A sintaxe do sujeito em manchetes de primeira página

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A SINTAXE DO SUJEITO EM MANCHETES DE
PRIMEIRA PÁGINA
SAULO SALES DE SOUZA
RESUMO:
O tema desta pesquisa é a análise da ocorrência dos tipos
de sujeito nas manchetes de primeira página, de jornais tradicionais e populares. Será usada, como base teórica, a perspectiva de
estudos sintáticos relacionada à semântica histórica da enunciação, desenvolvida por Dias (2002), que prevê quatro formas de
ocupação do lugar do sujeito.
Os objetivos desta pesquisa são: evidenciar como a enunciação irá se relacionar com a sintaxe em relação ao sujeito nestes
tipos de jornais, e buscar uma maior compreensão de como os
papéis do leitor no contexto de enunciação dos dois tipos de jornal influenciará a sintaxe no preenchimento do lugar do sujeito. A
metodologia de pesquisa a ser adotada envolve o levantamento de
dados das manchetes de primeira página do jornal tradicional e
popular. O jornal tradicional é o de grande renome historicamente, no nosso caso adotaremos o Estado de Minas. Já o jornal
popular é o do tipo de jornal sensacionalista, no nosso caso,
utilizaremos como objeto de análise o Super Notícia.
Ao fim, observamos que o jornal tradicional e o popular se
especializam para informar a dois tipos diferentes de públicos, e
isto se dá através da escolha do campo de conhecimentos presente
em suas manchetes, o que reflete na sintaxe.
Introdução
O objetivo deste artigo é analisar o sujeito das manchetes
de primeira página de jornais tradicionais e populares, de acordo
com a perspectiva da semântica histórica da enunciação. Esta
análise possibilitará o encontro de regularidades nestas duas formas de enunciar.
A relevância desta análise vem do fato de se constatar que a
enunciação, o uso, define e explica padrões gramaticais. Esta
concepção vai contra as gramáticas tradicionais, que pregam um
procedimento normativo do uso de uma língua. Para nós, no uso
da língua encontramos regularidades, devido a sua historicidade;
ou seja, o uso que um grupo de indivíduos faz da língua ao longo
de sua história, e irá constituir um campo de conhecimentos comum nesta sociedade, e dentro deste campo encontraremos tais
regularidades do funcionamento de uma língua. A língua funciona
e constitui sentido, e nas regularidades de seu funcionamento
devemos buscar explicações para questões relativas à gramática.
Será usada, como base teórica, a perspectiva de estudos sintáticos relacionada à semântica histórica da enunciação. Esta
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perspectiva foi desenvolvida por Dias (2002) e prevê quatro tipos
de sujeito gramatical que serão explicadas mais adiante.
A análise do sujeito, de acordo com a perspectiva apresentada neste trabalho, esclarecerá questões relativas ao contexto
sócio-cultural que permeia o conhecimento jornalístico. Este contexto apontará o tipo de conhecimento e para quem ele se dirige,
por isso a sintaxe assumirá diferentes formas, devido a diferentes
regularidades que irão reger a forma de enunciar entre os jornais,
tradicional e o popular, a seus públicos, sendo esse o ponto principal de nosso estudo.
Foram levantados os dados das manchetes de primeira página do jornal tradicional e popular. O jornal de tradição é o tipo
de jornal bem conceituado e de grande renome até historicamente,
no nosso caso adotamos o Estado de Minas. Já o jornal popular é
o tipo de jornal sensacionalista, de caráter policialesco, no nosso
caso, utilizamos como objeto de análise o Super Notícia.
Na primeira seção deste trabalho faremos uma explanação
das teorias importantes para nosso estudo, como nossa noção de
enunciação, os tipos de sujeito de acordo com a perspectiva de
Dias (2002), e considerações de alguns autores a respeito do título. Na segunda seção faremos uma análise das regularidades nas
manchetes do jornal tradicional e popular, respectivamente, O
Estado de Minas e o Super Notícia. Por fim faremos nossas considerações finais sobre à análise dos dados e o ganho de nosso
estudo.
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1 – Fundamentos do lugar do sujeito
Neste trabalho, enunciação é entendida como “o acontecimento em que a língua funciona e assim constitui sentido”
(GUIMARÂES, 2006, p. 124). Vemos a enunciação como o
evento responsável pela formação de sentido em uma língua,
sendo ela, o ato de colocar a língua em funcionamento, que
constitui aquele que fala e seu destinatário, ou seja, locutor e
interlocutor.
