QUEBRANDO (PRE)

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O ENSINO DA COLOCAÇÃO PRONOMINAL EM RELAÇÃO ÀS FORMAS
VERBAIS FINITAS: QUEBRANDO (PRE)CONCEITOS
Elisabeth Silva de Vieira Moura (Mestranda pelo PPgEL/UFRN)
[email protected]
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio Martins (UFRN)
INTRODUÇÃO
É muito comum que uma grande quantidade de pessoas acredite que ensinar
língua e ensinar gramática sejam a mesma coisa. Por ensino de gramática, normalmente,
se entende a soma de duas atividades: o estudo de regras de construção de estruturas,
cujo objetivo seria tentar firmar o uso de uma variedade padrão; e a análise de
determinadas construções, cujos objetivos se dão por razões culturais, externas à língua.
Podemos perceber, então, que, quando pessoas falam em gramática, ou em seu ensino,
pode-se estar falando em formas padronizadas em oposição a variedades populares, ou
em como a língua se estrutura. Talvez seja esta uma das razões para a distância entre
aquilo que idealizamos fazer no ensino de gramática e a prática na sala de aula: a falta
de clareza no que diz respeito a ensinar gramática e seus objetivos. Essa discussão nos
faz refletir sobre as diferentes orientações didáticas (ensino de língua a partir do uso ou
a partir da estrutura), sobre as diferentes concepções dos objetivos do ensino de língua
(domínio da língua para a comunicação ou para ascensão social), sobre os diferentes
objetivos atribuídos à escola básica (preparar para a vida ou para o vestibular), e,
finalmente, sobre as diferentes concepções de gramática (internalizada, descritiva,
normativa). Apesar de essa discussão ser muito antiga, ela ainda não se esgotou, porque
a prática escolar continua, em sua maioria, da mesma maneira, há muitos anos, embora
os avanços no discurso científico sejam claramente visíveis e significativos. Traremos,
neste artigo, uma reflexão sociolinguística sobre o ensino da colocação pronominal em
português, especialmente em relação às formas verbais finitas. Iniciaremos com a
apresentação de algumas concepções de gramática e suas respectivas concepções de
língua. Em seguida, apontaremos o que dizem quatro gramáticas tradicionais, quatro
linguistas e o manual didático Português: linguagens do 9º ano de ensino fundamental a
respeito dos padrões de colocação dos pronomes clíticos em português em relação às
formas verbais finitas para que possamos refletir sobre o assunto e repensar o modo
como ensinamos esse tópico gramatical, atualmente, no ensino básico.
1. LÍNGUA E GRAMÁTICA
Para que possamos discutir sobre o ensino de gramática, é necessário que,
primeiramente, defina-se o que é gramática. Vamos considerar, aqui, conforme Possenti
(1996), gramática como sinônimo de conjunto de regras, para, a partir daí,
distinguirmos duas diferentes concepções de gramática, fundamentais para a reflexão
aqui proposta.
Possenti (1996) diz que a palavra gramática pode ser entendida como um “1)
conjunto de regras de devem ser seguidas; 2) conjunto de regras que são seguidas;
(POSSENTI, 1996, p.64). Em consequência desse entendimento, há duas diferentes
perspectivas de gramática, respectivamente, a gramática normativa e a gramática
descritiva.
A gramática normativa (GN), conjunto de regras que devem ser seguidas, é a
mais conhecida na comunidade escolar, pois é a definição mais adotada nos materiais
didáticos, cujo objetivo é fazer com que o leitor fale e escreva “corretamente”. Essa
concepção de gramática traz um conjunto de regras que, se dominadas, podem auxiliar,
em alguns pontos, no uso da variedade padrão da língua, tanto na modalidade escrita,
quanto na modalidade oral. Podemos utilizar como exemplo, a regra que diz que não se
deve iniciar oração/período com pronome oblíquo átono, ou a regra que diz que para
uma determinada pessoa gramatical só existe uma forma verbal correspondente para
cada tempo e modo, ou seja, para a 2ª pessoa do singular (tu), o verbo cantar no presente
do indicativo só pode assumir a forma “cantas”, e não “canta”, forma muito comum no
uso informal da língua.
