Neurociência e Saúde Mental

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Neurociência e Saúde Mental
Doenças Desmielinizantes
(Manual Merk, 17ª Ed, Cap. 180)
As bainhas de mielina que recobrem muitas fibras nervosas são compostas
de camadas lipoproteicas formadas no início da vida. A mielina formada pela
oligodendróglia no SNC difere química e imunologicamente daquela formada pelas
células de Schwann na periferia, mas ambos os tipos têm a mesma função: promover a
transmissão de um impulso neural ao longo de um axônio.
Muitos distúrbios metabólicos congênitos (por exemplo, fenilcetonúria e
outras aminoacidúrias; Tay-Sachs, Niemann-Pick e doenças de Gaucher; síndrome de
Hurler e doença de Krabbe e outras leucodistrofias), afetam o desenvolvimento da
bainha de mielina, principalmente do SNC. A menos que um defeito bioquímico inato
possa ser corrigido ou compensado, resultam deficiências neurológicas, disseminadas,
geralmente permanentes.
A desmielinização na idade adulta é um quadro de muitos distúrbios
neurológicos; pode resultar de dano aos nervos ou à mielina devido a lesão local,
isquemia, agentes tóxicos ou distúrbios metabólicos. A perda extensa de mielina
usualmente é acompanhada por degeneração axonal e freqüentemente por degeneração
de corpos celulares, as quais podem ser irreversíveis. Entretanto, em muitas
circunstâncias ocorre remielinização, e o reparo, regeneração e recuperação completa da
função neural podem ser rápidos.
A recuperação, em geral, ocorre após desmielinização segmentar que
caracteriza muitas neuropatias periféricas e pode explicar exacerbações e remissões da
esclerose múltipla. A desmielinização central (ou seja, da medula espinhal, cérebro,
nervos ópticos) é o achado predominante em vários distúrbios de etiologia desconhecida
que são conhecidos como doenças desmielinizantes primárias. A mais conhecida é a
esclerose múltipla (ver detalhes adiante). Seguem também descrições breves das outras.
Encefalomielite disseminada aguda caracteriza-se por desmielinização
perivascular do SNC que pode ocorrer espontaneamente, mas em geral acompanha uma
infecção ou vacinação viral (ou, muito raramente, uma vacina bacteriana), sugerindo
uma causa imunológica. As neuropatias periféricas inflamatórias agudas que podem
ocorrer após vacinação viral ou síndrome de Guillain-Barré são distúrbios
desmielinizantes similares presumivelmente com a mesma imunopatogênese, mas
afetam apenas estruturas periféricas.
Adrenoleucodistrofia e adrenomieloneuropatia são distúrbios
metabólicos recessivos raros, ligados ao X, caracterizados por atrofia adrenal e
desmielinização, disseminada do sistema nervoso. A adrenoleucodistrofia ocorre em
homens jovens; a adrenomieloneuropatia, em adolescentes. Podem ocorrer deterioração
mental e cegueira. A adrenoleucodistrofia é invariavelmente fatal. Os tratamentos
dietéticos e imunomoduladores estão em estudo.
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A atrofia óptica hereditária de Leber e os distúrbios mitocondriais
relacionados são carcterizados primariamente por perda bilateral da visão central, que
geralmente afeta homens jovens no final da adolescência e próximo aos 20 anos. A
atrofia óptica hereditária de Leber pode assemelhar-se à neurite óptica na esclerose
múltipla. Foram identificadas mutações no DNA mitocondrial materno.
A mielopatia associada ao HTLV, uma doença da medula espinhal
lentamente progressiva, associada à infecção pelo vírus linfotrópico T humano
caracteriza-se por fraqueza espástica de ambas as pernas.
A esclerose múltipla é uma doença do SNC, lentamente progressiva,
caracterizada por placas disseminadas de desmielinização no crânio e medula espinhal,
resultando em sintomas neurológicos variados e múltiplos e sinais, usualmente com
remissões e exacerbações.
