Em Foco - Ano XI • nº 22 • 2014

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ANÁLISE FUNCIONAL DO COMPORTAMENTO EM UM
CASO DE DIFICULDADE DE ASSERTIVIDADE NA
ADOLESCÊNCIA DE UMA CLÍNICA-ESCOLA DE
PSICOLOGIA NA CIDADE DE SANTARÉM-PA
Adriany Arruda de Oliveira1
Mariene da Silva Casseb2
RESUMO
Considerando que uma das principais metas da terapia é favorecer o autoconhecimento do cliente, o objetivo deste
estudo foi descrever e analisar as diculdades de falta de assertividade na adolescência no contexto clínico com
enfoque analítico-comportamental de uma Clínica-Escola de Psicologia na cidade de Santarém-PA. O método
consistiu na análise e classicação de 19 sessões terapêuticas, divididas em avaliações, onde foram avaliadas as
variáveis que controlavam a emissão do comportamento não assertivo emitidos pela adolescente; intervenções que
foram realizadas para que a adolescente pudesse mudar esse repertório comportamental, entre elas: Tabela das
vantagens e desvantagens e Tarefa de casa – Registro de Atividades Vivenciadas; e devolução de resultados, onde
foi mostrada a Análise Funcional para adolescente. Os resultados mostraram que ocorreu falta de assertividade na
vida da adolescente. Durante o decorrer das sessões terapêuticas a cliente obteve um avanço signicativo da não
assertividade para assertividade, sempre ciente de não confundir assertividade com agressividade. A análise
funcional teve o objetivo de expor e esclarecer porque tal comportamento estava presente na vida da adolescente,
como poderia mudar esse repertório e consequentemente adquirir autoconhecimento.
Palavras-chave: Adolescência, Falta de Assertividade, Terapia comportamental.
ABSTRACT
Whereas one of the main goals of therapy is to promote the self-knowledge of the client, the purpose of this study was
to describe and analyze the difficulties of lack of assertiveness in adolescence in the clinical context with behavioranalytic approach of a Clinical - School Psychology in the city of Santarém - PA. The method chosen consisted in the
analysis and classification of 19 treatment sessions, divided into reviews, where the variables that controlled the issue
of non- assertive behavior issued by the teenager were evaluated; interventions that were performed for the teenager
could change this behavioral repertoire, including: the advantages and disadvantages table and Homework registration from activities experienced, and return of results fromteenagers Functional Analysis. The results showed
that there was a lack of assertiveness in the life of a teenager. During the course of treatment the client sessions
achieved a significant breakthrough non assertiveness to assertiveness, always aware not to confuse assertiveness
with aggressiveness. Functional analysis aimed to expose and explain why such behavior was present in the life of
teenagers, as it could change this repertoire and thus acquire self-knowledge .
Keywords: Adolescence, Lack of Assertiveness, Behavioral Therapy.
1
Graduada em Psicologia pelo Instituto Esperança de Ensino Superior – IESPES. E-mail: [email protected]
2
Doutora em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade Federal do Pará – UFPA. E-mail:
[email protected].
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1. INTRODUÇÃO
O comportamento humano é um conjunto complexo
de estímulos físicos e sociais e hierarquias de respostas
que produzem as diferenças individuais. Para que uma
pessoa tenha melhor condição de prever e controlar o
próprio comportamento, imprescindível será que ela adquira em seu processo interacional a consciência sobre
si e suas ações (MUNDIM; BUENO, 2006).
Conforme Rose (2001) comportamento é a relação
entre eventos ambientais e eventos biológicos ou, de forma mais sintética, é a relação entre organismo e ambiente, ou seja, refere-se à atividade dos organismos (humanos e não humanos), que mantêm intercâmbio com o
ambiente.