A gramática descritiva (GD), conjunto de regras que são seguidas, é a definição
orientadora dos trabalhos de alguns linguistas, cujo objetivo é descrever e/ou explicar a
língua como ela é usada, como o falante a utiliza, e não em ditar que tipo de construção
é “certa” ou “errada”, como faz a gramática normativa. Vejamos um exemplo muito
claro no qual as duas perspectivas de gramática já citadas divergem: as regras de
colocação dos pronomes oblíquos átonos. A GN traz regras de colocação que apontam
para uma visão equivocada do Português Brasileiro. É o caso, por exemplo, da
mesóclise. A GD diria que em Portugal, essa colocação é comumente utilizada por
pessoas dos mais diversos extratos socias, econômicos, etários e geográficos, porém, no
Brasil, esse padrão é raro na escrita e praticamente não existe mais na fala. Apesar dessa
realidade, a GN aponta essa colocação como a “correta” com verbos no futuro. Na
perspectiva descritivista de gramática não há pretensões prescritivas, constata-se, por
exemplo, que no Português Brasileiro, inicia-se oração e/ou período com pronome
oblíquo átono. A GD, apesar de não estar preocupada em apontar “erros”, vai além da
descrição, atentando para o fato de que pessoas de diferentes grupos sociais, etários,
econômicos, geográficos e históricos utilizam-se de formas diferentes de se dizer “a
mesma coisa” e que um mesmo falante, em situações comunicativas diferentes, também
se utiliza de formas alternativas para comunicar-se. De acordo com essa teoria, também
se constata que há resistência ou preconceito no uso de algumas dessas formas
linguísticas alternativas se elas não forem utilizadas por pessoas cultas, logo o critério
de avaliação dessas unidades é social, e não linguístico propriamente.
Observamos que as concepções de gramática citadas anteriormente referem-se
a regras, porém, o conceito de regra em cada uma delas é também diferente. A regra
referida pela GN é algo que se deve seguir, obedecer como a uma lei, expressando uma
avaliação do certo e do errado. Se o falante não as segue, é avaliado negativamente nos
meios social e escolar, sendo considerado “ignorante”, uma pessoa menos capaz de
exercer determinadas funções na sociedade. Já a GD refere-se à regra como
regularidade, constância. Nesse sentido, não há avaliações de certo ou errado. Nessa
abordagem, se observa que há regras na língua, embora algumas variáveis, como, por
exemplo, a concordância entre sujeito e verbo: podemos ouvir construções do tipo “nós
vamos” ou “nós vai”, mas não ouvimos construções do tipo “nós vou”. É fundamental
que se compreenda que o fato de uma pessoa seguir uma ou outra regra gramatical não
indica que ela é superior ou inferior intelectualmente a outra, embora sua escolha
produza avaliações sociais do tipo “isso é culto/inculto”, “isso é certo/errado”, “isso é
feio/bonito”.
Não menos importante, também, é que percebamos a concepção de língua
existente por trás de cada concepção de gramática apontada anteriormente. A GN
concebe a língua como equivalente às formas linguísticas produzidas por falantes cultos
ou por pessoas de prestígio na sociedade. São, principalmente, as modalidades escrita e
literária da língua as consideradas modelos de bom uso. Em casos extremos, chega-se a
confundir essas variedades com a própria língua, deixando-se de fora fatos linguísticos
pertencentes a outras variedades. Já a GD não deixa de fora nenhum fato linguístico
produzido pelo falante. Tanto a modalidade escrita da língua quanto a modalidade oral
são consideradas fatos dignos de descrição e explicação. A língua é concebida em suas
regularidades variáveis. A variedade padrão é apenas uma das variedades da língua a ser
estudada e as outras variedades não são consideradas linguísticamente inferiores ou
incapazes de expressar o pensamento.
De acordo com as concepções apresentadas acima, já podemos antecipar o
quanto as gramáticas normativas e os estudos linguísticos de base descritivista divergem
em relação ao objeto linguístico. Quando o assunto é a colocação pronominal no
português, não é diferente: as gramáticas tradicionais normativas e os estudos
linguísticos não abordam o tema de forma consensual, chegando até, em alguns
momentos, a se oporem completamente. É o que veremos na segunda parte deste artigo.