ETIOLOGIA E INCIDÊNCIA:
A causa é desconhecida, mas há suspeita de uma anormalidade imunológica.
Entre as causas postuladas incluem-se infecção através de um vírus latente
(possivelmente um retrovírus ou herpesvírus humano) em que a ativação e a expressão
desencadeiam uma resposta imune secundária. A incidência familiar e associação com
certos alotipos sugerem suscetibilidade genética. O ambiente pode ser um fator:
esclerose múltipla é mais comum em climas temperados (1:2.000) do que nos trópicos
(1:10.000, ela tem sido vinculada à área geográfica onde o paciente passou os primeiros
15 anos. A realocação após os 15 anos não altera o risco). A idade de início é
tipicamente entre os 20 e 40 anos, e as mulheres são um pouco mais afetadas que os
homens.
PATOLOGIA:
Placas de desmielinização, com destruição da oligodendróglia e inflamação
perivascular disseminam-se através do SNC, primariamente na substância cinzenta, com
preferência pelas colunas posterior e lateral (especialmente nas regiões dorsal e
cervical), nervos ópticos e áreas periventriculares. Os tratos no mesencéfalo, ponte e
cerebelo também são afetados, e a substância cinzenta no cérebro e medula também
podem ser afetados. Os axônios e corpos celulares usualmente são preservados,
especialmente nas lesões iniciais. Posteriormente, os axônios podem ser destruídos,
especialmente nos tratos longos e uma gliose fibrosa dá ao trato uma aparência
“esclerótica”. Podem coexistir lesões recentes e tardias. As alterações químicas em
lipídeos e constituintes protéicos de mielina ocorrem nas placas e em torno delas.
SINTOMAS E SINAIS:
A doença é caracterizada por vários sintomas e sinais de disfunção do SNC,
com remissões e exacerbações recorrentes. Os sintomas de apresentação mais comuns
são parestesias em uma ou mais extremidades, no tronco ou de um lado da face;
fraqueza ou paresia de uma perna ou mão; ou distúrbios visuais, por exemplo, cegueira
parcial e dor em um olho (neurite óptica retrobulbar), cegueira parcial, visão borrada ou
escotomas. Outros sintomas iniciais comuns são paralisia ocular resultando em visão
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dupla (diplopia), fraqueza transitória de uma ou mais extremidades, rigidez leve ou
fadiga incomum de um membro, distúrbios menores da marcha, dificuldades no
controle vesical e distúrbios emocionais leves; todos os sintomas indicam envolvimento
disseminado do SNC, e freqüentemente ocorrem meses ou anos antes da identificação
da doença. O calor excessivo (por exemplo, temperatura quente, banho quente, febre)
pode acentuar os sinais e sintomas.
Mental – Podem ocorrer apatia, falta de julgamento ou desatenção. É
comum a labilidade emocional podendo sugerir uma impressão inicial incorreta de
histeria. Em muitos pacientes ocorre euforia, mas em outros há depressão reativa. O
choro súbito ou o riso forçado (concomitante à paralisia pseudobulbar) indica que a via
corticobulbar do controle emocional está envolvida. Podem ocorrer crises convulsivas.
Alterações graves (por exemplo, mania, demência) são incomuns e ocorrem no final da
doença. A fala escandida (enunciação lenta com tendência à hesitação no início da
palavra ou sílaba), é comum na doença avançada. É rara a afasia.
