APRENDENDO A ESCREVER, ENSINANDO A FILOSOFAR: UMA

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APRENDENDO A ESCREVER, ENSINANDO A FILOSOFAR:
UMA EXPERIÊNCIA DE ALFABETIZAÇÃO FILOSÓFICA COM JOVENS E ADULTOS
DA EJA EM ANGRA DOS REIS
Angélica Lino Pacheco Paiva
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Filosofia e Ensino do Centro
Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da
Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de mestre em
Filosofia e Ensino.
Orientador: Prof. Dr. Filipe Ceppas de Carvalho e
Faria
Rio de Janeiro
Outubro de 2016
APRENDENDO A ESCREVER, ENSINANDO A FILOSOFAR:
UMA EXPERIÊNCIA DE ALFABETIZAÇÃO FILOSÓFICA COM JOVENS E ADULTOS
DA EJA EM ANGRA DOS REIS
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em
Filosofia e Ensino do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da
Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de
mestre em Filosofia e Ensino.
Angélica Lino Pacheco Paiva
Banca Examinadora:
____________________________________________________________
Presidente, Prof. Dr. Filipe Ceppas de Carvalho e Faria – UFRJ / CEFET/RJ
(orientador)
______________________________________________
Prof.ª. Dra. Maria Cristina Giorgi - CEFET/RJ
______________________________________________
Prof.ª. Dra. Eliane Ribeiro Andrade - UNIRIO
SUPLENTES
______________________________________________
Prof. Dr. Rafael Mello Barbosa – CEFET/RJ
_____________________________________________
Prof.ª. Dra. Rosana Rodrigues Heringer - UFRJ
Rio de Janeiro
Outubro de 2016
Ao meu pai Jorge Pacheco.
Nem a morte foi capaz de apagar meu amor e orgulho.
AGRADECIMENTOS
Não foi fácil chegar até aqui. Por vezes o medo, a ansiedade e as frustrações
estiveram entre meus companheiros inseparáveis. Por isso, essa conquista representa
bem mais do que um título em minha carreira profissional, acima de tudo é o resultado
de uma conquista pessoal.
Durante essa difícil jornada a fé em Deus me deu a força que necessitei para
não desistir de mim mesma. Portanto, se você está lendo essa dissertação é porque em
nenhum momento Deus me abandonou.
Em meio a essa caminhada algumas pessoas acreditaram em mim - as quais
gostaria de agradecer e dedicar esse estudo: primeiramente aos meus pais por me
trazerem ao mundo e me proporcionarem a alegria de ser amada.
Agradeço também ao meu esposo pelo apoio incondicional na realização desse
sonho. Meu sincero obrigada a minha sogra pelas vezes em que acordou de madrugada
para me levar até a rodoviária. Não poderia deixar de agradecer minha irmã Daiana pela
ajuda nos momentos em que estive desanimada e a minha amiga de faculdade Simone
Cristina de Souza, que faleceu durante a produção desse estudo.
Um especial obrigado ao meu orientador Filipe Ceppas pela atenção nas
correções e dedicação em tudo. Ao professor Castanheira pelos conselhos e aos
amigos e demais docentes do programa de pós-graduação em Filosofia e Ensino do
CEFET-RJ, bem como a professora Eliane Ribeiro - Unirio - que tanto me ensinou sobre
EJA em seus textos e sugestões e a professora Cristina Giorgi com a qual tantas coisas
aprendi.
Agradeço também a direção da Escola Raul Pompéia, por permitir a realização
desse estudo, as professoras Ivete e Tati - regentes das turmas de EJA onde o estudo
se desenvolveu - e aos alunos envolvidos no projeto. Agradeço também minha querida
amiga Ivanilma pela ajuda mais que importante e a Liz Borges pelo carinho.
Por fim, agradeço todos que de alguma forma me auxiliaram nessa conquista.
Em especial, aqueles que duvidaram do meu sucesso, ou que por horas me orientaram
a desistir desse sonho em virtude do cansaço aparente em minha fisionomia. A esses
últimos meu muito obrigado. Vocês me impulsionaram a acreditar ainda mais em mim.
Felicidade foi-se embora
E a saudade no meu peito ainda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque eu sei que a falsidade não vigora
A minha casa fica lá detrás do mundo
Onde eu vou num segundo quando começo a cantar
O pensamento parece uma coisa à toa
Mas como é que a gente voa quando começa a pensar
Felicidade foi-se embora
E a saudade no meu peito ainda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque eu sei que a falsidade não vigora
Na minha casa tem um cavalo tordilho
Que é irmão do que é filho daquele que o Juca tem
E quando pego o meu cavalo e o encilho
Sou pior que limpa trilho e corro na frente do trem.
(Lupicínio Rodrigues)
RESUMO
APRENDENDO A ESCREVER, ENSINANDO A FILOSOFAR:
UMA EXPERIÊNCIA DE ALFABETIZAÇÃO FILOSÓFICA COM JOVENS E
ADULTOS DA EJA EM ANGRA DOS REIS
Angélica Lino Pacheco Paiva
Orientador:
Prof.: Filipe Ceppas de Carvalho e Faria, Doutor
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Filosofia e
Ensino do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca,
CEFET/RJ, como requisitos necessários à obtenção do título de mestre em Filosofia e
Ensino.
A presente Dissertação de Mestrado pretende discutir a relevância da introdução do
Ensino de Filosofia em turmas de alfabetização da Educação de Jovens e Adultos como
possibilidade para criação de um espaço alfabetizador mais dinâmico e dialógico. Partese do pressuposto de que assim como o próprio discurso da EJA, fortemente ancorado
numa perspectiva filosófica, a prática escolar voltada à Educação de Jovens e Adultos
poderá valer-se da Filosofia como um dos caminhos para uma educação mais crítica,
reflexiva e criativa. A solução apresentada nesse estudo, para uma primeira inserção da
Filosofia em turmas de alfabetização em EJA, é a promoção de oficinas filosóficas com
os referidos sujeitos, que foram pensadas e aplicadas levando-se em conta as
especificidades do grupo em questão e que podem servir como um norteamento aos
educadores que desejarem realizar um projeto de alfabetização filosófica. Para tanto,
nas oficinas parte-se do conceito felicidade, valendo-se das perspectivas de Theodor
Adorno e Freud, visando refletir sobre suas múltiplas perspectivas, experiências e
possibilidades. Afinal, quando se trata da felicidade, parece unânime o desejo de possuíla. Nesse sentido, discutir felicidade com os alunos da EJA é abrir as portas da sala de
aula para um educar comprometido com a reflexão filosófica e, pretende-se argumentar,
com a oferta de um ensino mais humanizado. Sendo assim, esse estudo nasce da
necessidade de pensar a EJA filosoficamente e descobrir as possibilidades da Filosofia
nessa modalidade. Não se pretende que a Filosofia redefina os rumos da EJA. No
entanto, tentou-se demonstrar sua potência no que diz respeito à superação de
concepções e práticas problemáticas da Educação de Jovens e Adultos. Como
resultados, algumas considerações e observações das repostas dos alunos às oficinas
filosóficas foram apresentadas. Ao final da dissertação também disponibilizamos uma
proposta de material didático embasada nesse projeto que tenta auxiliar professores no
processo de inserção filosófica em turmas de alfabetização.
Palavras chaves: Ensino de Filosofia, Felicidade, Educação de Jovens e Adultos.
ABSTRACT
LEARNING TO WRITE, TEACHING PHILOSOPHIZING:
A LITERACY EXPERIENCE WITH PHILOSOPHICAL AND YOUNG ADULTS
IN THE YAE ANGRA DOS REIS
Angélica Lino Pacheco Paiva
Advisor:
Teacher: Filipe Ceppas de Carvalho e Faria, Doctor
Master's dissertation presented to the Post-Graduate in Philosophy and Education,
Federal Center of Technological Education Celso Suckow da Fonseca, CEFET / RJ, as
requirements for obtaining a master's degree in Philosophy and Education.
This Master's dissertation discusses the relevance of the introduction of Philosophy in
Youth and Adult Education (YAE) literacy classes as a possibility for creating a literacy
space more dynamic and dialogical. It was assumed that as the discourse of YAE,
strongly based in a philosophical perspective, the school practice focused on Youth and
Adults could make use of Philosophy as one of the ways for a more critical education,
reflective and creative. The solution presented in this study for a first insertion of
Philosophy in literacy classes in YAE is philosophical workshops with those subjects,
which were created and implemented taking into account the group's characteristics and
can serve as a direction to the educators who would like to conduct a philosophical
literacy project. Therefore, this study comes from the philosophical concept of happiness,
considering the perspectives of Theodor Adorno and Freud, in order to reflect its multiple
perspectives, experiences and possibilities. After all, when it comes to happiness, it
seems unanimous the desire to possess it. In this sense, to discuss happiness with
students of the YAE is to open the classroom doors to a school committed to a
philosophical reflection and to the offer of a more human teaching. Therefore, this study
comes from the need to think YAE philosophically and to find out the possibilities of
Philosophy in this modality. There is no intention to redefine the directions of YAE by the
Philosophy. However, this dissertation tried to demonstrate the power of Philosophy in
relation to overcoming the conceptions and problematics practices of YAE. As a result,
some considerations and observations of the students’ responses during the
philosophical workshops were presented. At the end of the dissertation it was offered a
proposal of teaching materials grounded in the project trying to assist educators in
philosophical insertion process in literacy classes.
Key words: Teaching Philosophy, Happiness, Youth and Adult Education.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Número de Matriculados da EJA por etapa de ensino 2007/2015
Gráfico1 - Taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais 2007/2014
Figura 2 - Fachada da Escola Municipal Raul Pompéia
Figura 3 - Vista aérea da Localização do Colégio Municipal Raul Pompéia
Figura 4 - Alunos do projeto “Ensinando a escrever, aprendendo a Filosofar
Figura 5 - Transcrição no quadro - palavras trabalhadas na 1° oficina.
Figura 6 - Transcrição no quadro - palavras trabalhadas na 2° oficina.
Figura 7 - Alunos escutando a música “Felicidade Foi-se embora”
Figura 8 - Aluna realizando atividade proposta na oficina
Figura 9 - Proposta para confecção das cartelas de bingo
Figura 10 - Aluna lendo palavras da cartela de bingo
Figura 11 - Oficina de exibição dos curtas
Figura 12 - Alunos assistem ao Filme “A procura da Felicidade”
Figura 13 - Releitura e resgate do filme “A procura da Felicidade” por meio
de suas imagens mais marcantes.
Figura 14 - Disposição das imagens do filme no quadro (abaixo das imagens estão
escritas as palavras que para os alunos melhor definem aquela cena)
Figura 15 - “Varal do Bem” - Motivação introdutória ao pensamento aristotélico
sobre a felicidade
Figura 16 - Construção do Varal do Bem
Figura 17 - Aluno participando de atividade sobre o consumismo
Figura 18 - Alunos lendo fichas sobre consumismo e analisando as figuras
Figura 19 - Disposição das fichas no quadro após dinâmica.
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113
LISTA DE SIGLAS
CEB
Câmara de Educação Básica
CNE
Conselho Nacional de Educação
EJA
Educação de Jovens e Adultos
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MEC
Ministério da Educação
LDB
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
SUMÁRIO
Apresentação
12
Justificativas
16
1.
1.1.
1.2.
1.3.
A busca pela felicidade: um conceito filosófico para se trabalhar com
a Educação de Jovens e Adultos
Felicidade, indústria cultural e Educação de Jovens e Adultos: o que há de
comum?
Felicidade em Freud
Ensinando Filosofia para jovens e adultos em fase de alfabetização:
desafios e possibilidades
1.3.1. O Ensino de Filosofia no cenário atual: repensando práticas de ensino na
EJA
1.3.2. Por uma educação Emancipadora
1.3.3. Por uma Emancipação contundente: reflexão e ação
1.4.
Pensando o Ensino de Filosofia na EJA como problema filosófico
2.
Um olhar filosófico sobra a produção de Materiais Didáticos para EJA
2.1
EJA e Filosofia: estabelecendo um novo olhar sobre a produção de
Materiais Didáticos
2.2
Alfabetizar a partir do conceito felicidade: um sentido mais humano ao ato
de aprender a ler e escrever
3.
Metodologia da Pesquisa: Uma classe de alfabetização da EJA como
lugar de experiências filosóficas
3.1
Repensando os espaços de alfabetização para jovens e adultos
3.2.
Caminho percorrido na pesquisa
4.
Conhecendo o lugar da pesquisa e as oficinas oferecidas
4.1.
O local da pesquisa
4.1.1. Sujeitos da Pesquisa
4.1.2. O início da Pesquisa
4.2.
Iniciando as Oficinas Filosóficas
4.2.1. Primeira Oficina: “ Felicidade foi-se embora”
4.2.2. Segunda Oficina: “Tristeza não tem fim felicidade sim”
4.2.3. Terceira Oficina: “A Felicidade na vida real”
4.2.4. Quarta Oficina: “Em busca da Felicidade”
4.2.5. Quinta Oficina: “A felicidade consiste em fazer o bem”
4.2.6. Sexta Oficina: “A felicidade e o Consumo Material”
4.2.7 O encontro entre teroria e prática escolar: algumas considerações
Considerações Finais
Referências Bibliográficas
Apêndice A: Planejamento das oficinas filosóficas
Apêndice B: Imagens utilizadas nas reflexões das oficinas filosóficas
Apêndice C: Autorização de uso da imagem utilizada na pesquisa
Apêndice D: Material Didático produzido a partir das oficinas filosóficas
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143
12
APRESENTAÇÃO
“Concepções de alfabetização são desafio, ainda, a enfrentar, pela
forma como educadores se formaram, crendo que, porque ensinam, os
sujeitos aprendem.”
Jane Paiva
Quando o assunto é educação, constantemente somos colocados em meio a
questões de grande complexidade. Algumas nos penetram de tal forma que torna-se
necessário, visando significar nossa trajetória acadêmica, colocar-se num movimento
constante de busca por caminhos que vislumbrem um processo educacional mais
coerente com o que acreditamos ser uma educação de qualidade. No meu caso, a
problemática que me atravessa já há alguns anos tem sido a Educação de Jovens e
Adultos e é na tentativa de produzir reflexões sobre essa modalidade que me coloco na
difícil, mas compensadora tarefa, de dissertar sobre EJA. Temática que se faz presente
não só em minha trajetória acadêmica, como também pessoal.
Filha de pais analfabetos e oriunda de uma família onde ninguém possuía ensino
superior decidi, ainda no Ensino Fundamental, que queria ser professora, mas foi
somente na disciplina de alfabetização, durante o curso de Pedagogia, que descobri o
verdadeiro sentido de ensinar alguém a ler e escrever.
Assim como a minha, a mãe do meu professor da disciplina de alfabetização doutor em Educação - era analfabeta. E de certo modo, tal como eu, ele carregava
consigo a marca do fracasso ao não conseguir alfabetizar sua própria mãe.
Apesar de todos os artigos publicados, de toda teoria estudada, no que dizia
respeito a sua própria mãe, tal qual como comigo, a realidade era outra. De maneira
que se fez muito difícil a compreensão de que a questão não estava no melhor método
ou material utilizado nas tentativas de alfabetização, mas no sentido que a leitura e a
escrita poderiam representar na vida daquelas senhoras.
Fato é que embora doutor em Educação, meu professor não sentia vergonha em
dizer que sua mãe não sabia ler e escrever, muito pelo contrário, aquele era um de seus
maiores orgulhos, pois mesmo analfabeta viu na educação a oportunidade de mudar o
destino de seus filhos. E de uma forma ou de outra, foi sua mãe que lhe ensinou o
verdadeiro intuito da alfabetização. Se não existe sentido naquela aprendizagem então
nem o melhor professor alfabetizador conseguirá alfabetizar.
13
Naquele momento eu compreendi que ser alfabetizador é muito mais do que
ensinar a escrever e ler palavras. É dar sentido ao que se ensina, ainda quando o
sentido nos parece evidente. Dessa forma, ser professor alfabetizador é despertar a
vontade de aprender, é produzir e / ou encontrar significações.
Nossas mães não possuíam essa vontade, não reconheciam esses sentidos,
suas vidas já as completavam sem que pra isso precisassem ser alfabetizadas. Ainda
que reconhecessem a importância da leitura e da escrita e que tivessem consciência do
quanto suas vidas poderiam ser diferentes com essa aprendizagem, o sentido, ou seja,
o significado dessa conquista não existia. Talvez pela idade avançada, pela falta de
perspectiva, ou por razões não reveladas, o sentido, a qual faz referência esse estudo,
não se fez presente nas nossas frustrantes tentativas de alfabetizá-las.
No entanto, é preciso despertar esses sentidos naqueles, que diferentemente de
nossas mães, sonham com a possibilidade de aprender a ler e escrever. É necessário
fazer pelos outros, o que não conseguimos fazer por elas. E quando digo isso, me refiro
à educação como um todo, no entanto mais precisamente, aquela destinada às classes
de alfabetização de jovens e adultos, haja vista a luta ainda travada pela conquista de
uma identidade educacional.
Embora possamos observar atualmente, após anos de completo descaso, certo
avanço envolvendo a EJA no plano legal, ainda é pouco notório esse progresso na
prática. Parece que o aflorar das pesquisas científicas que sinalizam a importância de
repensar o ensino ministrado na Educação de Jovens e Adultos, embora sendo de
importância inegável, não conseguem ultrapassar os muros da academia e se fazerem
concretas nas práticas docentes, ao passo que as legislações destinadas a essa
modalidade, revertidas de um aparente viés humanitário e revolucionário, ficam
trancadas à chave nas gavetas. Em suma em se tratando de EJA, tal como na educação
como um todo, o discurso apresenta-se perfeito enquanto a realidade está longe de ser.
Obviamente não conseguiremos mudar a realidade da EJA com essa
dissertação, e duvido daqueles que acreditam ser possível alterar essa situação por
meio puramente de palavras, mas penso que o despertar para uma reflexão que vise
propor novas metodologias voltadas à Educação de Jovens e Adultos possa ressuscitar
uma discussão que, embora iniciada, não atingiu a magnitude que deveria: a saber,
aquelas sobre a melhor forma de realizar um ensino o mais significativo possível para
esses sujeitos; ou seja, a melhor maneira de despertar sentidos.
14
Esse é o intuito do trabalho aqui exposto. E para tanto proporemos uma
metodologia pautada num projeto experimental de iniciação filosófica na alfabetização
por meio de oficinas. A ideia é utilizar conceitos filosóficos como norteadores do
processo de alfabetização. Nesse caso o conceito escolhido é a felicidade, com o qual
tentaremos promover reflexões sobre um ensino mais significativo, repleto de práticas
do pensar e agir.
Dessa forma, acreditamos ser necessário atribuir uma experiência legítima ao
ato de ensinar na EJA e nessa caminhada cremos que a Filosofia possa ser de grande
utilidade. Partimos do pressuposto de que essa área do conhecimento - por seu
potencial reflexivo, capaz de despertar novas formas de pensar sobre si e sobre o
mundo, poderá constituir-se numa ferramenta para a construção de um processo de
alfabetização envolto em perspectivas reflexivas e dialógicas.
Como dito acima o conceito filosófico escolhido para trilhar esse caminho de
alfabetização significativa foi o da felicidade. Optamos por ele pela própria importância
que lhe é atribuída. Desde a antiguidade é dito como a finalidade da vida. “A busca da
felicidade é da essência do ser humano e vem testemunhada em todas as culturas.”
(BOFF, 2016, p.41). Dessa forma, nada mais lógico do que valer-se de uma palavra tão
significativa para promover sentidos no ato alfabetizador.
Segundo dados do censo escolar 2015, cerca de 688.155 pessoas estão
matriculadas em classes dos anos iniciais da EJA, muitas das quais ainda expostas a
metodologias infantilizadas, que não desenvolvem possibilidades de pensamento crítico
e criativo, embora, seja importante acrescentar o inegável progresso das últimas
décadas no que diz respeito a produção de materiais didáticos direcionados à Educação
de Jovens e Adultos, que, contudo, muitas vezes não conseguem chegar, na prática, às
salas de aula.
Essa realidade da EJA se coloca enquanto justificativa para a busca de novas
formas de ensinar a ler e escrever que não estejam presas a metodologias tradicionais,
que embora funcionais, não são as mais adequadas para um público não infantil.
Estamos falando de jovens e adultos trabalhadores, pais e mães pertencentes a uma
sociedade capitalista, sujeitos à marginalização social.
É inegável também que o sujeito da Educação de Jovens e Adultos de hoje não
é o mesmo de ontem. Atualmente presenciamos uma heterogeneidade, outrora não tão
marcante, conhecida pelos especialistas da área por “juvenilização da EJA”, que
15
significa a entrada de jovens cada vez mais novos nessas classes. Esses jovens
ingressam na EJA, na grande maioria dos casos, porque são “convidados” a
matricularem-se nessa modalidade após inúmeras reprovações no Ensino Regular,
passando a conviver com alunos mais velhos, muitas das vezes com interesses e
necessidades diversas das suas. Outros recorrem à Educação de Jovens e Adultos,
pois abandonaram suas escolas muito cedo, sendo a busca por trabalho uma das
causas principais, no entanto, sem a efetiva inserção no mercado, pela baixa
escolaridade, decidem voltar à escola para terminar seus estudos e conseguir um
emprego com maior remuneração. “Essa presença marcante de jovens na EJA [...], vem
desafiando os educadores do ponto de vista das metodologias e das intervenções
pedagógicas, obrigando-os a refletir sobre os sentidos das juventudes [..].” (PAIVA, 2009
p. 32). Nesse contexto, alfabetizar por meio de palavras como lata e bala pode até ser
funcional, mas será o mais apropriado?
Esta pesquisa faz parte do universo de trabalhos que promovem reflexões
acerca das práticas alfabetizadoras destinadas à EJA e que se vale da Filosofia como
meio para repensar a atual realidade desse ensino. Para tanto, como referencial teórico,
foram utilizados os estudos de Theodor Adorno e Horkheimer sobre a indústria cultural
em Dialética do Esclarecimento, de Sigmund Freud em O Mal-Estar na Civilização e de
Paulo Freire no que diz respeito a uma educação libertadora, como em Pedagogia do
Oprimido e Pedagogia da Autonomia, dentre outros textos que julgamos pertinentes.
Nesse caminho de reflexão sobre a EJA muitos questionamentos estiveram
presentes e serviram como ponto de partida para pensar essa realidade filosoficamente,
a saber:

Qual o cenário atual no que diz respeito às metodologias utilizadas para
alfabetizar jovens e adultos?

Como as metodologias atualmente utilizadas auxiliam os alunos a desenvolver
seu senso crítico?

Qual sentido da Filosofia nas práticas alfabetizadoras para jovens e adultos?

Qual o espaço assumido pela Filosofia nas classes de alfabetização da EJA?

Quais os pontos positivos da inserção de conceitos filosóficos como norteadores
das práticas alfabetizadoras?
Responder esses questionamentos não é tarefa fácil. Por tal razão, nos
colocamos no caminho de investigar os sentidos que a Filosofia poderá assumir nas
16
práticas didáticas de alfabetização da EJA. Nessa perspectiva, nossa pesquisa
fundamenta-se nos objetivos específicos abaixo:

Investigar como a introdução do conceito filosófico felicidade no processo
alfabetizador poderá auxiliar professor e alunos da EJA a tornarem esse
momento mais dinâmico;

Verificar os ganhos e/ ou prejuízos da inserção filosófica em práticas
alfabetizadoras direcionadas aos alunos de uma turma específica da Educação
de Jovens e Adultos na cidade de Angra dos Reis;

Interpretar a resposta ao contato com perspectivas filosóficas como práticas
motivacionais de alfabetização de alunos e professor de uma turma de
alfabetização de EJA.
Justificativas:
“Frequentemente, a formulação de um problema é mais essencial que
sua solução.”
Einstein
Analisando as legislações pertinentes à EJA, observamos discursos engajados
na preparação de um cidadão pleno, crítico e criativo, capaz de pensar conscientemente
o mundo a sua volta. No entanto, na prática observada nas salas de aula o sentido está
em alfabetizar o mais rápido possível o adulto, sobre o discurso de que ele já ficou
muitos anos fora da escola para perder tempo com assuntos que não sejam a repetição
excessiva de letras e fonemas. Nessa perspectiva, apenas a língua portuguesa e, em
poucas atividades, a Matemática conquistam espaço nas salas de aula da EJA.
Contudo, torna-se impossível promover um ensino crítico e reflexivo valendo-se apenas
da repetição de fonemas e letras, ainda mais quando essa repetição se dá de forma
mecanizada e infantil.
Como formar alunos conscientes em meio a um ensino que não se abre às
reflexões e discussões sobre assuntos pertinentes à vida dos sujeitos ali presentes?
Como a prática alfabetizadora poderá ser portadora de criticidade quando o que mais
lhe importa é a pura junção de sílabas e palavras desconectadas da prática social?
Nesse cenário, o resultado de um ensino totalmente descontextualizado será a evasão.
Realidade essa que tem se mostrado constante na EJA.
17
Dados do Censo escolar mostram uma significativa redução nas matrículas da
EJA de 2015 em relação a 2014. Redução essa de aproximadamente 4,5%, que pode
ser observada em todo o país e em grande parte das etapas de ensino, porém que não
surgiu de agora, pelo contrário. Há cerca de uma década as quedas nas matrículas da
EJA têm se mostrado sintomáticas, sinalizando a importância de repensar esse tipo de
ensino.
Figura 1 – Número de Matriculados da EJA por etapa de ensino 2007/2015
A demanda por essa modalidade ainda é grande, pois, segundo o PNAD/IBGE
2014 aproximadamente 13 milhões de brasileiros não sabem ler e escrever
representando 8,5% da população com mais de 15 anos. Dessa forma, não é por falta
de potenciais alunos que as matrículas diminuem, o problema possui outra causa. E
dentre as possibilidades, uma delas pode ser a falta de sentido encontrado na
aprendizagem.
Gráfico 1 - Taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais 2007/2014
Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento,
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2007/2014
18
No que concerne a porcentagem de analfabetismo por sexo os homens
aparecem como o público com maior taxa de analfabetismo, como podemos observar
pelo gráfico acima. Isso é uma amostra de que na atualidade a mulher tem se destacado
na busca por melhores oportunidades de qualificação, inclusive apresentando maior
média em tempo de escolaridade que os homens, dados do IBGE (2014) mostraram
que em média as mulheres estudam 8 anos e os homens 7,5, embora continuem
ganhando menos que eles. Esse é um dado importante para pensarmos quem são os
potenciais públicos alvos da modalidade EJA e definirmos metas mais coerentes com a
realidade dos sujeitos desse ensino. Afinal, enquanto essa modalidade de educação for
considerada uma etapa secundarizada, destinada à poucos, presenciaremos um
aumento nas quedas das matrículas ainda mais significativo.
Nesse sentido, a EJA se coloca como um direito e não enquanto suplência. Não
é uma modalidade criada para atender àqueles que por ventura desejarem, após a
velhice, estudar. Muito pelo contrário, sua realidade atual absorve cidadãos dos 15 anos
em diante. Um público que cada vez mais se renova e que clama por propostas
pedagógicas que de fato os reconheça como sujeitos sociais com pensamentos e ações
próprias. Nessa perspectiva, campanhas emergenciais ou mesmo programas
experimentais não podem mais abranger a complexidade assumida por essa
modalidade nas últimas décadas.
O direito de aprender a ler e escrever vai cada dia mais se constituindo como
algo indispensável à própria sobrevivência humana. Portanto, não se trata de uma
simples necessidade assistida, mas de um respeito constitucional à educação. Assim,
se faz mais que urgente pensar a Educação de Jovens e Adultos, discutir EJA, produzir
sobre e para EJA. E de forma semelhante se faz urgente repensar as práticas
alfabetizadoras destinadas a esse público a fim de discutir e rediscutir as possíveis
formas pelas quais nossos jovens e adultos aprendem atualmente e dessa maneira
identificar as principais razões que lhes fazem novamente abandonar a escola.
Nesse sentido, pensamos que a Filosofia possa auxiliar o educador na difícil
tarefa de promover um ensino dialógico1. Não é porque estamos diante de uma classe
de alfabetização que devemos abandonar o pensar crítico e dedicarmo-nos a uma
1
Entendemos por ensino dialógico todo momento de aprendizagem que “abre espaço” para o outro, ou
seja, que envolve todos os atores na situação vivenciada, de maneira que professor e aluno encontramse concomitantemente em processo de construção do conhecimento. Os dois são sujeito do pensar e
caminham juntos na descoberta de que são “seres inacabados” que aprendem um com o outro por meio
da partilha do saber.
19
repetição mecanizada. E, se um ensino atual deve-se fazer de forma crítica porque não
por meio da Filosofia? Muitos hão de dizer que não é possível realizar tal proeza: ensinar
um analfabeto a filosofar. Prefiro a defesa de que, se optarmos por um ensino mais
humano, crítico e criativo, apesar de outros caminhos, a Filosofia coloca-se como algo
a ser considerado. Portanto a Filosofia será tratada aqui como um caminho em meio as
inúmeras áreas do conhecimento que podem vir a auxiliar no processo de uma
alfabetização crítica. Não a entendemos como a única solução possível, mas como um
saber signicativo a ser considerado nessa empreitada. E foi na tentativa de levantar uma
reflexão sobre um possível diálogo entre Alfabetização e Filosofia que procuramos
direcionar os capítulos dessa dissertação para um pensar crítico embasado na pesquisa
ação.
O primeiro capítulo traz uma discussão sobre a relevância da introdução do
ensino de Filosofia nas classes de alfabetização da EJA. Destina-se também a
apresentar a temática escolhida enquanto conceito filosófico norteador dos processos
de alfabetização, a saber: a felicidade. Para tanto, nos pautamos nas discussões de
Theodor Adorno e Horkheimer sobre a Indústria Cultural e sua relação com as diferentes
formas como concebemos a felicidade em uma sociedade altamente consumista.
Sigmund Freud também contribui nesse capítulo, onde procuramos explanar suas ideias
acerca da conquista da felicidade enquanto algo inalcançável na vida em sociedade.
Posteriormente um debate entre Paulo Freire e Theodor Adorno é colocado como meio
de dialogar uma possível forma de promover um ensino mais dialógico e criativo entre
os alunos da EJA.
O segundo capítulo é destinado a uma discussão sobre a produção de materiais
didáticos voltados à EJA salientando como se faz urgente, apesar da melhoria
observada, pensar um material didático que se constitua enquanto recurso para um
ensino mais humano e diferenciado e nesse cenário um recurso didático de
fundamentação filosófica poderá ser de grande valia.
No terceiro capítulo, dissertamos sobre o viés de pesquisa a qual pertence esse
estudo procurando deixar explícito ao leitor quais são as perspectivas que embasam
esse trabalho. Nessa caminhada, será empregada uma pesquisa que se faz
predominantemente qualitativa, por ser a que melhor se aproxima dos nossos objetivos,
uma vez que esse tipo de pesquisa, pautada em métodos de geração de dados,
praticamente impõe ao pesquisador a necessidade de um contato direto com o vivido e
com as representações de seus sujeitos. Os pesquisadores qualitativos dão destaque à
20
natureza social da realidade e a relação pesquisador e objeto de estudo, buscando
respostas para os questionamentos que evidenciam o modo como a experiência social
é construída e vai adquirindo significado. Portanto, partimos da inserção no campo como
objeto de estudo, salientando qual a importância dos sujeitos no cenário estudado e da
pesquisa participativa, por meio da oferta de oficinas filosóficas com temáticas derivadas
do conceito filosófico Felicidade.