2. Os padrões de colocação dos clíticos em relação às formas verbais finitas
2.1 Segundo as gramáticas tradicionais
Vamos, inicialmente, observar o que dizem a respeito do assunto quatro
gramáticas tradicionais muito utilizadas por estudiosos das Letras, a saber: a Moderna
gramática portuguesa, de Celso P. Luft (2002); a Moderna gramática portuguesa, de
Evanildo Bechara (2003); a Nova gramática do português contemporâneo, de Cunha e
Cintra (2008) e a Gramática normativa da língua portuguesa, de Rocha Lima (2010).
No que se refere à colocação pronominal, especialmente aos padrões de colocação dos
pronomes clíticos em relação às formas verbais finitas, embora apontem que há divergências
entre o português brasileiro (PB) e o português europeu (PE) e procurem distinguir os casos em
que essas divergências ocorrem, em suas regras gerais, os referidos gramáticos não fazem
referências à linguagem literária contra a linguagem coloquial, nem apontam diferenças entre o
PB e o PE, apontando a ênclise como regra básica, como posição normal para o uso do pronome
clítico. Depois da exposição das regras gerais, normalmente em observações ou em notas de
rodapé, apresentam a colocação pronominal brasileira e dizem que esta se difere da portuguesa
principalmente na linguagem coloquial. Mostram também três fatos característicos do PB: a
colocação do pronome em início de oração, a preferência pela próclise de um modo geral, e a
próclise ao verbo principal nas locuções verbais.
Luft (2002), diferenciando-se dos demais gramáticos, diz se basear na variedade
brasileira da língua portuguesa. Além das regras gerais de colocação, aponta o que é
recomendável na língua culta e na língua coloquial e mostra diferenças entre o PB e o PE: a
próclise ao verbo principal nas locuções verbais e a ausência da mesóclise na fala do Brasil.
Luft também critica a condenação da colocação pronominal brasileira em gramáticas brasileiras.
Sobre isso afirma que:
Não faz nenhum sentido Gramáticas brasileiras condenarem a
colocação brasileira dos pronomes: é como a Gramática de Portugal
condenar colocações lusitanas (qué-lo, fá-lo, trar-to-ei, dou-ta). À
Gramática cabe registrar – e não condenar – usos de linguagem.
(LUFT, 2002, p.40)
Apesar de “defender” a colocação brasileira, Luft não a inclui totalmente em
suas regras. Eis as regras gerais de colocação dos pronomes átonos segundo Luft:
formas verbais finitas
PRÓCLISE
MESÓCLISE
ÊNCLISE
- Com partículas QU: pronome relativo, - uso lusitano, - Colocação básica,
interrogativo, exclamativo e conjunções sem
normal;
subordinativas;
comprovação
- em início de frase.
- nas negações.
na
fala
brasileira.
Quadro I: Regras gerais de colocação dos pronomes clíticos em relação às formas verbais finitas
segundo LUFT (2002)
Rocha Lima (2010) descreve a língua baseado na linguagem literária. Refere-se
a autores portugueses e brasileiros indiferentemente, sem apontar diferenças
significativas entre o PB e o PE na modalidade literária.
Sobre a colocação pronominal, só faz uma referência a particularidades do PB
numa observação final do conteúdo exposto na qual diz que é típico da sintaxe brasileira
o uso de próclise ao verbo principal nas locuções verbais. Observemos as regras gerais
de colocação dos clíticos segundo Rocha Lima:
formas verbais finitas
MESÓCLISE
ÊNCLISE
PRÓCLISE
- Em orações intercaladas;
- em orações negativas, desde
que não haja pausa entre o verbo
e as palavras de negação;
- nas orações exclamativas
iniciadas
por
palavras
exclamativas;
- em orações optativas;
- nas orações interrogativas
começadas por pronomes ou
advérbios interrogativos;
- nas orações subordinadas;
- com advérbios e pronomes
indefinidos, sem pausa.
