a experiência da escola da ponte e a - Revista

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Volume 2, Número 2, Abril de 2009 Revista Pesquisa em Foco: Educação e Filosofia
ISSN 1983-3946
A EXPERIÊNCIA DA ESCOLA DA PONTE E A POSSIBILIDADE DE USO DE
ALGUNS ASPECTOS DE SEU PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
Maurício Fernando Bozatski1
RESUMO
Este artigo analisa algumas questões relativas aos conteúdos programáticos e a forma como os
mesmos são selecionados e oferecidos no âmbito do sistema tradicional de ensino. Demonstrase que tais conteúdos deveriam ser estruturados pautados no interesse que os estudantes
demonstram pela realidade, ou seja, deveriam partir da forma de vida comum aos mesmos e
não com base em um estereótipo de um aluno ideal desprendido das circunstâncias psicosociais que o compõe e que o circunscrevem. Conclusivamente, analisam-se alguns aspectos
empregados pelo procedimento metodológico da Escola da Ponte e infere-se sobre a
possibilidade de aproveitamento desta experiência para a estruturação de um plano pedagógico
que possa substituir a contento o sistema tradicional.
Palavras-chave: Escola da Ponte; Conteúdos programáticos; Filosofia.
ABSTRACT
This article analyzes some relative subjects to the school goals and instructional objectives and
the form as the same ones they are selected and offered in the ambit of the school traditional
system. It is demonstrated that such contents should be structured ruled in the interest that the
students demonstrate for the reality, in other words, they should leave in the life way common
to the same ones and not with base in a stereotype of a loosened ideal student of the psychosocial circumstances that composes him/it and that bound him/it. Ending, are analyzed some
aspects used by the methodological procedure of Ponte School and it is inferred about the
possibility of use of this experience for the structuring of a pedagogic plan that can substitute
the traditional system satisfactorily.
Abstract: Ponte School; School goals and instructional objectives; Philosophy.
Os conteúdos programáticos no sistema tradicional
1
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista – UNESP.
Licenciado em Filosofia pela Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná – UNICENTRO.
Professor de Ensino Médio das disciplinas de Filosofia e Sociologia nas unidades do Colégio SESI de Carambeí
e Ponta Grossa.
Professor do Quadro Próprio do Magistério na disciplina de Filosofia na SEED/PR em exercício no Colégio
Estadual Regente Feijó e no CEEBJA Odair Pasqualini – Ponta Grossa.
Professor de Filosofia na Faculdade Sant’Ana – Ponta Grossa.
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O grande empecilho com o qual se defrontam a maioria dos professores que começam
a lecionar nos dias atuais, e que vão à escola com a mente repleta de planos e ideais é a
questão dos conteúdos programáticos. Tais conteúdos são recebidos previamente pelo
professor e na maioria das escolas sua própria competência enquanto profissional é posta a
prova caso ele não consiga repassar aos alunos todos os assuntos previstos no conteúdo
programático.
Assim, por mais que o professor esteja inicialmente bem intencionado, ele acaba
finalmente se vendo imerso nesta realidade de tal forma que ele é forçado a desistir de seus
planos iniciais e se enquadrar no sistema. Sobre todas as perspectivas isto é lamentável. Pois
além de perder o professor, que reduz seu potencial e sua capacidade à perspectiva de uma
realidade angustiante, da qual ele não vê nenhuma possibilidade de escapar, perde
principalmente o aluno, que deverá sofrer tudo aquilo que puder suportar para sobreviver a
uma realidade de relação de poder irracional, tentando aprender ou decorar os conteúdos do
programa.
Se os alunos irão ou não adquirir conhecimento acaba não importando, pois o que está
em jogo é um êxito padronizado, pautado em números devidamente registrados em livros de
classe preenchidos, obrigatoriamente, sem rasuras.
O sistema educacional tradicional é um fracasso, prova disso é o número inexpressivo
de alunos que iniciam as fases básicas do sistema escolar e chegam ao final do ensino superior
tendo a educação como um aspecto fundamental de sua existência. Também é um agravante o
grande número de desistências nos cursos do ensino superior e a quantidade maior ainda de
recém-formados que não conseguem emprego na sua área, pois seus conhecimentos são
insuficientes. Isto sem contar a quantidade daqueles que desistiram no meio do caminho.
Neste sistema a educação não é um fim em si, mas um meio para melhorar algum aspecto de
uma condição transitória da vida dos educandos.
Contudo, existe uma experiência em que os entraves mais comuns encontrados no
âmbito da educação tradicional foram transpostos devido a uma mudança de mentalidade e na
metodologia de estudos. Tal experiência é conhecida como Escola da Ponte, e vem sendo
desenvolvida na Vila das Aves em Portugal. Existem alguns aspectos dessa experiência que
poderiam ser aproveitados aqui no Brasil. Mas para que isso ocorra é preciso de uma mudança
que deve começar no modo como as escolas se estruturam e também na forma como os
professores enxergam a prática didática. Talvez a grande contribuição que a Escola da Ponte
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pode oferecer para o momento seria a respeito da forma como os conteúdos programáticos são
escolhidos e principalmente como são estudados.
