação descontextualizadas.
Era preciso que terapeutas e pacientes compartilhassem de um mesmo "projeto
psicoterápico", que se fundamentava em quatro noções fundamentais: causalidade, cura,
tempo-memória e indivíduo. Ou seja, pacientes e terapeutas deviam partilhar das mesmas
idéias de causalidade e cura, acreditarem que estão nas experiências passadas as raízes do seu
sofrimento atual e se apresentarem como um indivíduo autônomo, dotado de uma
interioridade, capaz de mudar o curso da sua história (DIMENSTEIN, 2000).
Uma outra conseqüência da cultura profissional do psicólogo no campo da assistência
pública à saúde diz respeito à psicologização dos problemas sociais, onde as dimensões
culturais, históricas e políticas dos comportamentos não eram consideradas em uma análise.
Ele se detinha exclusivamente no domínio da sua especialidade, favorecendo mais ainda a
fragmentação dos saberes e serviços na instituição de saúde. Assim, terminou por limitar cada
vez mais sua atuação às técnicas próprias à sua disciplina, seu espaço concreto de atuação
ficando, conseqüentemente, mais isolado dos outros profissionais e da comunidade
(DIMENSTEIN, 2000).
Porém, ocorreram mudanças relativas ao conceito de subjetividade. Foucault, por
exemplo, pensou na subjetividade como processo, onde o sujeito não é mais visto como
universal e a-histórico, igual em todo momento e lugar. Para ele a subjetividade é influenciada
pelas diversidades culturais e pelas práticas reais que contêm o social e a história de um
indivíduo. Assim, os conceitos de abstração e universalidade estão sendo refletidos, até
mesmo em algumas teorias mais tradicionais. O homem passou a ser pensado como uma série
de efeitos que envolvem sua experiência particular e, também, no social (FERREIRA NETO,
2004).
35
1.4 O trabalho do psicólogo no campo da Saúde Mental
Na saúde mental pode-se perceber o trabalho do psicólogo vinculado ao saber médico
psiquiátrico, isto porque foi na Psiquiatria que os conceitos de doença mental e de saúde
mental surgiram, assim como também as técnicas e as práticas de tratamento. No entanto, é
necessário que o psicólogo se desvincule e faça adaptações e mudanças que lhe permitam ter
sua própria técnica e práticas relacionadas ao tratamento da doença mental, que considerem
principalmente o sujeito e não o seu diagnóstico (SILVA FILHO, 2001).
Primeiramente, o trabalho do psicólogo limitava-se ao atendimento clínico, às
psicoterapias. Havia grandes dificuldades relativas à formação profissional que era voltada
para o atendimento das camadas média e alta da população. Quando o psicólogo se via diante
das demandas de um tratamento mental, encontrava precariedade e pobreza. Também não
havia preparo para o tratamento de psicóticos e de neuróticos graves. Isso só era alcançado
através dos cursos de graduação e de especialização, portanto, existia um caráter extrauniversitário (FERREIRA NETO, 2004).
O contexto atual de saúde pública requer novas habilidades dos profissionais e uma
nova formação nas universidades, buscando modelos mais ampliados de atuação que
contribuam para a melhoria das condições de saúde e da qualidade de vida da população. Os
psicólogos precisam incorporar uma nova concepção de prática profissional, associada ao
processo de cidadania, de construção de sujeitos com capacidade de ação e de proposição.
Isso implica em romper o corporativismo, as práticas isoladas e a identidade profissional
hegemônica vinculada à do psicoterapeuta (DIMENSTEIN, 2001).
Tais considerações nos levam a refletir sobre como as mudanças na formação do
psicólogo poderiam ocorrer, como formar as novas subjetividades exigidas pelo setor da
saúde e, principalmente, como mobilizar os próprios profissionais para tais questões e
também as instituições responsáveis por sua formação.
Para a formação de profissionais comprometidos é preciso uma tomada de posição que
exige ação e reflexão. O sujeito deve desenvolver um pensamento crítico sobre si mesmo e
sobre suas relações sociais, situando-se no tempo histórico e em relação aos determinantes
culturais, políticos e econômicos que influenciam seu modo de posicionar-se no mundo
(DIMENSTEIN, 2001).
