Ensaios e Ciência Ciências Biológicas, Agrárias e da Saúde Vol. XIII, Nº. 2, Ano 2009 Rachel Paes Guimarães Universidade Estadual de Campinas FCM / Unicamp [email protected] Thaís Botossi Scalha Universidade Estadual de Campinas FCM / Unicamp [email protected] Talita Aline Camilotti Universidade Estadual de Campinas Unicamp [email protected] Shirley Alves Mandu Universidade Estadual de Campinas Unicamp [email protected] Nubia Maria F. Vieira Lima Faculdade Anhanguera de Campinas unidade 3 [email protected] HIPOTERMIA EM MEMBRO SUPERIOR NÃO AFETADO NA HEMIPARESIA Efeitos na motricidade e sensibilidade do membro superior afetado RESUMO Objetivo: Analisar a sensibilidade e a motricidade de membro superior acometido em hemiparéticos crônicos quando aplicada a técnica de hipotermia de imersão do membro superior não acometido. Método: Estudo prospectivo com cinco pacientes hemiparéticos divididos em dois grupos, o primeiro realizando 10 sessões (n=3) e o segundo 20 sessões (n=2) compostas de hipotermia do membro não afetado simultaneamente à estimulação sensório-motora do membro superior afetado. Resultados: Houve melhora da função motora de punho e mão, bem como da função sensorial destes segmentos de forma variável entre os pacientes. Conclusão: O uso da hipotermia de imersão do membro superior não acometido mostrou melhora da motricidade e/ou sensibilidade em hemiparéticos crônicos, contudo os escores sensoriais exibiram melhores incrementos que os motores, especialmente naqueles com maior tempo de lesão. Palavras-Chave: avaliação da deficiência; acidente vascular cerebral; paresia. ABSTRACT Objective: To evaluate sensory and motor function of the affected upper limb of chronic stroke patients when the non-affected upper limb is submitted to hypothermia. Method: A prospective study with 5 stroke patients divided in 2 groups, the first submitted to 10 sessions (n=3) and the second to 20 sessions (n=2) composed of hypothermia of the not affected limb simultaneous to sensory-motor stimulation of the affected limb. Results: There was variable improvement in the motor function of wrist and hand, and improvement of the sensory function of these segments. Conclusion: The use of hypothermia and immersion of the affected upper limb showed improvement in the motricity and sensory scores in chronic stroke patients. However, the sensory scores showed better increments, particularly for those patients with longer time post-stroke. Keywords: disability evaluation; stroke; paresis; hypothermia; upper extremity. Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13278-181 [email protected] Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Relato de Pesquisa Recebido em: 24/5/2010 Avaliado em: 20/8/2010 Publicação: 6 de outubro de 2010 67 68 Hipotermia em membro superior não afetado na hemiparesia: efeitos na motricidade e sensibilidade do membro superior afetado 1. INTRODUÇÃO O Acidente Vascular Encefálico (AVE) é a causa principal de incapacidades motoras e sensitivas em adultos. Estudos demonstram que 30-60% dos pacientes que sobrevivem ao AVE apresentam déficit motor, necessitando de auxilio nas atividades de vida diária (DUNCAN, 1992). A espasticidade é um sinal freqüente pós-AVE (CRUZ, 2003), principalmente em membros superiores, gerando comprometimento da mobilidade articular, desuso, algias, incoordenação motora e diminuição da destreza do membro afetado na execução das tarefas diárias. Por sua vez, os déficits sensoriais ocorrem em cerca de 40% dos