A adolescência é a fase em que mais o ser humano
muda seus comportamentos, pois, segundo o site Pediatria em Foco (2014), a adolescência é a fase que ocorre entre os 10 e 19 anos de idade. É marcada por transformações físicas e psicológicas muito intensas e imprevistas, caracterizando a passagem progressiva da infância para a idade adulta. Para Papalia e Feldman
(2009), a adolescência é um período de transição entre
a infância e a vida adulta onde o indivíduo desenvolvese no tripé psicológico, cognitivo e comportamental; este processo de desenvolvimento pode ou não ser marcado por rituais de passagem, isso dependerá da cultura em que o adolescente está inserido.
Segundo o Ministério da Saúde (2014), adolescência é uma etapa de nossas vidas marcada por uma porção de transformações: no corpo, nos sentimentos, nas
relações com os outros. É um tempo de conhecer, descobrir, experimentar. Todo o crescimento que acontece
nessa fase tem um objetivo importante: o amadurecimento físico e emocional. A fase da adolescência se torna mais confusa, tanto para o menino quanto a menina,
pois sentem diculdades de enfrentar alguns problemas
ou situações que surgem ao longo desta fase, podendo
apresentar, por exemplo, comportamento não-assertivo
(PEREIRA, 2007).
Pereira (2007) ainda coloca que isso se torna um problema na vida do adolescente, pois o mesmo se sujeita a
determinadadas situações, fazendo com pense mais nos
sentimentos alheios do que nos seus próprios sentimentos. O comportamento não-assertivo se refere à ausência de habilidades para expressar opiniões, sentimentos,
necessidades ou defender seus direitos, implicando numa constante postura defensiva e/ou passiva em relação
às diculdades mais comuns que surgem na vida.
A assertividade está intimamente ligada ao autoconhecimento. Se o adolescente não sabe o que quer,
pode se tornar uma pessoa passiva. Para conseguir
ser assertivo, o adolescente precisa, em primeiro lugar, ter autoestima e autoconança, e isso começa a
ser construído na infância. Estima-se que entre 85% e
90% das pessoas teriam benefícios se passassem por
algum aconselhamento ou psicoterapia pra corrigir
comportamentos disfuncionais. Sabe-se que o melhor
para ser assertivo é procurar um equilíbrio nos relacionamentos, pois defender os próprios direitos como pessoa, não implicará em violar os direitos de outra
(ABREU, 2011).
Muitas vezes a assertividade é confundida com a
agressividade, levando muitos adolescentes a não assumirem suas posições de forma simples e autêntica, com
o receio de serem agressivas. Por outro lado pessoas
agressivas se auto intitulam de assertivas ou muito francas, sendo que muitas vezes estas estão passando por
cima das fronteiras da diplomacia pessoal e da boa convivência (PERREIRA, 2007).
Pereira (2007) ainda nos mostra que pessoas assertivas lidam com os confrontos com mais facilidade e
satisfação, sentem-se menos estressadas, adquirem
maior conança, agem com mais rmeza, melhoram
sua imagem e credibilidade, expressam seu desacordo
de modo convincente, mas sem prejudicar o relacionamento, resistem às tentativas de manipulação, ameaças, chantagem emocional, bajulação, sentem-se mais
determinados, e por m sentem-se melhores e fazem
com que os outros também se sintam melhores apesar
do embate.
A pessoa que não é assertiva e apresenta um
padrão de comportamento passivo, acaba sendo imcompreendida pelos outros, pois ela sente-se manipulada, sente que os outros não a levam em conta, não se
preocupam com ela. Ela tem como problema principal
não dizer o que pensa, sendo que os outros tem que tentar descobrir o que ela está pensando naquele momento, ainda apresenta medo constante de estar incomodando as pessoas, medo de chamar a atenção e sente
que não tem o direito de ocupar muito espaço (ABREU,
2011).
Na maioria dos casos as pessoas passivas tem possibilidades de transitar para a agressividade e não para
assertividade, pois seria mais fácil ser agressivo do que
assertivo. Pelo fato de a pessoa não assertiva estar com
emoções acumuladas, sendo agressiva ela poderá estar externalizando essas emoções que viveu (ALBERTI;
EMMONS, 2014).
Alberti e Emmons (2014, p.10-11) mostram no
exemplo abaixo as três formas comportamentais possíveis de serem emitidas por uma pessoa diante de uma situação, sendo que poderá ocorrer a transição da seguinte forma: não assertiva, agressiva e assertiva.