Para
nossa
teoria,
enunciar
é
determinado
socialmente (Idem, 1989, p. 73), pois o conjunto de
conhecimentos de onde um enunciado provém é um construto
social e cultural no âmbito de uma sociedade.
A língua comporta duas dimensões, a orgânica e a enunciativa (DIAS, 2003, p. 61-2). A dimensão orgânica é onde os elementos sintáticos articulam entre si no nível da sentença, a dimensão enunciativa constituirá o que chamamos de lugar, que é
uma trilha na história das enunciações de um determinado item
lexical, as condições de ocupação de um lugar sintático estão no
nível da enunciação. O lugar é um ponto de convergência onde
essas duas dimensões constituirão a chamada demanda de saturação. De acordo com Dias (2002, p. 52) “Em outras palavras, temos, de um lado, formações simbólicas não projetadas nas unidades e nas formas articuladas; de outro, formas articuladas que
projetam formações simbólicas dispersas. Essa discrepância constitutiva entre o material e o simbólico produz uma demanda de
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saturação”. As duas dimensões são discrepantes, mesmo operando de forma constitutiva para um acontecimento enunciativo.
Nem todas as modulações das idéias são representáveis nas formas de articulação do meio sintático, ao mesmo tempo que, essas
formas de articulação, ora deixam a desejar na capacidade de
representação, ou ultrapassam essa mesma capacidade de representar. No nosso caso, nosso foco de atenção está no lugar do
sujeito. Esse lugar será ocupado de quatro formas diferentes, que
são as quatro formas de sujeito propostas por Dias (Id. ibid.). São
elas:
a) Base: O sujeito é formado por um sintagma nominal, tendo
como núcleo um substantivo (Id. ibid., p. 53). O substantivo constitui um ponto de estabilidade na relação constitutiva entre a dimensão orgânica e a enunciativa, devido a sua materialidade morfológica e a sua memória, que é sua trilha de ocorrência em outras
enunciações. O substantivo está submetido ao conjunto de elementos do sintagma, que interferem na constituição de seu sentido, porém ele não perde a sua qualidade de designador, que alimenta sua característica de ser um ponto de estabilidade ao representar o simbólico. “O sujeito aciona o verbo” (Idem, 2003, p.63),
assim, de acordo com nossa perspectiva, acionar o verbo é tirar o
verbo de sua forma tal qual o encontramos no dicionário, é conjugá-lo. O sujeito determinará a conjugação do verbo. Analisemos o
exemplo (1):
(1) a. Roberto atrasou de novo
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b. O irmão de Silas não se atrasa como ele.
c. Um aluno desta sala nunca chega no horário.
d. Nevou no sul do país.
e. Faz muito calor aqui.
Nas frases de (1a) a (1c) da dependência do núcleo em relação à definitude referencial. Nessa escala, os determinantes vão
adquirindo importância na contexto de enunciação do sintagma. A
definitude, para nós, está relacionada à pertinência que os objetos
da memória ganham no momento da enunciação. Não temos nenhum determinante em (1a), temos um artigo definido em (1b), ao
passo que temos um artigo indefinido em (1c). Assim para nós O
irmão de Silas possui a mesma definição de Um aluno desta sala.
As condições para a definição do núcleo são as condições para a
formulação de um sintagma com a força necessária a apontar para
este objeto no simbólico, na trilha de suas enunciações.
Na sentença (1d) temos a situação em que o sujeito não é
materializado lexicalmente. Há a condensação ao máximo das
possibilidades de definitude de um sujeito, que está inserido na
própria instância do verbo. O lugar de sujeito nesse caso possui a
característica de ter passado por um processo de repetição exaustiva em outras situações de enunciação, ao ponto de somente o
verbo remeter a esse sujeito. Facilmente percebemos que o sujeito
em (2e) é neve.
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Em (1e) temos um caso de projeção oblíqua (Idem, 2002, p.