pacientes (RAND, 1999). Estudos demonstram que a soma destes déficits leva a um pior prognóstico funcional (DUNCAN, 1996; RAND, 1999). Sabe-se que a recuperação das habilidades dos membros superiores após um AVE é menos satisfatória do que aquela conseguida em membros inferiores, e aproximadamente 34% dos pacientes com déficits após AVE permanece com perda funcional significativa no membro superior (RAND, 1999). Foi verificado também que após dois meses de hospitalização, mais de 50% dos hemiparéticos permaneceram com desuso da extremidade superior, e 10% destes com comprometimento severo (RAND, 1999). Há estudos com bons resultados de programas de reabilitação de membro superior, com descrição dos métodos disponíveis e seus efeitos nas disfunções sensóriomotoras crônicas, voltados ao tratamento do membro afetado (KAWAHIRA, 2010; RICCIO, 2010). Por outro lado, com relação ao membro não afetado, a diminuição do input sensorial deste membro pode aperfeiçoar a sensibilidade do membro superior afetado em hemiparéticos, através de anestesia do membro superior não parético (Voller, 2006). Uma vez que, após lesão encefálica ocorre hiperexcitabilidade do hemisfério não afetado sobre o hemisfério acometido por aumento da inibição interhemisférica (MURASE, 2004; SHIMIZU, 2002), as propostas terapêuticas para redução desta hiperexcitabilidade sugerem a restrição do membro superior não afetado (KUNKEL, 1999) e a anestesia deste membro em hemiparéticos (VOLLER, 2006). De fato, a inibição de conexões entre os hemisférios que afetam a funcionalidade um do outro, i.e. “inibição interhemisférica” (MURASE, 2004; VOLLER, 2006), é aplicada em terapia voltada ao membro não afetado (VOLLER, 2006). Com relação às informações inter-hemisféricas, acredita-se que exista um equilíbrio entre estas, mediado pelo corpo caloso (GERLOFF, 1998; FERBERT, 1992; BORROJERDI, 1996; MEYER, 1998; MATSUNAMI, 1984; MURASE, 2004; BAUMER, 2002). Ensaios e Ciência: C. Biológicas, Agrárias e da Saúde • Vol. XIII, Nº. 2, Ano 2009 • p. 67-78 Rachel Paes Guimarães, Thaís Botossi Scalha, Talita Aline Camilotti, Shirley Alves Mandu, Nubia Maria Freire Vieira Lima 69 Vários autores citam a analgesia como um dos efeitos fisiológicos da crioterapia, além da redução do espasmo muscular e do metabolismo (KNIGHT, 1995; LEE, 1978; PINHEIRO, 2006; FILHO, 2003; SANDOVAL, 2005). Sabe-se que a velocidade das reações varia de acordo com a temperatura de um tecido, sendo que em temperaturas mais altas as reações são aceleradas, uma vez que a hipotermia lentifica a velocidade da condução nervosa das informações sensoriais, embora não a elimine totalmente. A transmissão sensorial pode ser reduzida em até 29,4% após uma aplicação fria de 20 minutos, mantendo estes resultados após 30 minutos da remoção da crioterapia (SANDOVAL, 2005). Starkey (2001) relata que, para que ocorra a redução ideal do fluxo sangüíneo local e efeitos terapêuticos sejam obtidos, a temperatura da pele deve atingir aproximadamente 13,8 ºC, ao passo que cerca a 14,4 ºC deve ocorrer a analgesia. Com relação à duração da terapia, após sete a dez minutos de aplicação da crioterapia, é possível obter analgesia. Nesta situação, os pacientes relatam sensações de frio, queimação, algia e dormência (DELISA, 2002). 2. OBJETIVO Analisar os efeitos na motricidade e sensibilidade do membro superior afetado de hemiparéticos após hipotermia do membro superior não afetado. 