“Emprestando Alguma Coisa“
Helen é uma universitária atraente, brilhante e excelente estudante, amada pelos professores e colegas. Ela mora numa república com seis moças, dividindo seu quarto com duas. Todas as moças namo-
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ram regularmente. Uma noite, enquanto as colegas de quarto de Helen se preparavam para encontrar os namorados (Helen planeja uma noite
tranqüila elaborando um trabalho escolar), Maria
diz que vai sair com um cara muito legal e espera
dar uma boa impressão. Ela pergunta a Helen se
pode usar um colar novo e caro que Helen acabou
de ganharde seu irmão que presta serviço militar
na Marinha. Helen e seu irmão são muito amigos e
o colar signica muito para ela. Sua resposta é:
• Não-Assertiva:
Ela “engole em seco“ seu medo de o colar ser perdido ou danicado, e seu sentimento de que seu
signicado especial o tornava muito importante para ser emprestado e diz: “Claro“.
Ela se desvaloriza, reforça Maria por fazer um pedido excessivo e se preocupa toda à noite (oque traz
pouca contribuição para o trabalho escolar).
• Agressiva:
Helen mostra indignação pelo pedido da amiga,
diz-lhe “absolutamente não“ e começa a censurála severamente por atrever-se a fazer uma pergunta “tão cretina“. Ela humilha, Maria e faz papel ridículo. Mais tarde se sente incomodada e com sentimento de culpa, o que interfere no seu estudo. Maria se sente ferida e estes sentimentos manifestam-se mais tarde, estragando o seu encontro, pois não consegue se divertir, o que intriga e desencoraja o rapaz. Daí em diante o relacionamento de
Helen com Maria passa a ser bastante tenso.
• Assertiva:
Ela fala do signicado do colar e, gentil, mas rmemente, diz que aquele pedido não pode ser atendido, pois a jóia é muito pessoal. Mais tarde ela se
sente bem por ter sido sincera consigo mesma e
Maria, reconhecendo a validade da resposta de Helen, faz grande sucesso com o rapaz, sendo ela
também mais honesta e franca com ele.
A falta de assertividade é um dos problemas comportamentais que pode interferir na vida do adolescente.
Na tentativa de vericar a predominância desse comportamento na adolescência, faz-se necessário a análise funcional do mesmo para que se averigue as variáveis que controlam a emissão do comportamento não assertivo, possibilitando assim, o manejo de contingências
favoráveis à assertividade.
2. UMA BREVE INTRODUÇÃO À
ANÁLISE FUNCIONAL DO
COMPORTAMENTO.
O termo Análise Funcional é empregado inúmeras
vezes por analistas do comportamento durante atividades cientícas, didáticas e de prática clínica. Haynes e
O´Brien (1990 apud COSTA; MARINHO, 2002), denem análise funcional no contexto terapêutico como “a
identicação de relações relevantes, controláveis, causais e funcionais aplicáveis a um conjunto especíco de
comportamentos-alvo para um cliente individual” (p.
44).
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A análise funcional se refere à investigação objetiva
das relações entre as respostas de um indivíduo e os estímulos ambientais antecedentes e consequêntes a estas. Conforme aponta Meyer (1997 apud SOUZA, 2011),
uma análise funcional é essencial em estudos cujo objetivo inclua a predição e/ou o controle de repertórios de
comportamento em situações especícas.
Pode-se dizer que a análise funcional é o centro da
terapia analítico-comportamental. Está em todos os passos da terapia: envolve o “diagnóstico” do problema do
cliente, o planejamento das intervenções terapêuticas, a
sua execução e a avaliação dos resultados obtidos. Por
causa da amplitude do tema, o mesmo será dividido em
dois. Primeiro será discutido o caráter diagnóstico da
análise funcional (FAGGIANI, 2009) e em seguida a aplicação desta no contexto terapêutico.
