VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 A invenção do fenômeno espeleoturístico1: Considerações internacionais e suas influências no turismo em cavernas brasileiras Luiz Afonso Vaz de Figueiredo Centro Universitário Fundação Santo André (FSA) Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE)/DG-USP [email protected] Introdução No Brasil a visitação de cavernas está associada a peregrinações religiosas desde o século XVII, outros documentos destacam a visitação para fins científicos. Apesar da ampliação do uso de cavernas para fins turísticos, após a década de 1980, ainda existem diversos problemas com normas de visitação, impactos socioambientais, necessidade de planos de manejo e de ações educativas. O presente trabalho propôs recuperar os aspectos históricos que levaram à invenção do espeleoturismo no âmbito internacional e brasileiro (Knafou, 1991). A base teórico-metodológica pautou-se na geografia humanístico-cultural e em estudos ecoturísticos (Tuan, 1980, 2005; Rodrigues, 1997; Serrano & Bruhns, 1999; Marinho & Bruhns, 2003; Bruhns, 2005; Nitsche & Kozel, 2006; Gratão, 2007; Gonçalves, 2008; entre outros). Os dados foram obtidos por meio da análise bibliográfica, documental e webográfica; estudos de campo realizados nos anos 2000, quando foram produzidas imagens pelo próprio autor e colaboradores, compondo narrativas visuais do espeleoturismo em diversas regiões brasileiras, destacando o Vale do Ribeira (SP). 1 A invenção do espeleoturismo no âmbito mundial As sociedades humanas relacionam-se com as cavernas desde seus primórdios, como abrigo, fonte de recursos naturais, aspectos espirituais ou medicinais, entre outros. O início do fenômeno que levou pessoas para visitar cavernas, não é possível precisar, mas, a própria Alegoria da Caverna de Platão demonstra que era provável que houvesse a realização de atividades com cunho contemplativo e cultural em 1 Agradeço as contribuições e trocas de experiências com os companheiros da Seção de Espeleoturismo da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE): Heros Lobo, Clayton Lino, José Antonio Scaleante, José Ayrton Labegalini, Marcelo Rasteiro, Cesar Veríssimo, Érica Nunes, William Sallun Filho, entre outros. 1 Tema 5 - Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo cavernas da Grécia. Documento publicado por Valvasor em 1689, faz propaganda da visitação em cavernas na região da Eslovênia. (Šajn e Gombač, 1989, p. 168-169). Existem poucos registros desse processo histórico do espeleoturismo, entretanto, Shaw (1971; 1992) resgata alguns documentos que demonstram a incorporação das cavernas em atividades recreativas na Inglaterra. O texto publicado em 1781, por John Hutton, A Tour to the caves..., é uma referência histórica sobre visitação de cavernas e faz uma importante descrição da região. A existência de cavernas turísticas depende de alguns fatores: condicionantes do meio físico geral; melhorias e infra-estruturas; atrativos específicos de cada caverna e do entorno; relação entre a demanda e fluxo possível; públicos interessados ou potencias; levantamento dos impactos; proximidade de centros urbanos, rede de transporte, interesse das administrações e da população local. As cavernas para um público maior, com diversas modificações facilitadoras do acesso são conhecidas como show caves, essas são utilizadas para o espeleoturismo de massa. O estado da arte do turismo em cavernas foi apresentado durante o evento organizado, em 1988, pela Comissão de Proteção e Turismo em Cavernas da União Internacional de Espeleologia (UIS). (Kranjc, 1989). A International Show Cave Association (ISCA) atua com uma organização de gestores de cavernas turísticas. A caverna de Postojna é uma das mais antigas que recebe visitação turística, desde 1818, sendo iluminada a partir de 1918, recebendo já naquela época uma visitação anual de mais de 500 mil pessoas. (Vekar, 1989, p. 190-200). Bradshaw (1989, p. 24) apresenta dados sobre o turismo em 12 cavernas turística na Grã-Bretanha, representando um fluxo de 3 a 4 milhões de visitantes