O sistema de ensino tradicional é aquele em que os professores se elegem como os
detentores do conhecimento e os alunos são eleitos como sendo aqueles que não sabem e que,
por esta condição, devem estrito respeito ao professor. E não apenas o respeito cordial que
deveria pautar todas as relações humanas, mas o respeito sagrado. Respeito que determina que
o professor é o detentor incontestável do conhecimento, e que, portanto, os alunos devem
seguir rigorosamente suas pegadas e as setas que segundo ele direcionam os caminhos. Se
acaso algum aluno se perca no rasto destas pistas, então logo é estereotipado como sendo
alguém que não possui interesse em aprender, e que, por que a vida é assim mesmo e a
sociedade precisa de mão-de-obra barata, pode ficar excluído do processo educacional sem
maiores prejuízos para consciência imaculada do mestre. Segundo Rubem Alves, o sistema de
produção que ficou amplamente conhecido na fabricação de automóveis no início do século
XX, estendeu-se a outros âmbitos da sociedade como, por exemplo, para as escolas.
Nossas escolas são construídas segundo o modelo das linhas de montagem.
Escolas são fábricas organizadas para a produção de unidades
biopsicológicas móveis, portadoras de conhecimentos e habilidades. Esses
conhecimentos e habilidades são definidos exteriormente por agências
governamentais a que se conferiu autoridade para isso. Os modelos
estabelecidos por tais agências são obrigatórios, e têm a força de leis.
Unidades biopsicológicas móveis que, ao final do processo, não estejam de
acordo com tais modelos são descartadas. É a sua igualdade que atesta a
qualidade do processo. Não havendo passado no teste de qualidadeigualdade, elas não recebem os certificados de excelência ISO-12.000,
vulgarmente denominados diplomas. As unidades biopsicológicas móveis
são aquilo que vulgarmente recebe o nome de “alunos”. (ALVES, 2006,
p.36).
A característica essencial de uma linha de montagem é que nela tudo já está
previamente programado e espera-se que tudo aconteça de acordo com este programa, caso
contrário, se algo acontecer fora da normalidade, ou seja, além daquilo que é previsto de
antemão, então aquilo que aconteceu e o autor do acontecimento devem ser enquadrados ou
descartados, dependendo da gravidade do desvio da conduta padrão. Se, por exemplo, um
carro saiu com defeito, descarta-se o carro, se é alguma máquina de um setor da fábrica que
está causando este problema, conserta-se a máquina, e assim a nave vai.
O fator mais evidentemente padronizador que ocorre no âmbito educacional diz
respeito à questão dos conteúdos programáticos de uma disciplina. Tais conteúdos
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programáticos, que doravante denominarei apenas conteúdos, deveriam ser vistos como um
processo que se faz enquanto vai acontecendo o seu desenvolvimento, ao longo de sua
aplicação. Deveria ser como o caminho do caminhante que imaginou o poeta Antonio
Machado, “o caminho faz-se ao andar”
O caminho é o rasto que nele projetamos. Daí que pensar a educação apenas
em função dos caminhos – como tantos insistem ainda em fazê-lo – é pensar
a educação que ainda não o é, é pensar a educação simplesmente na ótica dos
educadores topógrafos, é abrir a objetiva do olhar pra fora e fechar a objetiva
do olhar para dentro. E é crer nessa espantosa mistificação (como Antonio
Machado se riria dela) de que são os caminhos que fazem os caminhantes e
não o contrário... (SANTOS, 2006, p. 11).
Entretanto, na educação tradicional, normalmente o que ocorre é que os conteúdos são
estabelecidos previamente, e muitas vezes sem a devida adaptação ao contexto social em que
os mesmos serão efetivamente aplicados. O escólio disto é que os professores acabam
desvirtuando a prática pedagógica, pois perdem de vista sua principal função, que é a de
auxiliar os alunos na construção individual de conhecimento, e acabam tornando-se operários
de uma maquinaria em que a busca pelo esgotamento dos conteúdos é a principal meta para
estes profissionais. Os alunos, nestas situações, ficam desorientados, pois normalmente estes
conteúdos são projetados em seqüência linear, sendo que, se não houver a compreensão de
uma das partes, o todo fica comprometido.
Como são e têm sido as escolas? Que nos diz a memória? A imagem: uma
casa, várias salas, crianças separadas em grupos chamados “turmas”. Nas
salas, os professores ensinam saberes. Toca uma campainha. Terminou o
tempo da aula. Os professores saem. Começa uma nova aula. Novos saberes
são ensinados. O que os professores estão fazendo? Estão cumprindo um
“programa”. “Programa” é um cardápio de saberes organizados em
seqüência lógica, estabelecido por uma autoridade superior invisível, que
nunca está com as crianças. Os saberes do cardápio “programa” não são
respostas às perguntas que as crianças fazem. Por isso as crianças não
entendem por que têm de aprender o que lhes está sendo ensinado. (ALVES,
2006, p. 51-2).