As variáveis externas, das quais o comportamento
é função, dão margem ao que pode ser chamado de análise causal ou funcional. Tentamos prever e controlar o
comportamento de um organismo individual. Esta é a
nossa 'variável dependente' (o efeito para o qual procuramos causa). Nossas 'variáveis independentes' - as causas do comportamento (são as condições externas das
quais o comportamento é função). Relações entre as duas - as 'relações de causa e efeito' no comportamento são as leis de uma ciência (SOUZA, 2011).
Uma síntese destas leis expressa em termos quantitativos desenha um esboço inteligente do organismo
como um sistema que se comporta. No lugar da busca
por um agente originador do comportamento, a análise
estará voltada para o reconhecimento da múltipla e complexa rede de determinações de instâncias de comportamento, representada pela ação em diferentes níveis (logênese, ontogênese e cultura) das consequências do
comportamento sobre a probabilidade de respostas futuras da mesma classe (SOUZA, 2011).
O objetivo da análise funcional é identicar o comportamento-alvo da intervenção (aquele que está inadequado) e os elementos do ambiente que estão ocasionando e mantendo esse comportamento. Interessam (1)
o produto do comportamento, (2) seu contexto de ocorrência e (3) as operações motivadoras subjacentes a esse comportamento. Soma-se a esses dados a história
de vida do cliente (FAGGIANI, 2009).
Os analistas do comportamento procuram relações
causais na interação entre comportamento (a pessoa ou
outro organismo) e aspectos de seu ambiente. Esta ênfase não nega contribuições de aspectos genéticos, biológicos, bioquímicos, neurológicos e outros do organismo.
Ela simplesmente identica os tipos de relações causais
buscadas pela ciência comportamental skinneriana; ela
é a direção na qual os analistas do comportamento procuram as relações que explicam seu objeto de estudos
(SOUZA, 2011).
Em relação às análises funcionais, os autores Haynes e O´Brien (1990 apud COSTA e MARINHO, 2002, p.
3), destacam ainda, algumas características das mesmas, que serão apresentadas abaixo:
• a) são mais probabilísticas que deterministas;
• b) são transitórias e podem variar com o tempo (por
exemplo, as variáveis relacionadas ao início de
um problema podem não ser aquelas relacionadas a seu desenvolvimento posterior ou manutenção atual);
• c) são não-excludentes, ou seja, a relação entre duas variáveis não impede a relação entre essas e
outras variáveis;
• d) variáveis funcionais podem ser de nível macro (como etnia ou classe social) ou variáveis de nível micro (como freqüência de criticismo social);
• e) relações funcionais causais requerem que as variáveis causais sempre precedam o evento causado; esta é uma condição necessária, mas não
suciente para causalidade;
• f) eventos privados podem entrar na análise funcional em diferentes vias: podem ser o comportamento-alvo, podem ser antecedentes ou podem
ser consequências;
• g) identicar as variáveis que atualmente causam um
problema clínico pode ser muito difícil, já que no
ambiente natural há muitas outras variáveis que estão correlacionadas com a causa verdadeira;
• h) podem ter limites; uma importante limitação é que
relações funcionais são difíceis de serem comprovadas.
2.2 Como se aplica a Análise Funcional no contexto clínico.
A análise funcional é um dos instrumentos mais valiosos para a prática clinica. A partir dela, é possível o levantamento correto dos dados necessários para o processo terapêutico. A identicação das variáveis e a explicitação das contingências que controlam o comportamento, permite que sejam levantadas hipóteses acerca
da aquisição e manutenção dos repertórios considerados problemáticos e, portanto, possibilita o planejamento de novos padrões comportamentais (DELITTI, 1997,
apud FARIAS, 2010).
Obviamente, o comportamento do cliente tem uma
função. Cabe ao terapeuta descobrir em que contingencias esse comportamento se instalou e como ele se mantém. E isso se faz pela análise funcional, a qual deve
abranger a história passada do cliente, o comportamento atual do mesmo e a relação que se estabelece entre
cliente e terapeuta. No contexto terapêutico a análise
funcional depende das informações fornecidas pelo ciente, pois de modo geral, é por meio do relato verbal que
o terapeuta tem acesso a história de vida do cliente
(DELITTI, 1997; FONTAINE, 1987 apud FARIAS, 2010).