Assim, o estudo do papel do psicólogo nas instituições de saúde mental se faz
necessário em decorrências das mudanças que vêm acontecendo na área. Visa-se assim,
36
possibilitar um maior conhecimento de como os psicólogos vem sendo formados e de como
tem se comportado nesse cenário de intensas transformações.
1.5 Problema
Como os psicólogos que trabalham em Hospitais Psiquiátricos e nos Centros de
Atenção Psicossocial (CAPS) compreendem o binômio saúde e doença mental e como
justificam suas práticas?
37
2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
Este trabalho tem o objetivo de analisar o papel do psicólogo nas instituições de saúde
mental, como hospitais psiquiátricos e CAPS, a partir da história da saúde mental no Brasil,
da formação do psicólogo e da comparação da visão que os psicólogos possuem das
instituições.
2.2 Objetivos Específicos
Investigar as características da formação do psicólogo para a prática nas instituições de
saúde mental.
Comparar a visão dos psicólogos do CAPS com a visão dos psicólogos dos hospitais
psiquiátricos sobre saúde mental e doença mental.
Verificar como foi o caminho da transformação da prática do psicólogo na saúde
mental.
38
3 METODOLOGIA
3.1 A Análise do Discurso e o Construcionismo
A pesquisa realizada forneceu dados sobre o discurso e qual o sentido da saúde mental
e da doença mental, ambos produzidos cotidianamente através da prática dos profissionais da
Psicologia. Dessa forma, o trabalho desenvolvido no dia a dia gera formas de conhecimento
baseados na posição que os sujeitos ocupam e nas relações que desenvolvem com o outro.
Assim, foi utilizado um método que auxiliou na análise da construção dos sentidos produzidos
e a verificação da posição que o profissional ocupa, fazendo uma analogia entre as instituições
CAPS e Hospital Psiquiátrico.
Na pesquisa construcionista, tanto o sujeito como o objeto são construções sóciohistóricas que necessitam ser desproblematizadas ou desfamiliarizadas para identificar as
bases e os “mecanismos” dessas descontruções. Isto implica a crítica da concepção de verdade
como conhecimento único e absoluto, já que se trata de algo construído e relativo aos seres
humanos de uma época, expostos a moralidades e convenções. O foco central para a análise
construcionista são as práticas discursivas que utilizam de ações, linguagens, escolhas e
contextos que permitem um entendimento da produção de sentidos no cotidiano (SPINK e
FREZZA, 2000).
Então:
A produção de sentidos é tomada, portanto, como um fenômeno sociolingüístico uma vez que o uso da linguagem sustenta as práticas sociais geradoras de sentido - e
busca entender tanto as práticas discursivas que atravessam o cotidiano (narrativas,
argumentações e conversas, por exemplo), como os repertórios utilizados nessas
produções discursivas. (SPINK e FREZZA, 2000, p.42)
Segundo Spink e Frezza (2000), as práticas discursivas podem ser definidas como a
linguagem em ação, ou seja, o modo pelo qual o indivíduo constrói sentido e se posiciona nas
suas relações sociais. Tem como base a dinâmica, isto é, os enunciados guiados por vozes; as
formas, que são os speech genres ou Gêneros de Fala, entendidos como conceitos que
enfocam o tradicional gerado pelos processos de institucionalização; e os conteúdos, que
tratam dos repertórios interpretativos.
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As vozes abarcam os interlocutores presentes no diálogo e está associada ao
enunciado, antecedendo-o, sendo este caracterizado como ponto de partida para o
entendimento da dialogia; são as palavras e expressões pronunciadas em ações localizadas. Já
os repertórios interpretativos são as unidades de edificação das práticas discursivas, baseadas
nas situações em que se constituíram e nos estilos gramaticais utilizados, permitindo
identificar o múltiplo repertório encontrado na comunicação cotidiana.