57). Verbos que indicam existência e tempo, fazem com que as
condições de definição do sintagma nominal sejam uma especificidade do verbo. Nestes casos, o acionador do verbo está inserido
no objeto. È a própria necessidade de especificação que faz o
verbo ser acionado, constituindo-se assim o lugar do sujeito gramatical.
b) Suporte: “O sintagma que se situa no lugar do sujeito é formado por um dêitico” (Id. ibid., p. 56) nesse tipo de sujeito. Ao dizermos dêitico, falamos dos pronomes pessoais, dos demonstrativos isso, isto e aquilo, e aos advérbios de tempo e lugar. A capacidade de definitude do não está no interior do sintagma que ocupa o lugar do sujeito. O dêitico se comporta como uma âncora,
que se fixa na pessoa como perspectiva da enunciação, ou num
campo de orientação temática. Esse campo de orientação temática
diz respeito a textualidade em si mesma. Nessa espécie de sujeito,
a determinação não ocorre no interior do sintagma, pois a base de
referência está em outro lugar. Observemos o exemplo (2):
(2) a. Eu estudei ontem à noite.
b. Estudei ontem à noite.
c. Pedro e Tiago, estudem agora.
d. Estudem agora.
e. Copiando o dever de Paulo, hein Pedro.
f. Copiando o dever de Paulo!
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O acionamento do verbo ocorre segundo as condições de
definição do próprio acontecimento de enunciação. A ancoragem
desempenha seu papel, à partir da primeira pessoa, como em (2a)
e (2b), ou à partir da segunda pessoa, como em (2c) e (2d). Quando o lugar do sujeito não é explicitado em termos de léxico, a
identificação das perspectivas de primeira e segunda pessoa é
feita através das desinências verbais, como em (2b), ou de acordo
com o caráter imperativo da sentença, como em (2d), ou através
de um vocativo, como em (2e), ou ainda pela entonação, demonstrada pela marca da exclamação, como em (2f). Desta forma, a
presença ou a ausência de um pronome de primeira ou de segunda
pessoa é regida pelas condições que fazem um enunciado pertencer a um certo campo de orientação temática, ou seja, um texto.
Desta forma, de (2a) a (2f), a constituição da perspectiva de
pessoa, através da qual se faz a ancoragem, é determinada pela
relação entre o desempenho do ato de enunciação e o campo de
orientação da temática do texto.
c) Projeção: O sintagma ocupante do lugar do sujeito é formado
pelo que a gramática tradicional classifica como pronome indefinido, ou em outros casos, como pronome interrogativo. São palavras como “alguém”, “ninguém”, “todos” e “quem”. Nessa situação, “o sujeito é a projeção de uma identidade à partir da instância
enunciativa circunscrita pelo predicado”. Analisemos os exemplos de (3):
(3) a. alguém faltou ao trabalho hoje.
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b. Quem faltou ao trabalho hoje.
c. Todos compareceram ao trabalho.
d. Quebraram o contrato com a gravadora.
e. Vende-se guitarra em ótimo estado.
Podemos observar nestes exemplos que a base de projeção
do sujeito é definida pela situação de enunciação do predicado. O
alvo dessa projeção adquire o papel de acionador do verbo, assim,
de lugar do sujeito. Os pronomes indefinidos e interrogativos que
ocupam a posição de lugar do sujeito são os portadores da identidade projetada da situação de enunciação da sentença. A concordância ocorrerá de acordo com a morfologia de cada um desses
pronomes, nos exemplos de (3), verificamos alguém e quem como
singular, e todos como plural.
Nos exemplos (3d) e (3e) ocorre o que chamamos de identidade projetada (Id. ibid., p. 59). Nestes casos, não temos a ocupação do lugar do sujeito. Mas a expressão alguém que funciona
como paradigma dessa identidade. Assim, em (3d) teríamos o
portador de identidade que não parece no dimensão orgânica mas
entendido na dimensão enunciativa como “Alguém que quebrou o
contrato com a gravadora”, entendido pela gramática tradicional
como sujeito indeterminado. E em (3e) o sujeito seria “guitarra”,
pois seria, sentenças na voz passiva. Porém, dentro de nossas
perspectivas, consideramos a sentença (3e) como (3d), se tratando
de sujeito de identidade projetada não realizado no léxico.
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d) Perfil: O sintagma que ocupa o lugar do sujeito é formado pelo
que a gramática tradicional classifica como pronomes indefinidos,
especificamente “quem” e “aquele que”. De acordo com Dias
(Ibidem, p. 60), “Nesse caso, o sujeito é um perfil constituído a
partir da instância enunciativa circunscrita por uma base textual”.