De acordo com Costa e Marinho (2002), quando se
vai proceder a análise funcional de um comportamento,
de todas as informações que se tem sobre a vida atual e
passada do indivíduo, tem-se que selecionar aquelas variáveis que parecem ter relação causal com o comportamento analisado. Segundo Sturmey (1996 apud
COSTA; MARINHO, 2002, p. 4), algumas análises funcionais são feitas mais minuciosamente na perspectiva da
análise comportamental aplicada, em que o comportamento do indivíduo deve ser adequadamente descrito
em termos seguramente operacionalizados. Além de especicar o comportamento-alvo, uma análise funcional
adequada deve:
• a) especicar os comportamentos substitutos tomados durante a intervenção, ou seja, os comportamentos adaptativos que podem ser efetivos em
servir àquela mesma função;
• b) especicar em termos funcionais as consequências que mantêm o comportamento problema (podem incluir tanto reforço positivo como negativo);
• c) especicar as contingências que têm falhado em
manter a resposta adaptativa (pode ser que a pessoa nunca tenha aprendido comportamento apropriado; que o comportamento apropriado tenha
uma frágil história de aprendizagem; ou que atualmente haja pouco reforço ou haja punição para a
resposta adaptativa).
Desta forma, a partir do enfoque analíticocomportamental, o principal objetivo deste estudo foi
descrever e analisar no contexto terapêutico, as diculdades de assertividade de uma adolescente, atendida
em uma Clínica-Escola de Psicologia na cidade de Santarém-PA. Tal objetivo foi desdobrado nos seguintes objetivos especícos: (a) identicar a ocorrência de comportamento não assertivo no repertório verbal da cliente
durante as sessões terapêuticas e (b) explanar se houve
mudança positiva da não assertividade para a assertividade no repertório comportamental da cliente.
METODOLOGIA
O presente estudo utilizou como dados empíricos
transcrições de sessões de terapia comportamental de
um caso clínico envolvendo o atendimento de uma cliente adolescente por uma terapeuta-estagiária em treinamento no Estágio Clínico Supervisionado em Análise do
comportamento, com a supervisão de uma Professora
Orientadora e Psicóloga Experiente. Tais dados foram
analisados de forma semelhante à proposta de Canaan
(2002), onde a diferença metodológica do presente estudo consistiu no foco de análise que, no presente trabalho, se concentrou nas emissões verbais da cliente.
Participante
Verônica (nome ctício), 15 anos, feminino, natural
e residente em Santarém do Pará, solteira, estudante,
cursando o ensino médio, católica não praticante, veio
para a clínica por demanda espontânea, acompanhada
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da mãe adotiva e nunca conheceu os pais biológicos até
o presente momento. Uma das demandas que a mesma
trouxe para o processo terapêutico foi a não assertividade relacionada às amizades e relacionamentos familiar
e amoroso, visto que ela não conseguia dizer “não” e
acabava assumindo responsabilidades que não gostaria de assumir. Com isso, não se sentia bem e fazia tudo
contra sua vontade pelo fato de não querer magoar o outro. Verônica iniciou o processo terapêutico com outra terapeuta-estagiária em 2012 cando remanescente para
o ano de 2013. No ano de 2013 a cliente continuou a frequentar o processo terapêutico, sob orientação da nova
terapeuta-estagiária, sendo esta a primeira autora do
presente artigo.
Ambiente de realização dos atendimentos
A cliente foi atendida por uma terapeuta-estagiária
em treinamento no contexto terapêutico com enfoque
analítico-comportamental, do sexo feminino, sem experiência de atendimento clínico anterior e concluinte do
curso de Psicologia em uma Clínica-Escola de Psicologia localizada na cidade de Santarém-PA. Os atendimentos ocorreram em um dos consultórios da ClínicaEscola, totalmente adequado para atendimentos psicoterápicos, para que não ocorressem evasões de informações.