Nervos cranianos – Além da neurite óptica inicial um ou mais dos
seguintes sinais oculares geralmente ocorrem ao mesmo tempo: atrofia parcial do nervo
óptico com palidez temporal; alterações dos campos visuais (escotoma central ou
estreitamento geral dos campos); oftalmoplegia transitória com diplopia (devido a
envolvimento dos tratos do tronco cerebral ligando o terceiro, quarto e sexto núcleos
nervosos). Na neurite óptica, pode ocorrer visão deficiente e a pupila afetada não se
contrai tão completamente em resposta à luz aplicada com na pupila normal; no entanto,
são raras outras alterações pupilares, pupilas de Argyll Robertson ou cegueira total. Um
achado comum é o nistagmo, que pode ser devido à lesão do núcleo vestibular ou
cerebelar. É incomum outra evidência de envolvimento de nervo craniano e quando
presente, usualmente é devido a lesão de tronco cerebral na área do núcleo dos nervos
cranianos. É rara a surdez, mas não a vertigem. O adormecimento facial unilateral ou
dor (assemelhando-se a neuralgia trigêmea) ocorrem ocasionalmente, como na paralisia
hemifacial ou espasmo.
Motor – Geralmente os reflexos profundos (por exemplo, do joelho e
tornozelo) são aumentados; geralmente há presença do sinal de Babinski e clono. Os
reflexos superficiais, particularmente abdominais inferior e superior, são diminuídos ou
ausentes. Freqüentemente, o paciente se queixa de sintomas unilaterais, mas o exame
evidencia sinais de envolvimento do trato corticospinhal bilateral. O tremor de intenção
devido a lesões cerebelares é comum, e os esforços propositais contínuos o acentuam. O
movimento é atáxico: trôpego, irregular, trêmulo e ineficiente. Pode-se observar tremor
estático, é especialmente evidente quando a cabeça encontra-se sem apoio. A fraqueza
muscular e a espasticidade decorrentes de lesão corticospinhal produzem uma marcha
cambaleante, rígida; posteriormente, uma combinação de espasticidade e ataxia
cerebelar podem ser totalmente incapacitantes. As lesões cerebrais podem resultar em
hemiplegia, que algumas vezes é o sintoma de apresentação. Atrofia muscular ou
espasmos flexores dolorosos em resposta a estímulos sensoriais (por exemplo, lençóis)
podem aparecer nos estágios finais.
Um padrão da doença inclui neurite óptica aguda, algumas vezes bilateral,
com desmielinização da medula espinhal cervical ou torácica (neuromielite óptica),
produzindo perda visual e paraparesia. A tríade de Charcot (nistagmo, tremor de
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intenção e fala escandida) é uma manifestação cerebelar comum na doença avançada.
Pode resultar disartria leve da lesão cerebelar, distúrbio do controle cortical ou lesão dos
núcleos bulbares.
Sensorial – A perda completa de qualquer forma de sensação cutânea é rara,
mas parestesia, adormecimento e embotamento da sensação (por exemplo,
hemianestesia por dor ou distúrbios da sensação vibratório ou sentido de posição)
podem ocorrer, e freqüentemente são localizados, por exemplo, nas mãos ou pernas.
Alterações objetivas são elucidadas apenas através de testes cuidadosos. Uma variedade
de distúrbios sensoriais dolorosos (por exemplo, dor em queimação, elétrica ou
paroxística) pode ocorrer, especialmente com a desmielinização da medula espinhal.
Autônomo – A urgência urinária ou hesitação, retenção parcial da urina ou
incontinência discreta são comuns no envolvimento da medula espinhal, bem como
impotência sexual em homens e anestesia genital em mulheres. Incontinência fecal e
vesical podem ocorrer na doença avançada.
EVOLUÇÃO:
A evolução é altamente variada e imprevisível na maioria dos pacientes
remitentes. A expectativa de vida na maioria dos casos provavelmente não é reduzida,
com exceção dos casos mais graves. A princípio, meses ou anos podem separar os
episódios, especialmente quando a doença começa com neurite óptica retrobulbar. As
remissões podem durar > 10 anos. Entretanto, alguns pacientes têm ataques frequentes e
se tornam rapidamente incapacitados; em alguns, particularmente em pacientes
masculinos, quando o início é na meia-idade, o curso pode ser rapidamente progressivo.
Algumas vezes, a exposição a calor excessivo e febre ou a ambiente piora os sintomas.
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