- Quando o verbo abrir o período
ou oração;
- em orações intercaladas;
- quando o sujeito vier
imediatamente antes do verbo,
em orações afirmativas ou
interrogativas;
- nas orações coordenadas
sindéticas;
- nunca se pospõe pronome
átono às formas do futuro do
presente, nem às formas do
futuro do pretérito.
Quadro II: Regras gerais de colocação dos pronomes clíticos em relação às formas verbais
finitas segundo ROCHA LIMA (2010)
Bechara (2003) trata o assunto como fonético-sintático e afirma que dará as normas
que são observadas na linguagem culta, escrita e falada. Diz ainda que, se não infringirmos os
critérios apresentados, a colocação é uma questão de escolha pessoal. Em relação à colocação
brasileira, há uma contradição na fala de Bechara. Ele reforça a urgência de se combater a ideia
de que a colocação brasileira é inferior à lusitana, porém, quando apresenta suas regras, a
situação se inverte: as regras apontadas são relativas ao PE. Apenas num momento final, ele cita
algumas tendências do PB. Eis as regras gerais segundo Bechara:
PRÓCLISE
formas verbais finitas
MESÓCLISE
- com verbo flexionado em -Com
verbos
ÊNCLISE
no - Em início de oração.
oração subordinada;
- com verbo modificado
diretamente por advérbio
(sem pausa) ou precedido de
palavra de sentido negativo.
- Com verbos no futuro do
presente ou futuro do
pretérito do indicativo;
- Com verbo flexionado em
oração iniciada por palavra
interrogativa ou exclamativa;
- nas orações exclamativas e
optativas, com o verbo no
subjuntivo
e
sujeito
anteposto ao verbo.
futuro do presente
ou
futuro
do
pretérito
do
indicativo.
Quadro III: Regras gerais de colocação dos pronomes clíticos em relação às formas verbais
finitas segundo BECHARA (2003)
Cunha e Cintra (2008) reconhecem que há casos divergentes nas variedades
portuguesa e brasileira. Em suas regras, assim como os gramáticos anteriores,
apresentam a variedade lusitana, dedicando à variedade brasileira apenas um tópico no
final da apresentação das regras recomendadas. Vejamos as regras conforme Cunha e
Cintra:
PRÓCLISE
FORMAS VERBAIS FINITAS
MESÓCLISE
ÊNCLISE
- Com verbo no futuro do presente ou no
futuro do pretérito;
- nas orações que contêm uma palavra
negativa quando entre ela e o verbo não há
pausa;
- nas orações iniciadas com pronomes e
advérbios interrogativos;
- nas orações iniciadas por palavras
exclamativas, bem como nas orações
optativas;
- nas orações subordinadas desenvolvidas,
ainda quando a conjunção esteja oculta;
- quando o verbo vem antecedido de certos
advérbios ou expressões adverbiais e não há
pausa que os separe;
- quando a oração, disposta em ordem
inversa, se inicia por objeto direto ou
predicativo;
- quando o sujeito da oração, anteposto ao
verbo, contém o numeral ambos ou algum
dos pronomes indefinidos;
- nas orações alternativas.
- Com verbo
futuro
presente ou
futuro
pretérito.
no
do
no
do
- Posição lógica,
normal;
- sempre que houver
pausa entre um
elemento capaz e
provocar a próclise e
o verbo.
Quadro IV: Regras gerais de colocação dos pronomes clíticos em relação às formas verbais
finitas segundo CUNHA E CINTRA (2008)
Em síntese, as gramáticas analisadas basicamente apontam as mesmas regras,
apesar de Luft e Bechara se proporem a descrever o PB, e Cunha e Cintra e Rocha Lima
descreverem tanto o PE quanto o PB.
Em relação às formas verbais finitas, portanto, as gramáticas consideram a
ênclise a posição “normal”, mas apontam vários tipos de contextos sintáticos em que
deve ser utilizada a próclise. A ênclise predomina nos seguintes contextos de oração
principal declarativa: (1) verbo em posição inicial (início de período ou início de outra
oração); (2) oração coordenada e (3) oração com verbo precedido de um sujeito sem
fator de próclise. No início de período, a ênclise é praticamente obrigatória, mas alguns
gramáticos admitem a próclise em início de outra oração, especialmente oração
intercalada de citação.