por ano. Essa visitação ocorre desde os tempos de domínio romano, atravessando a idade média e o início do século XIX. Algumas dessas cavernas são também importantes sítios arqueológicos, sendo que a atividade turística ajuda na promoção dos objetivos conservacionistas. Shaw (1989, p. 149-155), menciona a comercialização do turismo em cavernas na região de Mendip desde 1927, entretanto, encontrou imagens de papéis de bala vendidos em um hotel perto da Cox´s Cave, provavelmente de 1860. O turismo em cavernas da Itália abrange 150 cavernas e ocorre desde os séculos XVII e XVIII. Depois da primeira grande guerra no final dos anos 1910, a região de Trieste foi incorporada à Itália, sendo considerada uma importante região cárstica e turística. Existem cavernas voltadas para o turismo em todo o território italiano, equivalendo em 1989, a 2,5 milhões de visitantes por ano. (Forti & Cigna, 1989; Forti, 2 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 1996). Com relação ao monitoramento ambiental de cavernas turísticas, citam-se os trabalhos de Cigna e Forti (1989), Forti (1996), Cigna e Burri (2000). A Hungria possui dez cavernas turísticas, no entanto, estão entre as cavernas de mais antiga visitação, como a Caverna de Baradla e a Caverna Anna, descobertas no século XIX, com visitação desde o início do século XIX. Essas cavernas movimentavam em 1989 quase 1 milhão de visitantes por ano. (Hazslinszky, 1989, p. 84-87). O continente australiano também possui históricas cavernas turísticas, administradas pelo poder público, que possuem visitação desde a descoberta da Jenolan Cave, em 1838. Foi testada nessa caverna uma instalação elétrica experimental no ano de 1888. O país possui uma Comissão de Turismo em Cavernas e Gestão, desde 1973, implicando em um amplo e reconhecido trabalho de manejo dessas cavernas. (Hamilton-Smith, 1989, p. 77-80). Outra importante região com visitação espeleoturística é a China. A paisagem cárstica de Guilin, conhecida internacionalmente, é uma das mais antigas, desde o século VII, recebendo em 1989 mais de 2 milhões de visitantes. Sendo que suas cavernas mais importantes são a Caverna das Sete Estrelas e a Caverna da Flauta Vermelha. (Zhu, 1989, p. 201-204). O trabalho de Linhua (1996, p. 41-48) demonstra que a China possuía 237 cavernas turísticas, sendo que mais de 100 delas estavam nas regiões de Guizhou, Yunnan, Guangdong, Guangxi, West Hunan e South Sichuan, recebendo um fluxo turístico de 50 milhões de visitantes por ano. Os Estados Unidos possuem cerca de 650 cavernas turísticas com iluminação, movimentando 20 milhões de turistas por ano, sendo que 2 milhões só na Mammouth Cave (Kentucky), uma das cavernas mais antigas. Várias dessas cavernas sofreram modificações para fins turísticos, sendo que essas infra-estruturas caracterizam-se como os maiores impactos nessas cavernas. (Gillieson, 1996, p. 240-241). Imagem 1– Trem turístico para a visitação da Gruta de Postojna na Eslovênia, que tem iluminação desde 1918. (Fonte: Google Imagens, 2007) Imagem 2– A questionável Fantastic Caverns com sua visitação feita por Jeep (EUA) (Fonte: Site de Divulgação da Caverna, set. 2008) 3 Tema 5 - Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo 2 Espeleoturismo no Brasil: possibilidades e potencialidades 2.1- Considerações gerais sobre o espeleoturismo no Brasil O espeleoturismo no Brasil inicialmente estava relacionado com aspectos científicos ou de cunho religioso. As primeiras descrições sobre visitação de cavernas com caráter de peregrinação religiosa estão ligadas ao Padre Francisco Soledade (Francisco de Mendonça Mar), provavelmente ocorridas desde 1690, na região de Bom Jesus da Lapa, na Bahia. (Pires, 1922; Steil, 2003). Martin Francisco de Andrada, irmão de José Bonifácio de Andrada e Silva, patriarca da independência, relatava em 1805, durante expedição mineralógica pela província de São Paulo, aspectos da Lapa de Santo Antonio e a importância do contato com essas maravilhas da natureza, “Enfim aqui tudo é majestoso, tudo é grande; aqui se vê de quantos esforços é