A perspectiva construcionista privilegia a relação dialética entre a esfera individual e
social e, também, a relação dialética entre pensamento e atividade. O indivíduo é ativo à
medida que dá sentido aos objetos sociais, materiais ou ideacionais que o rodeiam e ao criar o
mundo social através de sua atividade (SPINK, 2003).
O sentido é uma construção social, um empreendimento coletivo, por meio do qual
as pessoas, na dinâmica das relações sociais, historicamente datadas e culturalmente
localizadas, constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as
situações e fenômenos a sua volta. (SPINK, 2004, p. 48)
3.2 Instrumentos de coleta de informações
Foram utilizados questionários formulados com perguntas sobre o tema saúde mental e
doença mental e a prática das entrevistadas, que são psicólogas que trabalham em Hospitais
Psiquiátricos e em CAPS.
Entre os subtemas abordados nos questionários estão: o trabalho desenvolvido na
instituição, a concepção de doença mental, a concepção de saúde mental, a formação do
profissional e o conhecimento sobre a proposta antimanicomial.
Para a análise, foram elaborados mapas de associação de idéias a partir das respostas
obtidas (cf. SPINK, 1999).
3.3 Procedimentos
Primeiramente foi estabelecido contato com as psicólogas via telefone e, em seguida,
os questionários foram enviados via correio e via internet, por e-mail.
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Foi solicitada a adesão ao termo de consentimento, como uma declaração de aceitação
na participação da pesquisa, que foi enviado juntamente com os questionários e devolvidos
também via internet ou correio.
Foram contatados cinco CAPS e um hospital psiquiátrico no estado de Minas Gerais e
cinco CAPS e três hospitais psiquiátricos no estado de São Paulo. Houve algumas resistências
e falta de interesse por parte de alguns psicólogos, que não aceitaram participar da pesquisa,
ocorrendo várias tentativas de aceitação sem sucesso, principalmente com funcionários de
Hospitais Psiquiátricos. Inicialmente, até demonstravam certo interesse, mas não o suficiente
para participarem da pesquisa. Não foram encontrados psicólogos que trabalhassem nas duas
instituições simultaneamente, apesar da procura, considerando que poderia ser algo
enriquecedor para a pesquisa. Obteve-se retorno de apenas quatro sujeitos, sendo duas de
hospital psiquiátrico e duas de CAPS. Assim, diante do número de sujeitos que se dispuseram
a participar, considera-se este estudo um exercício no qual se pretendeu mostrar a maturidade
intelectual da autora no campo da psicologia e a habilidade ou capacidade de compreensão da
produção de sentidos que sujeitos psicossociais elaboram a respeito da temática abordada, ou
seja, acerca dos conceitos saúde e doença mental segundo a visão de psicólogos que
trabalham em diferentes contextos, CAPS e hospitais psiquiátricos.
As respostas obtidas nos questionários foram tratadas segundo o método de análise de
Spink, os mapas de associação de idéias, que objetivam sistematizar o processo de análise em
busca dos repertórios utilizados, dos aspectos formais da construção lingüística e da dialogia
implícita na produção do sentido. Primeiramente, são definidas as categorias gerais, refletindo
os objetivos da pesquisa. O diálogo e sua seqüência são mantidos intactos para que os
conteúdos não sejam descontextualizados. Isto pode ser verificado no apêndice, através dos
mapas.
Então, da leitura das respostas, pôde-se depreender duas categorias, compreendidas
em:
a) Compreensão Teórica e
b) Compreensão Prática.
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4 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir das respostas contidas nos questionários, foi feita uma investigação das
práticas discursivas, dos sentidos construídos cotidianamente no trabalho nas diferentes
instituições, CAPS e Hospital Psiquiátrico (HP). Para identificar os sujeitos foi utilizada a
abreviação s. seguida de um número. Os sujeitos 1 e 2 são profissionais de CAPS e os sujeitos
3 e 4, de Hospitais Psiquiátricos e todos do sexo feminino. Não foram encontradas
participantes que trabalhassem em ambos os contextos simultaneamente. A análise dos
discursos foi realizada através do desenvolvimento dos seguintes itens:
a) Compreensão sobre a saúde mental, a doença mental e o Movimento Antimanicomial;
b) Formação e papel do psicólogo nas Instituições de Saúde Mental;
c) Conseqüências do trabalho desenvolvido para os usuários e suas famílias.