Assim, o sujeito é evidenciado por meio de uma conclusão
produzida pela textualidade que dá suporte à sentença.
Observemos o exemplo (4):
(4) a. Quem planta, colherá.
b. Bebeu, jogou, furtou: beberá, jogará, furtará.
A constituição do perfil ocorre quando duas sentenças entram numa relação de causa/conseqüência, do tipo “Aquele que
age de tal forma, terá tal resultado”. O que sobressai dessa relação
é um perfil de sujeito que pode ser identificado como “Todo aquele que...”. Esse é o tipo de construção comum aos provérbios,
pois esse traz o que chamamos de “verdade condensada” em seus
próprios domínios. Essa condensação adquire pertinência, nesse
tipo de frase como em (4), onde se amarra o passado e futuro, o
gera o efeito de completude, prevalecendo acima de qualquer
experiência pessoal. O não preenchimento do lugar do sujeito em
(4b), se deve ao fato de que é previsível a composição orgânica
que deve ocupar este lugar, ou seja, este lugar só pode ser ocupado por “quem” ou “aquele que”.
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Outro conceito essencial para a definição do enunciado, e
conseqüentemente, destes tipos de sujeito, é a historicidade do
enunciado. O enunciado é constituído historicamente não do ponto de vista temporal, mas sim do ponto de vista do social. Assim,
um grupo de indivíduos com uma cultura em comum constitui um
corpo de conhecimentos em comum ao longo do tempo. Isto levará à formação de domínios de dizeres, que são conjuntos de expressões com sentidos que relacionam entre si, dentro de um dos
quais, um enunciado se constituirá (GUIMARÃES, op. cit., p.
74). De acordo com Orlandi (1999, p. 10), “se, por um lado, há
imprevisibilidade na relação do sujeito com o sentido, da linguagem com o mundo, toda formação social, no entanto, tem formas
de controle da interpretação, que são historicamente determinadas”. Segundo ela, a interpretação de um texto é determinada pelo
conjunto de conhecimentos sócio-culturais de uma sociedade. O
texto é enxergado aí como uma formação social, pois todo saber
em uma sociedade tem sua origem nessa historicidade.
O conceito de discurso e interdiscurso são também muito
importante para nossas teorias. Para Orlandi (1992, p. 20), “O
discurso é efeito de sentido entre locutores”. Assim, o discurso é
um conjunto de manifestações da língua em contato com determinadas posições sociais. De acordo com Guimarães (2005, p. 66)
“o Interdiscurso é a relação de um discurso com outros discursos”. Para nós, essa relação não se dá a partir de outros discursos
empiricamente particularizados, ela ocorre dentro de um conjunto
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de conhecimentos que a sociedade desenvolve ao longo de sua
história.
Analisaremos agora visões de teóricos da linguagem que
compartilham conosco de idéias importantes em relação aos títulos de manchetes de jornais. De acordo com Carmagnani:
O título é um micro texto de dimensão e formas variadas que
nomeia a obra/texto após sua execução, a partir de características tais como: veículo-utilizado, imagem que o sujeito enunciador faz ou pretende fazer de si próprio, imagem que o
enunciador faz de seu alocutário (leitor virtual), imagem que
o alocutário faz ou gostaria fazer de si próprio, e a natureza da
informação. Um mesmo título ou manchete significará de
modo diverso caso deslocado de uma seção para outra de um
mesmo jornal, ou seja, utilizado por outros jornais e revistas.
(CARMAGNANI, 1992, p. 564)
O título é uma espécie de pequeno texto que traz a idéia ou
mensagem principal de um texto maior. No caso das manchetes
jornalísticas, ele nomeia a descrição de um fato importante e pode
abordar diferentes áreas do conhecimento. Fatores como, o veículo responsável pela editoração de um jornal, imagem que o sujeito
que cria notícia faz de si e seu público alvo, ou a imagem que esse
público faz ou gostaria fazer de si, e a espécie de informação veiculada influenciarão não só na constituição da notícia, mas principalmente de sua manchete. Mesmo abordando um mesmo tema,
veículos jornalísticos diferentes construirão notícias e manchetes
diferentes.