A próclise ocorre quando há oração principal declarativa em que o verbo é
precedido de algum elemento que obriga essa ordem – negação, advérbio, pronome
indefinido, as palavras ambos e mesmo. Também ocorre próclise nas orações
interrogativas, exclamativas, optativas, subordinadas e coordenadas a subordinadas.
Com gerúndio ou infinitivo simples, a colocação mais comum é a ênclise, mas
é utilizada a próclise quando o verbo vem precedido de certos elementos (preposição
em; negação ou advérbio no caso do gerúndio; negação ou preposição em caso de
infinitivo).
Algumas dessas gramáticas observadas dão a entender que o modelo de
colocação pronominal exposto é o modelo de uma língua culta comum a Portugal e ao
Brasil, mas quase todas acrescentam separadamente algumas singularidades do PB. A
maioria delas aponta como apenas uma possibilidade a próclise ao verbo principal nas
locuções verbais e a ocorrência da próclise no início de período.
3.2 Segundo os estudos linguísticos
Agora que já foi visto de forma sucinta como as gramáticas tradicionais
abordam a colocação pronominal, vamos observar o que dizem quatro linguístas sobre o
assunto, são eles: Ataliba T. Castilho, Mário A. Perini, Ane Schei e Marco Antonio
Martins.
Castilho (2010) aponta uma predominância da próclise no PB, diferente da
colocação do PE, que é predominantemente enclítica. Aponta também que a colocação
dos clíticos no decorrer da história do português sofreu variações, com predominância
da ênclise até o século 16, depois o domínio da próclise até o século XVI e,
posteriormente, no PE, um retorno do predomínio da ênclise.
É importante referir que Perini (2010), em sua Gramática do português
brasileiro, também aponta como regra geral do PB a colocação do pronome oblíquo
antes do verbo principal. Ele afirma que a posição normal do complemento ou objeto é
depois do verbo, mas quando esse complemento ou objeto é um pronome oblíquo, sua
posição é antes do verbo sempre.
Segundo Schei (2003), em análise de textos literários escritos por brasileiros no
século 20, “há muitas semelhanças entre a colocação pronominal no PB falado e no PB
literário, e ambas as modalidades diferem, por conseguinte, do modelo de colocação
apresentados pelas gramáticas” (p.155). Quando a análise do seu corpus se refere às
formas verbais finitas, a linguísta se detém nos contextos em que há maior variação, os
“contextos neutros”, são eles: início de período, início de oração assindética, início de
oração intercalada de citação, depois de pausa, oração coordenada à oração principal, e
sujeito sem fator de próclise; e nos casos em que o verbo é precedido de advérbio e em
orações subordinadas. As formas verbais com as quais pode ocorrer mesóclise, Schei
analisa separadamente. Eis os padrões empíricos de próclise e ênclise verificada por
Schei nos contextos citados em sua análise de seis escritores brasileiros:
FORMAS VERBAIS FINITAS
PRÓCLISE
ÊNCLISE
- Oração coordenada à oração principal;
- sujeito sem fator de próclise;
- verbo precedido de advérbio;
- oração subordinada.
- Início de período;
- início de oração assindética;
- início de oração intercalada de citação;
- depois de pausa.
Quadro V: Padrões empíricos de colocação dos pronomes clíticos no PB, no século 20, em
relação às formas verbais finitas segundo SCHEI (2003).
As regras de colocação pronominal apontadas pela gramática tradicional
correspondem aos usos reais que os portugueses fazem dos pronomes, porém não há
correspondência dessas regras aos usos que os brasileiros fazem dos padrões de
colocação desses pronomes.
Sobre diferenças sintáticas entre o PB e o PE, e a implementação da próclise
em textos de brasileiros, Martins (no prelo) afirma que o século 19 marca um momento
de mudanças sintáticas significativas que distanciam as gramáticas do PE e do PB
contemporâneos, embora já se atestem, desde o século 18, construções características de
uma gramática vernacular brasileira, ou seja, construções que não foram encontradas em
nenhum outro momento na história do português.