O discurso de cada uma das participantes reflete o contexto em que atuam e segundo
Spink (2003) é através dele que as representações sociais, ou seja, formas de conhecimento
prático ou saber do senso comum são acessados. São estas representações que orientam o
sujeito em seu mundo material e que possibilitam a comunicação entre os membros de um
grupo.
Para Lane (2004), a relação entre a linguagem e o mundo material sofre interferências
das posições sociais ocupadas pelos sujeitos. O discurso encontra-se sempre em confronto
com um mundo permeado por significações já impostas, em que sentidos já estão produzidos
e a ideologia de uma sociedade se reproduzirá através deles. Então, compreender as
representações sociais significa conhecer não só o discurso mais vasto, mas também a
situação que define o indivíduo que as produz. Daí a importância de se verificar onde os
discursos produzidos foram obtidos, CAPS ou Hospital Psiquiátrico.
4.1 Compreensão sobre a Saúde Mental, a Doença Mental e o Movimento
Antimanicomial
A compreensão de tais conceitos é um elemento importante para o desenvolvimento
do trabalho e na construção de sentidos sobre este. Os discursos foram construídos sobre uma
concepção teórica, buscando explicar conceitualmente sua compreensão e outra, prática, onde
42
são expostos procedimentos ou fatos ocorridos para responder às perguntas. As psicólogas de
HP fizeram uso de compreensões teóricas, enquanto as profissionais do CAPS apresentaram
uma maior compreensão prática. Também foram obtidas respostas em que apareceram as duas
construções.
A saúde é vista pelas psicólogas que atuam tanto em CAPS quanto em HP como
equilíbrio e adaptação do corpo e da mente ao contexto em que o indivíduo se encontra de
acordo com as suas possibilidades. Porém s.3 possui uma visão mais simplificada,
restringindo sua resposta à “equilíbrio dos aspectos bio-psico-sociais do indivíduo em
questão”. Aqui, se pode relacionar tal construção com o que Ferreira Neto (2004) afirma:
constitui uma leitura que se encontra relacionada ao conceito proposto pela Organização
Mundial de Saúde (OMS), caracterizando uma forma primária de defini-la, ligando “bio” ao
tratamento médico, “psico” ao psicológico e “social” à assistência social. Hoje se trata de algo
muito mais abrangente, procurando trabalhar com a transdisciplinaridade na saúde o que
requer a integração de vários profissionais, envolvendo além da área médica, psicológica e da
assistência social, outros profissionais como nutricionistas, fisioterapeutas, terapeutas
ocupacionais e fonoaudiólogos. Ambos desenvolvendo um trabalho conjunto, que vise
melhorar a qualidade de vida da população atendida.
S.2 faz uma crítica ao modelo médico assistencialista: “o foco da atuação sai da cura
e passa à promoção da saúde. Aqui a figura do médico e da medicação ganham um contorno
mais real. Deixam de ser a única possibilidade terapêutica e passam a fazer parte de um rol
de técnicas e abordagens que a equipe de saúde mental pode lançar mão para atingir seu
objetivo...” Essa compreensão, outras vezes ainda encontrada no discurso de s.2, mostra a
existência de uma reflexão onde o indivíduo passa a ser considerado como sujeito e não mais
como um diagnóstico. Também expõe uma concepção sobre a atuação do psicólogo não
limitada, pois ele pode fazer uso de vários instrumentos como método terapêutico.