3. MÉTODO Trata-se de um estudo de múltiplos casos prospectivos. Os procedimentos foram executados em um ambulatório de fisioterapia e terapia ocupacional de Campinas-SP. O projeto de pesquisa foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE 0332.0.146.00009), antes de ser conduzido. Os pacientes ou familiares foram esclarecidos a respeito dos objetivos do estudo e procedimentos a serem realizados. Adicionalmente, foram asseguradas aos participantes a confidencialidade de dados pessoais e a possibilidade de esclarecimentos permanentes. 3.1. Participantes Foram incluídos indivíduos com hemiparesia secundária a AVE único, independente do hemisfério acometido, de ambos os sexos, com idade entre 20 e 70 anos, em tratamento fisioterapêutico convencional e capazes de compreender comandos simples. Os pacientes Ensaios e Ciência: C. Biológicas, Agrárias e da Saúde • Vol. XIII, Nº. 2, Ano 2009 • p. 67-78 70 Hipotermia em membro superior não afetado na hemiparesia: efeitos na motricidade e sensibilidade do membro superior afetado deveriam apresentar função motora e/ou sensorial mínima de punho ou mão que foram afetados (no mínimo 1 ponto no Protocolo de Desempenho Físico de Fugl-Meyer ou na Avaliação Sensorial de Nottingham). Os critérios de exclusão utilizados foram: AVE prévio ou cerebelar, comorbidades neurológicas centrais ou periféricas, portadores de Diabetes Mellitus, edemas ou feridas no local da aplicação da terapia, intolerância a crioterapia em geral e hipertensão arterial não controlada por fármacos. Foram selecionados, consecutivamente, cinco hemiparéticos, sendo divididos, aleatoriamente, em dois grupos: grupo que realizou 10 sessões (n=3) de hipotermia e grupo que realizou 20 sessões (n=2). 3.2. Instrumentos de medida A “Avaliação Sensorial de Nottingham” (ASN) (LIMA, 2010) possui quatro itens: sensação tátil; propriocepção; estereognosia; e discriminação de dois pontos. A subescala “Sensação Tátil” (toque leve, pressão, picada, temperatura, localização tátil e toque bilateral simultâneo nos dois hemicorpos) pode ser pontuada em 0, 1 ou 2, representando déficit severo, sensação parcial e sensação normal, respectivamente. A subescala “Propriocepção” é classificada de acordo com a execução do movimento, sua direção e a posição articular, com pontuação que varia de 0 a 3. A estereognosia é avaliada através do reconhecimento de diferentes objetos pelo hemicorpo afetado, podendo ser pontuada de 0 a 2. Finalmente, é testada a discriminação entre dois pontos no dedo indicador e região tenar, recebendo pontuação de 0 a 2. Caso não fosse possível testar algum segmento era atribuída pontuação 9, em concordância com o manual de aplicação do instrumento. Neste estudo foram testadas as seções de punho e mão. O Protocolo de Desempenho Físico de Fugl-Meyer (FM) (MAKI, 2006) mensura a recuperação sensório-motora em paciente pós-AVE. Cada item é pontuado de 0 a 2, sendo que quanto menor a pontuação pior a capacidade funcional do paciente (MAKI, 2006). Utilizamos as seções destinadas à função motora do punho e mão. 3.3. Materiais Utilizamos termômetro digital (marca Western®), recipiente plástico de formato circular com dimensão de 392 cm x 139 cm (diâmetro x altura) com capacidade total de 8.650mL, gelo, compasso, venda, caneta esferográfica, lápis, pente, tesoura, esponja, flanela, xícara, copo, bola crespa pequena e moedas de R$ 0,01, R$ 0,10 e R$ 1,00. Ensaios e Ciência: C. Biológicas, Agrárias e da Saúde • Vol. XIII, Nº. 2, Ano 2009 • p. 67-78 Rachel Paes Guimarães, Thaís Botossi Scalha, Talita Aline