DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM X PROMOÇÃO DA SAÚDE

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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM X PROMOÇÃO DA SAÚDE - NUMA
DIMENSÃO SÓCIO-HISTÓRICA
Adriana Liberato de Queiroz
Unifor - Brasil
[email protected]
Rosendo Freitas de Amorim
Unifor – Brasil
[email protected]
Vera Lígia Montenegro de Albuquerque
Unifor – Brasil
[email protected]
Ana Maria Fontenelle Catrib
Unifor – Brasil
[email protected]
O foco central deste trabalho constitui-se o educando que aprende com dificuldade, que vem de uma
classe social desfavorecida e que encontra possivelmente muitos obstáculos que comprometem sua
posição no mundo. Considerando que o suposto fracasso pode estar relacionado a fatores cognitivos,
afetivos, sociais, culturais, biológicos e/ou situacionais do sujeito que aprende, desenvolvemos uma
reflexão sobre a origem dessas dificuldades, as possíveis conseqüências e sobretudo a estrutura de
suas relações no contexto familiar e escolar que vem a ser o alicerce fundamental para a vida em
sociedade. Este estudo foi desenvolvido a partir de uma observação participativa numa escola pública
de Ensino Fundamental, na cidade de Fortaleza – Ceará – Brasil, realizada em novembro de 2001. Os
sujeitos da pesquisa foram seis alunos da 5ª. Série que apresentavam baixo rendimento escolar e uma
professora. Para análise dos dados utilizamos referenciais de concepções educativas e de promoção da
saúde. Os resultados revelaram a necessidade de se refletir sobre a condução do trabalho educativo, a
formação e concepção dos educadores. O grande desafio parece ser o de conhecer e superar os fatores
que interferem na vida desses sujeitos, dando-lhes condições de buscar uma vida saudável e feliz.
Palavras-chave: Aprendizagem; Déficit; Psicopedagogia; Educação; Promoção da Saúde.
1- INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa refletir os conceitos abordados e debatidos na disciplina de
Sociologia da Saúde, durante o curso de mestrado em Educação em Saúde, sobretudo os
aspectos relacionados à proposta da Educação em Saúde, articulados ao projeto de pesquisa que
desenvolvemos em uma escola pública, com alunos carentes e que apresentam baixo rendimento
escolar.
Portanto, o enfoque central deste trabalho está em torno do educando que aprende com
dificuldade, sujeito esse que vem de uma classe social desfavorecida e que encontra
possivelmente muitos obstáculos que comprometem sua posição no mundo.
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Considerando que o suposto fracasso pode estar relacionado a fatores cognitivos,
afetivos, sociais, culturais, biológicos e/ou situacionais do sujeito que aprende, cabe uma
reflexão sobre a origem das dificuldades de aprendizagem, as possíveis conseqüências e
sobretudo a estrutura de suas relações no contexto familiar e escolar que vem a ser o alicerce
fundamental para a vida em sociedade.
Entretanto, o grande desafio parece ser o de conhecer e superar os fatores que
interferem na vida desses sujeitos, dando-lhes condições de buscar uma vida saudável e feliz.
Convém ressaltar a dimensão que é dada a aprendizagem neste trabalho. Trata-se da
aprendizagem global, inerente e extremamente necessária à vida humana. Sendo retratada não
apenas pela capacidade de aprender os conteúdos escolares, mas principalmente pela habilidade
de aprender a ser, a sentir, a fazer, a pensar, a se relacionar, a buscar e a amar, ampliando a
visão de homem e de mundo para atuar de forma consciente.
É nesse sentido que se faz a articulação da Educação em Saúde com o tema em questão,
abrindo caminhos que promovam o bem-estar e a saúde daqueles que se encontram
comprometidos com o saber.