Planejar os conteúdos sem a devida contextualização ao ambiente das turmas em que
os mesmos serão desenvolvidos é, provavelmente, o fator que gera o grande nível de
desinteresse que alguns alunos manifestam pelo processo educacional. Assim, é preciso
estruturar os conteúdos à realidade dos alunos, entendendo que esta realidade é transitória,
está em constante transformação. Os alunos devem ser parceiros na escolha dos conteúdos,
pois só assim irão desenvolver um papel central na escolha do plano metodológico pelo qual
tais conteúdos serão desenvolvidos.
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Se o aluno não se interessar pelos conteúdos e não se adaptar ao método de ensino ele
estará perdido em um ambiente hostil e repulsivo e perderá o prazer por aprender. E os
professores, nestas situações, acabam contribuindo para que isto ocorra, pois fecham este
ciclo com avaliações nas quais se exigem respostas pautadas nestes conteúdos ministrados ao
longo do período. O aluno em questão perderá a confiança na educação e atribuirá a sua falha
não ao processo, mas a si próprio, pois, ocasionalmente, uma ínfima minoria pode sair-se bem
neste sistema tradicional, e então os professores acabam não refletindo sobre a possibilidade
de existência de alguma falha em tal processo e deslocam a culpa para o âmbito do aluno.
Destarte, é preciso planejar conteúdos que tenham relação com o mundo dos alunos, e
o mundo dos alunos não se refere a fatos e coisas, mas sim a sua linguagem. Rubem Alves
cita o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein para elucidar a noção de que é preciso olhar
para o mundo com outros olhos, pois “para se ver diferente, é inútil refinar a linguagem,
refinar as teorias. O refinamento das teorias só aumenta a clareza da mesmice.” (ALVES,
2006, p. 28). Podemos aprofundar esta questão com base na filosofia de Wittgenstein, pois é
através da filosofia que poderemos pensar o mesmo de outra maneira.
Wittgenstein dizia que “Os limites de minha linguagem significam os limites de meu
mundo” (TLP, 5.6)2, com isto ele afirmava que os limites do pensamento e da representação
se encerram nos limites daquilo que pode ser dito e descrito através da linguagem. Contudo,
numa obra posterior, as Investigações filosóficas, Wittgenstein afirma que “representar uma
linguagem significa representar-se uma forma de vida.” (PU § 19)3. Podemos, portanto,
relacionar a estas concepções filosóficas o princípio de que um conteúdo deve ser elaborado
com base na linguagem dos alunos, e isto não implica adaptar os conteúdos aos seus trejeitos
e eventuais gírias e maneirismos, mas sim à linguagem enquanto “forma de vida”.
Desejar que os alunos decorem frases complexas que enunciam equações ou
descrevem fatos históricos ou funções biológicas é desejar que os alunos saiam de sua forma
de vida habitual, o que possivelmente não ocorrerá. Com o conceito de forma de vida
Wittgenstein pensava em um plano cultural e histórico que não pode ser negligenciado ao se
analisar qualquer sentença. Quando se deseja que os alunos entendam as leis do movimento
postuladas por Isaac Newton, por exemplo, é preciso ter em mente que as frases e construções
gramaticais empregadas nos Principia4 não significaram nada para os alunos. E isto não
2
TLP é a maneira usual de citar um dos livros de Ludwig Wittgenstein, o Tractatus Logico-Philosophicus que é
escrito em aforismos. (WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: EDUSP, 2001).
3
PU é a maneira usual de citar as Investigações filosóficas de Ludwig Wittgenstein. (WITTGENSTEIN,
Ludwig. Investigações filosóficas. São Paulo: Nova Cultural, 1999).
4
Princípios Matemáticos da Filosofia Natural publicado em 1687.
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porque os alunos não têm capacidade de entender uma linguagem culta, mas apenas que os
hábitos, os exemplos e as circunstâncias são outras.
Entender que falar uma linguagem é descrever uma forma de vida é o mesmo que
compreender que a vivência do cotidiano dos alunos não pode jamais ser desprezada. A
pessoa é um ser circunstancial, como já afirma Ortega Y Gasset, “a pessoa sou eu e minhas
circunstâncias” (GASSET apud MORA, 1963, p. 46). Assim, os conteúdos devem ter como
ponto de partida e de chegada esta forma de vida dos alunos. Ponto de partida porque deve ser
proposto tendo em vista o cotidiano dos educandos, pois só assim poderá ser compreendido
por eles. E ponto de chegada porque deve se mostrar útil aos alunos, para a sua existência
presente, pois só assim poderá ser interessante para eles. Portanto, o plano de aula deve ser
preparado por eles e para eles.