O quarto capítulo dedica-se a relatar como se deu a inserção no campo de
estudo e as respostas da turma as ofertas das oficinas.
Como proposta de material didático direcionado a essa modalidade,
apresentamos nos apêndices o planejamento das oficinas que se transformaram em um
caderno de oficinas filosóficas para turmas de Educação de Jovens e Adultos em fase
de alfabetização, o referido caderno também se encontra em anexo. Nesse sentido, tal
material se destina aos educadores simpatizados com a proposta de alfabetização
filosófica aqui apresentada e que queiram ter sugestões de atividades a serem
desenvolvidas em sala. Para tanto, serão apresentadas orientações de como procederse nas oficinas e sugestões de como mediar atividades alfabetizadoras derivadas das
oficinas com jovens e adultos da EJA em Angra dos Reis.
Nosso intuito não é levantar pressupostos filosóficos de alfabetização, muito
menos defender a qualquer custo a contundente introdução dessa área do
conhecimento nas classes de alfabetização de EJA. Bem menos que isso, nossa
pesquisa pretende relatar as experiências vividas em um estudo de caso que procurou
levar a Filosofia, ainda que de maneira introdutória, aos analfabetos. Sabemos que “o
papel do pesquisador é justamente o de servir como veículo inteligente e ativo entre os
conhecimentos construídos na área e as novas evidências que serão estabelecidas a
partir da pesquisa.” (LÜDKE; ANDRÉ, 2014, p.05). Portanto, apresentamos mais um
ponto de partida do que um caminho nas questões de alfabetização na EJA. Trata-se
de um percurso longo que tem nessa pesquisa um dos seus primeiros passos. “Tanto
pode ser confirmado como negado pela pesquisa o que se construiu a respeito desse
assunto, mas o que não pode é ser ignorado.” (LÜDKE; ANDRÉ, 2014, p.02).
21
Capítulo 1 - A busca pela felicidade: um conceito filosófico para se
trabalhar com a Educação de Jovens e Adultos
“O professor autoritário, o professor licencioso, o professor
competente, sério, o professor incompetente, irresponsável, o
professor amoroso da vida e das gentes, o professor mal-amado,
sempre com raiva do mundo e das pessoas, frio, burocrático,
racionalista, nenhum deles passa pelos alunos sem deixar sua marca.”
Paulo Freire
Discutir Educação de Jovens e Adultos no momento atual é tarefa de poucos,
mas que deveria ser de muitos. Embora haja uma quantidade considerável de obras
que abordam temáticas da EJA, se levarmos em consideração a relevância do tema,
veremos que as pesquisas realizadas nessa área ainda estão muito aquém do que a
temática necessita.
Negligenciada por anos no que diz respeito às políticas públicas educacionais, a
Educação de Jovens e Adultos no Brasil esteve restrita a programas descontínuos que
pouco enfatizavam a elevação da escolaridade ou mesmo a formação profissional.
Notório é que muitos desses programas só surgiram por determinações internacionais
que pressionavam e ainda pressionam as nações em desenvolvimento a investirem na
educação, exemplo disso é a Campanha Nacional de Alfabetização de 1950, lançada
por pressões advindas do nascimento da Organização das Nações Unidas – ONU. A
maior
parte desses programas caracterizaram-se como de governo sendo
interrompidos, mesmo quando os resultados “caminhavam” para melhorias, por
determinação de um novo governo, como quando ocorreu a interrupção ao projeto de
Paulo Freire para elaboração do Plano Nacional de Alfabetização (STRELHOW, 2010).
Dessa forma, por muitos anos os sujeitos da EJA não fizeram parte do cenário
educacional do país, sendo atendidos em sua grande maioria por projetos não
governamentais oriundos de ONG`s, igrejas e movimentos sociais, como o Movimento
de Educação de Base (1961- CNBB), o que acabou por eximir ainda mais a
responsabilidade do Estado para com esse público seja pela falta de investimento, seja
pela falta de planejamentos visando melhorias, colocando no próprio sujeito analfabeto
a culpa de seu suposto “fracasso”. Em geral, as políticas para esse público estavam
restritas a propostas de alfabetização, como o Movimento Brasileiro de Alfabetização –
MOBRAL 1967 da Ditadura Militar) acríticas e empobrecidas, preocupando-se muito
pouco com um viés, hoje amplamente defendido, que é o da educação emancipadora e
continuada. Seu público alvo constitui-se de pessoas que interromperam seus estudos
22
ou que nunca chegaram a iniciá-los. Pessoas, em geral, desprovidas de oportunidades
sociais em função do baixo nível de escolaridade que, vivendo a margem da sociedade,
enxergavam na EJA melhores condições de sobrevivência. Nesse cenário, os
professores recrutados para a missão de alfabetizar jovens e adultos muitas das vezes
não possuíam formação de docente, bastava dominar a leitura e escrita. Realidade vista
ainda hoje nos locais mais afastados das grandes metrópoles brasileiras.
Assim, desconsiderada enquanto um direito, essa modalidade muitas vezes foi
vista como um favor prestado pelo sistema público à população humilde. Por tal razão,
sua voz foi calada em meio às políticas públicas de educação sob a alegação de que
não havia demanda por tal modalidade ou de que a urgência se encontrava no ensino
regular.
É pensando nesse sujeito da Educação de Jovens e Adultos que defendemos
uma articulação precisa entre Filosofia e EJA nos segmentos educacionais para
pessoas que não tiveram oportunidade de escolarização no tempo “destinado” pela
sociedade. Articulação essa capaz de trazer benefícios tanto pessoais quanto sociais,
pois promoverá uma política de educação com a possibilidade de unificar áreas
desconectadas por muitos anos, mas com poder de articulação formidável,
principalmente se levamos em consideração que uma educação destinada a esse
público deve ter a criticidade como elemento norteador.
Nessa perspectiva, trazer para sala de aula conceitos filosóficos como a
felicidade poderá ser uma forma de contextualizar um ensino que até o momento tem
se destacado mais pelo caráter conteudista do que pelo viés crítico. Muitos hão de se
perguntar: por que justamente o conceito felicidade? Por que não outros: como
cidadania, trabalho, etc.?
Primeiramente porque discutir felicidade com alunos da EJA é acima de tudo sair
da “zona de conforto” dos “conceitos concretos”, comumente utilizados na EJA – tais
como: trabalho, desemprego, sociedade, dentre outros – e lançar-se nos “conceitos
abstratos”, repletos de significações. Não que seja irrelevante dialogar sobre “conceitos
concretos”, pelo contrário, muitos são de extrema importância social e pessoal, porém
dar espaço para pensar e dialogar sobre o “abstrato”, o que efetivamente não se pode
palpar, é abrir caminhos para um ensino cada vez mais pensante.
E também porque o conceito felicidade possui forte influência na vida das
pessoas. Qualquer ser humano, seja ele pobre ou rico, quer ser feliz, pelo menos as
23
evidências nos levam a crer nesse fato. Trabalhamos, estudamos, enfim, nos
esforçamos para termos uma vida mais tranquila e consequentemente para que, mesmo
que no futuro, desfrutemos de momentos felizes. Assim, de maneira geral a felicidade
nos atravessa a cada momento, chegando muitas vezes a ser o verdadeiro sentido de
nossas vidas.
Fato que não vem de hoje, a busca pela felicidade é uma temática que permeia
a Filosofia há séculos. Já na Grécia Antiga, pensadores debruçaram-se sobre esse
assunto colocando em dúvida sua existência. Cada época produziu respostas sobre a
possibilidade de alcançar à felicidade, fundamentando, quando em defesa dessa
possibilidade, quais caminhos levavam ou levarão até ela.
Nos arriscamos a dizer que enquanto questão existencial a felicidade é o maior
desejo dos homens, afinal somos movidos pelos prazeres e alegrias que nos
atravessam. Em alguns momentos nos sentimos a “pessoa mais feliz do mundo”, em
outros “a mais infeliz”. Mas afinal, quando podemos dizer que somos realmente felizes?
Existe felicidade duradoura? Qual seria sua fonte?
No filme Hector e a busca pela felicidade (2014), um psicanalista, inconformado
com a monotonia que sua vida adquiriu com o passar dos anos, resolve abandonar sua
carreira e sua noiva para, em viagem pelo mundo, descobrir os sentidos da felicidade.
Nessa trama, presenciamos o protagonista viver momentos tensos e alegres em
situações variadas, que terminam por lhe transmitir ensinamentos sobre como a
felicidade é enxergada em meio a perspectivas variadas. Se ele consegue alcançar a
felicidade ao final da história? Digamos que Hector descobriu as razões que o deixavam
mais perto dela. Nesse sentido, a dinâmica atual da sociedade leva-nos a concluir que
os motivos que hoje nos fazem perguntar sobre a felicidade são distintos dos que
levaram outros pensadores séculos atrás. Demócrito de Abdera (460 – 370 a. C.), por
exemplo, nos diria que não é pelo corpo nem pela riqueza que os homens serão felizes,
mas pela retidão e pela sabedoria.
Há quem pense que a felicidade está na possibilidade de poder comprar tudo o
que desejar, pois é comum sentir-se feliz quando adquirimos algo que tanto
desejávamos. Mas afinal por que somos atravessados por esse sentimento de
satisfação que coloca no poder da compra sensações de prazer temporárias? Quais
contradições existem entre o ditado popular “dinheiro não traz felicidade” e a alegria que
sentimos ao poder adquirir através do dinheiro algo que tanto queríamos?
24
A resposta para essas perguntas talvez esteja na constante vontade que
possuímos de pertencer a um determinado grupo. Vontade essa que nasce permeada
pelas escolhas de vida que esse grupo adota e que por sua vez, exigirá de seus
membros.
Nessa perspectiva, o querer pertencer e ser aceito por um grupo, faz com que
desenvolvamos gostos e desejos que ao serem contemplados despertam sensações de
satisfação e alegria. Dessa forma, uma parcela da felicidade passa a ser encontrada em
desejos coletivos que variam de acordo com o grupo ao qual pertencemos e que por
isso mesmo são passíveis de mudanças, já que durante nossa existência nos
situaremos em grupos distintos por várias vezes, ou até concomitantemente. Portanto,
o que me faz feliz hoje pode não ser o que me fará amanhã.
Marcos Ferreira de Paula, autor do livro: Sobre a Felicidade, lançado em 2014,
relata em uma de suas passagens o quanto a alegria nas sociedades atuais é buscada
antes de tudo no consumo, que poderá manifestar-se das mais variadas formas.
Consome-se não apenas coisas materiais – carros, casas, objetos
eletrônicos, etc. –, mas também corpos (como no caso da prostituição),
imagens (televisão, internet, etc.) e drogas (em uma busca, muitas
vezes, de outros estados de consciência e percepção que escapem ou
evitem a realidade, quando ela é considerada chata, rotineira ou
artificial). (PAULA, 2014, p. 16)
Assim, quando pensamos em felicidade nos remetemos à noção de prazer, que
por sua vez, ao nos transmitirem alegrias, acabam direcionando nossa existência. E
como vimos o que transmite prazer ao indivíduo varia de pessoa para pessoa. Porém,
ao nos atermos ao consumismo como sendo uma das fontes da felicidade, notamos o
quão falho o mesmo se faz nessa busca. Podemos até nos alegrar ao comprar um
celular moderno ou um tênis de marca famosa, porém poucos meses depois esses
objetos já estarão ultrapassados e para nutrir aquela alegria passageira novamente
teremos que nos render aos ditames do capital, como num ciclo permanente.
Nesse sentido, não há igualdade entre a quantidade de materiais produzidos e
a felicidade proporcionada pelos que são adquiridos. Haverá sempre falta de felicidade
pela perspectiva do consumo. Mas por que mesmo diante da constante insatisfação
muitos de nós sentem-se mais completos ao consumir? Quais são os mecanismos que
nos fazem acreditar que a alegria que o consumo nos proporciona é legitima e
consequentemente agradável? A busca por essas respostas repousa na própria
maneira com que percebemos nossa existência e nos sentidos que procuramos atribuir
25
a ela. Dessa forma, cabe considerar o grau de autonomia que possuímos na busca pela
felicidade, ou seja, em que sentido essa busca é permeada pela subordinação e
aceitação do que nos é exterior.
O homem necessita de algum tipo de conteúdo em sua vida, porque é
devido a este que o significado surge em sua consciência. A
experiência do tédio avisa sobre um desconforto referente uma
carência de sentido. Sob essa carência, o indivíduo tem seu mundo
abruptamente roubado, de modo que o “eu” e as coisas ao seu redor
se diluem num todo idêntico. (SILVA, F., 2013, p.17).
Assim, ao refletir sobre a lógica do hiperconsumo notamos que a infelicidade não
atinge apenas os ditos “marginais”, mas também os que possuem boas condições
econômicas – tendo a insatisfação como marca registrada. Paula (2014) ainda salientará
sobre as falsas promessas do mundo publicitário que não nos trazem a felicidade
prometida nos anúncios. O hambúrguer do catálogo parece sempre mais gostoso, o
produto eletrônico nos comerciais dá a ideia de durar para sempre, e nesse sentido as
insatisfações tornam-se maiores que as felicidades prometidas.
Consome-se mais, mas vive-se menos; quanto mais explodem os
apetites de aquisição, mais se aprofundam os descontentamentos
individuais. Desorientação, desapontamentos, desilusão, desencanto,
tédio, nova pobreza: o universo mercantilizado agrava metodicamente
o mal humano deixando-o em estado de insatisfação irredutível.
(LIPOVETSKY, 2007, p. 158 apud PAULA, 2014, p. 17).
Nessa direção, as perguntas que poderíamos impor são: se as coisas efêmeras,
e por isso passageiras, como os produtos que podemos comprar, o poder, a paixão, a
fortuna e até nós mesmos; justamente por terem “data de validade”, não podem nos
transmitir uma felicidade duradoura, o que será capaz de trazer essa felicidade? Quais
sentidos atribuímos aos fatos que nos proporcionam momentos alegres? E em que
medida os estímulos e respostas advindos dos meios aos quais pertencemos, bem
como dos meios de comunicação de massa, influenciam nossas formas de perceber a
felicidade?
Uma resposta talvez seja considerar que durante nossa existência somos a todo
instante atravessados por maneiras diferentes de enxergar a vida e a felicidade e que
muitos desses olhares nos levam acreditar que somente seremos completos se
adquirirmos o que não possuímos. Tal sentimento direciona nossa existência em busca
justamente do que não temos o que muitas vezes nos parecerá inalcançável,
provocando extrema insatisfação, angústia e infelicidade.
26
Para preencher o vazio causado pelo que não podemos possuir, buscamos no
consumo a satisfação momentânea que tornará nossos desejos latentes e inalcançáveis
mais próximos. O sentimento de poder advindo da aquisição imediata de um produto,
que nem sempre desejávamos de antemão, serve assim como consolo e ânimo na
busca por esse “algo” que nos “completará”.
Curioso é que se por ventura alcançamos o que outrora nos parecia inalcançável,
poucos serão aqueles que se contentarão. A maioria de nós, por outro lado, se sentirá
completo por um curto tempo, almejando logo em seguida um “outro fato inalcançável”.
Fatos esses que de certa forma terminam por dar sentido a nossa existência, e cuja
realização produz extrema alegria, pois sua concretização foi permeada por “altos e
baixos” que nos fizeram desejá-lo ainda mais. Dessa forma, nossa existência é feita da
busca de sentidos que ao serem alcançados nos aproximam do que naquele momento
entendemos por felicidade.
Mas o que entendemos por felicidade pode realmente ser considerado
felicidade? Em que medida os sentidos que atribuímos a nossa existência aproximamna de uma vida feliz? Como podemos ver pelas postulações feitas até aqui, a felicidade
é uma temática extremamente rica, portanto capaz de promover inúmeras significações,
ou seja, é um tema capaz de suscitar relevantes debates e reflexões em aula,
exatamente o que defendemos para uma aula feita para a EJA, que pensa e dialoga
com os sujeitos dessa modalidade.
Partindo dessas postulações, tentou-se responder à questão central desse
estudo, a saber: se a inserção da Filosofia nas aulas de alfabetização da EJA
poderá torná-las mais significativas. Veremos que as colocações aqui presentes
produzem indagações acerca dos conceitos naturalizados sobre a Educação de Jovens
e Adultos, bem como, sobre a própria felicidade, levando-nos a pensar qual o significado
da Filosofia na EJA a partir da utilização do referido conceito.
27
1.1. Felicidades, indústria cultura e Educação de Jovens e Adultos: o que há de
comum?
“Para a felicidade se aplica o mesmo que para verdade. Alguém não a
tem, está nela.”
Theodor Adorno
Quantas coisas diferentes passam pela nossa mente enquanto assistimos a um
simples programa de televisão? Quantas noções e maneiras de enxergar o mundo nos
atravessam nos minutos que estamos sentados em frente à TV? Parece exagero, mas
as “inocentes” cenas de uma novela são capazes de nos envolver de tal maneira que
ficamos horas e horas assistindo a mesma coisa sem nos darmos conta de que já
sabemos tudo o que acontecerá no final da trama. Assim, gastamos o nosso tempo
livre...
Isso acontece justamente porque estamos a todo instante envolvidos pelo que
Theodor Adorno e Horkheimer (1947) chamaram de indústria cultural – Kulturindustrie2.
Com o advento do capitalismo, os produtos culturais chegaram mais facilmente à classe
trabalhadora, o que por outro lado gerou sua mercantilização. Padronizados, esses
produtos passaram a buscar o apelo popular e a determinar os gostos da população,
transferindo a cultura para a esfera do consumo.
A novidade é que a própria cultura, de um modo inédito na história
humana, define a si mesma como uma indústria, sendo que a
publicação de seus balancetes revelam-na, de fato, como uma
próspera atividade econômica. Isso aponta para um fato que os
apologistas da indústria cultural não cansam de se lembrar: há de fato
uma enorme demanda para os seus produtos e isso legitimaria sua
existência. (DUARTE, 2002, p. 38).
Observou-se um enorme empenho da sociedade capitalista em produzir
mecanismos de desencantamento do mundo que retiraram aos poucos do homem os
sentidos “próprios e individuais” de sua existência. Fato que culminou com o
deslocamento da cultura, do trabalho e do tempo livre de seu viés emancipador e,
consequentemente, com as mudanças de perspectivas sobre a felicidade.
Nesse sentido, o que servia para promover a reflexão passa a gerar o
consumismo desenfreado provocando a decadência do ser humano, no sentido em que
deturpa sua formação.
Termo criado por Theodor Adorno (1903 – 1969) e Max Horkheimer (1895 – 1969) para tratar da arte na
sociedade capitalista. A arte enquanto mercadoria, regida pelas leis do mercado.
2
28
É nesse cenário que a indústria cultural nos apresentará múltiplas e distorcidas
concepções de felicidade. Somos movidos a acreditar que seremos felizes quando
encontrarmos o príncipe ou princesa dos contos de fada, ou quando tornamo-nos ricos
como a mocinha da novela. O que temos torna-se pouco se comparado ao que
poderíamos ter e ao que os outros têm, e isso provoca extrema inconformidade, vazio
e tédio.
Falar de tédio, em nosso tempo, é discursar sobre uma forma de
alienação responsável por abastecer de maneira considerável o
capitalismo. O capital abusa ideologicamente do tédio com a pretensão
de “satisfazer” a sua sede interminável de crescimento. A crescente
difusão de mercadorias destinadas a “matar” o tédio já o põe como uma
das normas da vida moderna – e isso é suficiente para afirmar que
assim como a violência e o mal, ele está banalizado. (SILVA, F., 2013,
p.11).
Tudo o que queremos quando saímos do trabalho depois de um dia cansativo é
um pouco de prazer e diversão, e a indústria cultural sabe disso. Mas o prazer que
passa a seus telespectadores é um prazer desprovido de reflexão, pois o ato de refletir
gera esforço, tudo o que o trabalhador foi ensinado a evitar em seu tempo livre.
A felicidade estaria em aproveitar o tempo livre com coisas que não remetem ao
trabalho diário, que precisa ser esquecido nos dias de folga. Atividades reflexivas
cansam a mente e esgotam o trabalhador. Pelo menos é essa a ideia que a indústria
cultural quer passar ao oferecer ao seu público programações que impedem sua
capacidade criativa.
Essas programações são exibidas sobre o pretexto de estarem proporcionando
momentos de lazer para seus telespectadores, mas no fundo terminam por promover
momentos entediantes que não lhe dão direito de escolha, pelo contrário retiram-lhe a
autonomia e liberdade que sustentam sua capacidade criativa. “O tédio existe em função
da vida sobre a coação do trabalho e sob a rigorosa divisão do trabalho. Não teria que
existir [...].” (ADORNO, 1995b, p 76).
Ao invés de usar seu tempo livre para repor suas energias com atividades
enriquecedoras de espírito que sejam de seu interesse, pela falta de liberdade em fazer
uso de suas escolhas, o trabalhador entrega seu tempo livre, e consequentemente os
momentos que desejava ser feliz, nas mãos da indústria cultural, que por sua vez vende
diversão em forma de controle, eliminado dele todo seu potencial reflexivo e criativo.
As imagens introduzidas na mente do telespectador o predem de tal maneira que
o impedem de refletir sobre aquilo que está assistindo. Não são raras as vezes em que
29
ao trocar de canal na TV, mesmo não encontrando nada que nos agrade, continuamos
assistindo aquelas cenas entediante, pela impressão de que mesmo aquilo é o melhor
a fazer naquele momento. Isso prova que cada vez mais dedicamos um tempo
considerável de nossas vidas com imagens que obstruem nossa capacidade
imaginativa.
Ao identificarmo-nos com uma personagem de um filme transportamos seus
anseios para nossa vida, como se eles fossem a própria realidade. Muitas vezes
chegamos a alimentar sentimentos por essas personagens, indignando-nos mais com
os males que acontecem a ela do que com os que atravessam nossa existência. E é
natural que seja dessa forma, já que desde a infância somos adestrados a pensarmos
assim.
A criança vive o anseio de um dia ser igual ao seu herói, de maneira que sua
felicidade passa a ser vivida embasada pelo personagem que admira. Ela deixa muitas
vezes de ler, brincar, fazer amigos, estudar, passear e de realizar outras atividades para
assistir todos os dias aquele mesmo seriado naquele mesmo horário, pois naquele
instante é como se ela mesma estivesse representada naquela personagem. Por que
isso acontece, bem como quais sentidos tal experiência representa na vida desses
sujeitos é uma das questões a se impor na tentativa de desvendar os mecanismos
utilizados pela indústria cultural que terminam por permear variadas concepções de
felicidade.
O menino que assiste ao desenho animado na televisão sente-se tão feliz quanto
o que corre pelo quintal, a menina que dedica parte de seu tempo assistindo repetidas
vezes o mesmo filme ou jogando o mesmo jogo no computador pode ser até mais feliz
do que a que brinca de boneca com suas colegas, tudo dependerá da concepção de
felicidade que fará sentido ao indivíduo, ou seja, o que mais lhe proporciona prazer. E
mesmo que a atividade pareça aos nossos olhos improdutiva, a indústria cultural fará
com que seu consumidor a perceba como prazerosa, atraente e relativamente acessível
já que não exige capacidade criativa nenhuma, diminui esforços e evita cansaço, o que
afazeres como brincar de boneca, jogar bola, desenhar ou escrever exigiriam.
O realismo ganha força graças à riqueza de detalhes; as imagens e o som
prendem toda a atenção que o telespectador possa ter naquele momento Quando o
homem faz uso de sua capacidade autônoma o tédio não se favorece o que detona com
sua capacidade intelectual e imaginativa. Quando perde a sequência de uma cena,
mesmo que possa deduzi-la, isso lhe causa frustração, pois naquele momento todo
30
restante torna-se secundário. Nessa perspectiva, seus anseios e as coisas que
supostamente nos aproximam de momentos alegres, como estar em família, sair para
passear, dentre outras, são adormecidas. Sua atenção permanece voltada à felicidade
ou tristeza alheia. Por que isso acontece? Justamente porque no momento em que
estamos assistindo a um filme ou novela o utilizamos como uma “válvula de escape”
para esquecer os problemas do cotidiano. Tudo o que desejamos é que naquele
momento as lembranças de um dia cansativo de trabalho sejam apagadas. Ao
mergulhar na vida dos personagens da dramaturgia nos esquecemos da nossa vida –
estacionamos nossa autonomia e criatividade para viver no outro a vida que não temos.
As reações do público passam assim, a serem condicionadas por padrões
criados pelos sistemas da indústria cultural. O gosto autêntico é suprimido pelo gosto
coletivo imposto pelos meios de comunicação. O homem torna-se dependente dessa
indústria, de seus produtos e de sua ideologia.
Os produtos [...] são feitos de tal forma que sua apreensão adequada
exige, é verdade, presteza, dom de observação, conhecimentos
específicos, mas também de tal sorte que proíbem a atividade
intelectual do espectador, se ele não quiser perder os fatos que
desfilam velozmente diante de seus olhos. [...] A violência da sociedade
industrial instalou-se nos homens de uma vez por todas. Os produtos
da indústria cultural podem ter a certeza de que até mesmo os
distraídos vão consumi-los alertamente. (ADORNO; HORKHEIMER,
1985, p. 119).
Dessa forma, a indústria cultural controla a vida e a concepção de felicidade das
pessoas, impondo-lhes as regras do mundo, como devem ser e como devem agir. Nega
aos homens a possibilidade de ampliar sua formação, sua capacidade crítica, de julgar
e realizar suas próprias escolhas (ADORNO, 1995b).
O que a felicidade tem a ver com isso? Podemos pensar da seguinte forma: a
busca pela felicidade dá sentido ao nosso viver. Na medida em que o prazer humano
passa a ser encontrado em atividades tão pouco produtivas, sua própria percepção de
felicidade é obstruída, muitos chegam até mesmo a duvidar da sua existência –tamanha
é a falta de alegrias em sua vida. “A simples possibilidade de perceber algo
independente da qualidade substitui a felicidade, porque a quantificação onipotente
sonegou a possibilidade mesma de percepção.” (ADORNO, 2008, p. 233).
A felicidade passa a ser enxergada apenas na vida das personagens principais
dos filmes e novelas, que sempre terminam com um final feliz, e isso nos força a pensar
que a mesma só existe na ficção. Como não serei feliz mesmo, é melhor ter uma vida
31
menos sacrificada e pensar no aqui e no agora – mas quando, com o passar do tempo,
a felicidade é vista no sucesso alheio, o arrependimento de ter tido uma vida monótona
e sem perspectivas vem à tona, e ao invés de provocar um sentimento de mudança,
acaba refletindo-se num “agora é tarde demais para ser feliz”.
Ficamos assim, à mercê de pseudo felicidades que são tão efêmeras como os
produtos que somos levados a consumir pela indústria cultural. Nosso tempo livre é
gasto com o que a mesma nos proporciona ou com o que as outras pessoas consideram
bom para nós. Não temos a possibilidade de escolher o que realmente desejamos fazer
em nossos dias de folga. Se estamos de férias são tantas as tarefas que precisamos
fazer pelos outros que ao retornarmos ao trabalho muitas das vezes encontramo-nos
mais exaustos do que quando entramos de férias. “Insaciáveis são [...] as sátiras sobre
as maravilhas que as pessoas esperam das viagens de férias [...] enquanto tampouco
[...] conseguem escapar do sempre igual.” (ADORNO, 1995b, p. 75).
Sob as condições vigentes, seria inoportuno e insensato esperar ou
exigir das pessoas que realizem algo produtivo em seu tempo livre,
uma vez que se destruiu nelas justamente a produtividade, a
capacidade criativa. Aquilo que produzem no tempo livre, na melhor
das hipóteses, nem é muito melhor que o ominoso ‘hobby’: imitações
de poesias ou pinturas, as quais, sob a divisão do trabalho, dificilmente
revogável, outros fazem bem melhor que os artistas das horas
vagas [Freizeitler]. O que produzem tem algo de supérfluo Essa
superfluidade comunica-se à qualidade inferior da produção, ficando,
com isso, estragada a alegria do trabalho. (ADORNO, 1995b, p. 70 82).
O que esperar dos dias a serem desfrutados, se não a felicidade em sua
plenitude, momentos alegres que reflitam esse bem? O que esperar do tempo livre do
homem trabalhador? Certamente, não poderemos esperar muita coisa, suas escolhas
já foram realizadas pela indústria cultural. Sua capacidade de decidir já lhe foi roubada.
O tédio já tomou por completo sua vida pela falta de autonomia na conduta do tempo
livre. “Sempre que a conduta no tempo livre é verdadeiramente autônoma, “[...] é difícil
que se instale o tédio; tampouco ali onde elas perseguem seu anseio de felicidade, ou
onde sua atividade no tempo livre é racional.” (ADORNO,1995b, p. 76).
A falta de fantasia, implantada e insistentemente recomendada pela
sociedade, deixa as pessoas desamparadas em seu tempo livre. A
pergunta descarada sobre o que o povo fará com todo o tempo livre de
que hoje dispõe — como se este fosse uma esmola e não um direito
humano — baseia-se nisso. Que efetivamente as pessoas só consigam
fazer tão pouco de seu tempo livre se deve a que, de antemão, já lhes
foi amputado o que poderia tornar prazeroso o tempo livre [...]
(ADORNO, 1995b, p. 70 -82).
32
Nessa perspectiva, desfrutamos de nosso tempo livre apenas no plano das
ideias, planejamos diversas atividades, algumas até mesmo criativas, mas no fundo por
comodismo, acabamos novamente, captados pela indústria cultural. A sensação de
liberdade que sentimos é dessa forma, uma falsa sensação – já não há liberdade, cada
vez mais somos cooptados pela lógica do mercado. As pessoas não percebem que nos
momentos em que pensam estarem sendo livres continuam sem liberdade de escolhas.
A vida sob a pressão constante do trabalho alienado não é mais vida,
é prisão na qual a tentativa de fuga conduz a lugar nenhum. Dificultada
a possibilidade de liberdade e de produção criativa no “tempo livre”
resta, por consequência, a atitude passiva através do consumo
fetichizado no qual impera o prazer em migalhas. (SILVA, F., 2013, p.
122-123).
Os mecanismos da indústria cultural são tão audaciosos que transmitem a ideia
de que a felicidade também pode ser comprada, como os produtos que anuncia. É feliz
quem pode viajar morar no melhor condomínio, desfrutar de roupas caras e carros
modernos. Os trabalhadores se quiserem ter momentos de alegria, terão que dedicar
seu tempo livre às programações da televisão, essa sim “empenhou-se” em tornar suas
noites de domingo “fantásticas”.
[...] o que a “indústria cultural” oferece por trás de toda essa faixada,
como estamos vendo até agora, é exatamente o que se procura evitar.
Testemunhamos o fenecimento dos sentidos através do vício em
estímulos, da inexorável necessidade de preencher o silêncio do
mundo seja pelo barulho do rádio, da TV, do tocador MP3. (SILVA, F.,
2013, p.134).