Para que haja uma maior compreensão a cerca dessa problemática, será feita uma
reflexão crítica sobre os tipos de educação em nossa sociedade; em seguida, um breve histórico
dos déficits de aprendizagem e a contribuição da Psicopedagogia, chegando até o momento
atual; depois, a importância da subjetividade e identidade do sujeito na socialização do
conhecimento; e por fim, uma proposta de Educação em Saúde relacionada ao tema da pesquisa,
mostrando como promover a saúde do sujeito que aprende.
2- REVISANDO A LITERATURA
2.1- Reflexões sobre a Educação em nossa Sociedade
Considerando que a educação exerce grande influência sobre o estilo de vida das
pessoas, podendo dar-lhes um suporte qualitativo para a convivência em sociedade, cabe
refletirmos sobre o papel que ela está desempenhando e qual a sua contribuição para o nosso
contexto social.
Para isso, faz-se necessário nos reportar à história, refletindo sobre alguns modelos e
tendências pedagógicas que se fizeram presentes em nossa educação. Entretanto, não nos
deteremos nas características individuais de cada tendência, mas em seus aspectos gerais,
mostrando a influência de duas correntes pedagógicas na formação humana, assim como na
estrutura social.
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Historicamente foram diversas propostas educativas que se puseram, num dado
momento, a fim de nortear a prática pedagógica, bem como sugerir avanços no contexto
educativo. Dentre elas, temos a Tradicional, a Escolanovista, a Tecnicista, a Libertária, a
Libertadora e a Crítico-Social dos Conteúdos. Cada uma com suas nuances e tendências
baseadas numa Pedagogia Liberal ou Progressista. Ora dogmática e autoritária, ora
socializadora, flexível e democrática.
Na realidade, algumas possuem idéias revolucionadoras, mas não se pode desconsiderar
o aspecto conservador e de manutenção do “status quo” implícito, principalmente, na Pedagogia
Tradicional.
Foram muitos os teóricos que contribuíram na formulação e solidificação dessas
tendências, destacando-se: Durkhein, Herbart, Dewey, Carl Rogers, Anísio Teixeira, Skinner,
Paulo Freire, Freinet e Libâneo.
É importante compreender que as divergentes tendências educativas incluem todo o
processo de ensino – aprendizagem, a formação do educador, as metodologias, a didática, a
relação professor – aluno, além dos fatores sociais, políticos, culturais, econômicos e
ideológicos inseridos na vida de cada indivíduo.
A influência dessas propostas se dá sob diversos aspectos, manifestando-se pelos
conhecimentos, valores, crenças, hábitos, atitudes e costumes assimilados, desencadeando a
performance social. Consta da própria formação do sujeito em interação com o meio em que
vive. Portanto, o tipo de educação que recebera irá determinar a sua visão de mundo, bem como
a sua atuação na sociedade, podendo ser autoritária e conservadora ou democrática e
transformadora, com atitudes passivas ou participativas.
Nesse ínterim, torna-se imprescindível refletirmos sobre que tipo de homem temos em
nossa sociedade atual, que formação está sendo dada aos educadores e ainda que pedagogia está
sendo praticada em nosso universo escolar.
Quanto à situação da sociedade atual, percebe-se que o tipo de homem que temos hoje é
um homem confuso de seu papel social, produto de uma educação fragmentada e da ideologia
capitalista.
Diante de tantas propostas pedagógicas progressistas, a visão tradicional e conservadora
sempre predominou. Esse homem não foi educado para exercer sua cidadania, para atuar como
sujeito social.
Contudo, percebe-se que uma pequena parcela da população busca a duras penas sua
autonomia. Mas, acredito que essa busca se dá através de um processo de conscientização, e são
poucos os que adquirem consciência de sua realidade.
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Essa visão caótica da realidade nos alerta para o conflito das pessoas que têm
dificuldade em aprender, que aprendem de forma diferente e que supostamente têm uma visão
fragmentada e distorcida da realidade. Como podem despertar a consciência para as causas
emergentes da vida? Como podem atuar ativamente em busca de suas necessidades se lhe foi
negada a oportunidade de conhecer e interpretar o mundo?