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Outra importante consideração à respeito do título é feita
por Coracini:
Inserir o título numa situação real de interlocução equivale a
considerar o momento de produção como iminentemente interativo: um sujeito comunicante com determinadas intenções,
se dirige a um sujeito leitor, que terá por sua vez formulado
sua intenções (projetos) de leitura. O sujeito da comunicação,
no desejo de fazer coincidir os dois projetos enunciativos, se
servirá de estratégias já convencionadas e aceitas e/ou criará
outras. (CORACINI, 1989, p. 235)
Outro aspecto importante do título é que ele está no centro
de um processo interativo. O sujeito que cria a notícia se dirige a
um determinado público, que já tem suas áreas de interesse de
todo conhecimento sócio-cultural de uma sociedade. Assim, aquele que enuncia, ou seja o que cria a mensagem usará de artifícios,
como abordar temas de área de interesse do público alvo, usar
uma linguagem que crie empatia no leitor e de acordo com seu
grau de conhecimento e escolaridade para transmitir mensagens
de acordo com o interesse e capacidade de sua audiência. O título
da manchete é o ponto chave desta comunicação, que vem para
nomear este ato para atrair a atenção, interesse e curiosidade do
público alvo.
Os pontos apresentados nesta seção permitem um maior esclarecimento do que é nossa teoria e de como enxergamos as
manchetes. Para serem devidamente compreendidos os tipos de
sujeito, precisa-se do conceito de historicidade, que é definido
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pelo contexto sócio-histórico de um povo. O interdiscurso situará
as manchetes estudadas nesta pesquisa em relação sua historicidade. Estes são os pontos principais de nossa perspectiva teórica.
2 – A análise das manchetes de primeira página
Observemos particularidades quanto à sintaxe do lugar do
sujeito do jornal tradicional e popular, em termos de regularidade.
O Jornal tradicional apresenta manchetes com o lugar do sujeito
preenchido por siglas no lugar de núcleo do sintagma nominal.
Podemos observar este fato na manchete, “STJ liberta acusado de
mandar matar fiscais”. Este fato, recorrente neste tipo de jornal,
só aparece uma vez no jornal popular, na manchete “Obras do OP
digital serão divulgadas hoje”.
Encontramos ainda o lugar do sujeito preenchido por palavras abstratas. Para nós palavras abstratas são aquelas que remetem a instituições ou a obras que não podem ser percebidas visualmente, como na manchete do jornal tradicional, “Lady Di –
Investigação conclui que acidente matou princesa”, ou ainda em,
“Governo encarece os juros”. Nestes dois exemplos, vemos que
as palavras “instituição” e “governo”, não são obras visíveis,
assim tidas como abstratas. Outro exemplo que convém ser destacado é o de outra manchete do jornal tradicional, “Pesquisa -41%
das crianças de BH de até 4 anos têm cáries”, onde o núcleo do
sintagma animal é preenchido por uma porcentagem, que é uma
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espécie de abstração. Este é um fato com ocorrência muito baixa
no jornal popular, como no exemplo, “Acidente na BR 381 deixa
5 mortos”, ou em “Greve de médicos atrasa processos no Fórum
de BH”. É importante observarmos que no jornal popular encontramos grande ocorrência de determinantes no sintagma nominal
juntamente com substantivos abstratos, este fato é muito menor
no jornal tradicional. Isto se deve ao fato de que o jornal popular
tende muito mais a particularização com o intuito de aproximação
do dia-a-dia do público, causando um impacto no leitor, ao passo
que o tradicional tende a ser mais generalizante em sus temática.
Um caso importante é o das manchetes do jornal tradicional
“Laranjas complicam o deputado” e “Caixa 2 de Juvenil complica mais um deputado petista”. Nela, o lugar do sujeito é preenchido pelo que chamamos de superposição de referente, ou seja, o
núcleo do sintagma é uma palavra que foi acrescida de um sentido
diferente do original. Este fato lingüístico reforça a tese de que
um leitor ideal deste tipo de jornal deve dominar um nível mais
elevado de conhecimento, pois um leitor com baixo nível de conhecimento provavelmente não saberia do que se trata tais termos
que exigem um conhecimento mais específico e elevado de mundo. Desta forma, um público mais escolarizado provavelmente se
familiariza mais com este tipo de jornal. No jornal popular não
observamos nenhum ocorrência deste fato, isto reforça ainda mais
a tese que acabamos de proferir.