capaz a criadora natureza”. (Andrada, 1977). Diversos naturalistas descreveram visitas em cavernas, tais como Peter Lund e Richard Krone. Houve um aumento no interesse pelas cavernas e no número de adeptos das atividades espeleológicas, assim como aumentou a divulgação do tema pela mídia, entretanto, ainda existe muito sensacionalismo e equívocos nessas matérias. Diversos revistas têm divulgado cavernas com potencial turístico, tais como: Geográfica Universal, Manchete, Isto É, Horizonte Geográfico e Os Caminhos da Terra. Programas televisivos também têm sido mais freqüentes, tais como: Globo Ecologia, Repórter Eco. Para Lino (1988; 1989) as cavernas turísticas permitem divulgar o patrimônio espeleológico, estimulando ações de educação ambiental, fontes de recursos econômicos, além do incentivo para criação de áreas protegidas. Para isso desenvolveu uma metodologia que define crivos de análise e seleção de cavernas com potencial turístico, PETAR (SP), no Parque Nacional de Ubajara (CE) e na região de Bonito (MS). A utilização contínua de cavernas para fins turísticos acaba levando à inúmeros impactos negativos, tais como: compactação do solo, pisoteamento e/ou depredação de espeleotemas, alterações microclimáticas, lixo, presença de construções internas sem nenhuma serventia e degradadoras da paisagem interna da gruta, entre outros. Sobre o assunto temos os estudos de Scaleante (2003, 2005) e Lobo (2007). A preocupação com a questão do manejo turístico e proteção ambiental envolvendo cavernas, foi um dos objetivos do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que elaborou um programa específico de proteção do patrimônio espeleológico, em 1987, fortalecido em 1997, com a criação do Centro Nacional de Estudos, Proteção e Manejo de Cavernas (CECAV), sendo que em 2007 foi incorporado pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). 4 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 De acordo com Portaria No. 887/1990 e Decreto Federal No. 99.556/1990 as cavernas eram consideradas patrimônio da União, constando inclusive da Constituição Federal de 1988. Entretanto, o decreto 6.640/2008 reabriu o debate sobre proteção das cavidades naturais por classificar as cavernas por graus de relevância, permitindo que parte do patrimônio espeleológico possa ser destruído por atividades econômicas, como a mineração e geração de energia elétrica, justificada pelo programa federal de aceleração do crescimento, gerando conflitos e embates. (Figueiredo, 2009). A ausência dos planos de manejo e do zoneamento de uso da paisagem tem comprometido as cavernas. Por isso devem-se definir os aspectos da proteção do entorno, determinando as potencialidades e limitações de roteiros de visitação turística e formas de divulgação e educação ambiental. (Lino, 1988; Lobo, 2006). Labegalini (1996) fez uma proposta de turismo com mínimo impacto para a Gruta do Lago Azul, em Bonito (MS). Fez também um amplo levantamento sobre cavernas turísticas brasileiras e latino-americanas (LABEGALINI, 2003a; b), como coordenador da Comissão de Cavernas Turísticas da FEALC. De outro lado, Marra (2001) discutiu os critérios para a elaboração de planos de manejo espeleológico. Lobo (2006) estudou o caso da Serra da Bodoquena (MS), analisando outras estratégias de capacidade de carga e avaliação de potencial espeleoturístico, como o fluxo de energia e fragilidades. Analisou ainda as políticas públicas para o espeleoturismo e aglutinou diversos pesquisadores na Seção de Espeleoturismo da SBE. (Lobo, 2005; Lobo et al., 2006; 2007). Quanto ao estado da arte da atividade espeleoturística no Brasil, foram realizados levantamentos por Figueiredo (1998), Figueiredo et al. (2007a) e Lobo, Perinotto e Boggiani (2008). O fruto desse esforço foi o criação de uma revista especializada: Pesquisas em Turismo e Paisagens Cársticas. Diversos trabalhos têm ressaltado a importância do espeleoturismo estar associado à educação ambiental e percepção ambiental, ampliando os potenciais das atividades de visitação, explorando o conhecimento técnico-científico e as novas sensibilidades. (Figueiredo, 1991; 1994, 2000; Figueira et al., 2004; Alves et al., 2004; Travassos et. al, 2007, Neiman, 2007; Fonseca-Rodrigues, 2007). Têm sido abertos inclusive espaços de visitação para portadores de necessidades especiais. (Nunes et al., 2007). 