É nesse tocante que entra a figura do educador, como mediador e facilitador desse
processo. Mas será que o educador está consciente de seu compromisso social? Será que ele está
capacitado para cumprir o seu papel, uma vez que além de educador é também homem? Será
que ele está preparado para lidar com as dificuldades de seus alunos? Como se posiciona frente
ao fracasso escolar? São tantos questionamentos...
Seria pertinente uma reflexão da prática pedagógica que levasse os educadores
rigorosos a uma percepção mais ampla de seu papel, bem como despertar a sensibilidade para
compreender as diferentes formas de aprender. Assim, estaria valorizando os aspectos
individuais dos educandos e descartando a possibilidade de estigmas e de exclusão.
Entretanto, ainda existem educadores comprometidos, idealistas, que acreditam numa
educação transformadora que possa superar as condutas rígidas e alienantes. Pessoas que
vislumbram, através de teorias ricas e desafiadoras, a capacidade do homem ser sujeito ativo,
pensante e construtor de uma vida digna e mais humanizada. Prevalecendo todos os aspectos do
indivíduo nessa construção.
Partindo desse pensamento, na atualidade, temos como modelo de prática pedagógica
inovadora, o método construtivista de ensino. Esse modelo, destacado por Emília Ferreiro,
Vygotsky, Wallon e outros, vem resgatar muitos aspectos das tendências progressistas e a
valorização da criança.
O construtivismo permite a construção do conhecimento através da interação com o
outro e com o meio, abrindo espaço para o lúdico, aflorando os sentimentos e dando um
significado especial a aprendizagem.
A proposta do construtivismo tende a revolucionar as práticas pedagógicas, mas requer,
também, uma revisão do educador sobre sua práxis, partindo do pressuposto filosófico de que
tipo de homem desejo formar, pois a tarefa não é fácil, requer mudança de postura, quebra de
tabus e imposições diante do autoritarismo e do tradicionalismo.
Afinal, entende-se por método construtivista a construção sob diversos aspectos: aluno
sujeito de seu processo de aprendizagem; metodologias e didáticas desafiadoras; flexibilidade
na relação entre professores e alunos; socialização dos conteúdos; participação efetiva, etc.
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Porém, resta saber se as instituições escolares, em sua maioria, estariam abertas para
essa proposta ou para alguma outra que busque um novo paradigma educativo, mais consistente
e eficaz do que vem sendo praticado.
Contudo, a luta por um novo paradigma educativo continua e requer disposição e
compromisso daqueles que acreditam na capacidade humana.
2.2- Análise Histórica dos Déficits de Aprendizagem
Em torno dos séculos XVIII e XIX, período de grande avanço das ciências médicas e
biológicas, especialmente da Psiquiatria, os problemas de aprendizagem eram vistos como uma
disfunção essencialmente orgânica.
Portanto, durante muito tempo, essa visão direcionou o trabalho dos educadores e
terapeutas que acreditavam existir uma anormalidade orgânica nas pessoas que apresentavam
esse problema e encaminhavam-nas para serem tratadas em laboratórios anexos a hospícios.
Com o passar do tempo houve uma modificação no encaminhamento dessas pessoas, passando
dos hospitais para a escola, persistindo o diagnóstico de anormalidade e sendo apontadas como
“anormais escolares”.
Os conceitos psicanalíticos na área médica contribuíram para mudar a concepção
dominante de doença mental e de algumas idéias vigentes sobre a origem das dificuldades.
Com isso, passou-se a considerar a influência do meio no desenvolvimento da personalidade,
sobretudo nos primeiros anos de vida e a valorizar o aspecto afetivo-emocional como
determinante do comportamento humano. Assim, as crianças que apresentavam desvios de
ajustamento ou de aprendizagem escolar passaram a ser classificadas de “criança problema”.