Ansiamos pelo tempo livre – nele acreditamos viver os momentos mais
prazerosos da semana. E quando ele chega passa tão depressa que no final
percebemos que não fizemos nada de produtivo. Porém essa frustração é momentânea,
afinal no próximo tempo livre faremos exatamente a mesma coisa.
Vemos nosso tempo livre como uma oportunidade de passar o tempo, ironia de
quem quer justamente que o tempo livre não se acabe. Nesse sentido ter um hobby é
um passatempo perfeito, todo indivíduo deve ter um para não ser coagido pelo social.
Se você não tem um hobby é visto como um neurótico pelo trabalho, afinal o tempo livre
deve ser gasto com atividades que em nada remetam ao trabalho, ao esforço e a
reflexão. Reforçamos assim o caráter de inutilidade desse tempo — que foi tão esperado
— visto que não o utilizamos para melhorar nosso potencial de formação, isso causa
esforço físico e mental — justamente o que se pretende evitar (ADORNO, 1995b).
33
Se pensamos assim, é porque a lógica capitalista nos conduz a tal pensamento.
Devemos descansar a mente para quando voltarmos ao trabalho sermos produtivos.
Atividades reflexivas roubam nosso potencial produtivo que deve ser guardado para a
“segunda-feira”. Por isso essa separação total entre o tempo de trabalho e o tempo livre,
um não deve lembrar o outro, pois isso prejudica a lucratividade do capitalismo.
A dificuldade de se auto-realizar no trabalho está marcada de modo tão
profundo nos sujeitos que o sentimento neurótico de insatisfação
perdura mesmo após o término da atividade. Isso explica porque a
expressão “tempo livre” traz consigo uma determinação semântica
calcada em seu oposto: o “trabalho alienado”. Não bastasse esse
caráter problemático, a lógica comportamental do ‘tempo livre’ produz
tanta alienação quanto no trabalho – falta autossatisfação no ‘tempo
livre’. Não é por acaso que Adorno acusa de sê-lo, por consequência,
uma paródia de si mesmo nas condições atuais. (SILVA, F., 2013, p.
118).
Só é possível escapar da monotonia no lazer, adquirir nele
experiências novas por meio do esforço, da concentração. Mas oras, é
exatamente essa a que as pessoas evitam! Daí a reprodução exata
daquela atitude de que se procura escapar. (SILVA, F., 2013).
Enquanto isso somos obrigados a rir do fato de que não há nada do que se rir.
Rimos de sermos roubados em nosso tempo, dinheiro, lazer. Rimos até do produto que
compramos e que em nada lembra o do anúncio da TV. Rimos da nossa falta de
produtividade, de crítica, de sonhos e de felicidade.
Os momentos em que fomos felizes ficam guardados na memória, preferimos rir
das sátiras e comédias da TV do que desfrutar de nossa própria alegria. Rimos de
outrora, quando num final de semana tínhamos tempo de brincar e passear.
Relembramos nossa infância como se a felicidade tivesse ficado no passado. E
encontramos na mídia um pouco de nós mesmo, pois deixamos de viver por nós para
viver por ela. “Consumimos informações pelo fato delas proporcionarem estímulos, e
quanto mais chocante ou inusitada ela for, mais nos atrai.” (SILVA, F., 2013, p.27).
A obscuridade do cinema oferece à dona-de-casa, apesar dos filmes
destinados a integrá-la, um refúgio onde ela pode passar algumas
horas sem controle, assim como outrora, quando ainda havia lares e
folgas vespertinas, ela podia se pôr à janela para ficar olhando a rua.
(ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 130,).
As informações já nascem efêmeras e enquanto durar o sensacionalismo elas
nos permearão a todo instante, ditarão os assuntos das rodas de conversa e
atravessarão nossos pensamentos, porém rapidamente entrarão em esquecimento
sendo substituídas por outra. “O novo se transforma rapidamente em rotina, e, então
34
também o novo entedia, pois é sempre o mesmo.” (SUENDSEN, 2006, p. 48, apud
SILVA, F., 2013).
Vimos assim que a indústria cultural acaba influenciando nossa percepção de
felicidade, e que isso não é notado tão facilmente pelo grande público. A mídia cumpre
muito bem seu papel – mantendo-nos seus “clientes fiéis”. Dessa forma, apesar de
Adorno não aprofundar seus pensamentos sobre a temática da felicidade, suas
postulações nos auxiliam na verificação do quanto as potencialidades humanas são
estagnadas pela indústria cultural e são justamente essas que impulsionam os homens
na busca por momentos felizes.
Levar esse assunto para debate em aula é uma oportunidade de colocar em
discussão uma temática global que acaba sendo silenciada ao ser naturalizada pelos
meios de comunicação. Mais do que discutir a existência da felicidade, o ideal é
problematizar nossas próprias concepções sobre ser feliz, rever os sentidos existenciais
que alimentam nossa vida em sociedade e nos aproximar dos fatos que nos tornam
felizes. Afinal a felicidade está nas coisas que nos proporcionam momentos de alegria
e satisfação.
Nesse sentido, há de se convir que se trabalhar Filosofia com crianças e
adolescentes já é uma tarefa difícil, o que dizer então de trabalhar Filosofia com jovens
e adultos na modalidade EJA em fase de alfabetização? Poucos serão os profissionais
que se arriscarão nessa tarefa, ainda mais se o currículo de Filosofia não for obrigatório
nos anos em que lecionam.
Algo lamentável se pensarmos que muitos desses sujeitos passaram pela escola
sem ter qualquer contato com o saber filosófico. Saber esse que não se basta na simples
narração histórica da Filosofia, que embora seja importante não consegue, por si só,
contextualizar tudo o que poderia. Cremos ser necessário levar a reflexão filosófica até
os alunos da EJA, e isso deve começar antes mesmo que seja obrigatório na grade
curricular. Assim, discutir com esses alunos temáticas como a que tratamos aqui é de
suma relevância, sendo capazes de suscitar significações na prática pedagógica
necessárias a uma sólida formação.
Não estamos querendo dizer que tais aulas revolucionarão o ensino
alfabetizador da EJA, temos consciência que muito há que ser feito para que realmente
possamos ofertar um ensino de base emancipatória aos jovens e adultos trabalhadores.
Mas, acreditamos que a Filosofia possa ajudar a tornar as aulas de alfabetização da
35
EJA mais contextualizadas, uma vez que algo inerente a sua prática é a criticidade e o
dialogismo. Mas como a alfabetização de jovens e adultos poderá ser beneficiada pela
inserção da Filosofia? Partindo principalmente da perspectiva freiriana de alfabetização,
que considera a realidade dos alunos ao trabalhar com palavras geradoras.
Atualmente, em muitos contextos escolares, utilizam-se palavras “soltas”, fora
de um contexto, para alfabetizar partindo-se puramente da sonoridade. Não é posto aos
alunos uma discussão que envolva aquilo que estão aprendendo naquela aula. Pelo
contrário, a memorização do som acaba sendo o mais importante.
De forma lamentável, para grande parte das turmas de EJA, só o que vem
importando nas aulas de alfabetização é a conjugação das famílias silábicas, no entanto,
quando o próprio conceito do que se trabalha, a essência da palavra que se aprende a
escrever, fica esquecida, a significação da aprendizagem também se perde.
Você pode estar se perguntando: Como fazer isso justamente na EJA, onde as
aulas possuem cargas horárias reduzidas, em que os alunos já chegam cansados
esperando a hora do intervalo para irem embora, onde os problemas familiares,
financeiros e profissionais tomam a mente dos discentes em meio à infinidade de
informações que os atravessam em uma aula e onde a própria noção de aprendizagem
acaba sendo distorcida em função do tempo que se pretende recuperar, um tempo que
não voltará mais.
Não será raro, nesse contexto, vermos discentes que apenas estão ali para
conquistar um diploma e qualificarem-se para o mercado de trabalho, também não será
raro vermos professores que fingem dar aula e alunos que fingem aprender. Raro
mesmo será ver um profissional da educação valer-se da Filosofia para alfabetizar
trabalhadores. Raro será presenciar um debate, uma reflexão sobre a própria vida que
tenham temas filosóficos norteando a aprendizagem. E mais raro ainda será ver jovens
e adultos aprenderem a ler e escrever enquanto filosofam. Raro, mas não impossível, e
acrescentamos extremamente necessário se quisermos ofertar uma educação
comprometida com seu objetivo principal: o de formar seres autônomos e acima de tudo
políticos.
Análoga à proposta do educador Paulo Freire – que alfabetizava partindo de
temáticas geradoras retirados do contexto de seus alunos – a proposta dessa pesquisa
é sinalizar aos docentes que também é possível fazer isso com temas filosóficos, como
a felicidade, refletindo seu conceito e a possibilidade de alcançá-la.
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Boa parte dos alunos presentes em uma turma de alfabetização da EJA,
presumimos, estão desacreditados da felicidade e muitas vezes é a falta de perspectiva
em suas vidas que os faz abandonar o curso, interrompendo a chance de aprender a ler
e escrever. Ao trazer a temática da felicidade para dentro das aulas o professor poderá
compartilhar com seus alunos os assuntos que debatemos até aqui e aprender com a
própria maneira de enxergar esse tema pela perspectiva dos discentes. Os alunos por
sua vez, terão a oportunidade de conhecer um pouquinho do que pensavam alguns
filósofos sobre o assunto, escolher qual definição de felicidade mais lhe agrada e retirar
ensinamentos para suas próprias vidas. O objetivo não será que memorizem nomes e
datas, ou que se alfabetizem por meio unicamente da Filosofia, mas que saibam que
tão importante quando aprender a escrever felicidade é pensar seu significado.
É nessa perspectiva, que propomos a utilização de temas geradores de
fundamentação filosófica na alfabetização e séries iniciais da EJA, pois acreditamos que
estaremos tornando as simples aulas de alfabetização, que na grande maioria das vezes
reduzem-se a metodologias infantilizadas, em espaços de discussão e diálogo.
Não devemos chamar o povo à escola para receber instruções,
postulados, receitas, ameaças, repreensões e punições, mas para
participar coletivamente da construção de um saber, que vai além do
saber de pura experiência feita, que leve em conta as suas
necessidades e o torne instrumento de luta, possibilitando-lhe ser
sujeito de sua própria história. (FREIRE, 2001, p.16).
Considerando a natureza específica do sujeito da EJA — jovens e adultos
trabalhadores, em distorção série-idade, com sérios problemas de aprendizagem —
pensar um ensino que traga algo de “diferencial” é uma obrigação ao educador que se
compromete em ensinar seus alunos de maneira crítica. Mas para tanto, é necessário
que ele — enquanto mediador da aprendizagem — acredite que é possível alfabetizar
de uma maneira inovadora, que é possível ofertar Filosofia ao cidadão que ainda não
sabe ler e escrever e principalmente que não deve privar seus alunos de momentos
significativos de aprendizagem.
Mais do que ser amante de conteúdos o educador deve ser um apaixonado pelo
conhecimento. Alguém que pensa no sujeito com o qual compartilha seus saberes.
Discutir felicidade, bem como outros temas filosóficos, é ampliar horizontes, formar
opiniões, mas acima de tudo filosofar.
Dessa forma, a felicidade pode ser concebida de diferentes maneiras, algumas
vão ao encontro de nossas concepções, outras fogem às nossas aspirações, mas todos
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concordam em algo: a felicidade é um bem que todo homem gostaria de desfrutar. Se
é possível alcançá-la? Isso é uma pergunta que cabe a cada um de nós individualmente.
Procuramos argumentar no sentido de que inserir temáticas filosóficas nas aulas
da EJA poderá auxiliar o professor na oferta de uma educação mais significativa, que
coloque em debate assuntos que fazem parte do cotidiano do aluno. Assim diante do
questionamento central desse trabalho: “se a inserção da Filosofia nas aulas da EJA
será capaz de torná-las mais significativas?”, arriscamo-nos a responder que poderão,
além de torná-las mais significativas, oferecer aos alunos dessa modalidade acesso a
um saber do qual a escola os apartou: o saber filosófico, tão importante para a
construção de um pensar engajado. Assim, o professor poderá valer-se da felicidade
não somente como mais uma palavra na lista de vocabulários aprendidos e cuja escrita
fora interiorizada, mais do que ensinar a família “FA, FE, FI, FO, FU” ou continuar a
escrever no quadro sentenças como “O Ivo viu a uva do vovô”, o que defendemos é um
ensino aberto ao diálogo e ao ato de filosofar.
1. 2. Felicidade em Freud
"A felicidade é um problema individual. Aqui, nenhum conselho é
válido. Cada um deve procurar, por si, tornar-se feliz."
Freud
A felicidade direciona todas as nossas ações. Uma afirmação como essa pode
até soar generalista demais, no entanto, são as próprias atitudes e pensamentos
humanos que nos levam a crer que ser feliz está entre os maiores objetivos de uma
vida, ainda que o mesmo revele-se impossível de ser alcançado. Assim, não é por acaso
que a todo instante recebemos pelas redes sociais mensagens desejando momentos
alegres e dias maravilhosos, tudo conspirando, ao menos no plano das ideias, para que
a tenhamos à nossa volta.
Para Freud, o homem anseia pela felicidade advinda da satisfação dos desejos.
Satisfação essa que não tem a capacidade de se fazer eterna, se desviando dos seus
focos com o tempo. "Aquilo a que chamamos ‘felicidade’, no sentido mais estrito, vem
da satisfação repentina de necessidades altamente represadas, e por sua natureza é
passível apenas como fenômeno episódico." (FREUD, 2011, p. 20).
Então passaremos à questão menos ambiciosa: o que revela a própria
conduta dos homens acerca da finalidade e intenção de sua vida, o que
podem eles da vida e desejam nela alcançar: É difícil não acertar a
38
resposta; eles buscam a felicidade, querem se tornar e permanecer
felizes. Essa busca tem dois lados, uma meta positiva e uma negativa;
quer a ausência de dor e desprazer e, por outro lado, a vivência de
fortes prazeres. No sentido mais estrito da palavra, “felicidade” se
refere apenas à segunda. Correspondendo a essa divisão das metas,
a atividade dos homens se desdobra em duas direções, segundo
procure realizar uma ou outra dessas metas – predominantemente ou
mesmo exclusivamente. (FREUD, 2011, p. 19).
Por vezes a realidade nos leva a crer que a felicidade não é facilmente
alcançada, pelo contrário, sua conquista aparenta-se como obra de uma vida de labuta
e dedicação. Chegamos muitas vezes a acreditar estarmos em meio a um ouroboros
quando o assunto é ser feliz, são tantos altos e baixos que nos cercam nesse percurso
que defendê-la como uma esfera inatingível em vida terrena não será escolha de
poucos, o que resulta em um conformismo exacerbado com a infelicidade.
Outros, por sua vez, atribuirão ao gesto da bondade a conquista de uma vida
feliz. Assim, quem faz ações generosas pelo próximo, por exemplo, estaria mais próximo
da felicidade eterna vinda de Deus.
Fato é que ao longo dos anos os homens passaram a moldar sua felicidade,
parafraseando Freud (2011): o princípio do prazer influenciado pelo mundo externo
transforma-se no mais modesto princípio de realidade. Assim, vivemos um estado de
constante prazer e desprazer carregado de frustrações e alegrias. De maneira que não
se torna exagero uma pessoa, aparentemente, ter de tudo e sentir-se infeliz, repleta de
um vazio existencial que remete a um constante desejo seguido de outro.
Por tal razão, a célebre frase de Lacan sobre o desejo nos é de extrema
relevância, a saber: “O desejo é sempre o desejo de outro desejo”. Ou seja, a essência
do próprio desejo seria uma constante insatisfação, como se restassem vazios não
passíveis de preenchimento no ser humano, impulsionando-o à realização de seus
desejos sempre como satisfação parcial. O sentido que imprimo à minha existência será
regado, em certa medida, pelo que Aristóteles promulgou na Ética a Nicômaco: todos
os outros bens são meios para se atingir um bem maior — a felicidade.
Também as considerações de Santo Tomás de Aquino — ao relatar que tudo o
que fazemos tem por objetivo a conquista de nossa própria felicidade, até mesmo
quando na prática do mal — parecem ir ao encontro dos pensamentos freudianos,
quando esses colocam uma vida feliz como expressão da realização de prazeres
intensos. Parafraseando Freud: derivamos prazeres intensos do contraste inconcluso
39
de determinados estados de coisas. Para ele, o que os seres humanos almejam
conquistar na vida é a felicidade contínua.
Assim sendo, para melhor fundamentar nossa explanação acerca da qualidade
de ser feliz, torna-se preciso distinguir felicidade, alegria e prazer. Frei Betto (2016, p.
15-16), no “Livro Felicidade foi-se embora?”, afirma:
Prazer é agradar os cinco sentidos: degustar um bom vinho,
contemplar uma pintura, ouvir uma boa música etc. Os prazeres são
momentâneos, epidérmicos. Não duram. E quem os confunde com
felicidade fica sempre em busca de novas sensações no intuito de se
sentir feliz. A alegria também é momentânea. Sentimos alegria ao rever
a pessoa amada, ao receber uma homenagem, ao assistir a um bom
filme, ao comemorar a vitória do time de nossa preferência, ao celebrar
uma data importante com a família e os amigos; ou ao vencer um
desafio profissional. No entanto, ninguém sente prazer ou alegria
acometido por uma doença, diante de uma catástrofe natural ou
sofrendo perseguições. Porém, ainda assim pode se sentir feliz. Eis a
diferença. Mesmo sob a dor e o sofrimento uma pessoa pode ser feliz,
desde que saiba integrar as adversidades no sentido que imprimiu à
sua existência.
Ao que parece, nossas vidas estão repletas de felicidades momentâneas e,
segundo Freud, só podemos gozar o “contraste”, sendo a felicidade contínua
inalcançável. Nessa direção, a “felicidade” remete à satisfação instantânea das
necessidades reprimidas, que, pela sua essência, é possível apenas como um
fenômeno episódico (FREUD, 2011).
Freud também coloca que o propósito do homem ser feliz não está contido no
plano da criação. Para chegar a essa conclusão, ele estabelece o funcionamento de um
princípio, o princípio de prazer, baseado na busca de prazer entendido como restrição
do sofrimento. No entanto, esse panorama se traduz como insustentável, não é possível
viver somente de prazeres. Como resultado o autor coloca esse anseio como
inalcançável.
Em psicanálise relacionamos prazer e desprazer com a quantidade de
excitação presente na vida psíquica – quantidade que de alguma
maneira não está presa –, de modo que nessa relação o desprazer
corresponderia a um aumento, e o prazer, a uma diminuição dessa
quantidade. (FREUD, 2011).
Uma vida de prazer sem desprazeres numa perspectiva freudiana é algo
irrealizável. Tal postura, no entanto pode reforçar a alegação de que a felicidade plena
somente é possível em estado de total tranquilidade, situação essa que segundo as
próprias colocações de Freud somente torna-se concreta em estado de morte. Em vida,
pelo contrário, a vivência de infelicidades é muito mais constante, de maneira que o
40
psiquismo humano é regulado pelo princípio de prazer despertado quando da
descoberta do princípio da realidade.
A ausência total de tensão significa, em termos freudianos, a realização
da pulsão de morte, ou seja, o retorno ao inanimado. Nesse sentido, o
que mantém o ser vivo seria a tensão residual. O sofrimento, portanto,
consistiria num “efeito colateral” da vida, que é uma ordem sustentada
por Eros – na medida em que essa pulsão introduz estímulos – atuando
de forma contrária à tendência original do organismo. A vida, assim,
provocaria sofrimento e quando aniquilada, proporcionaria prazer ao
organismo. (INADA, 2011, p. 5).
De um ser meramente biológico, que busca a satisfação das
necessidades ligadas somente à sobrevivência, o homem tornar-se,
então, social, animado por desejos e necessidades que ultrapassam
àqueles exigidos para se manter a vida, pois passam a ser organizados
doravante pela “sociedade”, na medida em que, de acordo com a
moralidade estabelecida, são satisfeitos, reprimidos/recalcados,
postergados ou desviados de sua finalidade original. (INADA, 2011, p.
4).
Em vista disso o desprazer é entendido como um aumento de tensão e o prazer
como um alívio das mesmas. Dessa forma, não existe felicidade sem a subtração das
frustrações, ser humano pressupõe o convívio constante com elas. Assim, no limite, a
eliminação de todas as frustrações seria a morte: “Objetivo de toda a vida é a morte, e
remontando ao passado: O inanimado já existe antes do vivo.” (FREUD, 2011). Talvez
por isso, ao analisar a conduta humana, expondo os entraves de uma vida em
sociedade, Freud saliente que o desprazer acaba sendo tolerado, mas não desejado.
A felicidade é colocada como realização do princípio do prazer, ou seja, aparenta
não com a finalidade do universo, visto que as infelicidades sobressaem-se
prontamente. Posto isso, Freud caracteriza como sendo três as principais causas da
infelicidade, a saber: o sofrimento físico, corporal; os perigos que o mundo externo nos
oferece e os distúrbios advindos das relações com outros seres humanos.
Assim, nossas possibilidades de felicidade sempre são restringidas por
nossa própria constituição. Já a infelicidade é muito menos difícil de
experimentar. O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de
nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que
nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais
de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com
forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de
nossos relacionamentos com os outros homens. O sofrimento que
provém dessa última fonte talvez nos seja mais penoso do que
qualquer outro. Tendemos a encará-lo como uma espécie de
acréscimo gratuito, embora ele não possa ser menos fatidicamente
inevitável do que o sofrimento oriundo de outras fontes (FREUD, 2011,
p. 19).
41
Em O mal-estar na civilização, além de analisar o quanto o alcance da felicidade
se coloca como inexequível, Freud explora a relação entre felicidade e sociedade
valendo-se da máxima de que “o homem não pode ser feliz em sociedade”.
Se a finalidade última da vida não é a felicidade pelo prazer, mas sim pelo
afastamento do desprazer, só é possível ser feliz mantendo-se distância dos
desprazeres da vida.
Portanto, ser feliz em sociedade é quase impossível numa
perspectiva freudiana. A “quase impossibilidade” da felicidade na sociedade advém do
fato de que esta nos faz muitas demandas que implicam renúncia ao prazer. Esta grande
demanda implica em si mesmo aumento de desprazer. A sociedade, assim, nos obriga
a nos conformamos à convivência com o desprazer.
Também em Freud encontraremos uma forte discussão sobre sexualidade considerada o cerne de suas reflexões. Essa temática em suas obras é colocada como
uma das principais causas geradoras da civilização, no sentido de que tem por
particularidade a capacidade de provocar uma tensão psíquica que limita o esforço em
busca da realização dos prazeres, principalmente devido ao homem necessitar reprimir
seu impulso de agressividade. Aqui encontramos um ponto forte de aproximação com
Theodor Adorno, como ele, Freud acredita que o homem possui um instinto de
agressividade e assim a sociedade o impõe uma conduta de gentileza que não faz parte
de sua natureza.
Quando se fala na inata inclinação humana para a “ruindade”, a
agressividade, a destrutividade, e também para a crueldade (...).
Recordo minha própria atitude defensiva quando a ideia de uma pulsão
de destruição surgiu pela primeira vez na literatura psicanalítica, e
quanto tempo levou até que eu me tornasse receptivo a ela. (FREUD,
1915, p.142 apud PORTAS, 2002, p. 27).
Por isso, a própria constituição do psiquismo e a sociedade — com suas
inúmeras exigências culturais — colocam a felicidade em um patamar inalcançável.
É necessário acrescentar que haverá os que acreditam que encontrarão a
felicidade em meio ao amor: a chegada de um príncipe encantado, de um filho, ou a
conquista de bons amigos exprimem a importância dada a esse sentimento como
requisito para se alcançar a felicidade plena. Embora muitas sejam as desilusões
advindas do amor, “isso, porém, não liquida com a técnica de viver baseada no valor do
amor como um meio de obter felicidade.” (FREUD, 2011, p. 12).
Estou falando, claro, daquela orientação de vida que tem o amor como
centro, que espera toda satisfação do amar e ser amado. Essa atitude
psíquica é familiar a todos nós; uma das formas de manifestação do
42
amor, o amor sexual, nos proporcionou a mais forte experiência de uma
sensação de prazer avassaladora, dando-nos assim o modelo para
nossa busca da felicidade. [...] O lado frágil dessa técnica de vida é
patente; senão a ninguém ocorreria abandonar esse caminho por
outro. Nunca estamos mais desprotegidos ante o sofrimento do que
quando amamos, nunca mais desamparadamente infelizes do que
quando perdemos o objeto amado ou seu amor. Mas com isso não
encerramos o tema da técnica de vida baseada no valor de felicidade,
haverá muito mais a dizer sobre isso. (FREUD, 2011, p. 26-27).
De maneira idêntica, a beleza é outra qualidade que muitos acreditam
impulsionar a busca pela felicidade. Algumas pessoas defendem, veementes, que,
quando estão satisfeitas com seu corpo, ou em meio a um lugar encantador, estão por
consequência mais perto da felicidade. Freud comenta:
Aqui podemos transitar para o caso interessante em que a felicidade
na vida é buscada sobretudo no gozo da beleza, onde quer que ela se
mostre a nossos sentidos e nosso julgamento, a beleza das formas e
dos gestos humanos, de objetos naturais e de paisagens, de criações
artísticas e mesmo científicas. Essa atitude estética para com o
objetivo da vida não oferece muita proteção contra a ameaça do sofrer,
mas compensa muitas coisas. A fruição da beleza tem uma qualidade
sensorial peculiar, suavemente inebriante. Não há utilidade evidente
na beleza, nem se nota uma clara necessidade cultural para ela; no
entanto, a civilização não poderia dispensá-la. (FREUD, 2011, p. 27).
Com efeito, no desenrolar das discussões freudianas, vamos percebendo que o
sentido da vida talvez não seja propriamente a conquista da felicidade, já que a mesma
se coloca como impossível, mas a abertura a uma vida de mais prazeres, de
afastamento do desprazer — o que de certa forma, já coloca o ser humano numa
posição de descoberta do próprio sentido da felicidade.
Inegavelmente, dialogamos com Freud sobre o propósito da vida permeada pelo
princípio do prazer, que acaba por dominar o nosso psíquico e nossas pulsões. Prazeres
esses que não se prolongam, pelo contrário, são em sua essência tênues, produtores
de uma satisfação instantânea, ou seja, derivam de um contraste e não de um estado
de coisas por inteiro. Nesse sentido, a felicidade plena não poderá ser alcançada por
nenhum ser humano. Analogamente somos como “pescadores de felicidades” que em
meio a um mar de possibilidades se colocam sempre a “lançar suas redes por um novo
peixe”.
Como se vê, é simplesmente o programa do princípio do prazer que
estabelece a finalidade da vida. Este princípio domina o desempenho
do aparelho psíquico desde o começo; não há dúvidas quanto a sua
adequação, mas seu programa está em desacordo com o mundo
inteiro, tanto o macrocosmo como o microcosmo. É absolutamente
inexequível, todo o arranjo do Universo o contraria; podemos dizer que
43
a intenção de que o homem seja “feliz” não se acha no plano da
“criação. (FREUD, 2011, p. 19).
Dessa forma, a felicidade está centrada na ausência da dor e consequente
elevação dos prazeres. Parafraseando Freud: a felicidade no sentido mais estrito resulta
da satisfação súbita das necessidades postas em êxtase, estado que por essência não
seria alcançado em sociedade.
Apesar de não se colocar entre os objetivos desse texto trazer pontuações sobre
a cultura em Freud, podemos pressupor que a vertente cultural numa perspectiva
freudiana não contribui para o alcance da felicidade, a vida em sociedade, em suas
obras, é tida como limitadora dos prazeres pessoais. Portanto, tal qual Theodor Adorno,
que critica a cultura de massa — mais precisamente a indústria cultural como
modeladora das atitudes humanas — Freud impõe os limites da cultura ao despertar da
felicidade, no sentido de que a vida social, por si só, já impõe repressão às pulsões
humanas. Nesse panorama, as exigências colocadas pela civilização, no que diz
respeito aos aspectos culturais, são geradoras de infelicidades, tornando inviável a
possibilidade de conquista da felicidade plena.
Nas palavras de Freud a liberdade individual do homem não pode ser
considerada patrimônio da cultura. Nesse sentido, não poderá haver obtenção de prazer
por meio dos impulsos reprimidos, o que por sua vez se contrapõe à constituição
psíquica voltada para o alcance do anulamento da tensão. Digo isso porque, como
vimos, na visão freudiana, a felicidade se traduz em obtenção de prazer em detrimento
do desprazer.
Devido à fonte de excitação externa, o princípio de inércia precisa ser
adaptado para que possa apaziguar a tensão por meio de alguma ação,
a qual não poderia realizar caso o organismo estivesse em um estado
zero de excitação. Assim, precisa manter um nível constante de tensão;
a maior possível para que seja possível um desempenho eficiente do
aparelho psíquico. Tal princípio é denominado de princípio de
constância. Para Freud, é dele que o princípio de prazer deriva. O
princípio de prazer constitui um dos princípios que regulam o aparelho
mental, o qual domina o aparelho psíquico desde o início da vida. Seu
objetivo é evitar desprazer e obter prazer. É por isso que Freud,
inicialmente, usou a denominação princípio de prazer-desprazer.
(INADA, 2009, p.61).
Como exposto acima, em Freud, prazer e desprazer referem-se à quantidade de
excitação no aparelho psíquico. Assim, o prazer seria o aumento de uma excitação
enquanto o desprazer sua redução.
44
[...] relacionamos prazer e desprazer com a quantidade de excitação
presente na vida psíquica – quantidade que de alguma maneira não
está presa [energia que flui livremente, que não está aprisionada a uma
representação] – de modo que nessa relação o desprazer
corresponderia a um aumento, e o prazer, a uma diminuição dessa
quantidade. (FREUD, 2006, p. 135-136 apud INADA, 2009, p. 62).
Quando uma tensão é acumulada no organismo, diversos processos
psíquicos são ativados, tomando determinado curso, o qual tem por fim
sua diminuição, ou evitando o desprazer ou proporcionando prazer.
Entretanto, parece haver no organismo uma grande defasagem entre
produção de excitação (que é maior) e possibilidade de escoá-la. Freud
aborda este tema em “Moral sexual civilizada” e doença nervosa
moderna”. Neste texto, a referência é estritamente às pulsões sexuais.
(INADA, 2009, p. 62).
Resumindo,
a
felicidade
em
Freud
não
é
possível,
senão
muito
incompletamente, o homem é movido por desejos insaciáveis que somente poderiam
ser realizáveis em uma sociedade sem repressões às pulsões, ainda que maléficas.
Nossas considerações sobre a felicidade em Freud tiveram o propósito de apresentar
uma concepção que nos será útil ao trabalhar o conceito de felicidade na prática da EJA,
e que pode servir, ainda, de horizonte ou contraponto crítico para repensarmos os
objetivos da alfabetização desde uma perspectiva filosófica, questão que iremos
continuar a desenvolver nas próximas seções.
1.3. Ensinando Filosofia para jovens e adultos em fase de alfabetização: desafios
e possibilidades.
“Gosto de ser gente porque, mesmo sabendo que as condições
materiais, econômicas, sociais e políticas, culturais e ideológicas em
que nós achamos geram quase sempre barreiras de difícil superação
para o cumprimento de nossa tarefa histórica de mudar o mundo, sei
também que os obstáculos não se eternizam.”
