R E V I S TA P O R T U G U E S A RPCV (2001) 96 (540) 197-199 DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS Ixodídeos (Acari: Ixodidae) parasitas de aves silváticas em Portugal * Ticks (Acari: Ixodidae) ectoparasites from wild birds in Portugal M.M. Silva1 **, P. Formosinho1, P. Melo2, A. Santos1, A.R. Filipe1 1 Centro de Estudos de Vectores e Doenças Infecciosas, Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, 2965 Águas de Moura, Portugal. 2 Parque Natural da Ria Formosa, Instituto da Conservação da Natureza, Quelfes, 8800 Olhão, Portugal. Resumo: Entre 1999 e 2001, foram realizadas colheitas de ixodídeos em aves silváticas, capturadas na região Sul de Portugal. Os resultados obtidos permitiram identificar seis espécies ixodológicas em aves. Deste modo assinalamos pela primeira vez a presença de Hyalomma marginatum em Bubo bubo (Bufo-real), Saxicola torquata (Cartaxo-comum), Falco naumanni (Peneireiro-das-torres), Acrocephalus scirpaceus (Rouxinol-pequeno-dos-caniços) e Alcedo atthis (Guarda-rios-comum) e de H. lusitanicum, Ixodes canisuga, Rhipicephalus sanguineus, R. turanicus e R. pusillus em Bubo bubo. Este estudo constitui o primeiro registo conhecido na Península Ibérica do parasitismo destas aves por ixodídeos. Summary: From 1999 through 2001 ticks were collected from wild birds caught in Southern Portugal. The results obtained report the presence of six species of ticks parasiting wild birds. We refer for the first time the presence of Hyalomma marginatum at Bubo bubo (Eagle Owl), Saxicola torquata (Stonechat), Falco naumanni (Lesser Kestrel), Acrocephalus scirpaceus (Reed Warbler), Alcedo atthis (Kingfisher) and H. lusitanicum, Ixodes canisuga, Rhipicephalus sanguineus, R. turanicus and R. pusillus at Bubo bubo. New host records by ticks at Iberian Peninsula are provided in this study. Introdução O estudo dos ixodídeos parasitas de aves reveste-se de grande importância, quer para a inventariação das espécies ixodológicas existentes, quer para a pesquisa de agentes patogénicos que a estas possam estar associados (Filipe, 1979; Hoogstraal e Aeschlimann, 1982). Em Portugal, a informação existente sobre este assunto é escassa havendo apenas registos pontuais de duas espécies de ixodoideos a parasitar aves: Ixodes frontalis (Dias, 1990) e Ornithodoros maritimus (Guiguen et al., 1984). Assim, no âmbito do conhecimento da ixodofauna das aves estabeleceu-se um projecto de colaboração entre o CEVDI (Centro de Estudos de Vectores e Doenças Infecciosas) e o ICN (Instituto da Conservação da Natureza) do qual * Trabalho apresentado no VII Congresso Ibérico de Parasitologia, 18 a 21 Setembro 2001, Porto ** Correspondente: Telef. 265912222; Fax 265912155; e-mail [email protected] são apresentados os resultados do primeiro estudo efectuado na região Sul do País. Material e métodos Foram pesquisadas aves capturadas entre Março de 1999 e Maio de 2001 na Reserva Natural de Santo André (38º 01’N, 08º 49’W), no Parque Natural do Vale do Guadiana (37º 32’N, 07º 31’W) e no Parque Natural da Ria Formosa (37º 01’N, 07º 48’W). As aves foram capturadas no decurso de operações de anilhagem, de acordo com a metodologia seguida pelo ICN (CEMPA/ ICN,1995) ou provieram de centros de recuperação de aves. Após a identificação específica, estas foram examinadas tendo especial atenção à região frontal do crânio, com incidência nas zonas, periocular, periauricular, cera e bico, para a detecção de artrópodos. Os ixodídeos removidos colocaram-se em tubos individuais, tendo sido enviados para o Laboratório de Entomologia Médica do CEVDI. Os ixodídeos foram identificados, com o auxílio de uma lupa binocular (Olympus modelo SZH), com base nas características morfológicas externas (Nuttall et al., 1911; Neveu-Lemaire, 1938; Hoogstraal, 1956; Tendeiro, 1962; Gil Collado et al., 1979; Cordas et al., 1993; Dias, 1994; Estrada-Peña, 2000; Walker et al., 2000). As ninfas com classificação ambígua, foram mantidas em condições adequadas à muda de fase evolutiva (Silva & Filipe, 1998) para posterior confirmação da diagnose específica. Resultados Das aves pesquisadas (N=604) foram detectadas 15 parasitadas, pertencentes a 5 das 39 espécies ornitológicas identificadas (Quadro1), tendo sido obtido um total de 64 ixodídeos, (17 ninfas e 47 adultos). Deste modo, assinalamos pela primeira vez na Península Ibérica, a presença de Hyalomma marginatum em Bubo bubo (Bufo-real), Saxicola torquata (Cartaxo-comum), Falco naumanni (Peneireiro-dastorres), Acrocephalus scirpaceus (Rouxinol-pequenodos-caniços) e Alcedo atthis (Guarda-rios-comum) e 197 Silva, MM et al RPCV (2001) 96 (540) 197-199 de H. lusitanicum, Ixodes canisuga, Rhipicephalus sanguineus, R. turanicus e R. pusillus em Bubo bubo (Quadro 2). Dos resultados obtidos destacamos ainda que em todas as aves parasitadas foram encontradas ninfas de Hyalomma marginatum. Verificou-se também que Bubo bubo, para além de ser a única ave a apresentar várias espécies ixodológicas, foi também a que apresentou o maior nível de infestação por ixodídeos, com 51 exemplares. Discussão As aves capturadas na região Sul de Portugal estavam parasitadas por ixodídeos, já detectados em outros hospedeiros observados em território nacional e no país vizinho (Dias et al., 1994; Dias, 1994; Caeiro et al., 1997; Caeiro, 1999). Assim, os resultados apresentados neste estudo permitiram ampliar os conhecimentos existentes sobre a ixodofauna e seus hospedeiros na Península Ibérica (Dias, 1994; Osacar-Jimenez, 1998). Verificou-se que H. marginatum é a espécie prevalente nas aves estudadas, já que foi observada em todos os exemplares parasitados. Estes resultados estão de acordo com o descrito por diversos autores que referem que estes hospedeiros são frequentemente encontrados com estados imaturos de H. marginatum (Hoogstraal, 1961; Hoogstraal, 1979; Hoogstraal & Aeschlimann, 1982; Cornet, 1995; Doby & Bigaignon, 1997; Baker, 1999). Todas as espécies de aves parasitadas são migradoras, embora apenas Falco naumanni e Acrocephalus scirpaceus se desloquem a Portugal para a nidificação anual. Quadro 1 - Espécies de aves pesquisadas e parasitadas por ixodídeos Quadro 2 - Espécies ixodológicas capturadas em aves f: fêmea; m: macho; n: ninfa 198 Silva, MM et al As restantes são consideradas migradoras ocasionais (Melo, comunicação pessoal). Desta forma, temos a considerar que os ixodídeos capturados possam ter origem no nosso país ou terem sido importados pelos movimentos de migração destas aves. A confirmar-se esta última situação, tornar-se-á consistente a hipótese da introdução no nosso país de artrópodos portadores de novos agentes patogénicos. Convém ainda referir a este propósito, que H. marginatum tem sido associado noutros países à transmissão de inúmeros vírus com importância em Saúde Pública, destacando-se o vírus da febre hemorrágica Crimeia-Congo e o vírus West Nile (Hoogstraal, 1979; Filipe, 1993). Outras espécies de ixodídeos, considerados não específicos de aves como é o caso de I. canisuga, H. lusitanicum, R. sanguineus, R. pusillus e R. turanicus, foram detectados em Bubo Bubo. Todavia pensamos que esta observação se deve ao contacto da ave com habitats e hospedeiros susceptíveis de estarem parasitados por estes ixodídeos. Com efeito, durante a nidificação e a procura de alimento Bubo bubo pisa o solo frequentemente, tendo como presas preferidas ratos, coelhos e outros mamíferos de pequena dimensão. Assim, a detecção destes artrópodos nesta ave tem implicações na sua dispersão, facto particularmente importante se atendermos ao papel que algumas destas espécies ixodológicas representam como vectores de agentes patogénicos em Portugal. Destaca-se neste contexto R. sanguineus pela transmissão de Rickettsia conorii, agente etiológico da febre botonosa ou escaro-nodular, vulgarmente designada por febre da carraça. No nosso país, esta é a principal doença associada a ixodídeos ocorrendo em média 1000 casos/ano (Bacellar, 1996; Bacellar, 1999). Deste modo pode atribuir-se às aves um papel preponderante na disseminação de ixodídeos e estabelecimento de novos focos endémicos de agentes por estes transmitidos. Agradecimentos Os autores agradecem o apoio dos técnicos do Instituto Nacional da Conservação da Natureza: Victor Encarnação, Carlos Carrapato e Nuno Ventinhas, cuja colaboração técnica foi fundamental para a realização do presente trabalho. Bibliografia BACELLAR, F. (1996). Rickettsias isoladas em Portugal. Contribuição para a identificação e classificação de estirpes. Dissertação para obtenção de grau de Doutor em Biologia, Évora, 1-325. BACELLAR, F. (1999). Ticks and Rickettsiae in Portugal In: Rickettsiae and Rickettsial Diseases. Editores: D. Raoult & P. Brouqui. Elsevier, Paris, 103-109. BAKER, A. (1999). Mites and ticks of domestic animals. An identification guide an information source. 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