2.2- Regiões espeleoturísticas brasileiras O Brasil abriga várias regiões cársticas ou de interesse espeleoturístico espalhadas por todo o seu território. Lino (1989) indicava a existência de apenas 30 cavernas com turismo regular, sendo apenas seis com iluminação elétrica. Por outro lado, Lobo, 5 Tema 5 - Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo Perinotto e Boggiani (2008) compilaram dados que permitiram relacionar a existência de 172 cavernas com visitação turística regular, sendo que a maioria está relacionada a algum tipo de Unidades de Conservação. No entanto, apenas três dezenas de cavernas contam com infra-estrutura para visitação turística intensiva e pouco mais de 10 com iluminação elétrica fixa, que possuem ainda muitos problemas relacionados com ao atendimento do turista e/ou com a degradação ambiental da caverna e do seu entorno. Por outro lado, isso demonstra que ainda tem sido privilegiado um espeleoturismo mais rústico, mais de aventura, utilizando iluminação móvel e predominando visitas monitoradas, utilizando o potencial dos agentes locais. As cavernas turísticas poderiam ser classificadas em grandes características: enfoque religioso ou místico; enfoque contemplativo e de lazer; enfoque educacional (excursões didáticas, estudo do meio, trabalhos de campo) e as cavernas com enfoque para o turismo de aventura. (Lobo et al., 2007). Existe um amplo levantamento, visando o cadastramento detalhado de cavernas que recebem visitação turística, que vem sendo feito pela da Seção de Espeleoturismo (SETUR/SBE), desde de 2008. Quadro 1- Distribuição brasileira das cavernas turísticas e unidades de conservação Estado Cavernas Unidades de Conservação Cavernas (exemplos) turísticas SP 58 Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira, P. E. Caverna do Diabo, P. E. Intervales MG 51 BA 15 PR/SC 10 MS/MT GO 10 8 APA Carste de Lagoa Santa, Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, P. E. Ibitipoca P. Nacional da Chapada Diamantina P. E. Campinhos, P. E. Vila Velha, P. Municipal de Botuverá P. N. Chapada dos Guimarães P. E. Terra Ronca CE Outros 1 21 P. Nacional de Ubajara diversas Santana, Morro Preto, Couto, Cafezal, Alambari de Baixo, Chapéu, Aranhas, Teminina, Pescaria, Tapagem (Diabo), Rolado (I, II e III), Colorida, Fendão, dos Paiva Lapinha, Maquiné, Rei do Mato, Janelão, Bonita, Viajantes, Bromélias Lapa Santuário do Bom Jesus, Lapa Doce I, Gruta da Pratinha, Gruta do Lapão Lancinha, Bacaetava, Jesuítas/Fadas, Lago Azul, Nossa Senhora Aparecida, Aroe Jari Terra Ronca I e II, Angélica, Bezerra, São Bernardo, São Mateus Ubajara Grutas da Tijuca (RJ), Maroaga (AM), etc. Fonte: Lino (1989); Figueiredo (1998); Labegalini (2003a, b); Lobo, Perinotto e Boggiani (2008). a) São Paulo O estado de São Paulo possui um enorme potencial de cavernas. Deve-se destacar, do ponto de vista espeleoturístico, a região paulista do Vale do Ribeira, localizada na divisa com o estado do Paraná, abriga mais de 400 cavernas, sendo que muitas figuram entre as mais significativas e maiores do estado e do Brasil. Várias dessas cavernas estão situadas em áreas protegidas, algumas vezes associadas à patrimônios histórico6 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 culturais expressivos, predominando remanescentes florestais de Mata Atlântica, rios cristalinos e cachoeiras, fauna rara ou em vias de extinção. Localizam-se na faixa que acompanha a Serra de Paranapiacaba, denominação regional da Serra do Mar, abrangida pelo Rio Ribeira de Iguape. A região é considerada uma das mais preservadas do estado, por isso faz parte de uma das primeiras áreas-piloto da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (MaB/UNESCO). (Figueiredo, 2000; 2006). A Caverna do Diabo, conhecida internacionalmente, é o nome