Paulo Freire
Se nunca estaremos prontos quando o assunto é pensar, haja vista que tal tarefa
se faz constantemente, como se propor a ensinar ao outro a realização de tal proeza?
Qual a razão de tomar conhecimento de saberes que nos provocam perturbações,
desconfortos e ansiedades, mas que em contrapartida nos fazem sentir mais vivos?
Se existissem respostas para esses questionamentos a relevância do pensar
morreria. Assim, a Filosofia é antes de tudo uma relação com o conhecimento; sua
45
funcionalidade não necessita ser discutida. O que devemos nos colocar não é a questão
do “para que serve a Filosofia” e sim o como essa ciência poderá nos auxiliar a pensar
as urgências que cada vez mais se tornam presentes na sociedade. Portanto, o filosofar
pode parecer para poucos, mas precisa ser de muitos. “A partir disso, e em um sentido
geral, considero que o que move o filosofar é o desafio de ter que dar conta,
permanentemente, de uma distância ou um vazio que não acaba de se encher.”
(CERLETTI, 2008, p. 24).
Portanto, a Filosofia nunca será evidente, o ato de refletir não tem fim — e podese dizer que se assim não o fosse, perderia seu sentido principal: o de se constituir como
um eterno aprendizado. Por isso, para um educador comprometido com o humano no
processo de ensino-aprendizagem, filosofar e ensinar Filosofia não são apenas
importantes, eles podem ser a base para um aprendizado eficaz. Dessa forma, o
professor que de fato se propõe a fazer seus alunos filosofarem deve ser antes de tudo
um eterno filósofo. Seu comprometimento com o pensar deve ser algo inerente ao fazer
pedagógico, mas acima de tudo uma razão para sua prática diária.
E foi justamente por sua tamanha complexidade que a Filosofia foi por vezes
reservada aos acadêmicos, apartada da massa popular — “uma riqueza escondida
daqueles que mais tinham a necessidade de usufruí-la”. Sua reentrada nos currículos
do Ensino Médio, em 2008 — mesmo que por 50 minutos semanais, trouxe consigo a
esperança de se discutir Filosofia nas escolas. Todavia sua inserção no Ensino
Fundamental ainda encontra barreiras, salvo pouquíssimas experiências — que embora
apresentando sucesso não tiveram a força necessária para se fazer valer nos currículos
escolares como disciplina obrigatória.
Se no Ensino Fundamental a inclusão da Filosofia na grade curricular apresentase como uma possibilidade remota, o que dizer sobre a inclusão da mesma em turmas
de alfabetização? E em turmas de alfabetização da EJA? Parece mesmo uma tarefa
quase impossível.
Em uma sociedade onde há pouco espaço para a crítica e criação, a Filosofia é
sem dúvida um bom instrumento para se começar a desbravar esse mundo. Sua
inserção na Educação de Jovens e Adultos pode auxiliar na busca por um ensino que
transforme e informe ao mesmo tempo em que questiona, debate, polemiza, dialoga e
ensina.
Em seu ensaio Educação após Auschwitz (2000 a), Adorno luta por
uma educação dirigida à reflexão crítica e concentrada na primeira
46
infância. Mas, na verdade, tal empobrecimento não abrange apenas
crianças. Todos nós estamos a ele submetidos. Este é um fato que
merece toda a nossa atenção. Numa sociedade que estimula o
pensamento estereotipado e que segue a lógica instrumental, não há
espaço para a crítica e a criação. Naturalmente, temos um contexto
altamente complexo para a prática da filosofia em salas de aula, mas
partimos do princípio de que a filosofia pode cooperar para um
alargamento da expressão e construir uma autorreflexão crítica do
mundo. Porém, esse processo não pode ser algo coercitivo.
(OLIVEIRA, 2009, p. 43).
Portanto, nada mais audacioso para um professor de Filosofia do que afirmar-se
enquanto filósofo, quem se propõe ensinar a filosofar deve ser antes de tudo alguém
declaradamente apaixonado pelo saber. Da mesma forma, nada mais desafiador para
um professor alfabetizador do que valer-se da Filosofia para, no processo de ensinoaprendizagem de seus alunos, promover reflexões e ao mesmo tempo significações na
vida desses sujeitos. Afinal, a Filosofia e a alfabetização não apenas se combinam como
almejam o mesmo objetivo: promover uma mente aberta ao mundo, ao pensar
autônomo e a aprendizagem.
A Educação de Jovens e Adultos possui sujeitos com experiências e histórias de
vida capazes de despertar profundas reflexões — que associadas à mediação filosófica
correta podem servir como temática geradora, não somente nas aulas de alfabetização,
como em qualquer momento de aprendizagem. Portanto, privar esses sujeitos de
experiências enriquecedoras advindas de reflexões filosóficas é ocultar suas
potencialidades para o pensar, “cada nível da educação tem certas peculiaridades e
também potencialidades que merecem toda nossa atenção.” (OLIVEIRA, 2009, p. 45).
Nessa perspectiva, ao menos no que diz respeito à Filosofia para crianças os
primeiros passos foram dados, haja vista as experiências e estudos na área que cada
vez mais despontam de forma valiosa. Essas novas experiências nos trazem a evidência
de que a Filosofia não é apenas para o Ensino Médio, mas para todo e qualquer espaço
que se põe a pensar. Portanto, façamos o mesmo por nossos jovens e adultos que após
anos fora da escola decidem recomeçar a aprender.
47
1.3.1. O Ensino de Filosofia no cenário atual: repensando práticas de ensino na
EJA
“A filosofia só faz jus a si mesma quando é mais do que uma disciplina
específica.”
Theodor Adorno
É necessário concordarmos que a inclusão da Filosofia na Educação de Jovens
e Adultos não é tão irrelevante como possa vir a parecer para uma considerável massa
crítica acadêmica. Pelo contrário, constitui-se em uma possibilidade de engajamento e
aprendizado crítico, o questionamento é pré-condição a quaisquer atividades de ensino
que se diga dialógica e reflexiva. Privar o aluno da EJA de experiências que o coloquem
em contato direto com o fazer filosófico é tirar a oportunidade do mesmo se descobrir
enquanto um ser que pensa e, portanto, tem vez e voz.
Dessa maneira, o que se faz necessário nas escolas brasileiras são espaços
onde o saber filosófico possa frutificar e conquistar novos horizontes, pois para filosofar
não é preciso ser um filosofo profissional. A história nos mostra que os primeiros
filósofos viveram em uma sociedade eminentemente oral durante séculos, nessa
perspectiva, negar a Filosofia a um sujeito somente porque ele não aprendeu a ler e
escrever fluentemente é subestimar ao máximo sua capacidade de pensar.
Os limites da significação da reflexão filosófica na escola e na
sociedade não se superam com mais e melhores “filósofos
profissionais”, mas com a perspectiva mais modesta de potenciação
de espaços onde o questionamento filosófico, qualquer que seja, possa
frutificar. (CEPPAS, 2008, p. 35).
Assim, a introdução espontânea de vivências filosóficas durante as aulas de
alfabetização, ainda que de natureza introdutória, deve ser vista como algo
extremamente valioso, o filosofar se torna muito mais profundo se adquirido de modo
espontâneo e não de maneira puramente dirigida. Afinal, “a capacidade de pensar
criticamente o mundo não pode ser algo imposto.” (OLIVEIRA, 2009, p. 50).
Nesse ponto uma ressalva se faz de extrema importância, estamos propondo
aqui experiências filosóficas e não uma imersão na Filosofia em sua dimensão mais
acadêmica, abrangendo, por exemplo, conteúdos como sua história e correntes — o que
certamente exige uma escrita e leitura mais amadurecida, além do conhecimento prévio
de outros conteúdos disciplinares de escolaridade mais avançada.
48
O que propomos são momentos do pensar, do refletir sobre o mundo. Somente
nessa perspectiva estaremos contribuindo para a produção de consciências verdadeiras
entre os sujeitos da EJA em fase de alfabetização, mas para tanto, o diálogo deve ser
o princípio de toda e qualquer ação pedagógica.
Nesse sentido, talvez seja necessário pensar o espaço que o diálogo e a
Filosofia ocupam nas turmas de Educação de Jovens e Adultos em fase de
alfabetização. E nessa procura é muito provável que não encontremos um espaço
demarcado e perceptível, isso se ele existir. Portanto, uma educação que se diz
empenhada em promover a emancipação, encontrará possíveis obstáculos caso não
esteja ancorada em uma perspectiva dialógica e reflexiva e, portando, envolta na
Filosofia.
Se pretendemos levar nossos alunos à emancipação, talvez seja preciso, antes,
compreender que a mesma não se constrói em meio a aulas de “cuspe e giz”, mas em
meio à reflexão. “O pensar não deve reduzir-se ao método, a verdade não é o resto que
permanece após a eliminação do sujeito. Pelo contrário, este deve levar consigo toda a
sua inovação e experiência na observação da coisa para, segundo o ideal, perde-se
nela.” (ADORNO, 1995a, p.19).
O pensar filosófico satisfatório é crítico, não só frente ao existente e a
sua moldagem coisal na consciência, mas também, na mesma medida,
frente a si mesma. Ele não faz justiça à experiência que o anima
mediante uma codificação complacente, mas sim mediante uma
objetivação. (ADORNO, 1995a, p. 23).
Por tal razão, torna-se preciso levar nossos alunos a um pensar com base na
realidade. Contudo, não é desejável construir uma motivação ativista, pouco
fundamentada — oriunda de uma crítica ingênua. Talvez, para um ensino significativo e
engajado, seja necessário que a Filosofia esteja presente em todo e qualquer ano
escolar, em um espaço por excelência do pensamento, de formação do espírito crítico.
Por isso, como dito anteriormente, passa a ser necessário repensar o próprio lugar da
Filosofia na sociedade, que não se deve limitar apenas as salas de aula do Ensino Médio
e das universidades, é preciso pensar “filosoficamente” práticas filosóficas diversas a
serem produzidas em variados contextos escolares.
Contudo, o que defendemos são práticas filosóficas fundamentadas, não simples
introduções que se intitulam filosóficas sem de fato desencadear reflexões críticas
aprofundadas. “A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma
autorreflexão.” (ADORNO, 1995a, 121).
49
Vale dizer, o que está em questão é o próprio propósito em nome do
qual se mobiliza a filosofia no cotidiano. Sem uma prévia reflexão, a
filosofia corre o risco nada trivial de transformar-se em mais uma mera
distração do cotidiano, para além das boas ou más intenções.
(CEPPAS, 2008, p. 161).
Nessa perspectiva, um ensino que se diga emancipatório necessita incluir a
Filosofia em seu afazer didático como motivação para refleti-lo. “A partir disso a
possibilidade de levar cada um a “aprender por intermédio da motivação” converte-se
numa forma particular do desenvolvimento.” (BECKER, in: ADORNO, 1995, 170).
Evidentemente a isto corresponde uma instituição escolar cuja
estruturação não se perpetuem as desigualdades específicas das
classes, mas que, partindo cedo de uma superação das barreiras
classistas das crianças, torna
praticamente
possível o
desenvolvimento em direção à emancipação mediante uma motivação
do aprendizado baseada numa oferta diversificada ao extremo.
(BECKER, in: ADORNO, 1995, p. 170).
Tal como nos salienta Adorno, devemos traçar esforços para difundir uma
educação política que leve à emancipação. E nessa direção, os fatos nos direcionam a
defesa de que sem a Filosofia esse caminho se torna mais difícil.
Dessa forma, se faz necessário uma crítica permanente, porém acima de tudo
fundamentada, sobre a realidade, a fim de se evitar com todas as forças a barbárie e a
repetição de Auschwitz. “Parafraseando Adorno no último parágrafo da Mínima Morália,
quanto mais a educação procura se fechar ao seu condicionamento social, tanto mais
ela se converte em mera presa da situação social existente.” (MAAR, 1995, p.11).
O essencial é pensar a sociedade e a educação em seu devir. Só assim
seria possível fixar alternativas históricas tendo como base a
emancipação de todos no sentido de se tornarem sujeitos refletidos da
história, aptos a interromper a barbárie e realizar o conteúdo positivo,
emancipatório, do movimento de ilustração da razão. Esta, porém,
seria uma tarefa que diz respeito a características do objeto, da
formação social em seu movimento, que são travadas pelo seu
encantamento, pelo seu feitiço. Por isto a educação, necessária para
produzir a situação vigente, parece impotente para transformá-la.
(MAAR, 1995, p.12).
Munido da defesa de uma educação política, Adorno combate a “falsa cultura”
propondo uma teoria social enquanto abordagem formativa. E nessa direção sinaliza
que a reflexão educacional deve antes de tudo constituir-se em uma focalização política
e social. Para o filósofo, o homem deve buscar o esclarecimento e não se julgar
esclarecido sem sê-lo, isso é ocultar uma condição que deve ser superada. É nesse
sentido, que a formação cultural pode conduzir à barbárie ao invés da emancipação, tal
como ocorreu com a Alemanha de Goethe em meio ao nazismo de Hitler.
50
Portanto, a concepção adorniana de educação gira em torno de uma educação
para o esclarecimento. Meta assumida como combate à crise do processo formativo e
educacional, resultado da dinâmica econômica atual que constantemente controla
nossos desejos e atitudes. “A vida no capitalismo tardio é um contínuo rito de iniciação.
Todos têm de mostrar que se identificam integralmente com o poder de quem não
cessam de receber pancadas.” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 127).
Parafraseando Maar (1995, p. 21), o que Adorno nos salienta por fim é que a
indústria cultural é o reflexo da irracionalidade objetiva da sociedade capitalista tardia,
como racionalidade da manipulação das massas. Assim, a crise da educação tem suas
raízes na indústria cultural que reprime a formação subjetiva interiorizando a dominação.
A indústria cultural expressa a forma repressiva da formação da
identidade da subjetividade social contemporânea. Marx já assinalara
como pela educação os trabalhadores “aceitam” ser classe proletária,
interiorizando a dominação, por exemplo, nos seus hábitos. Agora
vemos como esta “aceitação” se dá objetivamente no capitalismo
tardio. Em primeiro lugar, há uma transformação básica na chamada
superestrutura, confundindo-se os planos da economia e da cultura. A
indústria Cultural determina toda a estrutura de sentido da vida cultural
pela racionalidade estratégica da produção econômica, que se inoculta
nos bens culturais enquanto se convertem estritamente em
mercadorias; a própria organização da cultura, portanto, é
manipulatória dos sentidos dos objetos culturais, subordinando-os aos
sentidos econômicos e políticos e, logo, à situação vigente. (MAAR,
1995, p. 21).
Quando Adorno fala de indústria cultural, ele está se referindo à cultura
transformada em mercadoria. “No plano da totalização da estrutura da mercadoria na
formação social, inclusive no plano das próprias necessidades sensíveis a que
correspondem aos valores de uso dos bens na sociedade de consumo.” (MAAR, 1995,
p.23). Dessa forma, a indústria cultural impõe a regra do mercado rompendo com a
lógica de uma cultura para a formação social.
Sob o poder do monopólio, toda cultura de massas é idêntica, e seu
esqueleto, a ossatura conceitual fabricada por aquele, começa a se
delinear. Os dirigentes não estão mais sequer muito interessados em
encobri-los, seu poder se fortalece quanto mais brutalmente ele se
confessa de público. O cinema e o rádio não precisam mais se
apresentar como arte. A verdade de que não passam de um negócio,
eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que
propositalmente produzem. Eles se definem a si mesmos como
indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores
gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade social de seus
produtos. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 100).
51
Nessa conjuntura, a problemática sobre o ensino de Filosofia, enquanto caminho
para a emancipação, passa a constituir-se como um problema filosófico, essa
possibilidade se coloca em constante questionamento.
Muitos são os questionamentos que se colocam diante de um educador que
pretende se valer da Filosofia em suas aulas, ainda mais quando sua tarefa se traduz
em propiciar o primeiro contato do outro com o filosofar. Em se tratando de um público
em fase de consolidação da leitura e escrita, as inseguranças são ainda maiores.
Estaríamos preparados para introduzir o filosofar emancipador? Tudo nos leva a crer
que nunca estaremos prontos, porém o primeiro passo precisa ser dado.
O filosofar se dá no contato com a instabilidade, com o novo que se revela,
“a incerteza, o incômodo, a insatisfação ou a impossibilidade de dar conta cabalmente
do mais básico de nossa atividade, longe de ser um obstáculo — ou, talvez,
precisamente por sê-lo — constitui o motor do Filosofar.” (CERLETTI, 2008, p.23).
Todos nós professores de filosofia enfrentamos, ano após ano, a tarefa
de começar nossas aulas de filosofia. Se nossa audiência já cursou
alguma disciplina filosófica, ou é de estudantes de filosofia, estamos
mais ou mesmos tranquilos: todo mundo já sabe do que se trata a
filosofia e a questão será só ir ampliando o aprofundando alguns
aspectos específicos. Porém, quando temos que começar do zero (por
exemplo, em um primeiro curso de filosofia de ensino médio ou ante
um grupo cuja formação não é filosófica ou simplesmente quando
alguém se interessa em saber, de maneira inocente, a que nos
dedicamos), então a coisa complica. E complica porque sabemos que
devemos estar preparados para enfrentar algumas perguntas que
inexoravelmente chegarão: “o que é filosofia?”, “para que serve”? “o
que fazem os filósofos? (CERLETTI, 2008, p. 22).
1.3.2. Por uma educação Emancipadora
“O desejo de libertar-se do passado justifica-se: não é possível viver à
sua sombra e o terror não tem fim quando culpa e violência precisam
ser pagas com culpa e violência; e não se justifica porque o passado
de que se quer escapar ainda permanece vivo.”
Theodor Adorno
Vimos que para Theodor Adorno a educação deve empenhar-se constantemente
em evitar a barbárie buscando promover a emancipação. Mas o que é essa barbárie à
qual Adorno constantemente se refere? É justamente o que leva o homem à destruição,
seu impulso destruidor que vem à tona nas mais diversas maneiras de tortura e
52
agressividade presenciadas pelo mundo afora e que podem novamente chegar ao
extremismo do nazismo, de maneira que barrá-la é um dos compromissos mais
importantes que a educação precisa assumir.
A educação atual, no entanto, não tem conseguido conter o impulso dominador
do homem, servindo muitas das vezes como incentivo ao desabrochar do seu lado mais
perverso. O que Adorno sinaliza é justamente a necessidade do contrário. A educação
deve buscar o bem, a emancipação por meio do combate à repressão.
Suspeito que a barbárie existe em toda a parte em que há uma
regressão à violência física primitiva, sem que haja uma vinculação
transparente com objetivos racionais na sociedade, onde exista,
portanto a identificação com a erupção da violência física. Por outro
lado, em circunstâncias em que a violência conduz inclusive a
situações bem constrangedoras em contextos transparentes para a
geração de condições humanas mais dignas, a violência não pode sem
mais nem menos ser condenada como barbárie. (ADORNO, 1995a, p.
159-160).
Portanto, o ato de educar precisa ter como foco o humano e o social enfrentando
o que vem a ser a indústria cultural — que coopta o potencial criativo e humano do
indivíduo. Assim, em Adorno chegamos à conclusão que o processo educacional deve
ser humano, social, voltado à formação crítica e reflexiva que reprima o impulso
repressivo e destrutivo que faz parte do homem. Somente assim, será Emancipadora.
Qualquer debate acerca das metas educacionais carece de significado
e importância frente a essa meta: que Auschwitz não se repita. Ela foi a
barbárie contra a qual se dirige toda a educação. Fala-se da ameaça de
uma regressão à barbárie. Mas não se trata de uma ameaça, pois
Auschwitz foi a regressão; a barbárie continuará existindo enquanto
persistirem no que têm de fundamental as condições que geram esta
regressão. (ADORNO, 1995a, p. 119).
Dessa forma, depois de Auschwitz a educação precisa ser repensada de forma
a buscar alternativas de superação ao fenômeno da industrialização da cultura que
culmina com a manipulação das consciências — instrumento de dominação e
manutenção do status quo que não exime as escolas. Essas por sua vez poderão ser
mais um instrumento a favor da máxima mercantilização da cultura e destruição das
consciências ou, em contrapartida, promover uma nova lógica de ensino, pautada na
emancipação efetiva do homem.
A finalidade máxima da educação é impedir que Auschwitz se repita, pois a
passividade diante da barbárie é o principal instrumento para a viabilização da
repressão. Por isso, Adorno é contundente ao dizer que o maior e principal objetivo da
53
educação é a desbarbarização. Auschwitz pode ter ficado para traz, mas a barbárie
humana ainda é uma realidade.
Adorno procura mostrar que a educação teria um poder de resistência
ao rumo caótico que a civilização humana está tomando. Ela poderia
se trabalhada da maneira correta, fazer com que o homem refletisse
sobre sua realidade e a analisasse de maneira crítica, não aceitando
todas as imposições sociais como sendo naturais, mas entendendo
que é ele o responsável pela produção da realidade. (LIMA, 2008, p.
77).
Desta maneira a finalidade última do esclarecimento, que era a
liberdade acabou gerando um novo tipo de dominação, pois a razão
técnica passa a se impor como única forma de razão, o pensamento
que antes almejava a liberdade passou a ser totalitário devido ao uso
de maneira equivocada a que foi submetido pela técnica. Portanto a
educação a que os homens são submetidos na sociedade administrada
não conduz à liberdade e autonomia de pensamento, mas sim a
heteronomia e alienação tanto intelectual quanto material. (LIMA, 2008,
p. 80).
Dessa forma, Adorno tenta sinalizar a importância de considerar de forma crítica
as condições sociais que determinam o modo como os indivíduos agem. Salientando a
reflexão racional das condições de produção da realidade social e de mercantilização
da cultura. “A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma
autorreflexão crítica.” (ADORNO, 1995a, p. 121).
1.3.3. Por uma Emancipação contundente: reflexão e ação
“Em verdade, não seria possível à educação problematizadora, que
rompe com os esquemas verticais característicos da educação
bancária, realizar-se como prática da liberdade, sem superar a
contradição entre o educador e os educandos”.
Paulo Freire
Quando falamos sobre Educação de Jovens e Adultos, logo Paulo Freire nos
vem à mente de forma tão contundente que poucos são aqueles que ousam resistir às
suas considerações. E quando a temática se faz em torno da Educação Emancipadora
suas colocações parecem ainda mais significativas. Contudo se a tarefa for posicionar
as contribuições de Paulo Freire frente às de Theodor Adorno, será como misturar água
e óleo — o primeiro otimista ao extremo, o segundo um “pessimista de carteirinha”. No
entanto, ambos trazem postulações de suma relevância, capazes de suscitar reflexões
grandiosas aos interessados em discutir o que de fato vem a ser Emancipação.
54
Como educador consciente de seu papel, Paulo Freire propõe um ensino
pautado no diálogo, como contrapartida àquilo que ele entendia por Educação Bancária,
que considera o aluno uma folha em branco — uma gaveta na qual o educador deposita
suas contribuições de forma autoritária e nada construtiva.
Estudar é, realmente um trabalho difícil. Exige de quem o faz uma
postura crítica, sistemática. Exige uma disciplina intelectual que não se
ganha a não ser praticando-a. Isto é, precisamente, o que a “educação
bancária” não estimula. Pelo contrário, sua tônica reside
fundamentalmente em matar nos educandos a curiosidade, o espírito
investigador, a criatividade. Sua “disciplina” é a disciplina para a
ingenuidade em fazer do texto, não para a indispensável criticidade.
(FREIRE, 1981, p. 8).
No que concerne ao conceito de Emancipação é preciso dizer que o mesmo
admite variados contextos e significações, sendo estas muitas das vezes por demais
abstratas, porém aqui daremos destaque ao âmbito educacional.
Como diz Adorno: “A ideia de emancipação, [...], é ela própria ainda abstrata,
além de encontrar-se relacionada a uma dialética. Essa precisa ser inserida no
pensamento e também na prática educacional.” (ADORNO, 1995a, p.143). Ou, ainda:
“Única concretização efetiva da emancipação consiste em que aquelas poucas pessoas
interessadas nessa direção orientam toda a sua energia para que a educação seja uma
educação para a contradição e para a resistência.” (ADORNO, 1995a, p. 183).
Paulo Freire por sua vez, caminha em sentido parecido, defendendo que um
ensino para a emancipação propõe uma educação para a criticidade, para a decisão e
para a responsabilidade social e política. “Para a educação problematizadora, enquanto
um quefazer humanista e libertador, o importante está em que os homens submetidos
à dominação, lutem por sua emancipação.” (FREIRE, 2011). Emancipar-se nesse
sentido, é superar a falsa consciência do mundo.
Considerações inúmeras a parte, o que parece unânime é o fato de todos verem
a emancipação como um grande progresso, que outrora já fora idealizado por Marx com
destaque acentuado para o conceito de emancipação política.
A emancipação política de fato representa um grande progresso; não
chega a ser a forma definitiva da emancipação humana em geral, mas
constitui a forma definitiva da emancipação humana dentro da ordem
mundial vigente até aqui. Que fique claro: estamos falando aqui de
emancipação real, de emancipação prática [...] Mas a emancipação
humana só estará plenamente realizada quando o homem individual
real tiver recuperado para si o cidadão abstrato e se tornado ente
genérico na qualidade de homem individual na sua vida empírica, no
seu trabalho individual, nas suas relações individuais, quando o
55
homem tiver reconhecido e organizado suas “forces propres” (forças
próprias) como forças sociais e, em consequência, não mais separar
de si mesmo a força social na forma da força política. (MARX, 2010, p.
41-54).
Dessa forma, uma educação que vai ao encontro de um mundo mais humano e
crítico só poderá alcançá-lo na medida em que se dispuser a pensar o sentido da
emancipação em sua prática. E como vimos, tal como Adoro e Marx, Paulo Freire
construiu uma trajetória de estudo em cima dessa temática, salientando que é preciso
uma prática pedagógica em favor da autonomia do ser dos educandos.
Freire defendia uma educação comprometida com o social. Se, para ele, a
educação sozinha não é capaz de transformar o mundo, sem ela seria impossível
começar qualquer tipo de luta. E é nesse sentido que também postulamos: a Filosofia
sozinha não será passível de conquistas, porém sua contribuição é imprescindível.
Somente homens e mulheres, como seres “abertos”, são capazes de
realizar a complexa operação de, simultaneamente, transformando o
mundo através de sua ação, captar a realidade e expressá-la por meio
da linguagem criadora. E é enquanto são capazes de tal operação, que
implica em “tomar distância” distância do mundo, objetivando-o, que
homens e mulheres se fazem seres como o mundo. (FREIRE, 1978, p.
65 apud DECKER, 2010, p. 38).
Nesse sentido, percebemos o quanto Paulo Freire se aproxima do trabalho que
aqui vem sendo proposto — o de ofertar uma educação que tente ao máximo
aproximar-se da Educação popular indo ao encontro da Emancipação.
Por entender as classes populares como detentoras de um saber não
valorizado e excluídas do conhecimento historicamente acumulado
pela sociedade, nos mostra a relevância de se construir uma educação
a partir do conhecimento do povo e com o povo provocando uma leitura
da realidade na ótica do oprimido, que ultrapasse as fronteiras das
letras e se constitui nas relações históricas e sociais. Nesse sentido, o
oprimido deve sair desta condição de opressão a partir da fomentação
da consciência de classe oprimida. (MACIEL, 2011, p. 328).
A descoberta do oprimido enquanto ser histórico — ou seja, emancipado —
traduz a trajetória de Freire frente aos cidadãos marginalizados da EJA na tentativa de,
partindo do seu cotidiano, propor formas de alfabetização mais humanas e
contextualizadas das que até então vem sendo propostas.
Em seus escritos, o autor deixa claro seu compromisso com o social, salientando
que um educador deve agir no intuito de fazer com que seus alunos possam “ser mais”
e tornarem-se “seres para si” ao invés de ser “seres para o outro”. Tal qual Adorno,
Freire é contra visões extremistas de mundo, para tanto ele propõe uma ética universal
56
que deve permear as práticas sociais. “O erro na verdade não é ter certo ponto de vista,
mas absolutizá-lo e desconhecer que, mesmo do acerto de seu ponto de vista, é
possível que a razão ética nem sempre esteja com ele.” (FREIRE, 2011, p.18).
Os seres humanos, enquanto seres históricos estão em estreita ligação com o
mundo, sendo necessário que tomem consciência do mesmo para propor mudanças de
forma fundamentada. Parafraseando Freire, o ser que simplesmente vive no mundo não
se torna capaz de refletir sobre ele, apenas o habita em plena passividade
desconhecendo as leis que regulam sua existência. Em contrapartida, o sujeito
emancipado reflete sobre sua existência em um mundo em constante transformação, e
que, portanto não está dado, sendo passível de mudanças.
Porém, para descobrir-se enquanto ser histórico, colaborador na construção de
uma sociedade mais humana, antes é necessário descobrir-se enquanto um ser
inacabado, alguém em eterna construção, que, por meio da reflexão e do conhecimento
de si e do mundo, se torna colaborador na efetivação de uma sociedade melhor.
Assim, somente por meio da reflexão e ação dos homens no mundo é possível
transformá-lo, superando a contradição opressor-oprimido.
Feito para o ser mais, o ser humano é ontologicamente chamado a
desenvolver, nos limites e nas vicissitudes de seu contexto histórico,
todas as suas potencialidades materiais e espirituais, buscando dosar
adequadamente seu protagonismo no enorme leque de relações que a
vida lhe oferece, incluindo as relações no mundo e com o mundo, as
relações intrapessoais, interpessoais, estéticas, de gênero, de etnia e
de produção. (CALADO, 2001, p. 52 apud JUNIOR; NOGUEIRA, 2011,
p. 5).
Freire acentua dessa maneira, a passagem de uma consciência ingênua para
uma consciência crítica que se processa durante o ensino, por meio de práticas
dialógicas e reflexivas. Nesse contexto, alfabetizar jovens e adultos se apresenta como
algo que necessita ser repensado, como recusa de uma educação totalmente
mecanizada, visto que:
A alfabetização, assim, se reduz ao ato mecânico de “depositar”
palavras, sílabas e letras nos alfabetizando. Escrita e lida, a palavra é
como se fosse um amuleto, algo justaposto ao homem que não a diz,
mas simplesmente a repete. Palavra quase sempre sem relação com
o mundo e com as coisas que nomeia. Daí que, para esta concepção
distorcida da palavra, a alfabetização se transforme em um ato pelo
qual o chamado alfabetizador vai “enchendo” o alfabetizando com suas
palavras. A significação mágica emprestada à palavra se alonga noutra
ingenuidade: a do messianismo. O analfabeto é um “homem perdido”.
É preciso, então, “salvá-lo” e sua “salvação” está em que consinta em
ir sendo "enchido” por estas palavras, meros sons milagrosos, que lhe
57
são presenteadas ou impostas pelo alfabetizador que, às vezes, é um
agente inconsciente dos responsáveis pela política da campanha.
(FREIRE, 1981, p.11).
Freire propõe outro olhar sobre a alfabetização de jovens e adultos, capaz de
introduzi-los num caminho de criticidade e reflexão. É preciso propor outras
metodologias que subtraiam práticas nada criativas e humanizadoras de ensino. As
velhas cartilhas, por melhores que sejam não substituem práticas dialógicas e reflexivas
de alfabetização, funcionando como “o instrumento através do qual se vão ‘depositando’
as palavras do educador, [...], nos alfabetizandos. E por limitar-lhes o poder de
expressão, de criatividade, são instrumentos domesticadores.” (FREIRE, 1981, p.11).