A visão das profissionais do CAPS mostra bem as transformações ocorridas no modo
de pensar o trabalho do psicólogo nas instituições de saúde, conseqüência da Reforma
Psiquiátrica que ainda vem sendo implantada no país. Há toda uma problematização que
envolve o sujeito em sua construção histórica e cultural, não sendo este mais visto como
autônomo, responsável por si próprio, independente e sem vínculos culturais e sociais. Essa
modificação ocorre após a influência da Psicanálise, quando o conceito de inconsciente é
dado como determinante das ações humanas e se inicia o conhecimento de um sujeito
singular, porém, ainda não contextualizado. Essa mudança na percepção das psicólogas em
relação à subjetividade vem comprovar o que foi dito por Ferreira Neto (2004) em relação à
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questão das mudanças no conceito de subjetividade, em que o psicólogo passa a refletir não só
sobre as questões individuais do sujeito, como também sobre as suas experiências coletivas,
ou seja, considera os determinantes sociais, históricos, ideológicos e culturais a que está
inscrito.
Esta mudança também se reflete no entendimento da doença mental, apresentado pelas
psicólogas de CAPS que consideram que o foco de atenção não é o doente, mas sim o sujeito
que está doente. Este não deve ser excluído e estigmatizado, pois possui direitos iguais a
todos os outros usuários de qualquer serviço de saúde. Já as psicólogas dos HP compreendem
a doença mental como um desequilíbrio das funções psicológicas, biológicas e sociais,
enxergando o sujeito em sua doença, só podendo regressar à vida social quando curado:
“Podem ser tratadas e seus portadores podem levar uma vida saudável interagindo
socialmente”. (s.4)
No decorrer da prática profissional as psicólogas obtiveram transformações no seu
modo de compreender a saúde e a doença mental. As profissionais do CAPS dizem ter
adquirido uma concepção mais humanizada e empática, através de leituras, da convivência e
da própria prática na instituição. Além disso, s.2 faz uma crítica aos tratamentos agressivos
que eram dedicados aos usuários e à classificação estipulada pelo CID-10, em que o indivíduo
perde sua identidade, sendo visto apenas através de seu diagnóstico: “saúde mental é uma
questão complexa, que envolve vários aspectos da vida de uma pessoa e não só a existência
de um F alguma coisa”. As profissionais do HP parecem manter ainda uma visão ligada aos
conceitos equilíbrio/ desequilíbrio das funções biológicas, psicológicas e sociais, tendo s.3
fornecido uma resposta evasiva, apenas salientando que o tratamento deve abranger usuário e
família.
O Movimento Antimanicomial é compreendido, tanto para as profissionais do CAPS
quanto do HP, como algo positivo, humanizador, uma crítica ao modelo asilar manicomial
visto como um desrespeito à liberdade humana. Apesar de enfrentar muitos obstáculos,
caminha aos poucos e precisa do apoio da sociedade em geral. Aqui foram levantadas
questões políticas, econômicas, culturais, sociais e éticas, como a posição ocupada pelos
médicos frente ao usuário, por exemplo: “apesar de, atualmente, vivenciarmos uma retomada
da medicalização da doença mental e do social, embalada pelas discussões dos psiquiatras
mais radicais.” (s.2). Essa reflexão comprova que a transformação da relação entre sociedade
e loucura exige ousadia por parte dos trabalhadores que precisam romper com o antigo
sistema manicomial e entrar na luta de implantação das novas políticas que estão surgindo.
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Trata-se de uma experiência que ultrapassa o âmbito da assistência e alcança discussões sobre
relações humanas, cidadania e ética.
As discussões sobre o Movimento Antimanicomial, segundo as psicólogas, são
acompanhadas por elas através das publicações do CRP (Conselho Regional de Psicologia) e
de fóruns, congressos e outros eventos referentes ao tema; porém as psicólogas do CAPS têm
sua participação ampliada, buscando conhecimentos fora da instituição em que trabalham,
como em Belo Horizonte e São Paulo, sendo incentivadas por estas, enquanto as psicólogas
de HP participam apenas de debates entre a equipe multiprofissional das próprias instituições
em que atuam.
4.2 Formação e prática do psicólogo nas instituições de Saúde Mental
O processo de formação das profissionais pode determinar o tipo de trabalho que
desenvolvem nas instituições em que estão inseridas, por conseguinte se faz necessário
verificar como se deu tal processo e quais as possíveis conseqüências deste na prática
profissional.