fantasia da Gruta da Tapagem, descoberta no início do século XX por Richard Krone, sendo a primeira gruta do estado a contar com infra-estrutura para o turismo intensivo, recebendo visitantes de diversas regiões, desde a década de 60. Protegida desde 1969 pelo Parque Estadual de Jacupiranga (PEJ) foi reintegrada em 1994 ao Instituto Florestal do Estado de São Paulo (IF). Com a transformação do PEJ em um mosaico de UCs (2008), surgiu o Parque Estadual da Caverna do Diabo (PECD). Desde 1990 é realizado pela Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) o Projeto Caverna do Diabo (PROCAD), importante levantamento espeleológico. (Figueiredo et al., 2007b). Foram testados novos roteiros e atividades turísticas em outras grutas da região entre 1995-1998, demonstrando um potencial ainda pouco utilizado. (Figueiredo, Duarte & Silveira-Sassaki, 1999). A maior visitação espeleoturística na região fica por conta do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR). Apesar de ser um dos mais antigos parques do estado, criado em 1958, para proteger mais de 400 grutas e diversos rios dessa região, só teve sua implantação definitiva, a partir de 1983, quando o governo de estado iniciou ações de proteção ambiental associada às alternativas de desenvolvimento sustentável regional. (Karmann & Ferrari, 2002). Realizamos um estudo detalhado sobre o processo de implantação do PETAR durante pesquisa de mestrado sobre educação ambiental e conflitos sociais. (Figueiredo, 2000; 2006). O PETAR possui um programa de ecoturismo, contando com funcionário em quatro Núcleos de Visitação Turística, havendo agendamento e controle da visitação. No entanto, apenas a caverna de Santana possui algum tipo de infra-estrutura interna, como passarelas de madeira ou pedras e corrimãos, além de acompanhamento obrigatório de funcionários do parque ou monitores ambientais contratados no município. Foram promovidos programas de formação de monitores ambientais, visando a incorporação de jovens da região do Alto Vale do Ribeira, a partir da integração entre a população local, órgãos governamentais, entidades espeleológicas, ONG’s locais, universidades e prefeituras (Marinho et al., 1997). 7 Tema 5 - Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo Foto 1- Atividade na Gruta do Rolado (P. E. da Caverna do Diabo, SP). (Robson Zampaulo, 2005). Foto 2- Entrada da Caverna de Santana (PETAR). (LAVF, jan. 2009). O Parque Estadual de Intervales (PEI) (1987), situado entre o rio Paranapanema e o rio Ribeira, possui uma alta biodiversidade, tendo dezenas de cavernas, significativas do ponto de vista do espeleoturismo, onde foi estruturado um trabalho pioneiro de capacitação de recursos humanos, no qual moradores locais passaram de extrativistas a monitores de ecoturismo ou membros da equipe de manejo e fiscalização. Foto 3 e 4– Entrada e trecho do roteiro turístico da Gruta dos Paiva (Parque b) Paraná Estadual de Intervales, SP) (Maurício Marinho, jan. 2009) O estado do Paraná conta com mais de uma centena de cavidades naturais, desenvolvidas principalmente em calcários, dolomitos e arenitos. As principais cavernas com potencial turístico ocorrem na porção paranaense do Vale do Ribeira e na Região Metropolitana de Curitiba. A vegetação é diversificada, com matas de 8 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 galeria, campos limpos e cerrados e Floresta de Araucárias, outrora bastante abundantes em todo o estado. A caverna paranaense mais antiga em termos de visitação turística é a Gruta de Itaperussu, existindo descrições de sua utilização datadas do século passado. A mais significativa parcela de cavidades do Paraná está localizada na Região Metropolitana de Curitiba, entretanto, essas cavernas vêm sofrendo com a degradação ambiental, principalmente, causada pela mineração, pelo adensamento populacional, e mesmo, pela ampliação dos usos turísticos. (Sessegolo et al., 1996; Silva-da-Rocha; Oliveira; Sessegolo, 2001). Entre os exemplares de cavidades em rocha areníticas, vale citar as Furnas de Vila Velha I e II, que recebem