O autor também chama a atenção para a próclise em orações com o verbo em
primeira posição absoluta e diz ser esse aspecto revelador da gramática do PB. Martins
observou, em seu corpus constituído de vinte e quatro peças de teatro escritas por
brasileiros nascidos no litoral de Santa Catarina entre os séculos 19 e 20 e de vinte e
uma peças de teatro escritas por portugueses nascidos em Lisboa no mesmo período, a
frequência da próclise em contexto V1 (próclise em início de período) e verificou que
houve uma evolução dessa colocação de 3% em textos de brasileiros nascidos no século
19 para 34% em textos dos nascidos no século 20. O autor ainda afirma que
“Há de se considerar que a maior recorrência de clV em contextos V1
está relacionada aos textos do século 20, mas esse padrão, inovador da
gramática do PB, é encontrado já na escrita brasileira do século 19.”
(Martins, no prelo, p. 191)
Os padrões empíricos de colocação dos pronomes clíticos encontrados na peças
de teatro pesquisadas por Martins foram organizados no quadro abaixo.
FORMAS VERBAIS FINITAS
PRÓCLISE
ÊNCLISE
- Orações não-dependentes com operadores - Verbo precedido por vocativos e
de negação;
elementos discursivos;
- orações não-dependentes introduzidas por - verbos precedidos por orações
quantificadores e expressões quantificadas;
- orações introduzidas por sintagmasQ/COMP preenchido;
- orações não-dependentes introduzidas por
advérbios focalizadores e quantificadores,
advérbios que quantificam sobre eventos,
aspectuais/modais e advérbios de atitude
proposicional;
- constiuintes focalizados;
- orações com sujeitos pré-verbais.
dependentes;
- orações com tópicos marcados;
- orações com o verbo em primeira
posição;
- orações com advérbios não-modais;
- orações com sintagmas preposicionais
pré-verbais.
Quadro VI: Padrões empíricos de colocação dos pronomes clíticos no PB, nos séculos 19 e 20,
em relação às formas verbais finitas segundo MARTINS (no prelo).
Após observar as abordagens da gramática normativa e dos estudos linguísticos
em relação à colocação pronominal, pudemos perceber o quanto elas divergem
significativamente. Veremos, então, o quanto isso se reflete no ensino de língua
portuguesa nas escolas.
3. O ensino da colocação pronominal
É essencial que conheçamos as variáveis da colocação pronominal do
português para que possamos trabalhá-las na sala de aula de forma coerente, respeitando
a diversidade linguística do nosso país. Continuar insistindo em desconsiderar a
realidade linguística do aluno, em valorizar exclusivamente a gramática normativa, em
discriminar os usos orais e as variedades diferentes da variedade padrão, não vai
colaborar em nada para o cumprimento dos objetivos do ensino de língua portuguesa,
que deve privilegiar o trabalho com textos dos mais variados gêneros, estilos,
finalidades e variedades. O professor deve trabalhar cada contexto variável sempre em
função da modalidade em uso e em função da variedade linguística apresentada no
texto.