Todas as participantes, mesmo que não tenham feito cursos de especialização antes de
iniciarem seu trabalho na instituição, o que foi relatado por s.2 e s.4, deram continuidade ao
processo de formação participando de congressos, palestras, mini-cursos, cursos de
especialização e atualização relativos ao tema saúde mental, de acordo com as possibilidades
encontradas por cada uma delas.
A prática das psicólogas nas instituições se dá de diferentes formas, tendo as que
atuam em CAPS oferecido respostas mais objetivas, que atendem à proposta da pergunta,
como s.1 que fornece os seguintes dados: atendimento em grupo, palestras, grupos de família,
visitas domiciliares, assembléias, reunião técnica, oficinas terapêuticas, passeios. Ou ainda
s.2: acolhimentos, grupo psicoeducativo, oficina de jornal, psicoterapia individual e familiar,
trabalho de referência de caso e acompanhante terapêutico, visitas e atendimentos
domiciliares, também ministra aulas e supervisiona estágios. Existem práticas comuns como
visitas domiciliares e oficinas terapêuticas. Nota-se que o papel do psicólogo, antes
considerado algo relativo somente ao atendimento individual clínico, atinge um âmbito
diversificado, trabalhando-se não só com as questões individuais quando possível, mas
também com as questões de reinserção social tanto com o usuário quanto com a família deste,
oficinas de reabilitação, integração e interação entre a equipe que trabalha na instituição.
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Enfim, são desenvolvidos trabalhos que contextualizam toda a problemática do sujeito e
mostram uma maior flexibilidade de atividades por parte da profissional.
Diferentemente, as psicólogas do HP ofereceram respostas em que seu trabalho parece
limitado por não fornecerem muitos detalhes, assim s.3 relata seu trabalho como a atuação em
equipe multiprofissional, visando atingir o paciente e a família e s.4 como um amplo trabalho
a ser realizado através da psicoterapia breve:
“visa desenvolver no paciente o reconhecimento da necessidade de ajuda, reflexão
acerca dos próprios problemas, estabelecer maior contato de si mesmo, lidar de
forma menos sofrida com as dificuldades, possibilitar a existência de um espaço
para expressar suas angústias, relacionar-se com o grupo, procurando desenvolver o
sentimento de pertencer à sociedade, alívio dos sintomas, restaurar o nível de
funcionamento que existia anteriormente da doença; dentro de uma psicoterapia
breve ( período de internação de quinze a vinte dias).” (Conf. ap. pág. 52)
Então, através do discurso de s.4 percebe-se que seus trabalhos também não se
restringem ao atendimento individual psicoterápico, mas não há como citar que tipo de
trabalho elas desenvolvem nas instituições, já que não foi obtida uma descrição mais
detalhada.
Todas as tarefas que desempenham nas instituições estão de acordo com sua formação
profissional, sendo que apenas s.3 levanta a questão da necessidade de uma reflexão sobre o
assunto: “Frequentemente nos deparamos com situações em que essa reflexão existe, é
necessária, e conduz a um crescimento profissional e da Equipe de trabalho”. Esta discussão
parece-nos importante na medida em que toca a questão do sentido da prática do psicólogo. É
preciso buscar novas formas de intervenção, como por exemplo, a participação dos psicólogos
na realização das tarefas cotidianas dos usuários, o que poderia auxiliar a criação de vínculos.
Tudo isso acompanhado de muitas reflexões e discussões para que não ocorra um desvio de
função, mas, ao mesmo tempo tentando superar os lugares instalados e inacessíveis em que se
colocam alguns profissionais.
Todas as profissionais entrevistadas buscam aperfeiçoar seus conhecimentos, o que
pode estar contribuindo para a melhoria das condições de saúde e da qualidade de vida da
população atendida, um dos objetivos da Luta Antimanicomial. Além disso, apresentam em
seus discursos uma preocupação com o processo de humanização da saúde, que envolve um
tratamento igualitário a pacientes que possuem um histórico de exclusão social tão amplo.