Se o professor ainda insistir em preparar aulas em vista do sistema tradicional, no qual
apresenta os conteúdos e demonstra grande domínio sobre o mesmo, erguendo-se em uma
bolha isolada com o rótulo de detentor do conhecimento, ele poderá até vir a ser respeitado
pelos alunos que podem até se impressionar pela quantidade de nomes e datas que este
professor cita sem consultar nenhum alfarrábio, contudo, os alunos nada aprenderão para eles.
Com base ainda na filosofia de Wittgenstein, que não tinha o propósito de ser uma
filosofia da educação, mas o de “traçar os limites para a expressão dos pensamentos” (TLP
prefácio), mas que, contudo, pode ser livremente adaptada para o tema da educação, pois esta
se dá num plano essencialmente lingüístico, é possível afirmar que o professor não deve se
colocar na sala de aula como um ser diferente ou superior aos alunos. Se isto acontecer o
professor corre o risco de ser visto pelos alunos como sendo um ser de outra ordem, que não
participa da forma de vida dos mesmos, e que, portanto, não poderá ser compreendido, e que,
por esta mesma razão, não é interessante para os alunos. O professor que faz isto se coloca
como um leão entre cordeiros, pois é aquele que orienta, vigia e pune os que não se
enquadram naquilo que ele considera a conduta correta. Se o professor se coloca como um
leão não poderá ser compreendido. Nas palavras de Wittgenstein, “Se um leão pudesse falar,
não poderíamos compreendê-lo”. (PI, II, p. 201).
E o grande dano que acarreta aos alunos de uma educação que não é feita por eles e
para eles é o de que os mesmos não estarão apenas perdendo tempo e até mesmo
desperdiçando momentos preciosos da vida, mas estarão sofrendo, pois a sociedade os obriga
a estar na escola, sem nem ao menos pensar o que é ser escola. E estar na escola para sofrer é
um absurdo, como afirma Rubem Alves
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Não posso me conformar com os absurdos que perpassam nossas rotinas
escolares: o sofrimento das crianças, a perda de tempo, os esforços
desnecessários, os esforços inúteis, os esforços absurdos (...). (ALVES,
2006, p. 31).
Os alunos devem ter consciência do motivo pelo qual estão na escola. E ter
consciência deste motivo implica em ter conhecimento das causas e das aplicações dos
conteúdos daquilo que vão aprender. Se o professor explicar aos alunos os motivos pelos
quais tal conteúdo foi inserido no plano de aula, e se os alunos perceberem que este conteúdo
possui relações com a sua forma de vida, então a tarefa do professor já foi cumprida e a aula
foi dada, pois os próprios alunos irão pesquisar para descobrir quais são os ensinamentos
adjacentes àquele conteúdo.
Os conteúdos devem ter relação com a vida. E por mais que todos tenham uma relação
direta com os seres humanos, pois em certo momento as ciências sempre são desenvolvidas
por estes, nem sempre é simples apreender esta relação. Às vezes, o sentido de um conteúdo
não se mostra, fica latente. E é justamente por isso que todos os conteúdos precisam ser
elucidados, precisam ser feito patentes, antes de serem propriamente estudados.
Não é preciso saber algo sobre a lei da atração gravitacional para cair quando se
tropeça, pois cair faz parte da vida. Os conteúdos devem ser desenvolvidos e pensados
constantemente, pois devem ser vistos como parte integrante da vida. Aprender não deve ser
uma doutrina, mas uma atividade. A lei da gravitação universal só tem sentido para mim
quando eu descubro que é ela que me faz cair, porque cair faz parte da minha vida. Cair é uma
atividade que me acompanha constantemente. A lei, portanto, deve ser ensinada a partir do
fato de que eu caio e não com a pretensão de me ensinar a cair de uma maneira científica
partindo daquilo que a lei postula. A relação tem de ser evidenciada, pois vou continuar
caindo independentemente de meu conhecimento acerca da lei.
Por isso educação enquanto atividade, pois vou poder aplicar aquilo que aprendo em
todas as instâncias da minha vida. Não estudo porque preciso ganhar uma recompensa ou
fugir de um castigo, estudo porque através daquilo que aprendo vou poder pensar de maneira
diferente tudo aquilo que eu vejo no meu cotidiano. Educação como um fim em si, não como
um meio. Educação para mim e não para o resultado final de um processo pautado em uma
linha de montagem.
Somente o que é vital é aprendido. Por que é que, a despeito de toda
pedagogia, as crianças têm dificuldades em aprender nas escolas? Porque nas
escolas o ensinado não vai colado à vida. Isso explica o desinteresse dos
alunos pela escola.
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(...) O conhecimento é uma árvore que cresce da vida. Sei que há escolas que
têm boas intenções, e que se esforçam para que isso aconteça. Mas as suas
boas intenções são abortadas porque são obrigadas a cumprir o programa.
