Marcos Bagno: Linguista – Prof. da Universidade de Brasília http

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Marcos Bagno: Linguista – Prof. da Universidade de Brasília
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Textos e Artigos para a Revista Caros Amigos
Trago ou trazido? O tempo dirá!
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Marcos Bagno
Revista Caros Amigos – fevereiro de 2010
Um dos mais interessantes vetores da mudança linguística é a chamada hipercorreção, a atitude do falante que aplica
certas regras gramaticais onde, em princípio, elas não se aplicariam. Em sociedades com uma pesada tradição normativa,
como a nossa, impera também uma forte insegurança linguística na maioria da população. Acostumados a ouvir que “brasileiro
não sabe português” (porque só os portugueses “falam certo” a língua que, afinal, “é deles”) ou que “português é uma das
línguas mais difíceis do mundo”, somos levados a querer acertar demais, isto é, exageramos na aplicação das regras
gramaticais. Bom exemplo é a flexão no plural do verbo haver, impessoal (“Houveram muitos problemas”), ou a concordância
indevida com a expressão “trata-se de” (“Tratavam-se de casos excepcionais”), por pressão da regra estapafúrdia que manda ir
para o plural os verbos acompanhados do pronome “se” (“Alugam-se casas”, como se casas pudessem alugar-se a si
mesmas!). Outro caso clássico de hipercorreção é a famigerada “colocação pronominal”, que tira o sono dos brasileiros há
século e meio. Como o uso do pronome depois do verbo (ênclise) é totalmente estranho ao português brasileiro (onde o
pronome oblíquo antes do verbo é a colocação intuitiva, natural e espontânea), as pessoas tendem a usar exclusivamente essa
colocação, inclusive onde a gramática normativa proíbe (“Não lembro-me”, “Já telefonei-lhe”, “Espero que sinta-se bem”, “Eu
tinha mandado-a embora”). Também ocorre hipercorreção com os chamados “verbos abundantes”, que têm mais de um
particípio. Muita gente acha que só existem as formas “ganho”, “entregue”, “pago” etc. e que é errado dizer ou escrever “eu
tinha ganhado”, “tinha entregado”, “tinha pagado” etc. Por analogia e hipercorreção, surgiram novos particípios irregulares que,
só porque são novos, sofrem o combate sistemático dos patrulheiros gramaticais de plantão. Estou falando dos particípios
“trago” (“Ele tinha trago os livros”) e “chego” (“Ela tinha chego atrasada”) que, a julgar pelo combate violento que sofrem, já
devem estar muito bem instalados na gramática intuitiva da maioria dos brasileiros. Sobre “trago”, por exemplo, encontrei essa
belezura na internet: “Isso é uma asneira que é ouvida por aí entre alguns beócios”. Que meigo, não? Agora pergunto ao caro
leitor: você acha certo ou errado dizer “o corrupto foi pego em flagrante”? Acha certo? Pois veja o que dizia o conhecido
dicionário Caldas Aulete (na 5a ed., 1964) no verbete pego: “Só os incultos empregam este termo”. E agora veja o que diz o
dicionário Houaiss (1999): “pegar apresenta duplo particípio: pegado, pego (ê ou é)”. Como as coisas mudaram em 35 anos,
não? De uma análise preconceituosa para uma apresentação neutra, sem nenhum juízo de valor. Por isso, em vez de sair por
aí esbravejando contra o que é novo na língua, melhor procurar entender serenamente os processos de mudança linguística.
Assim, daqui a 50 anos, ninguém vai rir da sua cara ao ver que você condenava um uso que se tornou absolutamente normal,
corriqueiro e bem aceito por todos os falantes, inclusive os que se acham muito cultos e letrados!
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