Instrumentos e Materiais
Os instrumentos utilizados nesse trabalho foram: a)
Programa do Estágio Supervisionado em Psicologia Clínica – Abordagem Comportamental; b) Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para a cliente e responsável da mesma, para que estivessem cientes da publicação do caso em artigo; c) Tabela das vantagens e desvantagens com o objetivo de analisar quais comportamentos não assertivos a cliente ainda apresentara; d) Tarefa de casa para que a cliente registrasse quais comportamentos assertivos apresentaria durante determinada situação, tanto nas situações de amizades, quanto
na questão de relacionamentos familiares e amorosos.
Termo de Compromisso para transcrição das sessões terapêuticas da participante; o Roteiro de Entrevista Psicológica, transcrições das sessões terapêuticas contendo relatos de terapeuta e cliente ocorridos em cada sessão, análises funcionais de cada sessão, o Planejamento Terapêutico para o caso clínico; f) Relatório do Estágio elaborado pela participante. Para a realização das
transcrições, foram utilizados os seguintes materiais:
computador para digitar transcrições, pendrive, papel e
lápis.
Procedimento de coleta e análise de dados
O atendimento da cliente ocorreu sob controle das
contingências acadêmicas estabelecidas pela supervisora para o desempenho da terapeuta-estagiária no
atendimento do caso clínico. A cliente foi atendida por nove (9) meses durante os quais foram realizadas dezeno-
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ve (19) sessões semanais de, em média, 50 minutos de
duração cada, divididas em avaliações, sendo que foram avaliadas as variáveis que controlavam a emissão
do comportamento não assertivo emitidos pela adolescente; intervenções que foram realizadas para que a
adolescente pudesse mudar esse repertório comportamental, entre elas: Tabela das vantagens e desvantagens e Tarefa de casa – Registro de Atividades Vivenciadas; e devolução de resultados, onde foi mostrada a Análise Funcional para adolescente.
Após a coleta, os dados foram registrados através
da escrita e discutidos os aspectos relevantes do estudo, o qual teve um enfoque analítico-comportamental. A
partir desses dados registrados e analisados, foram demonstrados os resultados do estudo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram registrados 543 relatos verbais da cliente, distribuídos ao longo de 19 sessões. Foram considerados
para a análise funcional, relatos nos quais a cliente destacou seus comportamentos e/ou de terceiros, eventos
relevantes e/ou comentários sobre os mesmos explicitando possíveis relações entre eventos ambientais e
comportamentais. A tabela 1 abaixo apresenta os comportamentos clinicamente relevantes relativos ao padrão
não assertivo de passividade apresentados pela cliente.
–––––––––––––––Tabela 1:––––––––––––––
Análise funcional dos comportamentos-problema
clinicamente relevantes (CCRs 1) observados
durante as sessões de atendimento.
CRB1
ESTIMULO
ANTECEDENTE
Falaram que a cliente está
ficando com N. e depois o
mesmo tinha dado um fora
na cliente.
COMPORTAMENTO
A cliente está preocupada com a
situação que aconteceu na escola,
com o N. A mesma diz que não
consegue resolver a situação
ocorrida.
A terapeuta pergunta se
Não gosto de ficar de mal com
a cliente conversou com
ninguém, tenho esse problema de
a amiga.
não dizer não pras pessoas.
As amigas querem que a
Não consegue dizer não as
cliente vá no mesmo ônibus amizades.
que elas.
A amiga pede dinheiro e a Dá dinheiro a amiga sem querer
cliente dá.
dar.
Assunto sobre o E.
Não ter coragem de dizer que só
quer amizade com o E.
A terapeuta ouviu.
Não gosta do E, quer terminar o
namoro com o E., mas não sabe
como.
ESTÍMULO
CONSEQUÊNTE
Continuarão a falar dela na
escola e a mesma continuará a
sentir mal e não conseguirá
encarar a situação.
Reforço Negativo - Evitar
conflitos com as pessoas.
Reforço negativo - Fazer o que
as amizades querem e não o que
ela quer.
Se afastar da amiga; a amiga não
falar mais com a cliente.