Sob esse aspecto, surge um novo olhar para os estudos e tratamento dos problemas de
aprendizagem, que antes eram vistos pela medicina somente como anomalias genéticas e
orgânicas, reduzindo a análise do indivíduo a apenas seus aspectos endógenos , sem considerar
sua dimensão exógena. Nesse sentido, a Psicologia Clínica, numa linha psicanalítica, passou a
buscar a explicação das dificuldades ou desajustes no meio sócio-familiar, abrindo caminho
para uma nova abordagem.
Entretanto, o enfoque psicológico não ampliou qualitativamente a conduta reducionista
para os déficits de aprendizagem, mas deu continuidade a concepção fragmentada de homem,
prevalecendo o fator orgânico como causa das dificuldades.
No Brasil, na década de 60, médicos implantaram a abordagem psiconeurológica de
desenvolvimento humano, trazendo noções de Disfunção Cerebral Mínima e de Dislexia. Com
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isso, a medicalização generalizada para os problemas de aprendizagem se intensifica entre
neuropediatras, psicólogos, fonoaudiólogos e psicopedagogos.
É importante enfatizar ou até mesmo justificar o caráter dessa medicalização atribuída
ao fracasso escolar que aponta para a formação dos profissionais dessa área e o contexto sóciohistórico da época.
Percebe-se que a psicologia foi baseada num modelo médico, pois inicialmente o curso
de formação contava com professores da área médica que semeavam as idéias da Psiquiatria, da
Psicopatologia, etc. Além disso, havia uma forte tendência que valorizava o aspecto hereditário
do indivíduo, bem como a dimensão da inteligência e os testes psicológicos. Essa influência
ainda está muito presente nas instituições escolares da sociedade atual.
Na tentativa de encontrar respostas para os problemas existentes no âmbito escolar,
entre os anos 20 e 60 a política educacional brasileira baseou-se nas estratégias educativas dos
Estados Unidos e Europa, recebendo grande influência do movimento Escolanovista.
Entretanto, a Escola Nova que valorizava o aspecto psicológico da criança, se
contrapondo ao ensino tradicional da época e ainda visava direcionar atividades que
articulassem a pedagogia com a psicologia, não redimensionou a visão psicológica para os
problemas de aprendizagem.
O fato é que a proposta desse movimento era a de investir nas potencialidades do
indivíduo, identificando e promovendo as pessoas mais capazes. Portanto, havia uma tendência
a buscar a origem do fracasso escolar nos aspectos individuais, físicos ou psicológicos,
desconsiderando os fatores econômicos, políticos e sociais existentes, principalmente, numa
sociedade dividida em classes.
Alguns estudos amparados na Sociologia da Educação, enfatizaram a relevância do fator
social na causa dos problemas. Porém, essa concepção apontava somente esse fator e não levava
em conta os múltiplos aspectos inerentes ao sujeito.
Portanto, até agora, várias foram as tentativas de compreender o motivo pelo qual o
sujeito não aprende de forma efetiva, porém todas as abordagens foram fragmentadas e restritas,
nenhuma se deteve a uma investigação profunda sobre a amplitude da dimensão humana, de
forma a considerar globalmente os aspectos do sujeito: orgânicos, cognitivos, afetivos, sociais e
pedagógicos, compreendidos nas relações sociais.
Diante dessa realidade, ainda na década de 60, a Psicopedagogia começou a difundir-se
e a engajar-se na busca das causas dos problemas de aprendizagem.
Os psicopedagogos da época ainda concebiam o fracasso escolar como uma patologia
de ordem psiconeurológicas, mentais e/ou psicológicas. Portanto, a Disfunção Cerebral Mínima
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(DCM) e os Distúrbios de Aprendizagem (afasias, disgrafias, discalculias, dislexias) eram a
resposta para a incapacidade de aprender.
Esse pensamento se expandiu dos consultórios para as escolas desencadeando rótulos e
classificações generalizadas para algumas crianças. Assim, as crianças que apresentavam
dificuldade na leitura e na escrita, bem como uma conduta mais agitada, eram apontadas como
“dislexas”ou “hiperativas”, simultaneamente. Com isso, eram submetidas a um tratamento
médico que incluía o uso de medicamentos.