Programas são entidades abstratas, prontas, fixas, com uma ordem certa.
Ignoram a experiência que a criança está vivendo. Aí tenta-se, inutilmente,
produzir vida a partir dos programas. Mas não é possível, a partir da mesa de
anatomia, fazer viver o cadáver. O que vi na Escola da Ponte é o
conhecimento crescendo a partir das experiências vividas pelas crianças.
(ALVES, 2006, p. 48-9).
A alternativa da Escola da Ponte
Qual seria a alternativa possível quando se deseja descartar qualquer hipótese de préestabelecimento de normas a serem seguidas e de horizontes a serem buscados, pois isto é o
que acontecerá quando se pretere o estabelecimento de conteúdos programáticos? Talvez a
anarquia? Não, é exatamente o oposto. Pois a ordem só pode emergir de um lugar onde não há
ordem. Quando a ordem já está previamente estabelecida então a única coisa que pode surgir
é justamente a desordem. A educação é um processo de transformação, portanto se o objetivo
é partir de uma ordem pré-estabelecida então a única transformação possível é justamente o
inverso daquilo que está pré-estabelecido. E isto é o que acontece quando se constrói um
conteúdo anual que deverá ser seguido: ele não será cumprido e as aulas serão transformadas
em um campo de batalha em que o professor tentará manter a disciplina a qualquer preço.
Mas então de onde extrair o conteúdo daquilo que deve ser ensinado?
A resposta a esta questão é a alternativa encontrada pela Escola da Ponte cuja qual
determina que os próprios alunos definam aquilo que é o importante através da escolha de
temas que partem deles próprios e que estimulam os mesmos a formular questionamentos
acerca da realidade. Nesta perspectiva o papel do professor é o daquele que associa os
conteúdos teóricos a tais dúvidas que emergem do interesse dos alunos. E como os alunos
podem saber o que importante?
É provável que os alunos tenham mais sensibilidade para isto que os próprios
professores, pois eles vivem num outro contexto cultural em que as necessidades não são as
mesmas que aquelas vividas pelos professores. Se este contexto cultural é melhor ou pior, isto
é outra história, mas o que deve ser destacado é que os alunos não podem ser arrastados do
seu cotidiano para uma época que já não existe mais. Se isto acontecer eles serão levados a
um estado completo de alienação, no sentido estrito da palavra alienado, ou seja, aquele que
não pertence a este lugar, está aqui mas não é daqui.
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Ao escolher o que deve ser estudado e como pode ser estudado, os alunos estarão
desenvolvimento a sua capacidade cognitiva como de fato ela deve ser desenvolvida, a saber,
a partir da resolução de problemas. Mas problemas que os sensibilizam, que fazem parte de
seu cotidiano, e não problemas artificialmente levantados pelos professores. Se isto acontecer,
de os alunos se sensibilizarem, então o próprio aparato biológico que fez com que o homem
evoluísse e se adaptasse tão bem na cadeia evolutiva fará todo o serviço de aprendizagem. “O
corpo tem uma precisa filosofia de aprendizagem: ele aprende os saberes que o ajudam a
resolver os problemas com que está se defrontando.” (ALVES, 2006, p. 52).
No sistema tradicional, o que pode ser facilmente observado é que normalmente os
alunos saem melhor em determinada disciplina porque tem mais afinidade com o professor da
mesma, ou seja, estuda para poder ter mais acesso a este professor. E isto é inconcebível, a
educação não pode ser transformada em uma questão de gostar menos ou mais de certo
professor, pois isto resultará numa espécie de idolatria. O conhecimento genuíno só pode ser
desenvolvido em vista de questões práticas. É próprio de uma mentalidade fetichista possuir
um objeto aparentemente sem nenhuma utilidade que deve ser idolatrado justamente porque é
estranho e inexplicável. Assim acontece com o saber que é adquirido em vista apenas de
servir como função de objeto de adoração.
Aqui cabe uma longa citação em que Rubem Alves demonstra a gênese da inteligência
a partir de resoluções para problemas práticos:
Vamos começar do começo. Imagine o homem primitivo, exposto à chuva,
ao frio, ao vento, ao sol. O corpo sofre. O sofrimento faz pensar: “Preciso de
abrigo”, ele diz... Aí, forçada pelo sofrimento, a inteligência entra em ação.
Pensa pra deixar de sofrer. Pensando, conclui: “Uma caverna seria um bom
abrigo contra a chuva, o frio, o vento, o sol...” Instruídos pela inteligência, os
homens procuram uma caverna e passam a morar nela. Resolvido o
sofrimento, a inteligência volta a dormir. Mas aí, forçados ou pela fome ou
por um grupo armado que lhes toma a caverna, eles são obrigados a se
mudar para uma planície onde não há cavernas. O corpo volta a sofrer. O
sofrimento acorda a inteligência e faz com que ela trabalhe de novo. A
solução original não serve mais: não há cavernas. A inteligência pensa e
conclui: “É preciso construir uma coisa que faça as vezes de caverna”. Essa
coisa tem de ter um teto, para proteger do sol e da chuva. Tem de ter
paredes, para proteger do vento e do frio. Com que se pode fazer um teto?”