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Uma característica importante dos dois tipos de jornais são
os tipos de conhecimentos que encontramos nos dois, que remetem a recortes diferentes do interdiscurso. Os campos que mais
recorrem no jornal tradicional são a política mundial e nacional,
avanços científicos, economia nacional e mundial, e das artes, que
chamaremos de conhecimentos de destaque. Percebemos, então,
que essas manchetes vêm de recortes do interdiscurso de conhecimentos gerais, de uma escala municipal a mundial, por isso
essas manchetes causam um efeito de convidar para o texto, pois
ele trata de assuntos gerais, com uma certa distância em relação
ao público. Devido a estas características da manchete do jornal
tradicional, o leitor ideal deste tipo de jornal é o que chamaremos,
de público mais escolarizado. Por abordar temas referentes aos
conhecimentos de destaque, com manchetes com efeito de convidar o leitor para o texto, o público que regularmente tem interesse
por este tipo de jornal tende a ter um grau de instrução avançado,
necessário para dominar os assuntos abordados pelos recortes do
interdiscurso deste jornal.
Já o jornal popular atua em recortes do interdiscurso relativos aos conhecimentos dos desastres locais, das ocorrências policiais locais, vida de pessoas famosas do esporte e da TV, que
chamaremos de conhecimentos triviais. Desta forma, trabalhando
com conhecimentos mais particulares de uma dada sociedade,
esta espécie de jornal causará um efeito de impacto e empatia no
leitor, isto gerará um efeito familiaridade com qualquer leitor em
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potencial em uma sociedade específica. Pelo fato do jornal popular apresentar tais características, seu leitor tende ser o que chamamos de público menos escolarizado. Por tratar de assuntos
mais próximos da vida comum, pelo fato de usar os conhecimentos triviais como recorte do interdiscurso, daí não se exigir que o
leitor tenha um grau elevado de escolaridade, pois os jornais tratam de fatos próximos a ele. Como já ressaltamos na parte teórica,
há em um jornal uma especialização em termos de qual assunto
escreve, como escreve já visando um determinado público dentro
de uma sociedade.
Considerações finais
Pela análise feita, com base na relação entre a dimensão
enunciativa e sintática da língua portuguesa, encontramos regularidades, que descreveremos a seguir, nas duas formas de enunciar,
no jornal tradicional e popular. Mesmo tendo o mesmo tipo de
sujeito recorrente, o fator que faz a distinção entre a enunciação
dos jornais de grande e pequena circulação são os interdiscursos
dos quais eles são provenientes.
Os jornais tradicionais, que geralmente se referem a conhecimentos de destaque, abordam assuntos relacionados a campos
do saber mais geral. Assim, por pertencerem a este campo de
interdiscurso, as manchetes deste tipo de jornal apresentam a característica de remeterem para o texto. Desta forma, esse tipo de
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jornal, e naturalmente, suas manchetes, tende a falar de temas
mais generalizantes, que não têm grande proximidade com a vida
comum, que requerem um grau de instrução mais elevado do
público leitor para que dominem estes conhecimentos.
Os jornais populares, que geralmente se referem a conhecimentos triviais, abordam assuntos relacionados à vida corriqueira de uma dada sociedade. Por fazerem parte deste tipo de interdiscurso, esses jornais apresentam a característica de causarem
impacto no leitor. Assim, as manchetes do jornal popular tendem
a falar de fatos próximos da vida comum, que não requerem um
grau elevado de instrução para que o público absorva seus conhecimentos.
Vemos que o jornal tradicional e o popular se especializam
para informar a dois tipos diferentes de públicos, o mais e o menos escolarizado, e isto se dá através da escolha do campo de
conhecimentos, dos quais, suas manchetes são provenientes. Isto
tem reflexo na sintaxe, especificamente, no lugar do sujeito. Assim, a recorrência da presença de siglas, o tratamento sintático
que os substantivos abstratos recebem em cada espécie de jornal,
e recursos como a superposição de referente são eventos que podem ser estudados em termos regularidades para definir os parâmetros sintáticos de cada espécie de jornal, do tradicional e do
popular.
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Esperamos que, através deste trabalho, possamos ter confirmado a posição da enunciação como um caminho para se estudar a sintaxe das línguas, através de suas regularidades.
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