intensa visitação. Spoladore (2006) analisou o turismo em carste arenítico em outra região paranaense. c) Minas Gerais O estado de Minas Gerais é considerado berço histórico da espeleologia brasileira, devido aos estudos paleontológicos e arqueológicos realizados em cavernas da região de Lagoa Santa por Peter W. Lund, considerado o “Pai da Paleontologia Brasileira”, em meados do século XIX. Podemos destacar do ponto de vista espeleoturístico a região carbonática de Lagoa Santa-Sete Lagoas-Cordisburgo, próxima à capital Belo Horizonte, uma das regiões brasileiras com maior quantidade de cavernas conhecidas, em torno de 500 cavidades naturais. A principal bacia hidrográfica que drena a região é a do Rio das Velhas, um importante afluente do rio São Francisco. Muitas dessas cavernas possuem grande potencial turístico, entretanto, o turismo é realizado de forma desordenada e altamente predatória. As cavernas da região sofrem, também, processos de degradação e contaminação ambiental, com a principal fonte de renda regional, que são as indústrias e as mineradoras. Desde 2006 foi implantado junto ao programa de circuitos turísticos de Minas Gerais, o Circuito das Grutas. Entre as cavernas mais conhecidas destacam-se a Lapa Nova de Maquiné, A Gruta da Lapinha, vem sendo explorada turisticamente desde a década de 60. A Gruta Rei do Mato, localizada em região de empresas de mineração, foi incorporada em uma APA no início da década de 80, visando recepção turística intensiva, possui passarelas e corrimãos metálicos, iluminação fixa e infra-estrutura de apoio na parte externa. A proposta de intervenção turística foi altamente impactante para a caverna, gerando controvérsias entre órgãos do governo mineiro e entidades espeleológicas. 9 Tema 5 - Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo Outra importante região cárstica mineira é o Vale do Peruaçu, localizado na porção norte do estado. Além disso, existem diversos importantes centros de visitação turística em cavernas que ocorrem em outros tipos de rocha, como o quartzito. O Parque Estadual de Ibitipoca apresenta dezenas dessas grutas, sendo que a área recebe grande quantidade de visitantes. d) Bahia A Bahia é o estado onde estão registrados os primórdios da visitação de cavernas no Brasil, algumas associadas ao turismo religioso, destacando-se o município de Bom Jesus da Lapa, na região do médio São Francisco que possui diversas grutas, sendo a mais importante a Lapa Santuário do Bom Jesus, recebendo peregrinação de devotos do Bom Jesus. A gruta sofreu diversos impactos com a visitação, como a instalação de um altar para as cerimônias religiosas cristãs. A Chapada Diamantina, na porção central da Bahia, é uma magnífica paisagem natural de caatinga e campos rupestres, contém inúmeros rios, cachoeiras, trilhas e grutas, listadas entre as maiores do Brasil. Existem estudos que demonstram o potencial ecoturístico da região. (Seabra, 1998). e) Goiás O norte do estado conta com grande concentração de cavidades naturais principalmente, no entorno do município de São Domingos. Entre as principais cavernas com atividade turística deve-se destacar a lapa de Terra Ronca I, que há muito tempo recebe um turismo religioso, possuindo um altar no seu pórtico de entrada, de mais de 80 m de altura, sob o qual se realizam históricos festejos anuais, que acabam causando diversos impactos ambientais. O Parque Estadual de Terra Ronca, pretende conciliar a atividade espeleológica, com o ecoturismo e a visitação religiosa. (Matteucci & Pinheiro, 2001; Matteucci et al., 2001) f) Mato Grosso do Sul/Mato Grosso O município de Bonito é a principal expressão do turismo espeleológico do Mato Grosso do Sul. A região é rica em rios de águas cristalinas, que como um aquário gigante são muito propícios para atividades de mergulho, além disso, a presença de diversas corredeiras são adequadas ao rafting. Existem cavidades naturais em profusão na região da Serra da Bodoquena, algumas com grande potencial turístico. (Lobo, 2006; 2007a). No entanto, apenas a Gruta do Lago Azul e de Nossa