Poderá magoar o E.
Se sentir mal por magoar o E.
que gosta dela; não iludir mais o
E.
Conforme a tabela 1 acima, podemos perceber que
a cliente apresentou vários comportamentos relacionados à diculdade de assertividade que segundo Pereira
(2007) é a falta dessa qualidade de não saber expressar
o que realmente quer, que implica numa constante postura defensiva e passiva em relação as diculdades mais comuns que surgem na vida. Nota-se que a cliente
não consegue lidar com determinadas situações conituosas, entre elas, está relacionamentos de amizades,
familiares e amorosos. Não ter coragem de falar o que
pensa, é um dos comportamentos que compõe a falta
de assertividade.
Para auxiliar a cliente na mudança desse comportamento foram utilizadas algumas intervenções, como por exemplo, a tabela de vantagens e desvantagens,
que teve como função prover um comportamento reexivo na cliente, organizando seus pensamentos para que
a mesma pudesse se auto-observar, aumentar seu autoconhecimento e ocorresse mudança comportamental relacionada a essa variável prejudicial (falta de assertividade). A intervenção foi bastante ecaz, pois a mesma
pôde identicar que na maioria das situações apresentava comportamentos não assertivos e, situações que a deixavam mal emocionalmente e, com isso poderia pensar
em agir de outra maneira, ou seja, sendo assertiva, fazendo o que tinha vontade, mas sempre ciente que não
poderia agir agressivamente com as pessoas.
Outra intervenção utilizada foi uma tarefa de casa,
que consiste no registro de acontecimentos em que a cliente vivenciasse, como por exemplo, situações diante
de suas amizades e relacionamentos afetivos, onde a
mesma teria que registrar em que momento ela conseguiria dizer não diante de situações conituosas para
ela. Esse treino de habilidades de assertividade foi importante para o processo terapêutico, pois com isso, a
mesma pôde perceber que ela poderia dizer não sem
magoar as pessoas, e entendesse que seria assertiva
ao expor suas vontades e compartilhar esse comportamento com suas amigas ou relacionamentos para que
os mesmos pudessem entender. Isso se conrmou na
tabela 2 exposta abaixo. Tais resultados conrmam a visão de Abreu (2011) que relaciona assertividade ao autoconhecimento, pois quanto mais o individuo se autoobserva e analisa funcionalmente seus comportamentos, mais estará em condições de tornar-se assertivo.
–––––––––––––––Tabela 2:––––––––––––––
Análise funcional de comportamentos
clinicamente relevantes de assertividade (CCRs2)
observados durante as sessões de atendimento.
CRB2
ESTIMULO
COMPORTAMENTO
ANTECEDENTE
Amiga debochou da cliente A cliente acredita que suas
na sala de aula e a deixou amizades não são boas pra ela e
constrangida.
está se aproximando de colegas da
sala que ela percebe que querem o
bem dela.
Não queria ir com a amiga Avanço na assertividade e fez o que
no mesmo ônibus.
queria.
Amiga era egoísta e só
Concordar que a amiga não faria o
pensava nela.
mesmo pela cliente.
Incompreensão das
Mudar as amizades.
amizades.
Namorados não fizeram
Quer esquecer os namorados
bem a ela.
porque eles não trazem vantagens.
A terapeuta orienta sobre as Concorda com a terapeuta sobre a
tabelas das vantagens e
tabela das vantagens e
desvantagens para que a
desvantagens
cliente organize sua vida.
A terapeuta passou dever
Trouxe a tabela das vantagens e
de casa sobre a tabela das desvantagens.
vantagens e desvantagens.
ESTÍMULO
CONSEQUÊNTE
Se sentir bem ao lado de pessoas
que a tratam bem.
Reforço negativo -Se sentiu
bem.
Não fazer mais o que a amiga
queria.
Poder ter amizades que fazem
bem e compreenda a cliente.
Se dedicar mais aos estudos.
Não sofrer decepções.
Trará ou não as tabelas.
Poderá refletir sobre suas
atitudes.