Camilotti, Shirley Alves Mandu, Nubia Maria Freire Vieira Lima 71 3.4. Procedimentos Realizamos uma avaliação pré-tratamento do membro superior afetado (AF) pelos instrumentos de medida escolhidos para o presente estudo. O membro superior não afetado (NA) foi avaliado pelo item tato discriminativo da ASN. O tratamento do grupo 1 ocorreu em 10 sessões, e o do grupo 2 em 20 sessões, ambos realizando duas sessões semanais com 30 minutos de duração cada. Realizamos avaliação após o tratamento para os dois grupos, além de uma terceira avaliação após um mês da avaliação pós-tratamento para o grupo dois (seguimento). Foram colocados 500 mL de gelo e 4L de água em um recipiente e, quando a temperatura atingisse 12 ºC, o punho e a mão do membro afetado eram imersos no recipiente durante 30 minutos com temperatura variando entre 8 a 12 ºC (PINHEIRO, 2006; FILHO, 2003; SANDOVAL, 2005; STARKEY, 2001). Entretanto, em algumas sessões, os pacientes não permaneceram por 30 minutos com o membro imerso, pois relataram sensações álgicas; nesses casos a terapia com gelo foi realizada em 20 minutos. Simultaneamente, foram realizadas atividades funcionais de alcance e preensão no membro afetado (MA) ou mobilização passiva das articulações, seguidas de alongamentos musculares em pacientes com espasticidade severa. Adicionalmente, era realizada a estimulação da sensibilidade com esponja, bola pequena com e sem cravos, pinceis, algodão, tapping, flanela e escova pequena. As mudanças dos escores dos instrumentos foram expressas em porcentagem. 4. RESULTADOS As características dos pacientes estão na Tabela 1. Os pacientes 1 a 3 formaram o grupo 1 e os demais, grupo 2. Tabela 1 – Características dos pacientes. Variáveis Paciente 1 Paciente 2 Paciente 3 Paciente 4 Paciente 5 Sexo M M F M F Idade (anos) 41 52 48 73 42 Tempo pós-AVE (anos) 1,5 1,5 3 18 2 Isquêmico Isquêmico Isquêmico Isquêmico Hemorrágico E E D E D Tipo do AVE Lado da hemiparesia Ensaios e Ciência: C. Biológicas, Agrárias e da Saúde • Vol. XIII, Nº. 2, Ano 2009 • p. 67-78 72 Hipotermia em membro superior não afetado na hemiparesia: efeitos na motricidade e sensibilidade do membro superior afetado Paciente 1 Este paciente executou as tarefas com o membro parético em todas as sessões, sem dificuldades. Não apresentou algias ou desconfortos durante a crioterapia de imersão, porém na primeira sessão foram necessários alguns períodos de retirada da imersão até que se adaptasse à temperatura da água. Esta última manteve uma média de 7,98 ºC, variando no decorrer do tratamento entre 5 e 12 ºC. Em sua reavaliação, este paciente teve uma evolução de 18,75% na sensibilidade tátil do membro AF. O paciente obteve melhora nos escores de discriminação de dois pontos (33%) e propriocepção de punho e mão (25%). Na avaliação de estereognosia, o paciente evoluiu em 10% do seu escore inicial e na FM obteve melhora de 16,6% na função da mão. Paciente 2 Este paciente executou as mesmas tarefas que o paciente 1, mas demonstrando maior dificuldade para executar a preensão do membro afetado. O paciente não apresentou desconforto à temperatura da água (média de 7,72 ºC, tendo variação de 3,8 ºC a 12,4 ºC). Em sua reavaliação, este paciente apresentou 42,85% de evolução da sensibilidade tátil no membro AF. Na discriminação de dois pontos apresentou melhora do seu escore do membro AF (50%). O paciente melhorou a propriocepção em 25% do seu escore inicial; na estereognosia obteve evolução de 37,5% em relação ao seu escore inicial. No