Senhora de Aparecida, possuem alguma infra-estrutura para o turismo intensivo. (Labegalini, 1996; Boggiani et al., 2008). Apesar do pantanal mato-grossense destacar-se como paisagem natural, reconhecida internacionalmente, o estado do Mato Grosso, possui 10 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 também potencial espeleoturístico. Destaca-se a região arenítica da Chapada dos Guimarães, sendo a caverna Aroe Jari a mais significativa. (Alves, et. al., 2004). g) Ceará A Chapada do Ibiapaba abriga um dos menores parques nacionais brasileiros, Parque Nacional de Ubajara, criado em 1959, possui uma área de 563 ha, tendo como principal atrativo a Gruta de Ubajara. Para se chegar à entrada principal da gruta existem duas opções, pela trilha que permeia a mata, rios e cachoeiras, ou pelo teleférico instalado na década de 70, que desce um desnível de 250m até a entrada da caverna. O plano de manejo teve início nos anos 1980. h) Outras Regiões No Brasil existem ainda inúmeras outras regiões que recebem visitação em cavernas, poderíamos destacar o Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro, que possui inúmeras grutas em gnaisse que tem recebido visitação espeleoturística (Bandeira, 1993). Citam-se também a gruta de Botuverá, única turística no estado de Santa Catarina, (Sessegolo et al., 1999) e o Refúgio do Maroaga em arenitos do município de Presidente Figueiredo-AM (Gadelha & Alecrim, 2006). CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo realizado demonstrou a trajetória do fenômeno espeleoturístico e quais foram os caminhos percorridos para a aproximação entre a atividade espeleológica e o turismo, convivendo na fronteira entre ciência, religião, esporte e lazer. Por outro laod, espera-se que o espeleoturismo utilize o imaginário da caverna, construindo novas relações entre as racionalidades e as sensibilidades no mundo subterrâneo. As vivências obtidas no contato com a realidade local e os resultados desse estudo reforçaram o potencial ecoturístico brasileiro. No Alto Ribeira evidenciaram-se vários potenciais, com ações recentes visando o plano de manejo espeleológico. No entanto, em outras regiões brasileiras, observa-se ainda um turismo mal estruturado, sem planejamento e ausência de políticas públicas que tenham continuidade. A Educação Ambiental se coloca como um princípio básico para que o ecoturismo seja estruturado com as populações locais, evitando que os mesmos se tornem meros receptores passivos ou simples empregados de categorias inferiores. É preciso que sejam difundidas as experiências de capacitação de agentes multiplicadores, que, entretanto, esteja corretamente associada à um modelo sustentável, social e ecologicamente, envolvendo diretamente todos os segmentos. 11 Tema 5 - Geografia Física e Cultura: geopatrimónio e geoturismo A participação direta das populações locais no plano de manejo de cavernas para fins turísticos é um dos desafios colocados para o turismo espeleológico. O plano de ação deve incorporar as tradições locais e o patrimônio cultural à atividade ecoturística. Isso é o que se espera de uma atividade que beneficie a proteção do ambiente natural e, ao mesmo tempo, a manutenção das raízes culturais das populações que convivem cotidianamente com as cavernas e vivenciam esse importante cenário da natureza, trazendo reflexões sobre a relação entre a história das sociedades humanas e as transformações da paisagem. 12 VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física Universidade de Coimbra, Maio de 2010 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alves, L.S.; Silva, J. P.; Marques, L.M. & Durão, A. M. 2004, `Educação ambiental na espeleologia: uma proposta metodológica´, Trabalho de Iniciação Científica, Curso de Geografia, Universidade Estadual do Mato Grosso, Cáceres, MT. Andrada, M. F. R. 1977, `Diário de uma viagem mineralógica pela província de São Paulo (1805)´, in Roteiros e Notícias de São Paulo Colonial (1751-1804), Ed. fac-símile, IMESP, São Paulo. Bandeira, C. 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