Freire nos conduz a um ensino que se distancia do erro epistemológico do
bancarismo levando o educador a um constante engajamento. Ele postula que aprender
criticamente é possível. “Nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão
se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber
ensinado.” (FREIRE, 2011, p. 28).
O necessário é que, subordinado, embora, à prática “bancária”, o
educando mantenha vivo em si o gosto da rebeldia que, aguçando sua
curiosidade e estimulando sua capacidade de arriscar-se, de
aventurar-se, de certa forma “imuniza” contra o poder apassivador do
bancarismo. (FREIRE, 2011, p. 27).
Paulo Freire representa um verdadeiro marco na história da Educação de Jovens
e Adultos. Ele argumenta de maneira contundente que uma educação que se faz de
forma crítica deve ter o compromisso do educador com a consciência crítica do
educando. Ou seja, nenhum educador é capaz de superar a condição de ingenuidade
de seu aluno se não estiver aberto ao outro.
Assim, cabe ao professor o respeito ao senso comum no processo de sua
superação. Porém, para agir nessa perspectiva o educador precisa “pensar certo”, o
que lhe implica respeitar os saberes — sobretudo os das classes marginalizadas — e
“discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o
ensino dos conteúdos.” (FREIRE, 2011, p. 31).
Nessa direção, é preciso trazer para as salas de aula temáticas que permitam
aos alunos pensarem o mundo no qual estão inseridos, refletir sobre os acontecimentos
que os cercam e despertarem-se para a problemática atual, ou na visão freiriana,
colocarem-se impacientes diante do mundo. O que, contudo, somente ocorre com o
despertar da curiosidade que por sua vez deverá ser crítica, insatisfeita e indócil,
58
“curiosidade com que podemos nos defender de “irracionalismos” decorrentes do ou
produzidos por certo excesso de “racionalidade” de nosso tempo altamente
tecnologizado.” (FREIRE, 2011, p. 34).
Certamente a Filosofia, com seu caráter crítico e atuante, embora não seja a
solução para as incertezas e males do mundo, nos auxilia a pensar de maneira
inconformada, ou seja, questionadora, o mundo e suas problemáticas. Assim como
Adorno, Freire traz ao docente a necessidade de despertar no homem o que lhe há de
melhor. Mas para tanto, o educador necessita perceber a essência filosófica pertencente
ao ato de ensinar. Essa essência se fortalece na medida em que ele introduz em sala
formas alternativas de aprendizagem.
Educar não é somente introduzir conhecimentos de forma puramente conceitual,
como se os alunos fossem folhas em banco, educar é transformar histórias e vidas. É
pensar e repensar significados. É acima de tudo dar a oportunidade desses sujeitos
sentirem-se seres que pensam, vivem e agem.
É por isso que transformar a experiência educativa em puro
treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente
humano no exercício educativo: o seu caráter formador. Se se respeita
a natureza, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação
moral do educando. Educar é substantivamente formar: Divinizar ou
diabolizar a tecnologia ou a ciência é uma forma altamente negativa e
perigosa de pensar errado. (FREIRE, 2011, p. 34-35).
Assim, ensinar não pode ser entendido como a simples transmissão de
conhecimentos, mas como a criação de possibilidades de produção ou construção dos
mesmos (FREIRE, 2011). Dessa forma, nossa tarefa não se efetiva somente quando
fazemos com que nossos alunos percebam-se inacabados, crescendo enquanto seres
históricos, mas, sobretudo na medida em que nós docentes também nos enxergamos
inacabados, necessitando constantemente de aprimoramentos para uma prática
coerente.
Enquanto um ser inacabado, me faço, automaticamente, um ser em construção,
que quando privado do conhecimento se instaura na passividade e no erro. Portanto,
“seria irônico se a consciência de minha presença no mundo não implicasse já o
reconhecimento da impossibilidade de minha ausência na construção da própria
presença.” (FREIRE, 2011, p. 53).
59
Dessa forma, pensar o que é o mundo de hoje implica instaurar barreiras contra o
que não queremos mais que ele seja, ou venha a ser. Nesse sentido, pensar nosso
contexto social é refleti-lo, traçando novas formas de significações e existências.
Assim, Freire e Adorno vão além das considerações tradicionais de educação ao
postularem formas de educar que coloquem o homem em evidência por meio de sua
efetiva existência, que provavelmente se dá por meio do que eles cunharam por
emancipação. Nesse contexto a escola se faz lugar de construções emancipatórias ao
passo que:
Enquanto a sociedade gerar a barbárie a partir de si mesma, a escola
tem apenas condições mínimas de resistir a isto. Mas se a barbárie, a
terrível sombra a nossa existência, é justamente o contrário da
formação cultural, então a desbarbarização das pessoas
individualmente é muito importante. A desbarbarização da humanidade
é o pressuposto imediato da sobrevivência. Este deve ser o objetivo da
escola, por mais restritos que sejam seu alcance e suas
potencialidades. E para isso ela precisa libertar-se dos tabus, sob cuja
pressão se reproduz a barbárie. O pathos da escola hoje, a sua
seriedade moral, está em que, no âmbito do existente, somente ela
pode apontar para a desbarbarização da humanidade, na medida em
que se conscientiza disto. (ADORNO, 1995a, p. 117).
Embora com perspectivas de realizações sociais diferenciadas — Freire, um
eterno otimista da capacidade humana de superar sua condição de oprimido; Adorno,
um descrente do ser humano livre da barbárie — ambos defendem que a educação
representa a oportunidade de superação da condição que não permite ao homem se
desenvolver em plenitude.
Ao pontuarem o papel fundamental da educação no processo de descoberta do
ser humano enquanto ser social que age ativamente por uma sociedade mais justa,
Adorno e Freire colocam-nos uma nova forma de pensar a aprendizagem, que embora
produzidas em épocas e locais diferentes — o primeiro sob a sombra do Nazismo de
Hitler, o segundo sob o ar sufocante da ditadura brasileira — apresentam-se como
extremamente atuais e relevantes, pois nunca se fez tão urgente discutir novas formas
de ensinar.
Até aqui vimos o quanto uma educação mais crítica se faz necessária na
superação de uma forma desumanizadora de sociedade, seja pela condição de
opressão, seja pela natureza de barbárie.
Assim, o que tentamos até esse momento foi mostrar o quanto a Filosofia poderá
contribuir para a introdução de práticas mais contundentes e significativas nas turmas
60
de Educação de Jovens e Adultos, com destaque especial para as classes de
alfabetização, que, infelizmente, em sua grande maioria, vivem imersas em
metodologias infantilizadas e repetitivas que não trazem a criticidade, a reflexão e o
diálogo como instrumentos de inovação, como já dito.
Dessa forma, presumimos que as contribuições de Adorno e Paulo Freire são de
natureza relevante na reflexão das práticas atuais de ensino. Quando ensinamos jovens
e adultos, os focos e temáticas não podem ser os mesmos que os trabalhados com
crianças. Estamos falando de pessoas que passaram anos fora das escolas, e que,
como a própria legislação postula, precisam ter seus direitos assegurados, e dentre
esses direitos um ensino mais humano e emancipador se faz necessário.
A defesa da introdução de uma perspectiva filosófica de alfabetização se traduz
como algo inovador, capaz não só de redirecionar as práticas pedagógicas vigentes até
então, como também de introduzir caminhos mais diálogos e problematizadores de
ensino. Por tal razão, defender a introdução da Filosofia nas turmas do Ensino
Fundamental, precisamente nas etapas de alfabetização da EJA, é tarefa apenas de
educadores que acreditam na reflexão enquanto “instrumento” para um “pensar certo”.
É óbvio que muitos obstáculos serão postos — seja no plano legal, seja no plano
prático — para a introdução da Filosofia nas classes de alfabetização. Portanto, acreditar
em uma alfabetização de cunho filosófico é muito mais que defender a aprendizagem
de fonemas por fonemas, é defender caminhos alternativos e testar o novo, que como
tudo na vida poderá ou não dar certo.
Como já dissemos, nosso objetivo não é postular que, introduzindo a Filosofia
na EJA, revolucionaremos a forma de ensinar nessa modalidade, pelo contrário, não
temos certezas nesse momento. Em contrapartida, as dúvidas nos tomam por completo.
Também não possuímos o tempo necessário para comprovar na prática ser possível
alfabetizar alguém por meio da Filosofia, nem seria este o nosso objetivo. Mas
entendemos a relevância do ensino dessa área do conhecimento. Cada aluno tem suas
particularidades, respondem de formas diversas às atividades propostas e solicitam
formas diferentes de aprendizagem. Assim, se para muitos a Filosofia é um bem,
provavelmente para outros talvez seja um atrapalho.
Tratar-se-ia de adotar práticas de ensino-aprendizagem de fato mais humanas?
Presumo que essa é uma pergunta que, da mesma forma que as que dizem respeito à
funcionalidade filosófica, não é cabível, ao menos nesse momento. Só saberemos a
61
funcionalidade de uma alfabetização de viés filosófico no instante em que nos
propusermos o desafio de alfabetizar de forma filosófica e com o auxílio da Filosofia. Se
não tentarmos o novo com a justificativa de que não há indícios que comprovem sua
eficácia — o que pode ocasionar “perda de tempo” — continuaremos produzindo sempre
mais do mesmo. E para produzir o mesmo de sempre não há necessidade de formação
constante, pelo contrário, “para uma aula qualquer serve muito bem um professor
qualquer”.
Contudo, o que defendemos é justamente a ausência de “qualquer aula para
qualquer aluno”. A prática pedagógica é um ato comprometido, poderá determinar o
futuro, a vida e os sonhos de outra pessoa. O educador, portanto não pode abster-se
de uma atuação engajada. E esse engajamento tem início no momento em que ele se
reconhece enquanto um educador.
A Filosofia não é a salvação do mundo, mas trabalha nessa direção. A Filosofia
não é a mudança, mas trabalha para sua viabilização. A Filosofia não é, nem jamais
poderá ser, a verdade definitiva, se assim o fosse não haveria sentido sua existência. E
a Filosofia não é para poucos, pelo contrário, sua necessidade se faz condição para
toda e qualquer forma de pensar e agir, e nesse cenário os sujeitos da EJA também se
incluem.
1. 4. Pensando o Ensino de Filosofia na EJA como problema Filosófico
“A potência do pensar está em todos e em cada um.”
Filipe Ceppas
Pensar o ensino de Filosofia nunca foi tão importante como se faz agora,
especialmente no que concerne à sua oferta na EJA.
Primeiramente porque poucos são aqueles que entendem a relevância desse
assunto deixado, na maior parte das vezes, nas mãos dos programas de Educação que
rotineiramente o tratam como questão educacional e não como o problema filosófico
que também deveria ser, fato observado até mesmo no crescente, mas ainda pouco
expressivo, número de publicações sobre essa temática. Para se ter uma ideia do
quanto pensar o ensino de Filosofia se traduz em algo relativamente novo, a Anpof
(Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia), por exemplo, somente teve um
GT, grupo de Trabalho, nessa área em 2006, o “Filosofar e Ensinar a filosofar”
(GELAMO, 2009) e:
62
Talvez um dos motivos para tão poucas publicações seja justamente o
fato de as questões do ensino da filosofia serem entendidas como
questões educacionais, o que possivelmente as distanciaria dos
problemas filosóficos. Assim, a filosofia poderia se ocupar de questões
“mais importantes” e elevadas como a metafísica, a teoria do
conhecimento, a ética e, de forma geral e principalmente, a história da
filosofia. (GELAMO, 2009, p.35).
A defesa árdua pelo retorno da Filosofia ao Ensino Médio fez com que as
discussões sobre seu ensino se concentrassem nessa etapa, o que ainda é uma
realidade, permanecendo adormecidos os diálogos sobre sua oferta em outros anos da
Educação Básica. A supressão se deu assim, sobre o discurso de que primeiramente é
necessário aprender as disciplinas tidas como “fundamentais”, a formação mínima,
como se aprender a filosofar fosse um “algo a mais” desnecessário.
Nesse sentido, no âmbito daqueles que se dedicam a pensar e defender o ensino
de Filosofia veremos a preocupação constante com sua oferta ao Ensino Médio, Ensino
Superior, às crianças, e até ao Ensino Fundamental, mas será difícil encontrar
estudiosos que discutam o ensino de Filosofia na EJA, e mais raro ainda que proponham
sua inclusão nas classes de alfabetização dessa modalidade. Assim, tal como já sugeria
Kant, é necessário reconhecer o ensino de Filosofia para além de uma abordagem
meramente pedagógica, e sim como um problema filosófico (GELAMO, 2009). É
importante reviver sua ideia de problematização dos modos de pensar a educação,
refletir sobre a autonomia do sujeito no aprender a filosofar e dialogar sobre como criar
as condições que nos levarão ao “pensar correto”, fazendo bom uso da razão.
Buscar o lugar da Filosofia no ensino como um todo, o que inclui a alfabetização
na EJA, é demarcar um espaço que há décadas encontra-se vago, à disposição das
autoridades que acreditam serem suficientes 50 minutos semanais para ela. Nesse
sentido, a essência do filosofar se perde, pois é impossível trabalhar o pensar nesse
contexto. Na realidade da Educação de Jovens e Adultos, onde a carga horária na
prática é reduzida por ser um ensino noturno, há relatos de docentes que mal
conseguem realizar a chamada. Que dirá promover reflexões em menos de uma hora.
O tempo disponibilizado para a apreensão dos conteúdos filosóficos e
para a consolidação de um tipo de reflexão almejado pela filosofia é
ínfimo. Ao dificultar a apropriação intelectual dos conteúdos pelos
alunos, a negação de um modo de temporalidade necessário à
formação do pensamento filosófico impede a constituição de uma
reflexão crítica, equivocadamente esperada sob essas condições.
(GELAMO, 2009, p.113).
Nesse contexto pouco propício ao filosofar, o ensino da Filosofia muitas
vezes se restringe a uma transmissão de conteúdos cujo objetivo é
63
fazer que o aluno acumule o máximo de informações possível no pouco
tempo que lhe é reservado. Assim, aquilo que seria fundamental para
a consolidação do processo formativo – a efetivação de uma mudança
de atitude do aluno em face do mundo e de si mesmo, a partir de um
pensamento crítico amparado pelas reflexões despertadas no encontro
de seu pensamento com o pensamento dos filósofos – seria algo quase
impossível de acontecer, por se fundamentar, muitas vezes, em um
modo superficial de articulação entre as perspectivas dos filósofos
apresentadas pelo professor acerca de um determinado tema e os
conteúdos tidos como necessários no ensino da Filosofia. (GELAMO,
2009, p. 113-114).
Portanto, a luta de um educador filósofo para levar a Filosofia até seus alunos é
mais que um problema filosófico, é acima de tudo uma vivência filosófica, marcada pela
problemática da existência (GELAMO, 2009), do constante questionamento do “fazer
docente” e do como falar sobre Filosofia em meio às problemáticas educacionais.
Ademais, o ensino de Filosofia não está puramente na transmissão de conteúdos, em
“fórmulas filosóficas” (GELAMO, 2009) por assim dizer, em que o professor explica o
que é “pensar filosoficamente”, sem possibilitar que seus alunos pratiquem esse ato.
O papel do professor de Filosofia passou a ser o de um explicador do
modo como os filósofos produziram determinado pensamento, das
suas filiações teóricas, de seus vínculos com aqueles que o
antecederam, dos pontos problemáticos que pretendiam resolver e do
modo como responderam a esses problemas [...] Ou seja, o papel do
professor, nesse contexto, é garantir que se compreenda aquilo que
supostamente é necessário que o aluno efetivamente aprenda da
filosofia. (GELAMO, 2009, p. 115-116).
Além dos constantes desafios de ensinar Filosofia em uma escola pública que
incluem: carga horária reduzida, despreparo, falta de material didático, dentre outros
obstáculos, constantemente o educador ainda precisa se deparar com o desinteresse
dos alunos, que não compreendem a necessidade de estudar Filosofia.
Não bastassem as limitações institucionais ao ensino-aprendizado da
filosofia, a perspectiva do ensino de filosofia na educação básica conta,
ainda, com outros obstáculos difíceis, sendo a “imaturidade” ou o
“desinteresse” de crianças e jovens pelo estudo em geral, e pela
filosofia em particular, o mais propalado. De fato, tudo, cada vez mais,
parece conspirar contra a ideia de que haja algum sentido em trabalhar
com a filosofia dentro da escola. Contudo, esse estado de coisas [...]
não deveria dar lugar a uma visão catastrofista e elitista, que
reafirmaria a suspeita de que o pensar é para poucos. Esta visão não
sobrevive às nossas considerações sobre as relações entre o pensar
e o juízo. A potência do pensar está em todos e em cada um. O que
podemos considerar como sendo um conjunto de “obstáculos” para
que possamos encontrar esse espaço de distanciamento frente ao
mundo visível e suas particularidades, suas contingências sem rima ou
razão, estabelecendo esse paciente e cuidadoso diálogo de mim
64
comigo mesmo, é, na verdade, o horizonte onde este diálogo pode
tornar-se significativo para além de si mesmo. (CEPPAS, 2015, p.59).
Nesse sentido, o ensino de Filosofia deve enriquecer experiências e propiciar
vivências, deve criar um “ambiente de resistência” ao não pensar, ao naturalismo e ao
conformismo exacerbado, “o ensino da Filosofia, que está vinculado à transmissão de
conhecimentos, não valoriza a experiência, mas a transmissão de saberes abstratos e
a reprodução daquilo que foi dito pelos grandes filósofos.” (GELAMO, 2009, p. 127).
Neste sentido, o problema do ensino da Filosofia seria uma questão que abarca todo
fazer docente. E não seria apenas uma problemática de ordem didática, mas filosófica,
algo a ser discutido também por filósofos com o intuito principal de levar Filosofia aos
não filósofos.
Para a maioria da população, é na escola, mais do que em qualquer
outro lugar, neste espaço único ocupado, em cada turma, por um
pequeno grupo de pessoas ainda não totalmente tomadas pelas
demandas do cotidiano, que o puro apelo ao pensar tem a chance de
se fazer ouvir e de se compreender a si mesmo, de compreender o que
nele, nesse diálogo mudo e solitário, faz liga com as particularidades
do mundo. Ao lado da escrita e da arte, a filosofia na escola é o espaço
privilegiado para o exercício da faculdade do juízo que dá sentido à
filosofia. (CEPPAS, 2015, p.60).
Logo, o pensar filosófico pode e deve suscitar novas formas de perceber a
realidade e se fazer presente no mundo. Seja na alfabetização ou no Ensino Médio, na
universidade ou na pós-graduação, o importante é que o pensar faça-se sempre a
condição necessária ao conhecimento.
65
Capítulo 2 - Um olhar filosófico sobre a produção de
Materiais Didáticos para EJA
“A libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma
coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca
mitificante. É práxis, que implica a ação e a reflexão dos homens sobre
o mundo para transformá-lo.”
Paulo Freire
Ao refletir criticamente sobre a produção de materiais didáticos para jovens e
adultos trabalhadores logo nos vem à mente a proposta de um material dialógico,
prático, centrado nas necessidades desse público tão diversificado. No entanto, o que
presenciaremos, na grande maioria das vezes, ao adentrar uma sala de aula de EJA
são metodologias e materiais didáticos infantilizados ou nada criativos, que
simplesmente reproduzem o que é ensinado no Ensino Regular, sem ao menos
considerar as particularidades do sujeito da Educação de Jovens e Adultos.
E se por ventura fogem da realidade acima descrita, algumas dessas
metodologias e materiais3 se destacarão por serem de difícil aplicabilidade, ao exigirem
dos professores uma prática com a qual eles mesmos não estão familiarizados. De uma
hora para outra o docente é forçado a abandonar métodos tradicionais para dar lugar
às experiências e saberes dos alunos, porém sem saber como fazê-lo.
Tal realidade acaba levando muitos educadores a recorrerem novamente às
metodologias “ditas ultrapassadas”, com as quais possuem mais segurança e
experiência — justamente por já estarem cristalizadas em suas práticas docentes — e a
desconfiarem das que, por apresentarem-se revertidas de um viés ideológico, não
demonstram credibilidade.
Consideramos que o conjunto de saberes, valores e significados
construídos em torno de um objeto é que o faz tornar-se útil ao
processo de ensino-aprendizagem, transformando-o em um material
didático, e que esses saberes criam “regimes de verdade” dominantes,
capazes de orientar nossa visão e pensamento sobre “como” ensinar.
(FISCARELLI, 2007, p. 02).
3
Aqui cabe destacar a variedade de materiais englobados na categoria de materiais didáticos que poderão ir dos simples
e mais comuns como apostilas e livros didáticos, folhas impressas, ao mais modernos como o quadro interativo, dentre
outros (POSSOLI; CURY, 2009). Para POSSOLI e CURY (2009), por exemplo, “os tipos de materiais didáticos podem
ser classificados em três categorias: impressos (como livros, apostilas e guias de estudo), audiovisuais (como
transmissões radiofônicas e televisivas) e digitais (como os Ambientes Virtuais de Aprendizagem – AVA e recursos de
informática e internet)”.
66
Ao entramos na esfera da alfabetização o problema parece ainda mais urgente.
Apesar de atualmente existir uma importante variedade de materiais didáticos de
alfabetização à disposição para turmas de EJA, muitos deles carregam a “herança da
decoreba” como metodologia central. É preciso soletrar e copiar dezenas de vezes as
mesmas sílabas e frases do tipo “Tico é um macaco sapeca”, dentre outras. Não estou
aqui querendo desacreditar a funcionalidade do BA, BE, BI, BO, BU, eu mesma fui
alfabetizada por ele. Funcional ele é, mas será o mais apropriado?
Num cenário onde se faz preciso reconhecer o avanço significativo dos últimos
anos, a produção de materiais didáticos para EJA — oriunda em grande parte de
programas do governo, da prática docente, do meio escolar, tais como os do Acervo
EJA (MEC 2007), e de movimentos sociais e organizações civis (MELLO, 2013) —
despontaram contribuindo para repensar a metodologia direcionada a essa modalidade,
de maneira que se mantem fechado ao novo é ignorar o que de melhor ele tem a
oferecer.
Adotando esta perspectiva, podemos dizer que os estudos que se
dedicam a analisar a produção, circulação e uso de materiais didáticos
para a EJA, no Brasil, precisam levar em conta, pelo menos, três
características básicas do corpus documental formado pelos materiais
didáticos produzidos na EJA e para a EJA: sua profusão e diversidade,
quando consideramos os diversos tipos e gêneros de materiais
didáticos; sua completa dispersão pelo território nacional; e a ampla
diversidade de sujeitos sociais e poderes instituídos envolvidos em sua
produção, desde a sala de aula até os editoriais de grandes editoras
comerciais. (MELLO, 2013, p.115).
Nesse novo espaço destinado a pensar formas de ensinar jovens e adultos
destacam-se a diversidade de materiais impressos e audiovisuais que, em grande parte,
salientam a luta de movimentos vinculados à Educação Popular (MELLO, 2013), mas
também os interesses despertados no mercado editorial — que rotineiramente
apresenta-se despreparado para elaborar esse tipo de materiais o que resulta em
adequações dos materiais reservados ao Ensino Regular para essa modalidade.
Em seu estudo, Takeuchi (2005) analisa duas coleções didáticas,
produzidas por grandes editoras paulistas, confrontando os
dispositivos editoriais do material destinado a EJA em relação aos
livros didáticos de maior importância comercial produzidos por essas
mesmas editoras para a Educação Básica. Sua perspectiva de análise
é orientada pela abordagem da materialidade da obra didática em suas
diferenças relacionadas ao público escolar a que se destina. Seu
estudo desvela que os livros didáticos para EJA são objeto de
reorganizações e dispositivos editoriais (tais como projeto gráfico,
qualidade do papel, quantidade de páginas, dentre outros) que
impactam a qualidade dos conteúdos expostos, revelando propostas
que não foram originalmente elaboradas para o público adulto, mas
67
que, por meio dessas estratégias, são destinados à EJA. (MELLO,
2013, p.103 - 104).
Apesar da realidade da EJA — ao menos na produção de materiais didáticos —
ter avançado nas últimas décadas, ainda é notório o tradicionalismo assumido em
muitas escolas do século XXI que recorrem a materiais focados na repetição sonora e
na cópia como metodologia central, apartando-se do caráter crítico e dialógico que
poderiam assumir. As razões para tais posicionamentos podem estar na insegurança
com que muitos docentes recebem esses materiais ou até mesmo na indisponibilidade
dos mesmos nas escolas mais afastadas dos grandes centros urbanos. Basta entrar
nas bibliotecas dessas escolas para perceber que poucas serão aquelas que possuem
em suas coleções materiais destinados a esse público.
Valorizar o que surge com o intuito de mudar esse quadro precisa fazer parte
das políticas públicas direcionadas à modalidade EJA que necessitam também fazer
valer a presença desses materiais em sala de aula como alternativa a um processo mais
dinâmico de aprendizagem.
Quando falamos de alfabetização de jovens e adultos estamos tratando de
pessoas que ao regressarem ou ingressarem nas escolas trazem o sonho de aprender
a leitura e escrita para realizar as tarefas mais simples do dia-a-dia como escrever o
próprio nome, pegar um ônibus ou tomar um remédio, mas que ao entrar na escola se
deparam com uma infinidade de famílias silábicas, símbolos e desenhos que não fazem
o menor sentido. A confusão é tanta que muitos não acreditam que um dia serão
capazes de decifrar tantos códigos e acabam abandonando novamente a escola sobre
o discurso de que: “Isso não dá mais para mim, minha cabeça já está cansada demais”.
Nunca será demais defender um material didático que atrele o processo de
alfabetização à conscientização, permeando-o por discussões e diálogos que deem voz
ao aluno da EJA.
Nunca será demais salientar que o material precisa ser visto como uma possível
forma de ensinar e não como uma receita de bolo, porque, lembremos, mesmo seguindo
a receita passo-a-passo o bolo poderá não sair como esperado.
E nunca será demais enfatizar que o material didático deverá se adaptar ao aluno
e não o contrário. Por tal razão o educador que conhece esse sujeito deve participar do
processo de produção desse material e não somente as grandes editoras. Do que
68
adianta um livro de layout formidável cujo conteúdo em nada modifica o sujeito que dele
se apropria?
Se nossos alunos estão indo a escola para aprender a pegar o ônibus, é hora de
fazer do ponto de ônibus nossa sala de aula, é hora de dar um olhar prático ao processo
de alfabetização. Afinal, já passou o momento de dar um novo sentido as aulas de EJA,
e esse novo sentido começa ressignificando os materiais didáticos utilizados nesse
espaço. E para enfatizar tal defesa recorrerei a uma frase clichê, mas cuja essência é a
mais pura verdade: “alfabetizar é muito mais do que repetir fonemas, é pensar e discutir
problemas”.
A característica principal da educação libertadora encontra-se em sua
essência: problematizadora, isto é, não deve trazer certezas ou
verdades acabadas e muito menos suscitar segurança, mas procurar
levantar problemas e provocar conflitos transformadores. (AZEVEDO,
2010, p. 03).
Inserir nossos alunos num processo contínuo de descobertas, diálogos e
informações se faz condição indispensável para uma educação humana. E uma
educação desse tipo tem início na medida em que nossos alunos possuem acesso a
um material didático que lhe reconhece enquanto cidadão de direitos, que não é mais
uma criança e que, portanto, precisa ser pensado enquanto um sujeito que possui suas
particularidades.
Trançar políticas de direito com os sujeitos a quem são devidas essas
políticas tem sido o desafio maior de gestores e de forças organizadas
da sociedade, o que significa levar em conta saberes cotidianos,
prévios, quase sempre ignorados pelos espaços escolares
institucionalizados, que encobrem experiências sociais, históricas,
culturais, de classe, de sociedade, de professores e de alunos,
evitando trançar histórias e trançar com elas saberes, conhecimentos,
produzidos nessa vida cotidiana, formando redes que passam a
emergir na realidade da escola como emergem na realidade da vida.
(PAIVA, 2011, p. 15).
Enquanto educadores comprometidos com uma educação popular de qualidade
devemos nos adaptar e renovar constantemente diante das necessidades dos alunos,
ao invés de deixar que eles se adaptarem às nossas ou às de quem quer que seja.
[...] sobre as propostas dos programas governamentais para a
modalidade de ensino EJA percebemos que existem muitas políticas
que colaboram com as necessidades dos alunos do EJA, todavia não
é evidenciada a prática dessas políticas dentro dos conteúdos
programáticos dos livros didáticos.
[...] tratando da realidade de ensino do EJA o que se vê são
desvalorizações do modo como é conduzido o EJA e a forma como se
tenta adequar sua realidade aos parâmetros curriculares que já estão
postos em todo o país. Portanto é necessário romper com tais
69
paradigmas e reconhecer que o EJA tem peculiaridades importantes e
que devem ser respeitadas.
Compreendemos que o Livro Didático do EJA deve apresentar
conteúdos próximos dos sujeitos. Ou seja, deve apresentar um sentido
para o educando quanto ao conteúdo que será ministrado. Para isso
se faz necessária flexibilidade quanto a faixa etária e ano de ensino.
(GOMES et al, 2014, p. 10).
Nesse sentido, as respostas dos alunos ao material didático que utilizamos em
sala é o retorno que precisamos para repensar todo processo de aprendizagem e propor
algo que verdadeiramente lhes atenda.
2.1. EJA e Filosofia: estabelecendo um novo olhar sobre a produção de Materiais
Didáticos
“Na verdade, porém, os chamados marginalizados, que são os
oprimidos, jamais estiveram fora de. Sempre estiveram dentro de.
Dentro da estrutura que os transforma em ‘seres para outro’. Sua
solução, pois, não está em ‘integrar-se’, em ‘incorporar-se’ a esta
estrutura que os oprime, mas em transformá-la para que possam fazerse ‘seres para si’.”
Paulo Freire
O material didático deve ser um facilitador, um ilustrador das palavras do
professor e dos alunos. Nessa perspectiva, reconhecer o sujeito da EJA em sua
particularidade faz todo o sentido, é preciso enxergá-lo como cidadão que tem no
material didático de boa qualidade seu direito a educação efetivado.
Da recuperação de tempo perdido chega-se à concepção de direito,
englobando o saber ler e escrever como condição de busca de
igualdade, às concepções de promoção de cidadania, pela tomada de
consciência de direitos de várias sortes. (PAIVA, 2006, p. 04).
E é nesse cenário que propomos um olhar filosófico sobre a produção de material
didático para jovens e adultos, especialmente os das classes de alfabetização.
Defendemos a introdução de temáticas filosóficas como norteadoras de discussões em
turmas de alfabetização da EJA acreditando que as mesmas podem não só dar sentido
ao que será ensinado nessas turmas como introduzir uma área do conhecimento
obrigatória somente no Ensino Médio.
