O peso do ambiente externo - Instituto de Economia

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Valor Econômico, 3 de março de 2017
O peso do ambiente externo
Por: Armando Castelar
Aos poucos, a economia brasileira vai saindo da crise de 2014-16. A
retomada será lenta e difícil, por conta do tamanho da recessão, do alto
desemprego, e de outras heranças do governo anterior: a crise dos Estados, o
elevado endividamento e a má alocação de capital incentivada pelas políticas
associadas à Nova Matriz Econômica.
O PIB deve crescer neste primeiro trimestre, contra o último de 2016,
acelerando ao longo do ano, para fechar 2017 com alta anualizada de 2,5%. A
inflação vai seguir em baixa, abrindo uma larga avenida para a queda dos
juros. O mercado de trabalho deve reagir em meados do ano, com alta do
emprego e da renda, inclusive por conta do aumento real do salário mínimo.
A boa gestão da política econômica, a aprovação do teto de gastos e a
perspectiva de que o Congresso aprove a reforma da Previdência foram
decisivos para elevar a confiança e viabilizar a retomada do crescimento.
Outros fatores também vão ajudar: a liberação do FGTS vai aquecer um pouco
o consumo das famílias e a excelente safra agrícola vai elevar o PIB do setor e
de outras atividades na sua cadeia, como a produção de máquinas agrícolas, o
processamento de grãos e o transporte de carga. A boa safra também vai puxar
a inflação para baixo, via preço de alimentos, e elevar a renda na área rural,
com impacto sobre o consumo.
Preço das exportações em dólar subiu 12% ao longo de 2016 e o prêmio
de risco, pelo CDS, caiu para 2,3 pontos
Por fim, há a melhora no ambiente externo. Há duas boas notícias a
destacar: a forte alta no preço das commodities e o aumento do apetite dos
investidores por ativos de risco, incluindo os de países emergentes. Juntos,
esses dois fatores melhoraram as contas externas, derrubaram nosso prêmio de
risco país, puxaram o dólar para baixo e levaram a bolsa para cima, melhorando
a confiança, beneficiando setores produtores de commodities, barateando o
financiamento às empresas e facilitando a derrubada dos juros pelo Banco
Central.
A contribuição dessa melhora do ambiente externo para nos tirar da crise
não deve ser menosprezada. O preço das nossas exportações, em dólar, subiu
12% ao longo de 2016, enquanto o prêmio de risco país, medido pelo CDS de
5 anos, caiu de 4,8 pontos percentuais (pp) em fevereiro de 2016 para 2,3 pp
um ano depois. Em paralelo, o real apreciou 32% nos 12 meses até janeiro de
2016 (taxa de câmbio efetiva real).
É uma melhora notável, não só por sua magnitude, mas também
porque não era isso o que se previa acontecer. Pelo contrário, a expectativa
era de que a eleição de Trump seria ruim para os mercados emergentes. De
fato, na reunião do Copom de fins de novembro de 2016 o Banco Central
observou que, no "âmbito externo, o cenário apresenta-se especialmente
incerto (com) o possível fim do interregno benigno para economias
emergentes".
Previa-se então que a combinação de um forte estímulo fiscal, em uma
economia com baixo desemprego, com aumento do protecionismo elevasse a
inflação, puxando os juros nos EUA para cima e valorizando o dólar,
especialmente em um contexto de juros superbaixos na Europa e no Japão. Isso
provocaria a desvalorização das moedas de países emergentes, pressionando a
inflação e colocando em risco a saúde das empresas com elevado
endividamento em dólar. Era o caso da Petrobras, por exemplo. Além disso, o
protecionismo iria prejudicar economias como a China e o México, com
repercussões para outros emergentes.
Porém, parafraseando Mark Twain, vimos que as notícias sobre a morte
do "interregno benigno" mostraram-se grandemente exageradas. O que
aconteceu?
Duas narrativas tentam racionalizar porque o "interregno benigno" não
foi embora. Uma é que a implementação das políticas de Trump está difícil na
prática, em especial na área de comércio exterior. A mudança de postura quanto
à China seria um exemplo disso. Uma visão mais cínica é que os investidores
estão simplesmente se agarrando às "boas" promessas e propositalmente
esquecendo as "ruins". A escalada na bolsa americana, puxada pelas promessas
de corte tributário e desregulamentação seria consequência disso. E esse
renovado apetite pelo risco estaria tornando os ativos em países emergentes
mais atrativos em termos relativos.
A outra narrativa foca no sucesso dos programas de estímulo fiscal e
creditício adotados na China a partir da virada de 2015 para 2016, que
conseguiram acelerar o crescimento e reduzir o risco de deflação. O fato de
essa retomada ter sido puxada pelas indústrias de transformação e construção
ajudou, junto com cortes na oferta, a puxar a demanda e os preços das
commodities para cima. A Europa e os Estados Unidos também dão sinais de
que estão acelerando o crescimento, com inflação em alta, e isso tem animado
os investidores, independentemente do que acontece com Trump.
Os investidores hoje demonstram grande apetite por investir em países
emergentes e o Brasil tem se destacado. Tomara que continue assim. Mas não
custa lembrar que mudanças de humor são comuns nessa área, que o governo
Trump está apenas começando e que muita coisa ainda pode mudar nos EUA.
Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV
e professor do IE/UFRJ. twitter: @ACastelar. Escreve mensalmente às
sextas-feiras.
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