Protocolo de FM, obteve uma melhora de 60% para o punho e de 56% para a mão. Paciente 3 Este paciente realizou todos os exercícios propostos, não demonstrando desconforto ou algias no membro imerso na água, cuja temperatura media era 8,38 ºC e variação entre 7,0 e 10,5 ºC. Em sua reavaliação, este paciente apresentou uma melhora de 28,57% na sensibilidade tátil do membro AF, 50% de incremento na discriminação de dois pontos, além de melhora de 25% na propriocepção. A estereognosia evoluiu 10% em relação ao escore inicial que o paciente possuía. No Protocolo de FM, o paciente não apresentou melhora da função motora de punho ou mão. Paciente 4 Este paciente executou os exercícios da terapia em 20 sessões, com algumas dificuldades de mobilização devido ao grau de espasticidade importante que apresentava. Não relatou desconforto durante imersão do membro na água, cuja temperatura média era 7,56 ºC e variação entre 6,0 e 9,5 ºC. Este paciente apresentou melhora de 41,6% na sensibilidade Ensaios e Ciência: C. Biológicas, Agrárias e da Saúde • Vol. XIII, Nº. 2, Ano 2009 • p. 67-78 Rachel Paes Guimarães, Thaís Botossi Scalha, Talita Aline Camilotti, Shirley Alves Mandu, Nubia Maria Freire Vieira Lima 73 tátil no punho e na mão do membro afetado. O paciente apresentou e manteve escore máximo na avaliação da propriocepção antes e após o tratamento, assim como no seguimento. Na estereognosia, houve melhora de 18,2%, porém sem retenção da melhora no seguimento. Na discriminação de dois pontos, houve melhora de 100% na palma da mão e de 50% na ponta dos dedos, sendo que houve retenção dos mesmos valores no seguimento. Não foi observada melhora no controle motor ativo de mão e punho afetados. Paciente 5 Este paciente apresentava predominância de déficits sensoriais com ausência de espasticidade em punho e mão afetados. Em relação aos demais pacientes, este demonstrou mais desconforto e algias no membro imerso na água, cuja temperatura média era 12,3 ºC e variação entre 10 e 14,5 ºC. No entanto, o paciente 5 realizou as 20 sessões de reabilitação sensorial. Em sua reavaliação, este paciente apresentou uma melhora de 16% na sensação tátil da mão e manteve essa melhora no seguimento. Não houve melhora na sensação tátil do punho. Na estereognosia, houve uma melhora de 43%. O paciente apresentou e manteve escore máximo na avaliação da propriocepção antes e após o tratamento, assim como no seguimento. Na estereognosia, houve melhora de 31,8% e manutenção desta melhora no seguimento. Na discriminação de dois pontos, houve melhora de 50% tanto na palma da mão, quanto na ponta dos dedos, pontuação esta mantida no seguimento. Quanto ao controle motor, houve melhora de 20% em punho e mão, e manutenção dos 20% em punho no seguimento, porém não havendo retenção dos ganhos relativos à função manual. As Tabelas 2 e 3 exibem as variações dos escores dos instrumentos de medidas para cada paciente. Ensaios e Ciência: C. Biológicas, Agrárias e da Saúde • Vol. XIII, Nº. 2, Ano 2009 • p. 67-78 74 Hipotermia em membro superior não afetado na hemiparesia: efeitos na motricidade e sensibilidade do membro superior afetado Tabela 2 – Pontuações dos instrumentos nos períodos pré e pós-tratamento dos três pacientes (grupo 1). Paciente 1 Pré Pós Paciente 2 Pré Pós Paciente 3 Pré Pós NA AF NA AF AF NA Sensibilidade Tátil 20 16 20 19 3 20 14 20 20 6 20 14 20 18 4 4,33 Discriminação de 2 pontos 3 3 4 4 1 2 1 2 3 2 3 1 3 2 1 1,33 Propriocepção -- 5 -- 6 1 -- 4 -- 5 1 -- 4 -- 5 1 1 