Nunca apenas dissertar sobre ela e jamais doar-lhe conteúdos que
pouco ou nada tenham a ver com seus anseios, com suas dúvidas,
com suas esperanças, com seu temores. Conteúdos que, às vezes,
aumentam estes temores. Temores de consciência oprimida. Nosso
papel não é falar ao povo sobre a nossa visão do mundo, ou tentar
impô-la a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa. [...] Por isso
mesmo é que, muitas vezes, educadores e políticos falam e não são
entendidos. Sua linguagem não sintoniza com a situação concreta dos
70
homens a quem falam. E sua fala é um discurso a mais alienado e
alienante. (FREIRE, 2011, p. 120).
Atualmente não é possível encontrar no mercado materiais didáticos que façam
essa articulação entre alfabetização e Filosofia. Portanto, o que estamos colocando em
discussão é a possibilidade de pensar um material capaz de promover reflexões
filosóficas em turmas de alfabetização sem que para isso seja necessário sacrificar o
processo de aprendizagem da classe, muito pelo contrário. A Filosofia entraria nesse
cenário como norteadora das discussões desencadeadas, dando sentido e
contextualização ao ato de aprender a ler e escrever.
Se o processo de alfabetização é uma prática com compromisso social não pode
se dar em meio a um vazio de significados. Muitas editoras ao produzirem livros
didáticos para EJA readaptam os conteúdos de um livro produzido para o Ensino
Regular em um layout mais atrativo e “aparentemente” contextualizado. Mudam-se as
gravuras, os textos, mas a essência continua a mesma: um material voltado à realidade
infantil.
Nesse cenário o estudante da EJA é generalizado como sendo “aquele que ficou
fora da escola e consequentemente do mundo”, suas experiências são apagadas, os
saberes adquiridos no cotidiano dão lugar a um conteúdo fechado onde os
conhecimentos advindos da língua Portuguesa e Matemática apresentam-se como os
únicos de possível compreensão e utilidade, não dando espaço para o diálogo com as
outras áreas do conhecimento.
O que dizer então da Filosofia? Sua introdução nas classes de alfabetização não
entra nem em pauta, pois é vista como complexa demais até para os alunos do segundo
grau, quem dirá para a alfabetização. Impensável! Filosofia é para ser ensinada na
academia, admitindo-se sua iniciação no Ensino Médio. Esse é o discurso em voga até
mesmo no plano legal. E quando a ela se recorre durante as etapas anteriores de
ensino, com exceção do Ensino Médio, a tendência é “mascarar” a informação, sobre
pena de sofrer crítica dos mais conservadores, tanto que ao analisarmos os cadernos
de EJA (2006) disponíveis no site do MEC para o Ensino Fundamental, o Mito de Sísifo,
bem como a temática “Tempo livre — ócio criativo?” são apresentados no caderno de
História.
Apesar de o caderno representar um avanço no sentido de introduzir temáticas
filosóficas no processo de ensino-aprendizagem de jovens e adultos do Ensino
71
Fundamental, é notória sua subordinação ao intitulado currículo mínimo que não prevê
que se ensine Filosofia a esse público. Por tal razão, essas temáticas são agrupadas
como sendo da História, disciplina que faz parte do currículo do segundo segmento do
Ensino Fundamental.
Perdeu-se, entretanto, a oportunidade de valer-se da Filosofia de forma mais
significativa durante a utilização desses cadernos, ambientando os alunos sobre sua
existência e importância. Anulou-se a possibilidade de proporcionar a esses jovens e
adultos o diálogo com pensadores da Filosofia que trabalham temáticas relativas ao
trabalho e ao tempo livre como Karl Marx e Theodor Adorno.
Por tal razão, todo e qualquer material didático não pode ser tomado como roteiro
a ser seguido pelo professor, sob pena de apagar fontes de conhecimento que outros
podem não julgar importantes. O material didático é um instrumento facilitador, que
direciona os caminhos da aprendizagem, mas jamais será seu único norteador.
A LDB n. 9394/96, em seu artigo 4º, inciso VII faz menção aos
programas de apoio ao material pedagógico: “O dever do Estado com
a educação escolar pública será efetivado mediante garantia de
atendimento do educando no Ensino Fundamental, por meio de
programas suplementares de material didático [...] (BRASIL, 1996, p.
3).
Com base no artigo 4º, não é difícil compreender a responsabilidade
do Estado para com os alunos das escolas públicas do Brasil, levando
em consideração que o livro didático constitui material necessário para
o processo ensino-aprendizagem. Porém, o livro não deve ser
considerado como única fonte de conhecimento disponível para o
educando, mesmo sendo utilizado didática e corretamente em sala de
aula, pois o professor deve ter consciência da necessidade de um
trabalho diversificado e, para tanto, é preciso buscar, em outras fontes,
informações ou conteúdos que venham a complementar e enriquecer
o livro didático”. (VERCEZE; SILVINO, 2008, p. 339).
O material didático se constitui em um direito de todo e qualquer estudante.
Dessa forma, devemos entendê-lo como um elemento fundamental da atuação políticopedagógica e saber que por detrás de suas páginas estão em disputa diferentes
propostas e concepções sobre EJA cabendo ao educador acatá-las ou defender a sua,
a qualquer preço.
A educação escolar se caracteriza pela mediação didático-pedagógica
que se estabelece entre conhecimentos práticos e teóricos. Dessa
forma, seus procedimentos e conteúdos devem adequar-se tanto à
situação específica da escola e ao desenvolvimento do aluno quanto
aos diferentes saberes a que recorrem. Surge, assim, a importância do
livro didático como instrumento de reflexão dessa situação particular,
atendendo à dupla exigência: de um lado, os procedimentos, as
informações e os conceitos propostos nos manuais; de outro lado, os
72
procedimentos, as informações e conceitos que devem ser apropriados
à situação didático-pedagógica a que se destinam. (VERCEZE;
SILVINO, 2008, p. 339).
Tendo em vista que o objetivo do material didático é justamente tornar o
processo de aprendizagem mais concreto, dar vida às palavras do professor, por assim
dizer, a maneira como esse educador recebe e se vale desse material em sua prática
docente, muito interessa a uma análise precisa de como estão sendo utilizados em sala
de aula. Melhor dizendo, se são concebidos como instrumento ou como finalidade da
aprendizagem. Se vistos como “instrumento” serão concebidos como elementos
organizadores do conteúdo, facilitadores da aprendizagem, dinamizadores da aula e
mediadores da aprendizagem, dentre outros atributos. Já enquanto “finalidade” passam
a ser centro do conhecimento, instrumentos da verdade, portanto os únicos detentores
do saber. Nesse panorama, o professor perde sua autonomia sobre o processo de
ensino-aprendizagem, deixando ele próprio de ser um material didático, enquanto
facilitador e mediador da aprendizagem, e passa a ser um tutor que apenas auxilia na
compreensão do material utilizado.
Por isso nossa insistência na instauração de um novo olhar sobre a produção e
utilização de materiais didáticos, aqui em especial para a EJA, mostrando o quanto se
faz relevante incluir a Filosofia nesse novo olhar sobre as produções destinadas aos
jovens e adultos. Obviamente, outras áreas do conhecimento tem muito a contribuir
nessa missão, porém, a Filosofia em particular pode fortalecer o viés dialógico que esse
tipo de material precisa resgatar.
Negando o processo dialógico, que de certa forma já lhe é inerente por ser um
discurso, o material didático instaura-se como prática cristalizada, fechada para o
homem e para o mundo a sua volta. Nessa perspectiva, ao invés de auxiliar, acaba por
comprometer a autonomia docente e discente, justamente o que Paulo Freire nos
propõe evitar.
[...] Paulo Freire, partindo de um simples método de alfabetização de
adultos, apresenta um ideal filosófico a ser seguido, refletido,
questionado e buscado: o diálogo é capaz de criar vínculos de
libertação e possibilitar o acesso a uma consciência clara e objetiva no
tocante à realidade. (AZEVEDO, 2010, p. 02).
Nesse ponto arriscamo-nos até a supor que simbolicamente o material didático,
quando fechado à criticidade, estará a serviço da docilidade, vigiando e controlando a
aprendizagem, a tecnologia do poder na concepção de Foucault empregando a
funcionalidade do saber a serviço do poder.
73
Em momentos atuais não são raros os materiais didáticos produzidos para
moldar a prática docente e discente visando à eficácia em provas que garantem
bonificação aos estabelecimentos escolares ou ingresso nas mais renomadas
universidades.
Raros também não serão os casos de notas baixas pelo fato de a resposta dada
em uma prova não corresponder exatamente ao que estava escrito no livro — ou seja,
punição exercida sobre o indivíduo para corrigir uma conduta errada: a de não dar sua
resposta com base na do autor do livro, retificando o pensamento de Foucault de que:
Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua política geral de
verdade: isto é, os tipos de discurso que aceita e faz funcionar como
verdadeiros; os mecanismos e instâncias que permitem distinguir entre
sentenças verdadeiras e falsas, os meios pelos quais cada um deles é
sancionado; as técnicas e procedimentos valorizados na aquisição da
verdade; o status daqueles que estão encarregados de dizer o que
conta como verdadeiro. (FOUCAULT, 1993, p.131).
O fato de ser visto sem cessar, de sempre poder ser visto, mantêm
sujeito o indivíduo disciplinar. E o exame é a técnica pela qual o poder,
em vez de emitir os sinais de ser o poderio, em vez de impor a sua
marca aos seus súditos, capta-os num mecanismo de objetivação.
(FOUCAULT, 2002, p.156).
Por tal razão, um olhar filosófico sobre a elaboração desses materiais se faz tão
urgente na tentativa de bloquear a perpetuação e padronizações de materiais didáticos
que em nada colaboram para criticidade do aluno, pelo contrário, o moldam numa
perspectiva puramente dócil e behaviorista.
O intuito desse trabalho é justamente mostrar ao professor de EJA que ele pode
e deverá ser, juntamente com seus alunos, autor e co-autor dos materiais didáticos que
utiliza em sala. Dialogar com o material didático utilizado é uma maneira de questionar
os conhecimentos colocados, propondo e contrapondo informações por meio da troca num questionar constante dos conceitos que lhe são apresentados como naturalizados.
É por pensar assim que sugerimos um material didático, direcionado a turmas
de alfabetização da EJA, que traga a perspectiva filosófica como mediadora do processo
de aprendizagem da leitura e escrita. No caso dessa dissertação, as oficinas Filosóficas
realizadas com os alunos da EJA em fase de alfabetização em Angra dos Reis serão
disponibilizadas por meio de um caderno com propostas de como realizar a inserção
filosófica nessa modalidade e de como valer-se da Filosofia em um processo
alfabetizador, de maneira a tornar esse momento mais reflexivo. Frases do tipo “mamãe
é bonita”, não fazem parte do contexto desses alunos. Revê-las, propondo novas formas
74
de significar a alfabetização na Educação de Jovens e Adultos é o que pretendemos por
meio da incorporação de temáticas geradoras oriundas de discussões de cunho
reflexivo, trabalhando com frases e conceitos filosóficos como norteadores da
aprendizagem.
2.2. Alfabetizar a partir do conceito felicidade: um sentido mais humano ao ato de
aprender a ler e escrever
“Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de
cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria
mais tolo ainda do que tenho sido; na verdade, bem poucas pessoas
levariam a sério. Seria menos higiênico. Correria mais riscos, viajaria
mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas,
nadaria mais rios. Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais
sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos
imaginários.”
Nadine Stair
Ao tratar de alfabetização várias são as questões que nos inquietam: é possível
alfabetizar letrando? Qual método devo utilizar? Como fazer para que meu aluno
compreenda o que está lendo? Dentre outros questionamentos que nos atravessam
enquanto educadores comprometidos com a aprendizagem de nossos alunos. Se as
interrogações já são inúmeras em se tratando da alfabetização de crianças, onde
podemos nos valer de diversos recursos como jogos e brincadeiras para ludificar o
ensino, imaginemos quando o desafio nos parece ainda maior: alfabetizar jovens,
adultos e idosos. Temos que concordar, essa tarefa não é nada fácil. E dependendo do
método e concepção de alfabetização que adotarmos será ainda mais difícil, dado que:
Concepções de alfabetização são desafios, ainda, a enfrentar, pela
forma como educadores se formaram, crendo que, porque ensinam, os
sujeitos aprendem. Quando estes não aprendem, a “culpa” é atribuída
aos próprios sujeitos, não cabendo responsabilidade aos professores.
Saberes e conhecimentos produzidos fora da escola têm pouca chance
de serem considerados, sistematicamente negados em situação de
aprendizado da leitura e da escrita. (PAIVA, 2006, p.04).
Talvez essa seja a razão pelas quais muitos educadores acabam recorrendo a
métodos tradicionais e reproduzindo a metodologia e os materiais didáticos que adotam
com as crianças para alfabetizar jovens e adultos: desenhos, corte e colagem, repetição
e cópia de sílabas em cadernos de caligrafia, tabelas com famílias silábicas para
75
decorar, dentre outros. Mas será possível alfabetizar esse público valendo-se desse tipo
de materiais didáticos?
Possível é, mas presumimos não ser o mais significativo e apropriado, pois se
temos a opção de tornar a passagem desses jovens e adultos pela escola algo
prazeroso e ao mesmo tempo carregado de sentidos por que não fazê-lo?
É nessa direção que estamos tentando promover reflexões sobre a necessidade
de ressignificar o processo de alfabetização nas turmas de jovens e adultos, partindo
para tanto, de uma perspectiva que traz como tema gerador e norteador da
aprendizagem o conceito filosófico da FELICIDADE, conceito esse aparentemente
inerente ao ser humano, levando em conta que, desde Aristóteles, a felicidade tem sido
concebida como o bem maior que todos buscam.
Nossa proposta visa ofertar aos alunos da EJA em fase de alfabetização, na
Escola Municipal Raul Pompéia de Angra dos Reis, uma experiência de inserção
filosófica durante o processo de ensino-aprendizagem da leitura e escrita. Como
salientado anteriormente, o intuito é partir da felicidade enquanto conceito, e não apenas
palavra, para propor experiências filosóficas que atribuam novos sentidos ao momento
de alfabetização.
Nessa perspectiva, procurou-se observar como vem se dando o processo de
alfabetização desses alunos, dando destaque a existência ou não de práticas
contextualizadas e dialógicas de ensino e principalmente os materiais didáticos
utilizados em aula, de maneira a descobrir o quanto os mesmos despertam ou não a
motivação dos sujeitos envolvidos nesse processo. Outro ponto que se procurou
observar foi o lugar das práticas e atitudes filosóficas nessa experiência de
alfabetização, ou seja, se nesse espaço de aprendizagem ocorreram ao menos uma vez
atividades reflexivas e críticas que levassem os alunos a pensarem sobre si ou sobre o
mundo.
A fase de observação da pesquisa na turma em que se aplicaram as oficinas
filosóficas revelou, aparentemente, um processo de alfabetização linear, com poucos
momentos diálogos e reflexivos, realidade que parece ser uma constante nas turmas de
alfabetização de EJA, e que de certa forma justifica propostas como a apresentada
nessa dissertação, que procuram repensar o processo de alfabetização nas turmas de
jovens e adultos.
76
Diante da realidade presenciada, essa pesquisa tentou descobrir se é válida a
inserção da Filosofia em turmas de alfabetização da EJA como instrumento motivacional
do processo de ensino-aprendizagem e ao mesmo tempo elaborar oficinas que possam
futuramente auxiliar docentes nesse caminho de “Alfabetização Filosófica”. O desafio
colocado foi o de sugerir atividades de aula com o auxílio da Filosofia. Como já
dissemos, a Filosofia já se encontra presente nas turmas regulares do Ensino Médio,
incluindo a modalidade EJA, e há também inúmeras experiências de Filosofia com
crianças nas escolas, mas desconhecemos trabalhos com a Filosofia no âmbito da
alfabetização de jovens e adultos, o que indica a relevância desse estudo.
Diferentemente das cartilhas esquemáticas de outrora, mas que ainda são muito
utilizadas, o caderno de iniciação filosófica, elaborado através das oficinas ofertadas,
procurou trazer a reflexão e o diálogo como norteadores, de maneira a permear de
sentidos o processo de alfabetização e ainda oferecer-lhe momentos de experiências
filosóficas, às quais muitos, pela avançada idade ou mesmo pela falta de pretensão em
chegar ao Ensino Médio, não teriam acesso durante a vida.
Num resgate ao método socrático de conhecer a ti mesmo, o intuito desse
material não é introduzir conteúdos filosóficos destinados ao Ensino Médio na
alfabetização, mas sim valer-se da essência desse conhecimento para despertar nesses
alunos a vontade de aprender e descobrir coisas novas sobre si, sobre a vida e sobre o
mundo, ou seja, despertar neles um movimento perene de cultivo ao conhecimento e de
contemplação ao bem, ao belo e a verdade. Se essa experiência dará certo? Só
descobriremos com o tempo, mas numa coisa é preciso acreditar: mal algum há de
fazer.
Assim, as propostas de trabalho que aqui serão apresentadas tentaram ir ao
encontro do que entendemos por uma educação reflexiva, portanto, aberta a
modificações e reformulações, de maneira a atender, da melhor forma possível, o
público-alvo ao qual se destinou. Essa experiência serviu de grande valia para confirmar
algo que já nos parecia evidente: o de que as discussões desencadeadas sobre o ensino
na EJA estão muito longe de terminar e de que muito ainda há que ser discutido,
proposto e realizado no que diz respeito à produção de materiais didáticos voltados a
Educação de Jovens e Adultos.
Apesar de a resolução 51/2009 representar um avanço ao tratar sobre o Plano
Nacional do Livro Didático para Educação de Jovens e adultos 2013/2014, é preciso
reconhecer que ainda há muito que fazer, haja vista que o que vem sendo presenciado
77
e produzido nas e para as aulas dessa modalidade mostra-se, constantemente, muito
aquém da realidade do aluno da EJA.
Esse panorama nos traz a convicção de que escutar os docentes no processo
de produção desses materiais e pensar o sujeito que o usufruirá são pontos
fundamentais para uma reflexão saudável sobre sua confecção. Caso contrário, em
muitas escolas, esses materiais não sairão do armário por não serem condizentes com
o público e a realidade a qual se destinam, isso quando existirem, já que são raras as
turmas da EJA que possuem materiais didáticos à disposição.
Sendo assim, é preciso propor novos rumos, olhares e formas de se trabalhar
com EJA de maneira a retomar muitas das perspectivas de Freire que atreladas ao
espírito filosófico darão sentido ao que se propõe ensinar. Os materiais didáticos
pensados para a modalidade aqui discutida devem estar abertos ao diálogo com as
experiências e saberes trazidos pelos alunos. Precisam ressignificar vivências atribuir
sentidos ao que é aprendido e principalmente considerar, isto é, por em evidência o
sujeito ao qual se destina.
Portanto, esse texto não se pretende acabado, mas em construção. Para alguns
ele propõe algo impraticável ao aproximar duas temáticas que se constituíram
distintamente: Alfabetização e Filosofia. Para outros é inovador, mas ao mesmo tempo
desafiador. Nesse sentido, nossas convicções, ou seja, o lugar de onde falamos, poderá
despertar a dúvida sobre a possibilidade de um analfabeto filosofar. Convicções à parte,
defenderemos a segunda opinião, pois “uma vida sem desafios não vale a pena ser
vivida”, como nos diria Sócrates, e se tratando da EJA o desafio coloca-se a cada
instante.
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Capítulo 3 - Metodologia da Pesquisa: Uma classe de alfabetização da
EJA como lugar de experiências filosóficas
“A emancipação é à saída da minoridade. Mas só se sai da minoridade
social por si mesmo. Emancipar os trabalhadores não é apresentar o
trabalho como princípio fundador da nova sociedade, mas fazê-los sair
do estado de minoridade [...]”
Rancière
Imagine-se por um instante imerso em uma realidade na qual os códigos a sua
volta não lhe dizem nada. Em que muitas das formas de comunicação existentes são
incompreensíveis aos seus olhos, confusas e distantes. Nesse contexto, o mais
incomum é que esse local não lhe é estranho, pelo contrário, você cresceu nele, viu e
reviu esses códigos, porém, não consegue decifrá-los.
Pode até não lhe parecer familiar, mas esse mundo existe e é habitado pelas
pessoas que em pleno século XXI — em meio às tecnologias mais surpreendentes —
não sabem ler e escrever. Essa é a sociedade dos que por décadas estiveram apartados
de um direito que lhes é inerente, o de ser alfabetizado. Um lugar ocupado pelos que
estiveram à margem dos espaços sociais, mantidos na periferia da sociedade, passíveis
a tudo que lhe dizem, sem vez e sem voz no mundo.
Realidade lamentável, pois saber ler e escrever são requisitos indispensáveis
não apenas para o exercício da cidadania, como também para uma plena existência na
sociedade. Afinal, sabemos o quão importante é ser alfabetizado para a sociedade, e
não é exagero salientar que o surgimento das modernas civilizações está estreitamente
relacionado ao código escrito, sobretudo com a invenção da imprensa, o que ainda hoje
regula, em grande medida, nossas vidas, ações e também relações, sejam estas de
poder ou de dominação.
Nesse sentido, potencializar o processo de apropriação da leitura e da escrita
nas classes de alfabetização de EJA se faz urgente, visando a oportunidade de
aprender, ensinar, viver novas experiências, refletir, transformar e realizar. Mas, para
tanto, é necessário reconhecer as particularidades do estudante da EJA, um aluno que
ao contrário da criança, conhece a falta da leitura e escrita em sua vida, já sentiu
vergonha, tristeza e às vezes dor pela discriminação de não saber escrever seu próprio
nome. Que se viu dependente de terceiros para realizar atividades simples como tomar
remédios, ir ao banco ou escrever um bilhete. Enfim, não estamos falando de uma
79
pessoa qualquer, e sim de sujeitos marcados pelo estigma do fracasso, da infelicidade
e da incompetência em meio à aparente superioridade do mundo letrado. São homens
e mulheres que sentem vergonha em assumir sua falta de escolaridade, que se culpam
por não saberem ler e escrever e que se concebem inferiores, dignos apenas de
trabalho servil.
Ao tratar o conceito de “estigma” Goffman deixa em evidência a proximidade
entre atributos e estereótipos, a sociedade está sempre ditando a maneira como
devemos ser e nos portar. Situação essa que identificamos como algo natural também
para a leitura e escrita, já que para nós ler e escrever são faculdades quase que
inerentes aos seres humanos, exceto quando bem pequenos, em fase de
aprendizagem. Conceber que um homem possa ser analfabeto na fase adulta parece
impraticável, remete a um retrocesso que a sociedade atual prefere manter à relativa
distância. Suavizar a falta de escolarização recai como uma solução menos dolorosa.
Goffman nos auxilia a entender que em sociedade agimos de maneira a suavizar
ou reforçar os estigmas, muitas das vezes até tentando ignorar sua existência, mesmo
que em nossas ações deixemos claro que o portador do estigma é inferior. Esse tipo de
pensamento pejorativo reforça uma conduta de mascaramento do estigma por parte de
seu detentor — que, desprezado, tenta sobreviver em meio à perversidade social.
[...] As atitudes que nós, normais, temos com uma pessoa com um
estigma, e os atos que empreendemos em relação a ela são bem
conhecidos na medida em que são as respostas que a ação social
benevolente tenta suavizar e melhorar. Por definição, é claro,
acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente
humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de discriminações,
através das quais efetivamente, e muitas vezes sem pensar, reduzimos
suas chances de vida [...] (GOFFMAM, 1988, p.8).
É nesse contexto que a entrada na escola se coloca como uma tentativa de
quebrar as “máscaras sociais” (GOFFMAM, 1988) criadas pelos sujeitos da EJA para
suportar a vida em uma sociedade que diariamente o reprime pelo seu analfabetismo.
Essas posturas fantasiosas, tidas como máscaras, surgem em razão da dor causada
pelos anos imersos em uma situação de apartamento social.
Não será raro, tal como postula Silva (2004), vermos analfabetos concentrados
enquanto supostamente “leem” um jornal ou colocando a culpa da impossibilidade de
ler na falta dos óculos. Isso reflete uma conduta de fuga, encobrimento, da sua
identidade social real, já que:
80
Os padrões que ele incorporou da sociedade maior tornam-no
intimamente suscetível ao que os outros veem como seu defeito,
levando-o inevitavelmente [...] a concordar que, na verdade ele ficou
abaixo do que realmente deveria ser. (GOFFMAM, 1988, p.10).
[...] quando a diferença não está imediatamente aparente e não se tem
dela um conhecimento prévio (ou, pelo menos, ela não sabe que os
outros a conhecem), quando, na verdade, ela é uma pessoa
desacreditável, e não desacreditada, nesse momento é que aparece a
segunda possibilidade fundamental em sua vida. A questão que se
coloca não é a da manipulação da tensão gerada durante os contatos
sociais e, sim, da manipulação de informação sobre o seu defeito.
Exibi-lo ou ocultá-lo; contá-lo ou não contá-lo; revelá-lo ou escondê-lo;
mentir ou não mentir; e, em cada caso, para quem, como, quando e
onde. (GOFFMAM, 1988, p. 38).
Portanto, ao entrar em uma turma de EJA, após anos em exclusão social, o
estudante já traz consigo a marca do fracasso escolar. São os “repetentes”, “evadidos”,
“com dificuldade de aprendizagem”, “defasados”, “sem futuro”, “portadores de
subempregos” “rejeitados” e tantos outros “sujeitos”, menos os sujeitos que realmente
são: cidadãos em processo de aprendizagem.
A “cicatriz” do fracasso é tão profunda que nem os próprios alunos acreditam em
si mesmos. Adentrando uma sala de alfabetização de EJA fica fácil exemplificar essa
realidade, nessas turmas um dos adjetivos mais utilizados para referir-se a si mesmo é
a palavra “burro”. Frases do tipo “eu sou burro demais pra isso”; “eu sou um burro, não
consigo”; “nós somos burros mesmos professora”; “burro velho é o pior que tem” dentre
outras, são práticas comuns entre os alunos e já aparecem no cotidiano naturalizadas
pelos estigmas internalizados ao longo dos anos. E um dos maiores males do estigma
naturalizado está justamente na diminuição da autoestima que abala a confiança em si
mesmo.
Portanto, é demasiado inocente o educador que acredita poder apagar marcas
de exclusão social de anos a fio em apenas poucas aulas de cuspe e giz. A experiência
escolar, para os sujeitos excluídos, requer repensar práticas de exclusão, derrubar
estigmas e construir autonomia, avaliando os impactos que o ato de aprender a ler e
escrever representa nas vidas desses alunos.
Nesse sentido, se por um lado a exclusão precoce das escolas, que vitima e
estigmatiza os sujeitos da EJA, nos desanima da crença por uma mudança efetiva na
educação, por outro, apesar das dificuldades encontradas, é a reinserção dessa
população humilhada nas escolas — buscando formação escolar e profissional — que
nos impulsiona a continuar remando frente às correntezas sociais.
81
No processo de alfabetização para jovens e adultos, “remar contra as
correntezas” requer criatividade diária. É preciso colocar em pauta novas formas de
alfabetização, novas maneiras de ensinar a ler e escrever e, principalmente, construir
novos sentidos para a inclusão do sujeito em uma classe de alfabetização da EJA.
Dentro dos ideais de democracia, garantir o direito à educação aos
jovens e adultos exigirá uma reconfiguração mais pública da EJA. Este
direito poderá ser consolidado se levadas em contas as formas de
existência populares, os limites de opressão e exclusão, as escolhas a
que estes indivíduos são, diariamente, forçados a fazer. Por exemplo,
a constante escolha entre estudar ou sobreviver. (THEES, 2012, p.3738).
Uma retrospectiva pela história da EJA nos permitirá compreender que os
programas de alfabetização voltados a esse público sempre foram alvo de políticas de
governo
descontinuadas
e
desarticuladas,
sem
investimentos
suficientes
e
credibilidade. Não é novidade para nenhum professor alfabetizador que durante
décadas as práticas de alfabetização, incluindo as direcionadas ao público adulto,
estiveram, em grande medida, mergulhadas na competência técnica de decodificação
e codificação da língua escrita, e que, mesmo após anos de luta de importantes grupos
de profissionais dedicados à EJA, a realidade na maior parte do país continua, em
grande medida, a mesma - de maneira que a metodologia se mantém intacta, com o
som e a grafia ocupando o lugar de destaque das lousas e apostilas de alfabetização.
Em grande parte desses espaços, os únicos ruídos ouvidos são os oriundos da
ponta do lápis quebrada facilmente diante da mão calejada que o aperta fortemente na
tentativa, desesperadora, de escrever qualquer palavra que lhe é apresentada, no
sentido de que muitas das vezes as aulas se resumem ao BA-BE-BI-BO-BU. Outras a
grafia e leitura descriminada de palavras como lata e papai.
Nessa perspectiva, a EJA assume-se como uma atividade compensatória para
pessoas que não foram para escola quando crianças, mas que necessitam aprender
como se assim as fossem. O sentido se perde em tantas consoantes e vogais, de
maneira que compreender que o tempo não volta mais se torna difícil até mesmo para
o educador. Nesse contexto, o fenômeno da culpabilidade ganha destaque na vida
desse aluno — interiorizando ainda mais os estigmas que carregava como analfabeto
do século XXI.
O insucesso é deslocado para si próprio, excluem-se as responsabilidades
governamentais para com sua aprendizagem e permanência na escola, anula-se seu
82
direito a uma educação comprometida com suas especificidades. Algo lamentável, pois
como orienta o PARECER CNE/CEB 11/2000 — que estabeleceu as Diretrizes para a
Educação de Jovens e Adultos por meio do relator Carlos Roberto Jamil Cury, a
especificidade do aluno da EJA é algo que não pode, em hipótese alguma, ser ignorada
(THEES, 2012). “A EJA, de acordo com a lei 9394/96, passando a ser uma modalidade
da educação básica nas etapas fundamental e médio, usufrui de uma especificidade
própria que, como tal deveria receber um tratamento consequente.” (BRASIL, 2000, p.
2 apud THEES, 2012).
A especificidade encontrada na EJA se traduz na sua heterogeneidade inata —
que é oriunda do local de origem de seus sujeitos, da maturidade, da religião, da
experiência profissional, do gênero, da raça, da orientação sexual, dos conhecimentos
prévios adquiridos e de tantos outros aspectos que contribuem de forma grandiosa para
o desvendamento dos saberes encontrados em sala — saberes esses que se criam e
recriam em meio uma enorme diversidade de pensamentos — ;uma variedade que não
pode cair no esquecimento.
Nesse contexto, o papel do estado na garantia de uma educação que faça valer
a voz e a vez do estudante da EJA, aqui em destaque daquele que se encontra em fase
de alfabetização, é de fundamental importância, pois estamos tratando de um direito
que redefine a vida desse cidadão. Até que ponto o governo empenha-se em fazer valer
o direito educacional para qualquer cidadão, independentemente de sua idade? Em qual
plenitude ele auxilia na conquista de uma educação mais próxima da vida do
trabalhador? Paiva (2014, p. 89) nos ajuda a pensar essas questões, quando afirma
que:
O poder público/ seus dirigentes não oferecem acesso à maior parte
da população, não garantem a permanência para cursar com êxito e
concluir os estudos com qualidade, e nem tem a EJA entre prioridades
de governo, repetindo a história de interdições, sem que qualquer
cobrança lhe seja feita, nem por parte do Ministério público, que
deveria zelar pelos direitos da cidadania. É possível afirmar que a
educação de jovens e adultos, apesar de ter conquistado espaço no
campo legal, nas práticas políticas, no cotidiano, ainda não é
reconhecida como direito da população, nem dever do Estado de
qualquer esfera, para assegurá-lo.