A inteligência se põe então a procurar um material que sirva para fazer o
teto. Folhas de palmeira? Capim? Pedaços de pau? Mas o teto não flutua no
ar. Tem de haver algo que o sustente. Paus fincados? Sim. Mas para fincar
um pau é preciso descobrir uma ferramenta para cortar o pau. Depois, uma
ferramenta para fazer o buraco na terra. E assim vai a inteligência,
inventando ferramentas e técnicas, à medida que o corpo se defronta com
necessidades práticas. A inteligência, entre os esquimós, jamais pensaria
uma casa de pau-a-pique. Entre eles não há nem madeira nem barro.
Produziu o iglu. E a inteligência do homem que vive na floresta jamais
pensaria um iglu – porque nas florestas não há gelo. Produziu a casa de pau-
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a-pique. A inteligência é essencialmente prática. Está a serviço da vida.
(ALVES, 2006, p. 53-4, grifos meus).
É deste ponto que todos os planos de ensino devem ser pensados, a partir das
circunstâncias dos alunos. O próprio aparelho cognitivo não vai deixar que uma criança se
interesse por algo que lhe é totalmente estranho. Este é ponto crucial, os professores não
devem tentar explicar a realidade a partir do gelo para pessoas que vivem no deserto. Ele até
pode ensinar o que é o gelo, mas a partir do entendimento que estas pessoas possuem daquilo
que é a areia.
O papel dos professores, nesta perspectiva, transcende amplamente a tarefa de elaborar
conteúdos programáticos e transcrevê-los na lousa com um pedaço de giz. Assim o professor
está fazendo mal a si próprio, pois corre um sério risco de desenvolver bursite. Os professores
devem, a partir da interação com os alunos, direcionar os conteúdos de suas disciplinas para a
resolução dos problemas práticos que os alunos estiverem enfrentando. Isto não implica numa
vulgarização e descaracterização da ciência que o professor representa, mas, pelo contrário, é
mostrar aos alunos que toda ciência pode ser útil e fazer parte da vida do aluno, pode
melhorar sua condição, pode resolver seus problemas. Foi isto que Goethe afirmou quando
disse que “Cinzenta é a teoria, verde é a árvore dourada da vida”.
Se o aluno perceber que, ao passo que vai conhecendo mais conceitos científicos, e
quanto mais for aplicando estes conceitos ao seu cotidiano e com esta aplicação a resolução
de seus problemas seja mais fácil, ou que, simplesmente, muitos problemas desapareçam.
Então, neste caso, o próprio aluno se tornará um pesquisador, ávido por novas descobertas,
para saber como aconteceu o desenrolar histórico dos séculos, ou as composições químicas da
natureza.
O aluno deve aprender, por si, a confiar nos conceitos científicos, pois apenas desta
forma irá desejá-los. Se ele entender que isto é vital para seu pleno desenvolvimento então a
educação terá formado mais um sujeito emancipado, que buscará se inteirar de questões
políticas, ambientais, econômicas e sociais.
Este é o sentido da ênfase dada por Ortega y Gasset à compreensão que o mesmo
possuía acerca dos conceitos, para ele “os conceitos são órgãos de percepção no mesmo
sentido em que os olhos são órgãos da visão." (MORA, 1963, p. 51). Isto implica dizer que a
realidade é percebida a partir dos conceitos que se tem dela. Quando os alunos entenderem
isto, eles nunca mais desejarão permanecer no senso comum, tendo uma visão simplista da
realidade. Assim, aquilo que no sistema tradicional é uma tarefa que deve ser feita sob pena
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de castigo ou perda de recompensa, para os alunos da Escola da Ponte torna-se um hábito,
uma atividade tão necessária quanto a respiração, pois é vital. Por esta razão é que neste
sistema não há tarefas ou testes, pois eles não são necessários, cada qual sabe o que é vital
para si, isto emana dos alunos como a luz emana do sol. Assim, os alunos são luminosos,
possuem luz própria, e não precisam brilhar como um astro iluminado cuja luz vem do
professor.
A possibilidade de aplicação do método da Escola da Ponte à realidade dos nossos alunos
A resposta a esta pergunta não é tão simples quanto uma coordenada geométrica, isto
implica dizer que ela não pode ser definida numa resposta que poderá ser aplicada de imediato
a todos os casos.