Estereognosia -- 20 -- 22 2 -- 16 -- 22 6 -- 20 -- 22 2 3,33 Protocolo de Fugl-Meyer (punho e mão) -- 22 -- 24 2 -- 14 -- 22 8 -- 2 -- 2 0 3,33 AF NA Média Dif AF NA NA Dif AF AF Dif AF Dif AF AF Variáveis NA: Membro superior não afetado; AF: Membro superior afetado; Dif AF: Diferença de escores do membro superior afetado (entre as avaliações pré e pós-tratamento). Tabela 3 – Pontuações dos instrumentos nos períodos pré e pós-tratamento dos dois pacientes (grupo 2). Paciente 4 Pré Pós Paciente 5 Pré Pós Média Dif AF NA AF NA Dif AF AF Sensibilidade Tátil 20 12 20 18 6 20 10 20 12 2 4 Discriminação de 2 pontos 4 0 4 3 3 2 0 2 2 2 1,5 Propriocepção -- 4 -- 4 0 -- 4 -- 4 0 0 Estereognosia -- 12 -- 16 4 -- 0 -- 2 2 3 Protocolo de Fugl-Meyer (punho e mão) -- 8 -- 13 5 -- 34 -- 38 4 8,5 Variáveis NA AF NA Dif AF AF NA: Membro superior não afetado; AF: Membro superior afetado; Dif AF: Diferença de escores do membro superior afetado (entre as avaliações pré e pós-tratamento). 5. DISCUSSÃO O tratamento de hipotermia aplicado ao membro superior não afetado em pacientes hemiparéticos resultou em ganhos sensoriais e motores no membro afetado destes pacientes. Não há antecedentes, na literatura, sobre o uso da hipotermia em membros não afetados, porém há relatos de que a anestesia cutânea e o bloqueio isquêmico da mão não afetada geram melhora no desempenho motor e na discriminação tátil da mão parética de pacientes pós-AVE (VOLLER, 2006; FLOEL, 2008; SMANIA, 2003). Aparentemente, a melhora da função tátil na mão parética de pacientes hemiparéticos crônicos, submetidos à anestesia da mão não afetada, é relacionada a uma diminuição do potencial inibitório sobre a representação homóloga do hemisfério lesionado (FLOEL, 2008; VOLLER 2006). Devido ao fato de todos os pacientes do presente estudo terem apresentado melhora motora e sensorial quando submetidos à crioterapia, supõe-se que a hipotermia Ensaios e Ciência: C. Biológicas, Agrárias e da Saúde • Vol. XIII, Nº. 2, Ano 2009 • p. 67-78 Rachel Paes Guimarães, Thaís Botossi Scalha, Talita Aline Camilotti, Shirley Alves Mandu, Nubia Maria Freire Vieira Lima 75 tenha efeitos similares aos da anestesia cutânea e do bloqueio isquêmico, porém com a vantagem de ser um recurso mais acessível e não invasivo. Contudo, a ausência de grupo controle não permite a generalização dos efeitos desta técnica. Comparando os resultados dos dois grupos, é possível notar que os indivíduos do grupo 1 apresentaram melhora na propriocepção e estereognosia, ao passo que aqueles do grupo 2 revelaram melhora na sensibilidade tátil, discriminação de dois pontos e função motora de punho e mão afetados. Sugerimos que a melhora sensorial no grupo 2, especialmente da função motora, seja devido ao maior numero de sessões a que este grupo foi submetido. Para ambos os grupos, todas as modalidades sensoriais demonstraram aumento de escores, exceto a propriocepção, no grupo 2. Sendo a hipotermia um estímulo exterocepetivo, era esperado que a melhoria na propriocepção consciente não se destacasse tanto quanto as outras modalidades sensoriais. Estudos têm mostrado que pacientes com hemiparesia crônica que apresentam déficits puramente sensoriais podem desenvolver comprometimento do controle motor do membro afetado (SMANIA, 2003) e apresentar diminuição da propriocepção, além de negligência deste membro (VAN DER LEE, 2003). Como exemplo, o paciente 5 do presente estudo de caso apresentava predomínio de déficits sensoriais, mas demonstrou melhora no