83
3.1. Repensando os espaços de alfabetização para jovens e adultos
“Consegue-se ver um outro mundo, porque se teve a coragem de
pensar sua possibilidade.”
E.Garin
Enquanto a assinatura a rogo continua a vigorar, o estudante da EJA aprende a
se contentar com a educação que lhe é ofertada, e que acredita ser a melhor,
empenhando-se muitas vezes para aprender, ainda que em meio ao cansaço e
inúmeras dificuldades de um aluno trabalhador — que precisa vencer todos os dias os
desafios impostos por uma sociedade letrada. Em meio a esses obstáculos,
frequentemente a evasão falará mais alto, contribuindo para uma nova exclusão social,
que já nasce marcada pelo estereótipo do “fracasso”.
Se, por um lado, a produção de bons materiais didáticos4 voltados à Educação
de Jovens e Adultos, elaborados em sua maioria pelo Ministério da Educação e pelas
secretarias de educação, bem como as inúmeras produções acadêmicas, muitas
acessíveis pela internet, representam um enorme avanço na construção de
metodologias mais coerentes com a realidade da EJA; por outro lado, poucos são os
materiais que, em nível de alfabetização, extrapolam o âmbito da língua Portuguesa e
da Matemática explorando outras áreas do conhecimento. Nesse contexto, pode-se
afirmar que a tentativa de propor uma articulação da alfabetização com outras áreas do
conhecimento — “dignas de anos mais avançados” — representa uma novidade no
campo de estudo da EJA. Acreditamos que tal articulação poderá ser de suma valia no
processo de reconstrução dos sentidos da alfabetização na EJA. Cabe aos educadores
repensar os usos dos conhecimentos de alfabetização apresentados aos alunos — que
não deverão reaplicar metodologias infantilizadas, mas, muito pelo contrário, buscar a
formação de escritores e leitores autônomos, que se faz em meio ao diálogo contínuo
com o mundo, com os alunos e com as mais diversas áreas do conhecimento.
Grandes defensores e estudiosos da Educação popular como Paulo Freire,
Osmar Fávero, Jaqueline Ventura, Jane Paiva, dentre outros, trazem em seu discurso
um forte viés filosófico que não encontramos rotineiramente nas práticas docentes. No
4
Entendemos por bons materiais didáticos aqueles que pesam a especificidade do público ao qual se
destinam, ou seja, os que efetivamente conseguem estabelecer diálogo entre docente e discente,
abarcando problemáticas reais e trazendo possíveis reflexões sobre as mesmas. Um material de boa
qualidade permite ao aluno pensar sobre suas postulações ao invés de trazer “conceitos fechados”,
propõe a criatividade e a criticidade ao passo em que agrega conhecimento e compartilha produções do
saber.
84
entanto, cabe uma reflexão sobre a possibilidade de fazer valer as correntes e ideais
filosóficos, que praticamente deram origem ao pensar contemporâneo e a defesa de
uma educação mais democrática, nos espaços de alfabetização voltados aos jovens e
adultos.
Nesse sentido, o ensino de Filosofia — que somente conquistou lugar nos
currículos escolares em 2008, ficando restrito ao Ensino Médio - apesar das limitações
impostas pelos currículos escolares, poderá desencadear um conjunto de possibilidades
para uma alfabetização voltada ao pensar crítico. Embora, ainda não haja pesquisas
que apontem a ocorrência de benefícios ao processo de alfabetização oriundo da
inserção da prática filosófica no fazer alfabetizador, há de se convir que um
conhecimento que tanto fundamentou reflexões sobre o direito a uma sociedade melhor,
a educação e ao pensar coerente, não poderá trazer malefícios consideráveis à prática
docente a ponto de barrar uma iniciativa de alfabetização filosófica que pretende iniciar
o contato de estudantes da EJA, em fase de alfabetização, com a Filosofia e suas
variadas maneiras de instigar o pensar reflexivo.
É justamente isso que estamos tentando descobrir ao provocar o encontro entre
a pesquisa acadêmica e o cotidiano escolar. Nesse panorama, ao levar a Filosofia até
alunos da classe de alfabetização da EJA buscamos nos aproximar dos sujeitos aos
quais esse estudo se direciona, garantindo-lhes voz na produção dessa pesquisa. Pois,
como dito, o objetivo principal dessa pesquisa é verificar os benefícios da
introdução da Filosofia no processo de alfabetização de jovens e adultos, ou seja,
se é válida essa introdução e, em caso positivo, apresentar sugestões de como
proceder. Para tanto, pensamos que a inserção no campo na busca de resposta seja a
forma mais coerente de verificar nossos pressupostos.
Para tanto nos valemos de Goffman (2002, p.13) que salienta a relevância da
situação social enquanto cenário de pesquisa, ressaltando a importância de
observarmos a situação social engendrada na comunicação face a face. Para ele, uma
situação social é como um ambiente com mútuas possibilidades de monitoramento, ou
seja, o indivíduo se encontra acessível aos sentidos de todos os outros que estão
presentes — por isso acreditamos ser necessário ir até os sujeitos da EJA, conhecê-los
e por fim aplicar o que propomos nesse trabalho, tendo em vista a dinamicidade do
fenômeno educacional, cujo contexto social não pode ser ignorado.
Cada vez mais se entende o fenômeno educacional como situado
dentro de um contexto social, por sua vez, inserido em uma realidade
85
histórica que sofre toda uma série de determinações. Um dos desafios
atualmente lançados à pesquisa educacional é exatamente o de tentar
captar essa realidade dinâmica e complexa do seu objeto de estudo,
em sua realização histórica. (LÜDKE; ANDRÉ, 2014, p.6).
A observação direta permite também que o observador chegue mais
perto da “perspectiva dos sujeitos”, um importante alvo nas abordagens
qualitativas. Na medida em que o observador acompanha in loco as
experiências diárias do sujeito, pode tentar apreender a sua visão de
mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca
e às suas próprias ações. (LÜDKE; ANDRÉ, 2014, p.31).
Segundo Denzin e Lincoln (2006, p. 17) a pesquisa qualitativa assumiu diferentes
perspectivas ao longo da história, no entanto é possível oferecer-lhe uma definição
genérica, inicial, que, na visão dos autores em questão, pode ser considerada como
uma atividade situada que localiza o observador no mundo. “Essas práticas transformam
o mundo em uma série de representações, incluindo as notas de campo, as entrevistas,
as conversas, as fotografias e os lembretes.” Assim, o pesquisador estuda seu objeto
em seus cenários naturais numa tentativa de entender os fenômenos a partir dos
significados que as pessoas os conferem.
A natureza dos dados com que uma pesquisa qualitativa difere muito dos de
base quantitativa. “Estes dados se apresentam como resistentes à conformação
estatística. São os dados da experiência, as representações, as definições da situação,
as opiniões, as palavras, o sentido da ação e dos fenômenos.” (DESLAURIERS;
KÉRISIT, 2014, p. 147).
Ainda segundo Denzin e Lincoln (2006, p. 17) por utilizarem uma ampla
variedade de práticas interpretativas interligadas os pesquisadores que se valem da
pesquisa qualitativa acabam sendo caracterizado como “bricoleur” ou “confeccionador
de colchas” (Becker, 1998, p. 2 apud Denzin; Lincoln, 2006, p. 17), pois “utiliza-se de
ferramentas estéticas e materiais de seu ofício, empregando efetivamente quaisquer
estratégias, métodos ou materiais empíricos que estejam ao seu alcance.” construindo
uma espécie de colchas com variadas informações.
O pesquisador pode ser visto como um bricoleur, um indivíduo que
confecciona colchas, ou, como na produção de filmes, uma pessoa que
reúne imagens transformando-as em montagens. [...] Um bricoleur é
um pau-para-toda-obra ou um profissional do faça-você-mesmo (LéviStrauss, 1966, p.17) [...] Existem muitos tipos de bricoleursinterpretativo, narrativo, teórico, político. O bricoleur interpretativo
produz bricolage - ou seja, um conjunto de representações que reúne
peças montadas que se encaixam nas especificidades de uma situação
complexa. (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 17).
86
Nossa perspectiva de pesquisa qualitativa também será pautada na geração de
dados e não em sua coleta, por entendermos que os dados de estudo são produzidos
no desenvolvimento da pesquisa e não pré-existentes a ela, no sentido de que basta
apenas a tarefa de coletá-los.
Os fatos, os dados não se revelam gratuitamente aos olhos do
pesquisador. Nem este os enfrenta desarmados de todos os seus
princípios e pressuposições. Ao contrário, é a partir da interrogação
que ele faz aos dados, baseada em tudo o que ele conhece do assunto
– portanto, em toda a teoria disponível a respeito – que se vai construir
o conhecimento sobre o fato pesquisado. (LÜDKE; ANDRÉ, 2014,
p.05).
É na tentativa de tentar responder as questões impostas por esse trabalho que
nos colocamos enquanto pesquisadores no campo de trabalho — numa pesquisa que
se propõe participante, ou participativa5 com o intuito de desenvolver uma observação
participante sem perder, no entanto, o rigor do trabalho científico. Portanto, “é uma
estratégia que envolve, pois, não só a observação direta, mas todo um conjunto de
técnicas metodológicas pressupondo um grande envolvimento do pesquisador na
situação estudada.” (LÜDKE; ANDRÉ, 2014, p.32).
A escolha por uma pesquisa participante vinculou-se ao interesse de contribuir,
mesmo que singelamente, com o processo de inserção da Filosofia nas classes de
alfabetização da EJA. Pretendíamos um caminho de trabalho em equipe que envolvesse
docentes e alunos na proposta de discutir felicidade numa perspectiva filosófica. Nesse
sentido, o propósito principal foi mostrar aos docentes alfabetizadores da Escola
Municipal Raul Pompéia que é possível filosofar com analfabetos, que é totalmente
viável inovar as aulas de alfabetização com poucos recursos e dinamizar o processo de
ensino aprendizagem por meio do pensar filosófico.
E na tentativa de gerar dados de relevância, os sujeitos dessa pesquisa, como
já dissemos: jovens e adultos em fase de alfabetização, foram a todo instante
estimulados a perceberem a importância de uma pesquisa como essa, a fim de
demonstrarem vontade de participar, colaborando para o alcance dos objetivos
traçados.
A escolha pelas oficinas com a temática felicidade deu-se, como já
mencionamos, pela relevância desse conceito para a Filosofia, mas não somente para
essa área do conhecimento, como para todos nós independente de raça, gênero ou
5
Para maior compreensão sobre pesquisa participante ler Carlos Brandão – Pesquisa Participante,
Brasiliense, 1981.
87
renda. Acreditamos ser preciso considerar a possibilidade de pensar a felicidade nas
escolas pela variedade de temáticas que podem ser trabalhadas por meio desse tema
e pelos significados que essa palavra carrega no processo de desestruturação dos
estigmas interiorizados nos sujeitos da EJA.
3. 2. Caminho percorrido na pesquisa
“Vivendo, se aprende; mas o que se aprende mais é só fazer outras
maiores perguntas.”
(Guimarães Rosa, in: Grande Sertão: Veredas)
Como vimos, a questão principal desse estudo é investigar se a inserção da
Filosofia nas classes de alfabetização da EJA poderá ou não tornar esses momentos
mais dialógicos e reflexivos, contribuindo para um aprendizado mais participativo.
Motivo pelo qual optamos por uma metodologia de pesquisa predominantemente
qualitativa, embora alguns dados quantitativos não possam ser ignorados.
Compreendemos a pesquisa qualitativa tal como Lüdke e André (2014, p. 20),
para quem o estudo qualitativo “é o que se desenvolve numa situação natural, é rico em
dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma
complexa e contextualizada.” Segundo Bogdan e Biklen (1982, apud LÜDKE E ANDRÉ,
2014, p. 12), para um pesquisador participativo, o foco está no processo e não no
produto. Portanto, não está entre nossos objetivos que os alunos sejam alfabetizados
por meio da Filosofia, pois sabemos que isso não é possível dado o tempo curto de
aplicação da pesquisa, mas verificar se inserindo a Filosofia nas aulas de alfabetização,
por meio de oficinas filosóficas, estaremos ou não no caminho certo rumo a um ensino
mais crítico e dialógico para jovens e adultos.
Apesar da falta de literatura sobre outras experiências de pesquisas que
vinculassem alfabetização e Filosofia mantivemos nosso foco em estudos sobre
alfabetização na EJA e também nos relativos ao Ensino de Filosofia de modo amplo,
tentando desenvolver propostas de atividades que pudessem articular essas duas
temáticas de maneira a despertar o que cada uma apresenta de melhor. Procuramos,
tal como indicam Lüdke e André (2014, p. 14), ao resgatarem os pensamentos de
Bogdan e Biklen (1982) sobre pesquisa qualitativa, capturar a perspectiva dos
participantes, ou seja, “a maneira como os informantes encaram as questões que estão
sendo focalizadas.”
88
Desde o início da inserção no campo o intuito principal dessa pesquisa era
realizar oficinas de caráter filosófico com os alunos da EJA, em fase de alfabetização, e
gerar dados que pudessem responder algumas de nossas inquietações. Queríamos
verificar na prática a resposta da turma aos questionamentos levantados e realizar uma
análise detalhada de um caso individual, refletindo a relevância desse estudo. Assim,
para viabilizar e registrar as situações vivenciadas e respostas obtidas lançamos mão
da observação direta que incluiu cinco meses de efetiva atuação no campo (dois meses
de observação e registro de informações e três meses de planejamento e aplicação das
oficinas). Portanto, as oficinas aqui apresentadas pautaram-se em atividades pensadas
para a realidade da turma observada. Seu planejamento considerou a duração de duas
horas por dia, pois embora a aula começasse às 18h, os alunos terminavam de chegar
às 19h. Às 20h era o intervalo, pelo qual eles ficavam ansiosos para jantar, sendo das
20h30 às 21h30 o último tempo de aula.
Como a oficina era sempre interrompida após uma hora de duração, essa
primeira etapa tinha que ser a mais rápida, contudo nela obtínhamos a melhor resposta
da turma, pois após o intervalo já estavam impacientes para irem embora, por isso era
preciso explorar ao máximo a capacidade reflexiva deles nesse primeiro momento.
Assim, o aporte filosófico das oficinas ocorreu nessa etapa da aula, nas quais
realizávamos as dinâmicas e discussões. Quando as oficinas envolviam atividades mais
longas eram divididas em dois encontros, no primeiro introduzíamos o assunto e no
seguinte fazíamos a parte prática. No total, para a realização das seis oficinas, foram
precisos oito encontros que ocorriam semanalmente6, envolvendo, na maior parte das
vezes cerca de 12 alunos (três homens apenas, com idades variadas, predominando os
que possuíam mais de 45 anos), algumas oficinas no entanto, foram ofertadas para
duas turmas representando um total de 27 alunos7 atendidos pelo projeto.
6
Foram necessários oito encontros para as seis oficinas, pois duas oficinas demandaram um tempo maior
de realização, ocorrendo em dois encontros.
7
Somente algumas oficinas foram ofertadas para as duas turmas da escola, a maior parte contou com a
presença de aproximadamente 12 alunos da classe de alfabetização. Destaco que as oficinas em que
ocorreram a junção das duas turmas, resultando em 27 alunos, foram as oficinas de filme e curtas.
89
Capítulo 4 - Conhecendo o lugar da pesquisa e as
oficinas oferecidas
“A Ciência não corresponde a um mundo a descrever. Ela corresponde
a um mundo a construir.”
Mirian Goldenberg
Após definir melhor o tema e a metodologia escolhida para aplicação da
pesquisa, iniciei as observações em abril de 2016, munida da convicção de que esse
estudo poderia servir, ainda que modestamente, como auxilio para se pensar a
introdução da Filosofia em turmas do ciclo básico da EJA. Uma proposta que pelo seu
caráter inovador já experimentou resistências no início de sua implementação, pois não
foi fácil encontrar um docente disposto à participar desse projeto, que coloca em
evidência uma nova maneira de dialogar na alfabetização.
Logo, na primeira tentativa de participação numa turma de alfabetização, ainda
em junho de 2015, não obtive por parte da docente a autonomia didática que precisava
para colocar em prática as oficinas, o que demandou a mudança de campo de estudo,
mas não a desistência do projeto. Nesse momento, as colocações de Mirian Goldenberg
(2000, p. 13) sobre os imprevistos em uma pesquisa fizeram-se presentes, visto que
“nenhuma pesquisa é totalmente controlável, com início, meio e fim previsíveis. A
pesquisa é um processo em que é impossível prever todas as etapas.”
Foi somente com a ajuda de uma amiga, professora na rede pública de Angra
dos Reis, que acreditou na proposta desse estudo, apresentando-o às professoras
alfabetizadoras da EJA de seu local de trabalho, que consegui convencer essas
docentes sobre a relevância da pesquisa, no sentido de, quiçá, ajudá-las a tornar o
processo alfabetizador em suas turmas um pouco mais reflexivo.
As primeiras observações ocorreram timidamente, até que a autonomia e
confiança necessárias fossem conquistadas. Nesse ponto, ressalto o quanto a regente
da turma contribuiu para o desenvolvimento da pesquisa e para meu crescimento
profissional, tratando-me de igual para igual8, como a educadora que eu era, apesar de
8
Embora se espere que durante uma pesquisa de campo os pesquisadores sejam tratados como tal, o
que entendemos como o mais saudável e desejável, é comum serem vistos como “aprendizes”, ou seja,
profissionais em formação “sem as competências necessárias” para efetiva inserção naquele espaço.
Constantemente isso ocorre com pesquisadores inseridos em ambientes escolares que passam a serem
vistos pelos docentes da turma como observadores da prática profissional, prejudicando a conquista da
autonomia necessária para atuação como pesquisador participante.
90
não lecionar em minhas atividades profissionais — como pesquisadora em construção,
que cometia erros de principiante, mas que estava disposta a aprender na prática como
conquistar o respeito daquela turma.
Dessa vez, munida da autonomia necessária, assumi um compromisso de
participação junto aos alunos como uma “observadora como participante” (LÜDKE;
ANDRÉ, 2014), revelando desde o início a razão de estar ali. Assim, eles entenderam
que eu era uma pesquisadora e que precisava deles para desenvolver um projeto de
pesquisa sobre um assunto que nunca ouviram falar, a Filosofia, mas que estavam
abertos a conhecer.
Como a escola fica longe do meu local de trabalho atual — cerca de 2h30min de
ônibus, pegando duas conduções — somente conseguia realizar as oficinas uma vez
por semana, nas segundas-feiras, por ser o único dia da semana em que era liberada
mais cedo, às 15h30, conseguindo chegar às 18h, horário de início das aulas na escola.
Naqueles dias, a turma já sabia que eu seria a professora regente da aula e para minha
surpresa esse conhecimento não desencadeou a ausência dos alunos; pelo contrário,
atrasados ou não, todos sempre estavam lá.
Como dito, as primeiras observações eram menos participativas, o que me
permitiu a elaboração de um caderno de campo. Depois, com minha maior inserção nas
aulas, passei a lançar mão das anotações posteriores, a todo instante estava mediando
às oficinas. Visando evitar o esquecimento dos detalhes observados, eu gravava um
áudio no celular, no intervalo ou na volta para casa, com os fatos que mais me
chamaram atenção naquele dia, para que os mesmos pudessem me auxiliar na hora de
analisar os impactos das oficinas filosóficas na turma. Por isso, durante as observações
tentava, na medida do possível, não perder de vista o intuito de um estudo de caso que
deveria “reunir o maior número de informações detalhadas, por meio de diferentes
técnicas de pesquisa, com o objetivo de apreender a totalidade de uma situação e
descrever a complexidade de um caso concreto.” (GOLDENBERG, 2000, p. 33).
As observações ocorreram em maior número na turma da professora Simone9,
na qual se deu o início do projeto, escolhida por ser a primeira etapa de alfabetização
da escola, atendendo assim aos objetivos traçados por esse estudo. No entanto, com a
realização das oficinas, e por interesse das docentes, o projeto passou a envolver as
9
Os nomes empregados nessa pesquisa são fictícios em respeito à identidade dos sujeitos, no entanto,
procurou-se respeitar o gênero dos atores sociais envolvidos.
91
duas turmas do ciclo básico da EJA, uma com doze e outra com quinze alunos. A turma
com maior número de alunos estava um pouco mais avançada, mas pode-se dizer que
os discentes ainda estavam em fase de alfabetização, grande parte enquadrava-se na
categoria de analfabeto funcional, desse modo, sua inserção no projeto não alterou os
objetivos iniciais da pesquisa.
Durante o período da observação inicial conversei informalmente com os alunos
e com as professoras. Para tanto, procurava, sempre que possível, chegar mais cedo à
escola, frequentar o refeitório, onde a maior parte dos alunos se concentrava, a sala de
professores e a biblioteca. Com isso pude obter informações iniciais que me
familiarizaram com aquele ambiente e ajudaram o projeto a se coadunar com a
identidade da instituição.
De início pretendia-se utilizar entrevistas com os alunos como uma forma de
geração de dados para a pesquisa, entendo a importância das narrativas orais nos
estudos qualitativos. No entanto, devido às limitações temporais de um estudo de
mestrado, em que a parte prática muitas vezes ocorre em menos de um ano, o foco foi
redirecionado para as oficinas — numa tentativa de fazer das mesmas um momento de
reflexão e aplicação da proposta desse trabalho. Tal qual Goldenberg (2000, p. 35) fui
percebendo que “o pesquisador deve estar preparado para lidar com uma grande
variedade de problemas que não foram previstos no início da pesquisa e que se tornam
mais relevantes do que as questões iniciais.” Essa postura me aproximou igualmente
das colocações de Lüdke e André (2014, p.54) de que é preciso policiar-se numa
pesquisa qualitativa e de que “para que isso ocorra, o pesquisador precisa desenvolver
certa disciplina pessoal, pois a tendência nesse tipo de pesquisa é achar que tudo é
importante.” Assim, percebi aos poucos que se torna necessário estabelecer um foco
principal para análise dos dados.
A decisão sobre quais devam ser os focos específicos de
investigação não é fácil. Ela se faz, sobretudo através de um
confronto entre o que pretende a pesquisa e as características
particulares da situação estudada.” (LÜDKE; ANDRE, 2014, p. 54).
Desde o início do estudo, no entanto, nós fazemos uso de
procedimentos analíticos quando procuramos verificar a pertinência
das questões selecionadas frente às características especificas da
situação estudada. Tomamos então várias decisões sobre áreas que
necessitam de maior exploração, aspectos que devem ser
enfatizados, outros que podem ser eliminados e novas direções a
serem tomadas. Essas escolhas são feitas a partir de um confronto
entre os princípios teóricos do estudo e o que vai sendo “aprendido”
durante a pesquisa, num movimento constante que perdura até a fase
final do relatório. (LÜDKE; ANDRÉ, 2014, p. 54).
92
Também por essa razão resolvi dar destaque apenas a um conceito filosófico
durante as oficinas. De início, meu intuito era explorar o máximo de conceitos possíveis,
todavia, o amadurecimento enquanto pesquisadora me fez perceber que para melhor
desenvolver esse projeto seria necessário abandonar certas convicções e desejos e
focar no que parecia óbvio: “no menos como mais”.
Nas oficinas, pelas razões já explicitadas nos capítulos anteriores, decidi abordar
o conceito felicidade valendo-me de diferentes gêneros e suportes. Foram utilizadas:
músicas, poesias, jogos, curtas, filmes, interpretação de imagens, jornais e rodas de
conversas.
Cabe ressaltar que as oficinas foram pensadas somente após as observações
iniciais, como Bogdan e Biklen (1994, p. 83 apud THEES, 2014, p.70) entendo que em
se tratando de uma investigação qualitativa, não se pode traçar um plano detalhado
antes da recolha dos dados.
4.1. O local da pesquisa
“Ocultar o começo, as origens, é, muitas vezes, uma forma de adiar
a chegada do novo.”
Rui Campos
Figura 2 - Fachada da Escola Municipal Raul Pompéia.
93
Com mais de 68 anos de história a Escola Municipal Raul Pompéia10, localizada
no Bairro Monsuaba em Angra dos Reis, possui 25 salas de aula, sendo: uma sala de
vídeo, um laboratório de informática (que não possui equipamentos desde a
reinauguração em 2008), uma biblioteca, uma sala de professores, uma secretaria, uma
sala para direção, uma cozinha, um refeitório, uma sala de recursos, um pátio e uma
quadra de areia. A escola conta ainda com cerca de 90 funcionários e aproximadamente
1.152 alunos, desses 165 pertencentes a Educação de Jovens e Adultos.
Em 2008 passou por uma ampla reforma na qual sua antiga sede deu lugar a
uma praça. Atualmente é a instituição com maior área construída do município, são
2.290 metros construídos em 2.264 de área, no entanto, em 1948 quando começou suas
atividades, ainda como escola estadual, contava apenas com duas salas de aula.
Atualmente vem sofrendo com a violência no bairro, um dos pontos principais do
comércio de drogas da região. Os constantes tiroteios na localidade atrapalham sua
rotina, impedido alunos e docentes de comparecerem às aulas.
A falta de investimentos públicos é outro problema observado, o que vem
resultando num visível desgaste físico do prédio, que necessita de reformas urgentes
em muitos ambientes: os banheiros não possuem portas, muitos vidros estão quebrados
e a pintura das paredes está extremante gasta.
Figura 3 - Vista aérea da Localização do Colégio Municipal Raul Pompéia.
10
Nesse estudo optamos por expor o nome da escola, que serviu de campo para a pesquisa, por
acreditarmos que tal ação contribui para melhor socialização dessa experiência com as escolas locais.
Além do que relatar o nome da instituição é uma das formas de evidenciar nosso agradecimento pela
concordância com a realização desse projeto.
94
Com relação à localidade da escola, cabe destacar que Monsuaba é um distrito
de Angra dos Reis localizado a beira mar. Possui por volta de 7000 habitantes e 4
escolas dentre elas a escola Raul Pompéia.
Da sede municipal são ao todo dezenove quilômetros até sua localização. Já a
renda mensal do distrito é proveniente em sua maior parte dos trabalhadores do
estaleiro Brasfells localizado no bairro Verolme.
4.1.1. Sujeitos da Pesquisa
“A vida é compreendida retrospectivamente, mas vivida prospectivamente.”
Soren Kierkegaard
Figura 4 - Alunos do projeto “Ensinando a escrever, aprendendo a Filosofar”.
Quando nos referimos aos sujeitos da EJA em fase de alfabetização, estamos
falando de pessoas que estiveram afastadas do direito a uma educação de qualidade.
São jovens, senhoras e senhores, alguns já na terceira idade, que decidiram voltar à
escola, após uma vida dedicada ao trabalho, à família e à sociedade. São pessoas como
nós que possuem as mesmas capacidades de aprendizagem, experiências de vida,
conhecimentos para partilhar e muitas coisas para aprender. Portanto, não estamos
tratando de indivíduos fracassados, mas de mulheres e homens que, mesmo em meio
às adversidades da vida, colocaram-se a difícil tarefa de aprender a ler e escrever,
quando o mundo todo caminha em outra direção.
No entanto, cabe aqui um questionamento: Se um sujeito deve ser tudo isso:
político, ativo, crítico, detentor de direitos e tantas outras qualidades, é possível afirmar
95
com propriedade que o estudante da EJA ocupa seu lugar de sujeito na escola do século
XXI? Até queríamos que assim fosse, mas as evidências nos levam a crer que o lugar
desse aluno continua sendo o dos oprimidos, visto que, geralmente, os sujeitos da EJA
são tratados como uma massa de alunos, sem identidade, qualificados sob diferentes
nomes relacionados ao fracasso escolar. (ANDRADE, 2004).
Obviamente, são inegáveis os ganhos obtidos pela Educação de Jovens e
Adultos — que conquistou desde espaços no plano legal, aparecendo pela primeira vez
como modalidade de ensino na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB
9394/96), a relativo destaque em reuniões internacionais como a V CONFINTEA, 1997,
que ampliou o debate da EJA para além do direito à alfabetização, postulando um ideal
de aprendizado por toda vida. A EJA conquistou, ainda, expressivo reconhecimento nas
academias com grupos de pesquisas dedicados a pensar e produzir conhecimentos
para essa modalidade. No entanto, apesar desses pontos favoráveis ainda há muito que
fazer. E sem dúvida, atribuir o efetivo grau de sujeito aos alunos da EJA parece ser um
bom começo.
Somente assim, tratando-os como efetivamente são11, daremos os passos
necessários rumo à uma educação de qualidade. Nesse sentido, a EJA comprometida
com a formação humana passa pelo entendimento de que os processos pedagógicos
deverão ser desenvolvidos para atender as necessidades e desejos de seus sujeitos.
(ANDRADE, 2004) ou seja:
Construir uma EJA que produza seus processos pedagógicos,
considerando quem são esses sujeitos, implica pensar sobre as
possibilidades de transformar a escola que os atende em uma
instituição aberta, que valorize seus interesses, conhecimentos e
expectativas; que favoreça a sua participação; que respeite seus
direitos em práticas e não somente em enunciados de programas e
conteúdos; que se proponha a motivar mobilizar e desenvolver
conhecimentos que partam da vida desses sujeitos; que demonstre
interesse por eles como cidadãos e não somente como objetos de
aprendizagem. (ANDRADE, 2004, p.1).
11
É preciso reconhecer que o estudante da EJA traz especificidades que envolvem expectativas e
preocupações que alunos de outras modalidades de ensino podem não possuir. Essas características,
muitas das vezes próprias de um aluno da EJA, necessitam ser colocadas em evidências na hora de planejar
atividades didático-pedagógicas para esse público. Embora devamos reconhecer os inúmeros avanços
ocorridos nas práticas didáticas da EJA em conformidade com um ensino mais crítico e criativo, ainda
presenciamos aulas que não passam de uma “reprodução” do que ocorre no Ensino Regular, isso é ocultar
particularidades da Educação de Jovens e Adultos que lhes são inerentes e necessitam ser pensadas e
refletidas. Portanto, tratar o aluno da EJA como ele efetivamente é, um sujeito, inclui pensá-lo e atendêlo por completo.
96
Infelizmente, os alunos participantes do projeto “Aprendendo a escrever,
ensinando a filosofar” não escapam desse contexto marginal. O público alvo desse
estudo é formado por moradores de periferia, trabalhadores formais, mães em tempo
integral, aposentados, desempregados e jovens em situação de risco social, todos com
o desejo comum de aprender a ler e escrever.
Como possivelmente ocorre com outros docentes, vários desses sujeitos me
tocaram de forma significativa, ensinaram-me verdadeiras lições de vida que
sustentaram ainda mais a causa desse projeto. Alguns carregavam sonhos e desejos
de uma vida melhor; outros, medos e inseguranças de mais uma vez fracassarem. Mas,
apesar de todas as dificuldades, da falta de materiais didáticos, infraestrutura e
insegurança, cada palavra escrita era uma vitória.
Como esquecer de Seu José12, que aos 65 anos voltou à escola para realizar o
sonho de tirar a carteira de motorista? Ou de Dona Maria, que matriculou-se para
ensinar seus netos a fazerem o dever de casa? Ou de Juliana, que trazia todas as noites
sua filha para as aulas por não ter com quem deixá-la (enquanto aprendia a escrever, a
mãe orgulhava-se da filha que aos sete anos ajudava os colegas de turma na realização
das atividades)? No entanto, foi Rogério que mais me mostrou as realidades
enfrentadas pela EJA do século XXI e quem eu gostaria de relembrar nesse capítulo.