A estrita essência do método da Escola da Ponte pode ser compreendida na seguinte
frase de Rubem Alves: “Quanto à ciência que se aprende a partir da vida, ela não é esquecida
nunca. A vida é o único programa que merece ser seguido.” (ALVES, 2006, p. 61). Isto
significa que a ciência deve ser oferecida a partir do cotidiano dos alunos para ser utilizada no
cotidiano dos alunos. Neste caso é o método que deve ser feito por eles e para eles como foi
dito acima. Contudo este “por eles” não implica que o professor deve ficar totalmente alheio
ao processo da escolha dos conteúdos, mas exatamente o contrário, o professor tem um papel
fundamental. É ele quem deve perceber qual o tema de interesse atual dos alunos e a partir
desta questão fazer relações com a ciência. Para isto o professor não pode desejar que apenas
a sua disciplina contemple a resolução deste problema que os alunos levantam, aqui é
fundamental o papel da transdisciplinaridade.
O professor deve ter bem claro em mente que todas as ciências são assintóticas, ou
seja, isoladas não conseguem dar conta de explicar um fenômeno. E por outro lado, juntas
darão diversas perspectivas acerca de um mesmo objeto. Contudo, estas perspectivas não se
anulam, elas se completam. Como não existe, ou raramente existirá, um professor que seja
especialista em todas as áreas, é fundamental que os mesmos professores que compõe o
quadro discente de uma turma de alunos reúnam-se, ao menos duas vezes ao mês, para definir
como poderão trabalhar com suas disciplinas aquele assunto que está sensibilizando os alunos
atualmente.
Um exemplo hipotético seria a questão de um novo programa ou site da internet que
vêm levantando questionamentos entre os alunos. É sobre isto que eles preferem conversar
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quando o professor está passando uma fórmula ou um questionário no quadro. Então cabe aos
professores de todas as áreas desenvolverem um plano de estudos que contemple este tema, a
internet.
A internet não precisa ser o objeto central de estudo de todas as disciplinas, mas pode
ser o ponto de partida ou de chegada para explicar leis da física, equações da matemática ou
fatos históricos, por exemplo. O professor de história pode utilizar o assunto para tratar da
velocidade dos meios de comunicação ao longo dos tempos, e assim demonstrar como era a
comunicação entre os mensageiros gregos, que raspavam suas cabeças e tatuavam a
mensagem na cabeça para preservá-la e assim, explicar o que foi a guerra entre os gregos os
persas. Se isto ocorrer e se os alunos realmente se interessarem, eles vão pesquisar por conta
acontecimentos históricos da antiguidade. Porém, se o professor de história não arrastar os
conteúdos para a forma de vida dos alunos, corre o risco de não ser compreendido e não
poderá recriminar o aluno que eventualmente responder em um teste que as Guerras Médicas
foram um período de greves realizado pelos profissionais da saúde.
O recente retorno da filosofia para o currículo do ensino médio é um momento
propício para este exercício da transdisciplinaridade, pois de todas as ciências, a filosofia, se é
que ela pode ser definida assim, é a única que tem a pretensão de explicar a totalidade da
realidade, como já definiu Aristóteles em sua Metafísica:
Existe uma ciência que considera o ser enquanto ser e as propriedade que lhe
competem enquanto tal. Ela não se identifica com nenhuma das ciências
particulares: de fato, nenhuma das outras ciências considera universalmente
o ser enquanto ser, mas, delimitando uma parte dele, cada uma estuda as
características dessa parte. Assim o fazem, por exemplo, as matemáticas.
(ARISTÓTELES, Γ 1, 1003 а 20-26).
A filosofia pode ser relacionada a qualquer conteúdo que esteja sendo estudado pelos
alunos, e então, a partir dela as outras ciências podem definir um tema a ser aplicado. Com
isto não se pretende afirmar que a filosofia deve ser a disciplina mais importante e que deve
nortear os estudos dos alunos, mas apenas que ela pode criar um quadro que seja favorável
para a aplicação da transdisciplinaridade.
Exemplificando, é muito comum que os alunos comentem entre si sobre algum filme
que tenham assistido. Sem precisar fazer muito esforço a filosofia pode relacionar qualquer
tema que tenha passado no filme com algum conceito filosófico. Quando as pessoas assistem
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ao filme Matrix5, por exemplo, elas tendem a ficar muito impressionadas não só pela
violência, mas pela reflexão acerca do destino da humanidade e a relação entre os homens, as
máquinas e a realidade virtual. Já existe uma vasta literatura acerca das relações entre este
filme e teorias filosóficas, contudo, o que importa aqui não é a validade de tais relações, mas
sim as conexões que a filosofia pode fazer com os conteúdos de outras ciências. A filosofia
pode conectar a estória do filme à questão do cogito cartesiano, mostrando ao aluno que o
filósofo René Descartes já se preocupava, nos idos de 1626, em provar que ele próprio de fato
existia e não era apenas o produto de um sonho ou de uma ilusão maligna.