desempenho motor após o tratamento. Adicionalmente, mesmo aqueles pacientes com maior tempo decorrido após o AVE, apresentaram melhoria nas modalidades sensoriais, embora não acompanhada de incremento da motricidade. O incremento da sensibilidade demonstrado pelos pacientes no presente estudo foi de grande significância, e mostra que o tratamento com hipotermia é eficaz, além de ser de fácil aplicabilidade, apesar de poder causar certo grau de desconforto momentâneo ao paciente. Pesquisas sobre o tema são necessárias para análise dos efeitos da hipotermia em hemiparéticos. Uma limitação do presente estudo foi a ausência de grupo controle e a reduzida amostra analisada. Por tratar-se de uma técnica inédita, ressaltamos a importância dos resultados, ainda que em uma amostra pequena. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados do tratamento nos cinco pacientes sugerem que o uso da hipotermia de imersão do membro não acometido conduz a uma melhora da motricidade e/ou sensibilidade em indivíduos hemiparéticos crônicos. No entanto, os escores sensoriais exibiram melhores incrementos que os motores, especialmente nos pacientes com maior Ensaios e Ciência: C. Biológicas, Agrárias e da Saúde • Vol. XIII, Nº. 2, Ano 2009 • p. 67-78 76 Hipotermia em membro superior não afetado na hemiparesia: efeitos na motricidade e sensibilidade do membro superior afetado tempo de lesão. A sensação tátil e a função motora do membro acometido foram afetadas pela hipotermia do membro não afetado, mas a propriocepção consciente foi pouco alterada pela terapia, em ambos grupos. REFERENCIAS BAUMER, T.; MUNCHAU, A.; WEILLER, C.; LIEPERT, J. Fatigue suppresses ipsilateral intracortical facilitation. Exp Brain Res, v. 146, n. 4, p. 467-73, 2002. BJORKMAN, A.; ROSEN, B.; LUNDBORG, G. Acute improvement of hand sensibility after selective ipsilateral cutaneous forearm anaesthesia. Eur J Neurosci, v. 20, p.2733-2736, 2004. BORROJERDI, B.; DIEFENACH, K.; FERBERT, A. Transcallosal inhibition in cortical and subcortical cerebral vascular lesions. J Neurol Sci, v. 144, n. 1-2, p.160-70, 1996. CRUZ, C.L.; GOTARDO, C.R.O.; JORGE, S. 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Rachel Paes Guimarães Fisioterapeuta aluna de mestrado em neurociências pelo departamento de fisiopatologia médica da UNICAMP, especialista em neurologia no adulto pela UNICAMP, graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Thaís Botossi Scalha Possui graduação em Fisioterapia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2007) e pós-graduação em Ensaios e Ciência: C. Biológicas, Agrárias e da Saúde • Vol. XIII, Nº. 2, Ano 2009 • p. 67-78 78 Hipotermia em membro superior não afetado na hemiparesia: efeitos na motricidade e sensibilidade do membro superior afetado Fisioterapia aplicada a neurologia adulto pala Universidade Estadual e Campinas (2009). Talita Aline Camilotti Fisioterapeuta. Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Shirley Alves Mandu Fisioterapeuta. Especialização em Neurologia Adulto pela Unicamp (2007/2008). Graduação em Fisioterapia pelo Centro Universitário Fundação de Ensino Octávio Basto (2006). Nubia Maria Freire Vieira Lima Graduação em Fisioterapia pela Universidade Católica do Salvador (2003). Especialista em Fisioterapia aplicada a Neurologia Adulto - UNICAMP (2005). Mestre em Ciências Médicas pela UNICAMP - área de concentração Neurologia (2009). Ensaios e Ciência: C. Biológicas, Agrárias e da Saúde • Vol. XIII, Nº. 2, Ano 2009 • p. 67-78