O ensino dos padrões de ordenação dos pronomes clíticos se justifica na
medida em que colabora na execução de alguns dos objetivos do ensino de português
citados nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs):

conhecer e valorizar as diferentes variedades do Português,
procurando combater o preconceito lingüístico;

reconhecer e valorizar a linguagem de seu grupo social como
instrumento adequado e eficiente na comunicação cotidiana, na
elaboração artística e mesmo nas interações com pessoas de outros
grupos sociais que se expressem por meio de outras variedades;

usar os conhecimentos adquiridos por meio da prática de análise
lingüística para expandir sua capacidade de monitoração das
possibilidades de uso da linguagem, ampliando a capacidade de
análise crítica.(BRASIL, 1998, p.33)
Além disso, o fenômeno da colocação pronominal permite que o professor, em
um mesmo momento, mostre ao estudante a relação dos níveis sintático, morfológico e
fonológico da estrutura da língua. VIEIRA (2009) afirma que um trabalho com a
colocação dos pronomes clíticos pode ser realizado levando-se em consideração a
amplitude do fenômeno:
(a) sua face sintática, colaborando, em especial, com os estudos que
buscam explicações para a variação e a mudança linguística, a partir
das estruturas gramaticais; (b) sua face morfológica, averiguando, em
primeiro plano, a natureza categorial dos pronomes átonos numa dada
variedade; e (c) sua face fonológica, estabelecendo os elementos
prosódicos e acústicos que determinam os parâmetros de clitização, os
quais poderiam justificar opções distintas entre as variedades da
língua. (VIEIRA, 2009, p.122)
Então, no nível sintático, o professor pode trabalhar com a ordem dos
pronomes em relação ao verbo (próclise, mesóclise e ênclise) e com as relações de
complementação que esses pronomes possuem, como as funções de objeto direto e
objeto indireto. No nível morfológico, pode-se analisar a classe gramatical dos
pronomes, observando-se as categorias de número-pessoa e caso. E, finalmente, no
nível fonológico, o professor pode refletir com o estudante sobre a não tonicidade dos
pronomes clíticos, já que esses são desprovidos de acento próprio, dependentes
foneticamente da palavra à qual se ligam.
Vejamos como o livro didático Português: linguagens do 9º ano do ensino
fundamental apresenta os padrões de colocação pronominal em português. Os autores
do livro citado iniciam a abordagem do tema afirmando que há diferenças entre o PB e o
PE e que algumas dessas diferenças trazem dificuldades para nós, brasileiros, ou seja,
segundo eles, temos dificuldades em relação ao uso da língua, não sabemos tanto quanto
os portugueses a nossa língua. Os autores afirmam, ainda, que a gramática normativa
sofre grande influência do PE, mas não explicam o porquê desse fato, nem se
posicionam, explicitamente, diante dele. Vejamos as regras apontadas por eles:
PRÓCLISE
- com palavras de
sentido negativo não seguidas
de vírgula;
- com advérbios ou
locuções
adverbiais
não
seguidos de vírgula;
- com
pronomes
indefinidos e interrogativos;
- com
pronomes
relativos;
- com conjunção
subordinativa.
Formas verbais finitas
MESÓCLISE
ÊNCLISE
- Com verbo
- Posição normal
no futuro do presente na norma-padrão.
ou no futuro do
pretérito, desde que não
haja
condição
de
próclise.
Quadro VII: Regras gerais de colocação dos pronomes clíticos em relação às formas
verbais finitas segundo CEREJA E MAGALHÃES, 2010.
Cereja e Magalhães (2010) não falam dos casos com verbos não-finitos. Após
exporem as regras gerais, eles afirmam que a próclise em início de oração é marca da
fala brasileira espontânea e que a ênclise soa mais formal e técnica. O material
analisado segue o padrão adotado pelas gramáticas normativas, deixando de fora o
conhecimento dos padrões brasileiros de colocação e uma rica discussão sobre as
variedades do Português.
O ensino dos padrões de colocação dos pronomes clíticos, assim como todo o
ensino de gramática, deve partir da exploração de textos de diferentes modalidades,
registros e gêneros. O livro analisado não faz nenhuma referência a isso. A partir da
observação dos dados linguísticos, é interessante que o professor esclareça o estudante
de que a variedade brasileira da colocação pronominal não é errada nem inferior à
colocação lusitana, sem deixar de fazer com que o ele conheça os padrões de colocação
que a gramática tradicional impõe como regra e reflita sobre eles.