Não foram obtidas respostas que confrontassem a predominância da psiquiatria sobre a
prática dos psicólogos, com exceção do discurso de s.2 que, algumas vezes criticou o modelo
médico assistencialista e a postura radical de alguns psiquiatras. Isso parece demonstrar a
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conexão entre técnicas e práticas de tratamento mental com o saber psiquiátrico, já que foi na
Psiquiatria que os conceitos de saúde e doença mental surgiram, como já foi elucidado no
referencial teórico deste estudo. O psicólogo só conseguiu introduzir-se no setor da saúde
mental na década de 70, quando o modelo hospitalocêntrico assistencialista iniciou um
processo de colapso e houve a necessidade da criação de equipes multiprofissionais,
ocorrendo então, a inserção do psicólogo.
4.3 Conseqüências do trabalho desenvolvido para os usuários e suas famílias
As conseqüências das práticas psicológicas desenvolvidas nas instituições tanto para
os usuários quanto para as suas famílias são relevantes, pois podem influenciar o seguimento
do trabalho do psicólogo. Foram obtidas respostas variadas, em que não foi encontrado um
ponto comum entre elas, a não ser o da prática ser vista como algo positivo. Assim, s.1
reconhece a necessidade da formação de vínculos entre CAPS, usuários e as famílias para que
o tratamento seja bem sucedido, podendo se formar tal vínculo através das visitas
domiciliares, de esclarecimentos dados às famílias e da participação da família nos passeios
terapêuticos; s.2 deixa clara a sua gratificação ao ver que os resultados de seu trabalho é
positivo, o que pode ser verificado no resultado das intervenções; s.3 usa o trabalho que
desenvolve como ponto de referência não só para os usuários e familiares como também para
os demais serviços de saúde da comunidade e s.4 cita a flexibilidade das atividades que são
desenvolvidas, visando atender aos usuários e às famílias destes.
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5 CONCLUSÃO
A partir da investigação obtida pelo trabalho foi percebido que o campo da saúde
mental é composto pelo confronto de discursos diferentes, mas que em algumas situações se
tornam congruentes.
Assim, percebe-se que trabalhar em um CAPS ou em um hospital psiquiátrico
influencia os discursos das profissionais em relação à assistência à Saúde Mental. As
psicólogas do CAPS, além de terem demonstrado um maior envolvimento com a pesquisa, o
que pode ser comprovado pelo maior uso de um discurso prático, apresentando maior abertura
à exposição, mostraram estarem mais aptas a trabalhar com as transformações conseqüentes
de movimentos como a Reforma Psiquiátrica e a Luta Antimanicomial. Também possuem
uma visão mais direcionada ao tratamento do indivíduo como um sujeito que se encontra
inserido num contexto histórico e social, que ao mesmo tempo em que é transformado por
esse contexto, também é produtor, através de suas ações.
As psicólogas que atuam em hospitais psiquiátricos, apesar de procurarem se atualizar,
apresentaram um discurso mais reservado que não forneceu dados coniventes com o objetivo
da pesquisa, ou seja, da possibilidade de uma maior exploração. O discurso apresentado de
maneira mais teórica, por meio de terminologias técnicas, parece demonstrar uma tendência
de defesa, como forma de evitar contradições, constrangimentos e uma maior exposição.
Também foi constatado que a prática psicológica não mais se restringe ao atendimento
individual, tendo se estendido a outras tarefas como o trabalho com a reinserção social,
atendimento às famílias dos usuários, oficinas de reabilitação, enfim, tratamentos que
consideram o sujeito situado num contexto mais amplo, que não seja só a da sua
singularidade.
As participantes da pesquisa demonstraram ter a capacidade de refletir sobre suas
práticas e sobre a necessidade de mudanças no tratamento das doenças mentais. As críticas ao
discurso que reduz a condição do sujeito a diagnósticos cada vez mais detalhados e que
desconsideram todo o contexto cultural, econômico e político em que se encontra inserido é
um exemplo dessa reflexão. Isso pode auxiliar os profissionais a repensarem sobre suas
técnicas e teorias e sobre a necessidade da existência de um diálogo maior entre os saberes da
psiquiatria, sociologia, filosofia, psicologia social, política, economia, entre outros.
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