O caráter patológico dos problemas de aprendizagem favoreceu à receptividade da
criança pela escola e pela família, mas gerou um descompromisso por parte dos professores
estendendo-se aos alunos considerados deficientes.
A problemática decorreu do desinteresse dos professores em buscar novos
conhecimentos e até pela incapacidade em lidar com essas crianças. Enquanto as mesmas
haviam de ser isentas de qualquer culpa sobre o seu fracasso escolar, afinal eram portadoras de
uma “doença” neurológica e nada podiam fazer.
Os depoimentos de alguns médicos denunciam a amplitude que a DCM teve em nossa
sociedade, chegando a ser diagnosticada aleatoriamente pela própria família. Com isso, cerca de
40% das crianças já chegavam no consultório médico estigmatizadas. Na época, havia um olhar
patológico para as dificuldades de aprendizagem.
Essa percepção merecia realmente ser repensada, revendo os critérios que conceituavam
o que seria patológico e o que seria normal no processo de aquisição do conhecimento.
A visão contemporânea dos médicos AJURIAGUERRA & MARCELLI (1986), já
discute essa questão dando ênfase às fases de desenvolvimento na infância. Para eles, o que
pode ser patológico numa fase pode não ser em outra.
A prática psicopedagógica recebeu também influência da Escola Nova, utilizando-se de
testes que pudessem respaldar o processo diagnóstico. Porém, esse procedimento não teve
eficácia, ao contrário, foi determinante para gerar e reforçar rótulos nos alunos que não
obtinham o êxito esperado.
Na década de 80 a Psicopedagogia passou a ter uma abordagem diferenciada,
valorizando a dimensão global do processo de aprendizagem, apoiando-se em estudos
multidisciplinares de diversas áreas do conhecimento, tais como: a Psicologia, Sociologia,
Antropologia, Lingüística e Psicolingüística.
Diversos teóricos tem contribuído com idéias inovadoras, propondo novos olhares para
as intervenções e diagnósticos, dentre eles destacam-se Emília Ferreiro, que inspirada em Piaget
percorre o mundo da leitura e da escrita numa perspectiva construtivista; Vygotsky, num
modelo sócio-interacionista, valorizando as habilidades cognitivas e as interações sociais no
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processo de aprendizagem; Sara Pain e Jorge Visca, ligados pela mesma corrente de
pensamento, mas com suas peculiaridades, abordando a importância da inteligência e da
afetividade nesse contexto.
É importante frisar que as contribuições desses estudiosos e de muitos outros engajados
nessa temática, como Freud, Carl Jung, Henri Wallon, Pichon Riviere, Alícia Fernandes, Kamii
Constance etc, refletem uma nova dimensão para os problemas de aprendizagem e merecem ser
pesquisadas pelos que lidam com essa realidade a fim de subsidiar e enriquecer a sua prática.
Consta, realmente, de uma reforma conceitual e desafiadora que contribua para
transformar a vida daqueles que aprendem de forma diferente.
A visão global resgata a possibilidade de se compreender o indivíduo em sua totalidade
e de ampliar a tarefa educativa, principalmente, para os alunos com dificuldades. A partir daí,
cabe ao educador buscar estratégias que favoreçam romper as barreiras que impedem seus
alunos de tornar-se sujeitos ativos do seu próprio conhecimento.
Essa nova visão se contrapõe às concepções reducionistas de homem e amplia os
conceitos de saúde e doença e faz um elo com o novo paradigma da Educação em Saúde que
visa redimensionar o sujeito, valorizando sua especificidade e suas potencialidades,
capacitando-o para atuar de forma qualitativa em todas as esferas de sua vida.
2.3- A Valorização da Subjetividade e Identidade do Sujeito
A compreensão das dificuldades deparam-se, também, na dimensão singular e plural de
cada sujeito, advindas das experiências de vida e sobretudo da relação familiar e escolar.