CONCLUSÃO
As aulas de colocação pronominal, de acordo com os livros didáticos,
provocam grande estranhamento ao estudante, que não vê, em sua maioria, nessas
aulas, descrição nem análise da colocação por eles conhecida, da colocação que ele
traz. A única informação sobre a variedade do estudante é a de que ela é “errada” e
“feia” e, por isso, deve ser prontamente corrigida e substituída pelo uso “correto”
apontado pelos livros didáticos e gramáticas tradicionais. Esse tipo de aula já não
responde mais aos objetivos de ensino de Língua Portuguesa atualmente. Os PCNs
trazem, entre outros, os seguintes objetivos de ensino, para os quais queremos chamar
atenção:

compreender a cidadania como participação social e política,
assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais,
adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade,cooperação e repúdio
às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito;

conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões
sociais, materiais e culturais como meio para construir
progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o
sentimento de pertinência ao país;

conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural
brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e
nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em
diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou
outras características individuais e sociais;

desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o
sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física,
cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção
social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no
exercício da cidadania; (BRASIL, 1998, p.7)

utilizar a linguagem na escuta e produção de textos orais e na
leitura e produção de textos escritos de modo a atender a múltiplas
demandas sociais, responder a diferentes propósitos comunicativos e
expressivos, e considerar as diferentes condições de produção do
discurso;(BRASIL, 1998, p.32)

conhecer e valorizar as diferentes variedades do Português,
procurando combater o preconceito lingüístico; reconhecer e valorizar
a linguagem de seu grupo social como instrumento adequado e
eficiente na comunicação cotidiana, na elaboração artística e mesmo
nas interações com pessoas de outros grupos sociais que se expressem
por meio de outras variedades;(BRASIL, 1998, p.33)
Isso não quer dizer que devemos desprezar o ensino da norma padrão nas
escolas, apenas devemos incluir nessas aulas informações sobre as variedades
linguísticas e explicar ao aluno porque a sua variedade, muitas vezes, não está
representada nos livros didáticos. Uma complementação do material utilizado
atualmente é necessária para reflexões sobre os usos que o brasileiro faz da língua
diferentemente do falante português.
Os apontamentos aqui feitos também não sugerem, de forma alguma, que não
se deva ensinar a variedade linguística apresentada na gramática tradicional, mas
devemos deixar claro que o ensino dessa variedade não é o mesmo que o ensino de
língua materna, nem o mesmo que o ensino de língua portuguesa. E isso deve ser dito
ao aluno para que ele compreenda o porquê de, muitas vezes, o que ele vê nas aulas de
português não é a língua que adquiriu, não é sua língua materna. A gramática tradicional
traz um outro estado de língua para a sala de aula, é como se fosse uma segunda língua
que o estudante precisa conhecer. Vejam, então, que parte do problema não está
exatamente em ensinar gramática normativa, e sim em ensinar gramática normativa
como se esta fosse a língua materna do estudante.
Nesse sentido, fica claro o quanto a postura do professor em relação ao ensino
de gramática é importante. A nossa proposta não é de substituição do ensino tradicional
da colocação pronominal pelo ensino exclusivo dos usos dos pronomes clíticos no
Brasil. Propomos um ensino bidialetal (cf. BORTONI-RICARDO, 2004, 2005 e
SOARES, 1999), ou seja, um ensino que aceite as diversas variedades linguísticas,
respeitando os contextos de uso de cada uma delas. Esse tipo de ensino pode contribuir
bastante para a melhoria do rendimento escolar do aluno, pois grande parte das
dificuldades dos estudantes tem como causa o conflito entre a linguagem escolar, que
privilegia uma variedade em detrimento das outras e a impõe como única digna de uso e
análise, e a linguagem da maioria dos brasileiros, que a escola condena e estigmatiza.
Para que o bidialetalismo seja realizado na escola, é preciso que o professor conheça as
variedades da língua e reconheça que todas são bem estruturadas gramaticalmente, isso
implica numa atitude positiva e não discriminatória por parte do educador. O professor
deve facilitar ao aluno o aprendizado da variedade padrão para que ele a utilize (ou não)
quando for requerido. Especialmente em relação aos clíticos, devemos promover, na
sala de aula, uma reflexão sobre a colocação dos pronomes oblíquos em português,
apontando o que há de semelhante e de diferente entre o que a GN aponta como
“correto” e o uso que fazemos de nossa língua, para que, então, o estudante possa
ampliar seu conhecimento linguístico e sua capacidade crítica diante de fatos da língua.
O aprendizado desse conteúdo não deve se dar apenas através de listas de regras, o
professor deve possibilitar ao estudante a leitura de textos de variedades diversas para
que ele possa observar o uso efetivo dos clíticos em situações concretas de uso.
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