Observa-se na tabela 2 acima que o comportamento não assertivo de passividade diminuiu de frequência
mediante a aprendizagem de comportamentos considerados assertivos, como os exemplos da Tabela 2.
Observa-se que as análises funcionais tiveram um papel fundamental para que a mudança de comportamento fosse adquirida, conrmando a visão de Meyer (1997
apud SOUZA, 2011), de que a análise funcional é essencial para a predição e/ou o controle de repertórios de
comportamento em situações especícas, o que favorece a mudança de comportamento, a aprendizagem e a
manutenção de um repertório comportamental desejável para ao cliente em psicoterapia.
As intervenções comportamentais realizadas com a
cliente foram importantes para que houvesse essa mudança de comportamento. Pôde-se perceber um grande
avanço diante da diculdade de assertividade e que a
mesma estava apresentando comportamentos assertivos diante de determinadas situações na sua vida cotidiana. Relacionamentos de amizades, familiares e amorosos, estavam sendo bem conduzidos pela cliente, nos
quais a mesma passou a expor suas vontades e sentirse bem. Estes dados corroboram Farias (2010), sobre a
importância do relato verbal do cliente para a boa condução de intervenções comportamentais baseadas em
análises funcionais amplas, que auxiliarão no desenvolvimento do autoconhecimento necessário para a tomada de decisão do cliente em implementar mudanças no
próprio comportamento e solucionar suas queixas.
Percebeu-se que as análises funcionais e as intervenções tiveram um papel importante para que a cliente
pudesse mudar seu repertório comportamental relacionada à diculdade de assertividade, comportando-se de
maneira assertiva, como mostra Del Prette e Del Prette
(1999) ao referirem que a assertividade envolveria a expressão apropriada de sentimentos negativos e a defesa
dos próprios direitos, incluindo habilidades de comunicação, de resolução de problemas interpessoais, de cooperação e de desempenhos mais ecazes em atividades cotidianas que envolvem relacionamentos interpessoais.
CONCLUSÕES
Este estudo objetivou descrever e analisar as diculdades de assertividade na adolescência no contexto clínico com enfoque analítico-comportamental de uma Clínica-Escola de Psicologia na cidade de Santarém-PA.
De acordo com os resultados obtidos durante as sessões
terapêuticas, vericou-se que os objetivos foram alcançados em sua totalidade, pois, conforme a tabela 1 observou-se que a cliente apresentou falta de assertividade
em algumas situações ocorridas em sua vida cotidiana registradas nas sessões terapêuticas, que de acordo com
a análise funcional foi organizada em: Estímulo Antecedente, Comportamento e Estímulo Consequênte.
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Quanto à identicação de ocorrências frequentes
de comportamento não assertivo no repertório verbal da
cliente em sessões terapêuticas, pode-se constatar que
a mesma emitiu vários comportamentos não assertivos
e que essa variável estava interferindo de forma prejudicial na vida da cliente, visto que a mesma não se sentira
feliz diante de situações conituosas envolvendo relacionamentos de amizade, familiar e amoroso, pois não
conseguia lidar com essas situações. Em relação à vericação se houve mudança positiva da falta de assertividade para a assertividade da adolescente, o objetivo foi
alcançado, pois se percebeu que a mesma teve avanço
signicativo diante dessa variável negativa, sendo que a
adolescente conseguiu expor suas vontades, gostos,
quereres, sem agredir ou magoar as pessoas.
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Os resultados obtidos através do estudo e analisados conrmaram o quão foi importante o processo terapêutico, a análise funcional dos comportamentosproblemas da vida da adolescente e intervenção comportamental com a cliente, que com a ajuda da terapeuta, a mesma conseguiu entender sobre seus comportamentos e lidar com determinadas situações conituosas
decorrentes da vida cotidiana relacionadas à assertividade, onde a adolescente teve um treino de habilidades
para resolver tais variáveis que eram inoportunas na vida da mesma. Com isso, reforça-se que o processo terapêutico é importante na vida do ser humano, seja em
qualquer fase de sua vida, desde infância até a melhor
idade.
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