Portanto, a identidade e subjetividade do sujeito devem ser consideradas, no processo de
investigação, a fim de desvelar a origem de suas dificuldades.
Alguns autores contribuem para essa forma de pensar, nos mostrando a importância de
se valorizar esses dois aspectos no ato do conhecimento e apontando como estão sendo
construídos
Segundo Gilles Deleuze (s/d), resgatando as idéias de Nietzsche, “Pensar é inventar
novas possibilidades de vida e depende das forças que entram em relação”, para ele vida e
pensamento se entrelaçam e as vontades internas do indivíduo determinam essa relação. Essa
idéia perpassa pela autonomia do pensamento e pela motivação frente a estímulos necessários à
vida do sujeito.
Nesse ínterim, discute-se a participação da família e da escola, quando ambas possuem
um papel educativo determinante na vida humana. Cabe refletir esse papel na formação dos
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sujeitos, identificando que tipo de educação eles receberam e em que contexto estão inseridos,
ou melhor, como foi construída a sua subjetividade.
Essa questão se apóia no pensamento de Michel Foucalt (1989), quando diz que a
subjetividade é um processo que produz multiplicidades num conflito incessante de forças. Para
ele, a energia e as vontades dependem do estado em que o sujeito se encontra e das relações que
estabelece. A partir daí torna-se mais fácil entender certas condutas que dificultam a
aprendizagem dos alunos.
Félix Guattari (1989) refletiu sobre a subjetividade frente aos avanços técnicos,
científicos e artísticos, quando a competição e o controle do modo de pensar, de perceber, de
sentir e de se relacionar, exigem do sujeito uma postura audaz e ambiciosa.
É necessário se rever o papel da escola enquanto instituição social, pois Nely Caixeta
(1997) já alertava para essa problemática, dizendo que neste século a subjetividade está sendo
substituída pelo individualismo absoluto e a educação se encarrega de reproduzir o modelo
capitalista empresarial, quando prepara o indivíduo para o mundo do trabalho e o mesmo é
valorizado pelos resultados. Muitas vezes, os conteúdos são trabalhados de forma fragmentada e
dogmática, negando ao sujeito a possibilidade de desenvolver suas potencialidades e de
construir o conhecimento.
Com isso, percebe-se a atual fragilidade no processo de construção da identidade e
subjetividade do educando, sobretudo daqueles que não conseguem produzir o esperado.
O processo de inclusão social está fragmentado quando os “melhores” alunos são
incluídos e os “piores” são excluídos e rotulados pela incapacidade de adequação ao sistema. É
atribuído um critério de comparação injusto entre os alunos, desrespeitando suas características
individuais e além disso, desconsiderando a contribuição dos educadores. Parece muito cômodo
depositar nos alunos toda a responsabilidade pelo seu fracasso e desobrigar os professores de
seu compromisso com a formação dos mesmos. Resta saber qual a noção de sujeito que está
sendo priorizada no processo educativo, um sujeito autônomo, criativo, capaz de transformar a
si mesmo e a sua realidade ou um sujeito inseguro, passivo, desacreditado e sem possibilidades
de ir mais além.
Segundo Jurgen Habermas (1990) é através das semelhanças e diferenças que o sujeito
estabelece com o mundo, que ele vai construindo a sua identidade. Portanto, essa noção de
sujeito é construída na coletividade, na interação e na troca.
Para Edgar Morin (1996) o sujeito engloba uma definição biológica-subjetiva de forma
simultânea. SUJEITO é o EU que precisa da relação com o TU e ambos pertencem ao mundo
NÓS , e afirma ainda que a subjetividade vai sendo construída a partir da complexidade
existente na sociedade até chegar a uma complexidade cerebral, comportando níveis
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diferenciados que se integram no todo, sendo que a subjetividade vai se estruturando através dos
valores, da linguagem e da liberdade.
Para Winnicott (1994), o sujeito se constrói na interação entre objetividade e
subjetividade, afirmando que a realidade interna e a realidade externa se compõem na
experiência de viver.