Assim, o professor de matemática pode levar os alunos a pesquisar sobre o plano
cartesiano, mostrando porque, para Descartes, a matemática era tão importante e essencial até
mesmo para definir o estatuto das demais ciências. Mas é preciso atentar sempre para que este
sistema não se torne chato, os alunos devem descobrir por si só as razões pelas quais a
matemática era importante para Descartes, e se, eventualmente, pelas mesmas ou por alguma
outra razão melhor a matemática pode ser importante para eles. Se a atividade educacional se
tornar um exercício chato, penoso, professores e alunos viverão angustiados, ambos desejando
estar em outros lugares, mas presos ao mesmo ambiente, uns por razões financeiras e outros
porque a autoridade demanda. Por mais desolador que pareça, este exercício de angústia é
uma rotina das escolas. É um quadro triste que deve ser revertido, e de fato é quadro, pois já
existe, é real. ”Os adolescentes já aprenderam a triste lição que se ensina diariamente nas
escolas: Aprender é chato. O mundo é chato. Os professores são chatos. Aprender, só sob
ameaça de não passar no vestibular.” (ALVES, 2006, p. 66). E os professores hão de convir
que ensinar sob estas circunstâncias também é muito chato.
Considerações finais
O mais importante neste método da Escola da Ponte é o diálogo. Ele deve ocorrer não
apenas entre os alunos para que um possa ajudar a solucionar as dúvidas do outro, mas
principalmente diálogo entre professor e aluno, para que aquele possa entender qual é a forma
de vida deste, e, principalmente, diálogo entre os professores. Os professores de uma turma de
alunos são como partes de um corpo que devem funcionar em sincronia, senão, por mais que
uma parte esteja sã ela ficará comprometida pelo achaque de outra. Um simples espinho
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The Matrix. 1999. Distribuição: Warner Bros. Direção: Andy Wachowski e Larry Wachowski. Estúdio: Village
Roadshow Productions.
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encravado no dedo de um urso gigante põe todo o animal em desânimo. Assim é com o
quadro de discentes de uma escola. Um professor descontente, despreparado ou desanimado
compromete o trabalho de todos os outros.
Destarte, é preciso investir no capital humano representado pelo professor. É preciso
exigir dele, cobrar interação, comprometimento, criatividade. E este papel deve ser
desenvolvido pela sociedade. De todas as profissões a do professor é a única em que o sujeito
pode trabalhar da mesma forma como se trabalhava na Idade Média, e muitos não irão nem
notar.
A única forma de fazer com que a educação tradicional seja transposta para uma
educação centrada no aluno, como é no método da Escola da Ponte, é fazendo com que os
professores tenham uma nova mentalidade.
O primeiro passo em direção a esta realidade talvez fosse dado se as escolas
obrigassem os professores a desenvolver suas horas de preparação de atividade, que existem
inclusive na escola pública, preferencialmente em um dia em que não há aula com alunos e
fazer com que todos se reúnam juntos. Assim poderíamos ter uma educação voltada para a
transdisciplinaridade.
O segundo passo seria cobrar rendimento dos professores, não apenas em sala de aula,
mas em âmbito intelectual, gratificando aqueles que desenvolverem a maior quantidade aliada
à qualidade de material que poderia ser usado no processo educacional. Desta forma se estaria
valorizando aquele professor que de fato merece ser valorizado, independentemente do
estágio em que trabalha: fundamental, médio ou superior. Gratificar o professor não significa
apenas melhorar seu salário, mas também projetá-lo, oferecer-lhe melhores condições de
trabalho facilitar o acesso a livros, revista, internet, etc.
O terceiro e decisivo passo seria dado ao modernizar todas as escolas com bibliotecas
e laboratórios, principalmente com laboratórios de informática conectados o tempo todo à
internet, para que os alunos e professores possam utilizá-los quando acreditar que é
necessário.
Quando tudo isto acontecer, a educação deixará de ser uma idéia vaga preenchendo
algumas folhas de papel, e passará a ser uma crença. Crença não no sentido de dogma, mas
sim de algo em que se pode acreditar, ter confiança. Ou, nas palavras do já citado Ortega y
Gasset: Enquanto podemos chegar a lutar pelas idéias e até morrer por elas, é absolutamente
impossível fazer com as idéias o que fazemos com as crenças: viver delas. (ORTEGA Y
GASSET, 1963, p. 79).
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Referências
ALVES, Rubem. A escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. 9ª ed.,
Campinas: Papirus, 2006.
ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Loyola – Ensaio introdutório, texto grego
com tradução e comentário de Giovanni Reale, vol. II, 2002.
MORA, José Ferrater (et al.) Origem e Epílogo da Filosofia. Rio de Janeiro: Livro
Ibero-americano, 1963.
ORTEGA Y GASSET, José. Origem e epílogo da filosofia. Rio de Janeiro: Livro
Ibero-americano, 1963.
SANTOS, Ademar Ferreira dos. As lições de uma escola: uma ponte para muito
longe... In: ALVES, Rubem. A escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse
existir. 9ª ed., Campinas: Papirus, 2006.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
_____________________. Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: EDUSP, 2001.
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