Já Guattari (1993), mostra que a subjetividade compreende um conjunto de fatores que
determinam uma escolha, permanecendo o processo de subjetivação vinculado às
transformações sociais.
Contudo, muitas idéias surgem a cerca da constituição humana que insere os sujeitos da
minha pesquisa, vindo a fundamentar e reafirmar a necessidade de investigar não somente o seu
aspecto cognitivo, mas a base de suas relações sociais, que incluiu professores, colegas, família,
etc.
Nessa perspectiva, relacionando a problemática com sua história de vida, pode-se
perceber que valores e conceitos foram construídos; que possibilidades lhe foram oferecidas; em
que espaço ocorreu e ocorre suas experiências; qual a qualidade de suas vivências; quais suas
características individuais; em suma, em que espaço o sujeito transita e age, que noções ele
construiu sobre si mesmo e sobre o mundo.
Dessa forma, abre-se caminho para a compreensão de suas dificuldades e possibilidades
de superação,
podendo reconstruir saberes, resignificar valores e conceitos, integrando e
expandindo sua capacidade de síntese e autonomia.
3- DESCREVENDO A METODOLOGIA
A pesquisa teve uma abordagem qualitativa e se desenvolveu em novembro de 2001
numa escola pública de Ensino Fundamental, na cidade de Fortaleza – Ceará – Brasil.
Os sujeitos da pesquisa foram seis alunos da 5ª. Série de baixa renda, com idade entre
13 e 16 anos (fora da faixa etária), que apresentavam baixo rendimento escolar e uma
professora.
O dados foram colhidos a partir de observação participativa em sala de aula durante três
dias consecutivos.
Para análise dos dados utilizamos as anotações feitas durante a observação e concepções
educativas e de promoção da saúde de alguns teóricos, tais como: FREIRE, FOUCALT,
GUATARRI, LIBÂNEO, MORIN, dentre outros.
Os resultados revelaram a necessidade de se refletir sobre a condução do trabalho
educativo, a formação e concepção dos educadores.
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Os aspectos éticos da pesquisa foram respeitados durante todo o estudo, sendo
preservada a identidade dos sujeitos e da instituição.
4- ANALISANDO OS RESULTADOS
Os resultados desta pesquisa revelaram a necessidade de refletirmos sobre a condução
do trabalho educativo, ou seja, como o educador atua em sala de aula frente às dificuldades de
aprendizagem dos alunos. E ainda, avaliarmos que formação e concepção educativa norteiam
sua práxis pedagógica.
Durante a observação participativa envolvendo alunos e a professora, percebemos que a
metodologia aplicada não favorecia a aprendizagem, principalmente para os alunos que tinham
dificuldade, pois o plano de aula, bem como a didática aplicada estavam descontextualizados
com a realidade dos alunos.
As dificuldades dos alunos são diversas, mas algumas possuem maior evidência, tais
como: dispersão; déficit no raciocínio-lógico; e baixa auto-estima.
Considerando tais dificuldades no processo de aprendizagem desses sujeitos seria
pertinente que a professora estabelecesse com eles um vínculo afetivo para perceber as
expressões de sofrimento, de fragmentação e paralisação, diante da frustração e da
impossibilidade de uma aprendizagem qualitativa. Para a partir daí conduzir a sua prática
direcionada para a promoção da saúde desses educandos.
Promover a saúde na escola sugere conhecer e refletir sobre a problemática existente,
observando os aspectos que possivelmente desencadeiam ou contribuem para tais problemas.
Seria desvelar a realidade e planejar estratégias que garantam um emponderamento na busca de
soluções.
Atualmente a educação está voltada para uma concepção comportamentalista, que
estimula a competição e aos grandes desafios. Enquanto é dada oportunidade a todos é também
esperado um retorno na mesma proporção, desconsiderando a singularidade e subjetividade dos
alunos.
É fundamental atentar que esses alunos por não corresponderem às expectativas da
escola, podem ser rotulados, tanto pelos professores, colegas e familiares, comprometendo sua
auto-estima, gerando-lhe inseguranças e acentuando ainda mais suas dificuldades.
Além disso, percebe-se que atender as necessidades da nova era e adaptar-se ao mundo
atual, requer uma postura audaz e um espírito competitivo. Enquanto para uns pode parecer
fácil, para outros pode ser torturante, estressante e fonte de muitas enfermidades.
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É necessário que o educador em saúde compreenda o contexto no qual o sujeito está
inserido e a origem de seus sintomas para propiciar-lhe uma alternativa de vida mais saudável.
Deve, também, sensibilizar a escola, através da figura do educador, para que conheça e
reconheça as possibilidades e potencialidades dos educandos, enquanto construtor de sua
autonomia, criando atividades e estratégias metodológicas que favoreçam essa construção.
Dando prioridade a interação, a troca de experiências e a referência do outro, permitindo aos
alunos estruturarem sua identidade individual e social.
No âmbito escolar deve ser considerado não apenas o conhecimento a ser adquirido,
mas a origem cultural e histórica do educando, pois nem sempre a escola propicia uma
aprendizagem articulada com a vida do aluno.
O diálogo com a família é fundamental no processo de promoção da saúde, pois sendo o
alicerce principal da vida do sujeito precisa estar estruturado ou ser reestruturado, quando
necessário, possibilitando um suporte para que o mesmo busque novos significados.
Nesse contexto, cabe ao educador em saúde trabalhar conjuntamente fatores
psicológicos, pedagógicos, sociológicos, culturais e biológicos, numa dimensão ampla e
interdisciplinar a fim de reconstruir processos, definir papéis, valorizando novos conhecimentos.
Acreditamos que identificando as “amarras” em torno da aprendizagem , orientando o
trabalho educativo, qualificando suas relações e reintegrando o educando no seu processo de
construção do saber, torna-se viável resgatar suas potencialidades qualitativas, sua autonomia e
despertar no mesmo o desejo de aprender, de ser e de fazer. Pois aprender é sobretudo
transformar.
5- CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante ressaltar que a presente pesquisa dimensiona para um olhar
psicopedagógico, considerando o aspecto pluridimensional do sujeito, um ser cognitivo, afetivo,
de relação, contextualizado e em processo de construção. Nessa abordagem, podemos encontrar
caminhos que promovam efetivamente uma vida mais saudável, prazerosa e significativa.
Considerando a relevância da singularidade do sujeito no ato do conhecimento, o
educador deve primar por atitudes éticas baseadas no respeito ao indivíduo, percebendo as
diferenças entre os alunos e valorizando o ritmo cognitivo, bem como as experiências que o
educando traz consigo.
A intencionalidade do trabalho pedagógico deve ultrapassar a esfera da aquisição de
conhecimentos sistematizados, deve romper com a idéia da mera transmissão de conteúdos e
invadir a dimensão humana, desvelando e desenvolvendo a sensibilidade e as potencialidades do
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sujeito para que o mesmo possa transformar a sua realidade, na família, na escola, no trabalho e
em todas as relações.
A reflexão que acabamos de fazer enfatiza a necessidade de se promover à saúde
daqueles que não conseguem aprender, que são vistos como deficientes e marginalizados
socialmente. Sugere que os educadores atuem significativamente no processo de aprendizagem,
prevenindo e sanando as enfermidades do sujeito, para que possa se libertar das amarras que o
prendem e o impedem de crescer e se destacar coletivamente.
Formar indivíduos autônomos, conscientes, pensantes, críticos, participativos, éticos e
prepará-los para a vida, parece ser o nosso grande desafio. Cabe, portanto, a nós educadores
estarmos preparados para enfrentar as problemáticas desafiadoras em torno da educação,
reavaliar a nossa prática e cumprir o nosso papel na sociedade. Assim, possivelmente teremos
pessoas mais informadas e conscientes de sua participação.
6- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1341
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