Confesso que, ao iniciar minhas observações na turma, estranhei a presença de
um aluno tão jovem sentado na primeira cadeira da sala, praticamente colado na mesa
da professora. Isso porque poucas vezes presenciei alunos jovens em turmas de
alfabetização da EJA. Eu estava acostumada com sujeitos na faixa etária acima dos 30
anos, e de certa forma, a juventude de Rogério me intimidava, pois percebia seu
desconforto ao me aproximar para lhe explicar alguma atividade.
Embora recém ingressante na turma, sem nenhum amigo na sala, ele não faltava
às aulas e demonstrava uma enorme vontade de aprender. Percebendo isso, a docente
resolveu utilizar com ele novas metodologias, inclusive o celular — valendo-se de
mensagens textuais em um aplicativo social muito utilizado pela turma. Aos poucos, ele
foi interagindo melhor conosco, dando sinais de aprendizagem. Até o dia em que
Rogério não apareceu mais nas aulas. Não demorou muito para sabermos que foi ele o
12
Cabe ressaltar que os nomes dos sujeitos apresentados na pesquisa são fictícios, no entanto procurouse respeitar o gênero dos sujeitos e as idades.
97
rapaz de aproximadamente 19 anos morto enquanto saia para cortar o cabelo na
semana da páscoa.
Mesmo sabendo, desde o meu primeiro dia na escola, que ele estava envolvido
com o tráfico de drogas no bairro, cheguei a pensar que pudesse mudar de vida pela
escola. Orgulhava-me em poder fazer parte dessa tentativa de mudança e via nele um
exemplo de superação. A notícia triste comoveu a turma, que imediatamente respondeu
com ausências e saídas antes do término da aula. Apesar de a morte de Rogério afetar
o rendimento do alunos, não chegou a alterar a rotina da escola. Pode-se dizer que ela
aprendeu a conviver com esse tipo de realidade. Minha maior preocupação, no entanto,
foi quando me dei conta de que eu mesma já enxergava aquela realidade como natural.
Toda semana havia um morto, um ferido ou um preso. Até o fato daquela região “ter
virado ponto de drogas” já não assustava mais ninguém. Era comum presenciarmos
jovens em grupos na frente da escola vendendo drogas ou fazendo uso delas,
confirmando que:
Para esses jovens, o tráfico representa a possibilidade de atingir
um status social e obter respeito da sociedade. O traficante é visto
como um indivíduo respeitado, que possui poder e dinheiro, algo quase
inatingível em uma comunidade de baixa renda. No imaginário de
vários jovens, é o traficante quem zela pelo bem-estar da comunidade,
na medida em que faz benfeitorias (muitas vezes substituindo o papel
do Estado). Acima de tudo, é quem os respeita como cidadãos.
(CASTRO, ABRAMOVAY, 2002, p. 172).
Nesse contexto, fui percebendo que a realidade que me esperava não era a que
tinha imaginado. A exclusão, a opressão, a marginalidade e o medo continuavam
latentes entre os estudantes da EJA. Se não eram eles as próprias vítimas da violência,
eram seus filhos, esposos e netos. Essas evidências me alertaram ainda mais sobre a
necessidade de introduzir o pensar naquele espaço. Fora da escola, a rua e os muros
gritavam a realidade, dentro, a vida parecia fluir num outro ritmo.
Nesse sentido, mais do que nunca, era necessário promover novas formas de
aprendizagem. Era preciso atribuir sentidos, espaços para refletir, para o mundo e para
a vida. E, acima de tudo, estava na hora de falar sobre si, sobre o conhecimento e sobre
o que nos move a aprender.
Portanto, como sinalizam os jovens, para transformar a atual situação,
é necessário ter “atitude”. Deve-se procurar entender o que esses
sujeitos na condição de alunos vêm tentando demonstrar, explícita ou
implicitamente, seja pelo abandono, pela desistência, pela dificuldade
de permanência, seja pelas formas com que organizam suas
necessidades e anseios. (ANDRADE, 2004, p. 3).
98
E como falar de felicidade num contexto como esse? Como adentrar num espaço
onde mães perderam seus filhos, colegas de classe são mortos e muitas vezes aulas
são suspensas pelo tiroteio. Em suma, como dar destaque ao lado bom da vida em meio
àquele contexto escolar? Seria difícil, mas julguei mais que preciso.
Se aqueles alunos estavam aptos a aprender também estavam a recomeçar sua
busca por uma vida mais feliz. Nesse sentido, não havia temática mais propícia que os
fizesse parar para perceber e pensar o mundo a sua volta.
4.1.2. O Início da pesquisa
“Ler é, em qualquer hipótese, encadear um discurso novo no discurso
do texto.”
Paul Ricoeur
No início da pesquisa tentei colocar em andamento muito das colocações de
Thees (2014), que se baseou nos escritos de Bogdan e Biklen (1994) para assumir a
postura de uma pesquisadora ainda em ambientação nos primeiros dias de campo:
Nos primeiros dias, não tente fazer demais. Tente fazer, aos poucos,
uma entrada tranquila no ambiente de trabalho […] Mantenha-se
relativamente passivo. Mostre interesse e entusiasmo por aquilo que
está a aprender, mas não faça demasiadas perguntas específicas,
especialmente em áreas que possam ser controversas. Faça
perguntas gerais que permitam aos sujeitos falarem. Seja amigável. À
medida que for sendo apresentado, sorria e seja delicado.
Cumprimente as pessoas que passarem por si nos corredores. Nos
primeiros dias, os sujeitos vão perguntar o que é que anda ali a fazer.
Informe-os de que já falou com os responsáveis, tentando ser o mais
breve possível. (BOGDAN E BIKLEN, 1994, p. 123 apud THEES, 2014,
p. 84).
Nesse sentido, somente iniciei as oficinas, às quais aqui darei o devido destaque,
quando percebi que os alunos já estavam à vontade o suficiente para depositarem a
confiança de que necessitava no desenvolvimento de um bom trabalho. Antes disso, por
cerca de oito semanas, me comportei como uma professora auxiliar, ajudando no
desenvolvimento das tarefas, na correção das atividades e no esclarecimento das
dúvidas dos alunos, sempre tomando nota do que julgava necessário.
99
Acredito que o momento de ambientação foi de grande valia para o planejamento
das oficinas, me permitiu conhecer melhor a escola, seus principais sujeitos e suas
perspectivas sobre a temática que pretendia trabalhar. Assim, procurei — sempre que
surgia uma oportunidade — questionar os alunos sobre suas concepções de felicidade
e educação, coletando dados que me permitissem pensar atividades que pudessem
envolvê-los plenamente.
E foi com base nessas referências que decidi valer-me de suportes e gêneros
textuais diferentes para atrair ao máximo os alunos, percebi que além de serem poucas
as atividades ofertadas pela escola que os envolviam em processos reflexivos, as
ocorridas ancoravam-se em propostas habituais e, em certa medida, tradicionais — que
pouco demandavam dos potenciais dialógico e reflexivo da turma. Tal observação
conduziu-me a explorar por meio das oficinas outras linguagens e formas de perceber
a realidade, para discutir sobre a felicidade de maneira consistente e contextualizada.
Cabe ressaltar que todas as oficinas foram apresentadas anteriormente à
docente da classe — que por sua vez incluiu-as como conteúdo programático no
planejamento anual da turma. Nessa perspectiva, visando manter um diálogo com os
objetivos de alfabetização já traçados pela professora, ao término de cada oficina foram
ofertadas aos alunos atividades de alfabetização cuja temática geradora trouxe
assuntos apresentados no momento da oficina filosófica.
No início da inserção filosófica, as atividades de cunho alfabetizador realizadas
após as oficinas buscaram, sempre que possível, aproximar-se da metodologia já
utilizada pela docente da turma. Tal postura foi tomada visando promover uma maior
familiaridade entre os alunos e as atividades sugeridas e, de certo modo, uma
introdução progressiva e respeitosa na classe. A ideia sempre foi promover uma
contínua ampliação no teor crítico e dialógico dos exercícios, para que os alunos fossem
superando aos poucos as dificuldades encontradas.
Com o desenvolvimento do projeto, os momentos de alfabetização, ocorridos
sempre como segunda etapa da oficina, passaram a apresentar, como previsto, um teor
mais crítico e desafiador. Ao invés de palavras de leitura relativamente fácil, comecei a
apresentar aos alunos fonemas desconhecidos, mas que faziam parte do universo das
discussões sobre felicidade tais como: sonhar, saudade, virtude, trabalho, carinho,
dentre outras.
100
A cada atividade essas palavras, bem como outras, eram escritas no quadro
para que os alunos pudessem apreender os fonemas e letras trabalhadas. Optei por
fazer uso do quadro, por ser esse era o principal recurso didático da escola, de maneira
que deixá-lo apartado das oficinas não condizia com a realidade da turma. De início,
pensei em trabalhar com projeções de data show, mas, diante da falta de possibilidade
em fazer uso desse equipamento, a solução encontrada foi gerir os recursos disponíveis
de forma a utilizá-los de maneira coerente, mas não unânime. Dessa forma, o quadro
serviu muitas vezes como suporte para exibição de imagens, organização de atividade
e exposição de palavras, sem no entanto, transformar-se no único meio utilizado.
Nas oficinas procurei explorar um universo vocabular que fizesse parte do
contexto dos alunos e que iam aparecendo durante as nossas conversas. Nesse
sentido, todas as palavras novas que surgiam nas oficinas e que poderiam ser
articuladas ao contexto da felicidade eram escritas no quadro.
A transcrição das palavras no quadro permitiu aos alunos explorarem a escrita
de forma mais contundente, percebendo as letras que as formavam e os fonemas. Optei
pelas letras de “caixa alta” em escrita grande e por valer-me da reprodução no quadro
apenas para exploração das mesmas. Os exercícios de fixação por outro lado, eram
apresentados aos alunos já impressos para que pudéssemos trabalhá-los de forma mais
proveitosa, evitando o tempo gasto demasiadamente com a cópia do quadro.
Figura 5 - Transcrição no quadro - palavras trabalhadas na 1° oficina.
101
Figura 6 - Transcrição no quadro - palavras trabalhadas na 2° oficina.
4. 2. Iniciando as Oficinas Filosóficas
“... Se muito vale o já feito mais vale o que será. E o que foi feito é
preciso conhecer para melhor prosseguir.”
(O que Foi Feito Deverá de M. Nascimento/ F. Brant)
Após a escolha do conceito filosófico que seria trabalhado com os alunos da
EJA, a felicidade, chegava a hora de definir como inserir de forma filosófica essa
temática na turma. Ou seja, como partir desse conceito para propiciar aos alunos seu
primeiro contato com a Filosofia. Tenho que confessar, essa tarefa não me foi nada fácil.
Mesmo assim, tentei ao longo de três meses (maio, junho e julho) dar início à oferta de
seis oficinas filosóficas que buscaram na medida do possível atrelar reflexão à
alfabetização.
As dificuldades foram muitas e as incertezas por vezes me tomaram: primeiro
por que, assim como para aqueles alunos, a Filosofia era nova em minha vida — apesar
de encontrar-me naquele momento professora de Filosofia minha formação era em
Pedagogia — muitas vezes tive medo de não estar filosofando propriamente com a
turma. Segundo porque, embora professora de formação, nunca tinha trabalhado
profissionalmente como docente. Somente aos poucos, motivada em grande parte pelas
leituras filosóficas e estudos sobre EJA, bem como pelo apoio dos docentes e colegas
do programa de mestrado, me descobri docente e pronta para instigar o filosofar.
A escolha de oficinas como metodologia de introdução da Filosofia em uma
turma de alfabetização da EJA deu-se por acreditar que as mesmas oferecem um
102
espaço de troca entre docente e alunos que favorecem de forma muito satisfatória o
filosofar. Além disso, como relatei anteriormente, o convívio com a turma me fez
perceber que levar atividades diferentes das habituais, bem como propiciar momentos
de reflexão baseados em temáticas próprias do cotidiano, eram caminhos necessários
para atender as perspectivas e diversas formas dos alunos de conceber a vida e a
Felicidade.
As oficinas foram concebidas a partir da observação da potencialidade e
disponibilidade dos discentes ao pensar, de maneira a despertar momentos filosóficos
de rico teor, não pela complexidade, mas pela inserção inicial em uma área do
conhecimento desconhecida até então. Portanto, a ideia das oficinas filosóficas implica,
em sua essência, pensar uma didática para a EJA que tenha a reflexão e o diálogo como
norteadores. Logo, as atividades oferecidas deveriam surgir de uma temática que
trouxesse em sua natureza algo de magnitude expressiva na vida de qualquer cidadão.
E, para essa exigência, o conceito da Felicidade parecia preencher todos os requisitos:
fosse pela gama de importância assumida ou pelas múltiplas possibilidades de discutilo e explorá-lo.
4. 2. 1. Primeira oficina: “Felicidade foi-se embora”
“O pensamento parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa
quando começa a pensar.”
Lupicínio Rodrigues
A primeira oficina intitulada “Felicidade foi-se embora” ocorreu após dois meses
de observação da turma. Para introduzi-la foi escolhida a música “Felicidade foi-se
embora”, de Lupicínio Rodrigues, que, a meu ver, continha em sua letra concepções
sobre o conceito de felicidade relevantes para um primeiro diálogo a esse respeito, tanto
que escolhi atribuir o nome da música à temática da oficina.
Iniciei a atividade entregando uma folha com a música aos alunos e pedindo para
que a turma prestasse bastante atenção na letra. Embora não soubessem lê-la na
íntegra, o fato de poderem observar a escrita enquanto escutavam-na já lhes colocava
em contato com palavras que iríamos trabalhar futuramente permitindo que
interagissem com elas de antemão.
Ao iniciar a música, a turma permaneceu extremamente atenta, os mais velhos
inclusive cantaram alguns trechos, outros continuaram em silêncio. Enquanto a música
103
tocava fui percebendo que grande parte dos alunos tentava acompanhá-la fixando o
olhar sobre a folha com a letra da música, como se tentassem encontrar junto a melodia
a escrita da palavra cantada. Após escutarem a música pela segunda vez, comecei a
indagá-los sobre a temática apresentada. Eles foram interpretando a música,
destacando as frases mais marcantes e externando os sentimentos desencadeados
pela experiência.
Figura 7 - Alunos escutando a música “Felicidade Foi-se embora”.
Com cuidado, conduzi a conversa para que eles percebessem a temática
principal da música. Quando todos entenderam que estávamos falando sobre felicidade,
perguntei a cada aluno o que ele considerava ser feliz. As respostas concentraram-se
em volta da família, do trabalho, da saúde e da religião. Alguns disseram que nunca
foram felizes, outros que não acreditavam na existência da felicidade, porém um grupo
grande enfatizou que já eram felizes por terem bons esposos, filhos, netos, etc.
Conforme os alunos iam relatando suas percepções acerca da felicidade, pedia
que definissem numa palavra suas considerações. Essas palavras foram escritas no
quadro, depois trabalhadas em sua escrita e fonemas ao mesmo tempo em que
discutíamos seus sentidos e percepções. Logo, ao invés de nos concentrarmos apenas
no aspecto alfabetizador, fomos dialogando e refletindo sobre as palavras.
Em seguida, solicitei aos alunos que verificassem se a letra da música, entregue
no início da aula, continha alguma dessas palavras. Com isso, procurei fazer com que
explorassem a descoberta delas em um contexto social.
104
Na segunda parte da oficina, que teve início após o intervalo, entreguei aos
alunos folhas com atividades que procuravam articular alfabetização e o conceito da
felicidade. Os exercícios traziam reflexões sobre a procura pela felicidade. Como os
alunos ainda não sabem ler com autonomia, a leitura foi feita em conjunto e cada
atividade discutida por toda a turma. No primeiro exercício os alunos deveriam pensar
sobre a afirmativa “O dinheiro traz felicidade”. Eles foram convidados a exporem suas
percepções e construírem novas frases expressando a opinião da turma sobre o
assunto. O mesmo seguiu-se para afirmativas como: “a conquista da felicidade está na
beleza exterior” e “o homem só será feliz rodeado de amigos”.
Ao final da oficina disse à turma que muito do que havíamos realizado naquela
aula poderia ser chamado de Filosofia. Eles não sabiam o que isso significava, mas
compreenderam que pensar e dialogar sobre felicidade fazia parte da vida de muitos
cidadãos desde a antiguidade e que essas pessoas que dedicaram parte de sua vida
pensando sobre questões como essas eram chamados filósofos.
Figura 8 - Aluna realizando atividade proposta na oficina.
105
4. 2. 2. Segunda oficina: “Tristeza não tem fim Felicidade sim”
“A felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar voa tão
leve, mas tem a vida breve precisa que haja vento sem parar.”
Vinícius de Moraes
Na segunda oficina, realizada uma semana após a primeira, trabalhei a poesia
“A Felicidade” de Vinícius de Moraes e Antônio Carlos Jobim. Tal como na atividade
anterior entreguei para a turma uma folha com a poesia impressa e com os alunos
dispostos em círculo realizamos a leitura. Como ocorreu com a música, eles pediram
para que a poesia fosse lida novamente e depois aplaudiram-na entusiasmados. Logo
após, comecei a conversar com eles sobre a felicidade, mas agora os alunos já
conseguiram identificar a temática da poesia desde o início, apesar de eu ter escolhido
não ler o título da poesia para evitar que soubessem o tema antes da leitura.
Expliquei aos alunos o que era uma poesia e em seguida discutimos a estrofe
principal do poema, a saber: “Tristeza não tem fim, Felicidade sim”. Nesse instante
conversamos sobre o que eles entendiam daquela frase e se concordavam ou não com
essa afirmação. Alguns alunos concordaram que na vida temos mais momentos de
tristezas do que de alegrias, afirmando que por tal razão, ser feliz é muito difícil. Outros
discordaram plenamente, alguns utilizando razões religiosas para explanar que o
simples fato de estar vivo já era razão suficiente para ser feliz.
Nesse instante, disse-lhes que pensadores como Freud, também acreditavam
que a felicidade era extremamente difícil de ser alcançada. Outros, como Aristóteles,
aproximavam felicidade ao bem — à prática de ações virtuosas — e que haviam ainda
os que a relacionavam à satisfação dos prazeres, como Epicuro. Com isso pretendia
que eles fossem percebendo que, tal como eles, os filósofos, dos quais tratamos na
oficina anterior, também discordavam entre si quando pensavam sobre a conquista da
felicidade, mas que esse tipo de atitude era extremamente saudável para o bem pensar
e agir.
Após o intervalo, como complementação à oficina anterior, realizei um bingo de
palavras com a turma. Esse bingo era um pouco diferente daquele aos quais os alunos
estavam acostumados — com gravuras de bichos e objetos. Dessa vez, resolvi
apresentá-los um bingo, cujas cartelas eram feitas com as palavras relacionadas à
Felicidade que trabalhamos na oficina anterior.
106
No começo eles tiveram dificuldades, pois de alguma forma saíram de sua zona
de conforto, mas depois se envolveram na atividade conforme esperado. Para dinamizar
a atividade quem sorteava as palavras eram os próprios alunos que tentavam lê-las para
o restante da turma. Algumas delas eram lidas mais facilmente, outras, por
apresentarem fonemas mais complexos, necessitavam de ajuda. Nesses momentos era
comum vermos os próprios colegas de classe empenhados em ajudar na leitura,
dialogando sobre as “possibilidades” de escrita e refletindo sobre o que discutíamos em
sala.
Figura 9 - Proposta para confecção das cartelas de bingo.
Lidas as palavras, o restante da turma deveria procurar em sua cartela a grafia
que correspondia à pronúncia. Como as palavras eram aquelas que trabalhamos
anteriormente, tais como: trabalho, família, desemprego, sonhos, dentre outras, eles
tiveram certa facilidade em identificá-las na cartela.
Figura 10 - Aluna lendo palavras da cartela de bingo.
No fim tanto eu como a docente da classe achamos a resposta da turma à
atividade muito boa, visto que eles demonstraram muita satisfação por estarem
aprendendo palavras que sempre quiseram escrever e escutando um poema do seu
universo. A professora inclusive salientou isso durante a oficina, dizendo para a turma
107
que agora eles estavam escutando um poema mais “adulto” e aprendendo palavras um
pouco mais “complicadas”.
4. 2. 3. Terceira oficina: “A Felicidade na vida real”
“As pessoas felizes lembram o passado com gratidão, alegram-se com
o presente e encaram o futuro sem medo.”
Epicuro
Na terceira oficina resolvi trazer alguns curtas para os alunos assistirem a fim de
tratar como a felicidade ocorre na vida real, ou seja, fora do caráter perfeccionista da
mídia. Ao todo foram quatro curtas: o primeiro falava sobre a convivência, o segundo
sobre a amizade, o terceiro sobre a obsessão e o último sobre o amor.
Cabe ressaltar, que essa foi a primeira atividade que envolveu as duas turmas
da escola do primeiro ciclo do Ensino Fundamental. Antes do intervalo a atividade foi
feita com a turma habitual, que se encontra em fase de alfabetização. Assistimos aos
curtas e depois discutimos cada um deles, apontando em quais sentidos eles se
aproximavam da temática que vínhamos trabalhando, ou seja, como os assuntos
abordados pelos curtas podiam ajudar a pensar a felicidade. Cada aluno falou sobre os
sentimentos que os vídeos causaram neles e de como foi a experiência de assisti-los.
Depois, realizaram uma atividade na qual foram trabalhadas palavras sobre a temática
dos curtas, na qual os alunos deveriam, por exemplo, localizar palavras trabalhadas nos
curtas e exploradas durante a discussão dos mesmos e em seguida formar frases curtas
com a ajuda da docente.
Figura 11 - Oficina de exibição dos curtas.
108
A oficina foi repetida, após o intervalo, com a segunda turma. A docente dessa
turma interessou-se pelo projeto e perguntou-me se aceitaria receber seus alunos nas
oficinas. Obviamente aceitei a proposta, embora não estivesse preparada para incluir
no projeto mais 15 alunos. No entanto, aquela era a oportunidade que precisava para
aumentar meu público alvo e analisar qual a resposta ao projeto de alunos que estavam
mais avançados em sua alfabetização, com grande parte da turma já sabendo ler e
escrever.
A resposta da segunda turma à oficina dos curtas foi parecida com a da primeira
classe. Eles responderam bem ao debate e conseguiram articular os vídeos à temática
da Felicidade. Partilharam experiências de vida, retornaram os assuntos abordados nos
curtas e relacionaram-nos a situações do dia-a-dia. Portanto, no que diz respeito à
complexidade das reflexões desencadeadas não senti uma diferença muito acentuada
entre as colocações dos alunos das duas turmas; pelo contrário, as postulações dos
discentes caminharam no mesmo sentido — independentemente do grau de
aprendizagem dos mesmos — de maneira que a habilidade da leitura e escrita não
resultou em reflexões mais aprofundadas, o que de certa forma demonstra que
nenhuma das turmas estavam familiarizadas com esse tipo de proposta pedagógica.
4. 2. 4. Quarta oficina: “Em busca da Felicidade”
“Se você tem um sonho, você tem que protegê-lo. As pessoas não
conseguem fazer alguma coisa elas mesmas, e querem dizer que você
também não consegue. Se você quer alguma coisa, vá atrás. Ponto
Final.”
Chris Gardner
A quarta oficina foi chamada de “Filocine” por articular cinema e Filosofia com
direito a pipoca e tudo mais. De início pretendia trabalhar o filme “Hector à procura da
Felicidade”, no entanto, para exibição desse filme era necessária conexão com internet,
o que não foi possível pela indisponibilidade de wifi na escola. O filme também não
possuía disponibilidade para download gratuito e nas locadoras da região não foi
encontrado. Por tal razão, resolvi utilizar o filme “A procura da Felicidade” (2006), com
Will Smith, o qual também tratava assuntos relacionados ao cotidiano dos alunos como:
desemprego, família, dificuldades e conquistas que eram o foco dessa oficina sobre a
busca da felicidade.
109
Figura 12 - Alunos assistem ao Filme “A procura da Felicidade”.
Durante a oficina percebi um ótimo retorno por parte dos alunos, pois as
professoras haviam me informado, momentos antes, que normalmente em dias de
filmes eles iam embora ou saiam após o intervalo. Mas nesse dia em especial,
resolveram ficar e grande parte da turma permaneceu até o final do filme, que terminou
às 22h. Levando-se em conta que os alunos da escola são liberados as 21h30mim, a
permanência deles 30 minutos depois do habitual, representava, de algum modo, que
se sentiram envolvidos com a atividade.
Na aula seguinte ao filme separei algumas cenas para recordarmos momentos
marcantes e refletirmos sobre o assunto. Durante essa reflexão fui escrevendo no
quadro os sentimentos que aquelas cenas nos despertavam. Muitos alunos salientavam
o caráter triste do filme, como se a vida real fosse um pouco menos dura. Outros
relembraram que assisti-lo os fez chorar e recordar situações semelhantes que
aconteceram com eles em outras épocas.
Figura 13 - Releitura e resgate do filme “A procura da Felicidade” por meio
de suas imagens mais marcantes.
110
Nesse momento também trabalhamos filosoficamente o oposto da felicidade que
seria a dor, a tristeza, o fracasso e tantos outros sentimentos desagradáveis. Assim,
fomos percebendo que pensar a Felicidade incluía muitas vezes refletir sobre seu
oposto.
Figura 14 - Disposição das imagens do filme no quadro (abaixo das imagens estão escritas
as palavras que para os alunos melhor definem a cena).
Depois de dialogarmos sobre os assuntos acima e transcrever essas palavras
no quadro como de costume, pedi aos alunos que escolhessem três delas que melhor
representassem os sentimentos que vivenciaram naquela experiência cinematográfica.
Posteriormente lemos algumas notícias de jornais daquela data que ilustravam algumas
das cenas do filme que afetavam diretamente nossa busca pela Felicidade, tais como:
o aumento do desemprego e da pobreza no Brasil, o aumento no preço dos alimentos,
dentre outros.
Refletimos sobre as reportagens e incumbimo-nos de pesquisar e trazer, para o
próximo encontro, reportagens que falassem sobre o contrário, ou seja, sobre fatos que
nos ajudassem a conquistar a felicidade ou que expressassem boas ações.
4. 2. 5. Quinta Oficina: “A felicidade consiste em fazer o bem”
“Felicidade é atividade.’’
Aristóteles
Para essa oficina foi solicitado aos alunos que trouxessem para aula reportagens
de jornais que tratassem sobre a prática do bem. Cada reportagem foi lida coletivamente
pela turma e posteriormente expostas no quadro. Em seguida com o auxílio da turma
111
foi montado um “varal do bem” no qual as notícias foram expostas. Essa atividade foi
pensada como forma introdutória aos pensamentos aristotélicos sobre felicidade.
Figura 15 - “Varal do Bem” - Motivação introdutória ao pensamento
Aristotélico sobre a felicidade.
Na ocasião expliquei aos alunos quem foi Aristóteles, em qual contexto social
ele viveu e o que pensava a respeito da conquista da felicidade. Posteriormente, por
meio de frases nas quais Aristóteles trata o assunto, introduzi exercícios de reflexão e
alfabetização. Assim, a cada frase introduzida uma nova discussão era iniciada visando
iniciar os alunos em uma perspectiva filosófica do pensar.
Em seguida trabalhei com o grupo as palavras contidas nos pensamentos
aristotélicos, com destaque especial para a palavra virtude, e exploramos seus
significados filosóficos e sociais. Destaco que grande parte dos alunos não sabia o que
significava essa palavra. Os que arriscaram algum conceito atrelaram-no ao caráter
religioso. Contudo, após discutirmos e focarmos a virtude em Aristóteles, eles foram
percebendo que, para esse filósofo, a felicidade está estreitamente ligada à prática de
boas ações.
112
Figura 16 - Construção do Varal do Bem.
4. 2. 6. Sexta oficina: “A felicidade e o Consumo Material”
“A marca da cultura de consumo é a redução do ‘ser’ para ‘ter’.”
John Piper
Para trabalhar o consumo material e a conquista da felicidade utilizei como
motivação imagens vinculadas ao consumismo e seu extremo: a pobreza. Foram
criadas fichas contendo duas imagens e uma palavra expressando a cena. Durante a
atividade cada aluno retirou aleatoriamente uma ficha do quadro, devendo ler a palavra
em destaque e refletir sobre a imagem nela contida, sem que os outros alunos a vissem.
Figura 17 - Aluno participando de atividade sobre o consumismo.
113
Posteriormente o discente era convidado a falar sobre sua imagem e ler a
palavra destacada, no entanto, para dificultar o grau da atividade e torná-la mais
dinâmica, no momento de sua explanação, o aluno deveria trocar sua ficha com outro e
assim sucessivamente até que todas as imagens fossem analisadas e as palavras lidas.
As fichas foram expostas no quadro de maneira a promover reflexões coletivas sobre
as temáticas abordadas por elas. Tentei apresentar imagens fortes, com o intuito de
promover indignações e diálogos sobre a realidade social ao mesmo tempo em que
trabalhávamos dinamicamente as palavras contidas nelas.
Figura 18 – Alunos lendo fichas sobre consumismo e analisando as figuras.
Figura 19 - Disposição das fichas no quadro após dinâmica.
Em seguida, nosso foco de análise deteve-se em figuras e vídeos que
apresentavam como a felicidade é explorada na mídia. Propositalmente as imagens
remetiam à questão do consumo e da indústria cultural, numa perspectiva adorniana. A
114
ideia principal era levar aqueles alunos a repensarem muitas das posturas assumidas
frente à questão da felicidade e do quanto nossas percepções sobre a mesma acabam
sendo moldadas pelo consumismo e a grande mídia.
Nesse momento conversamos um pouco sobre como Theodor Adorno tratava
esse assunto. Foram apresentadas aos alunos, por exemplo, imagens de propagandas
de produtos famosos em um contexto de harmonia e felicidade. Nessa atividade os
discentes tiveram que explicar cada gravura refletindo sobre o assunto. No fim cada
aluno escolheu um título para as propagandas construindo frases no quadro com a ajuda
da classe.
4. 2. 7. O encontro entre teoria e prática escolar: algumas considerações
“A tarefa essencial do professor é despertar a alegria de trabalhar e de conhecer”.
Albert Einstein
O diálogo entre teoria e prática, nessa pesquisa em especial, possibilitou, se não
a resposta a todas as indagações iniciais, reflexões sobre a prática pedagógica e
filosófica assumida para com essa turma específica. Como já esperado, continuo
querendo encontrar respostas que permitam assegurar com total convicção que a
Filosofia pode ser inserida em turmas de alfabetização em EJA, sem nenhum prejuízo
aparente. Contudo, creio que antes de tal afirmação seja necessário produzir novas
indagações sobre a problemática, embora, creio que ponderações sobre minhas
impressões a respeito dessa inserção sejam relevantes, afinal constituem o que de mais
concreto tenho para partilhar, uma vez que esse estudo aparece como novidade no
campo da EJA.
Dentre as principais observações, cabe ressaltar, o visível aumento da
participação dos alunos mais tímidos durante as atividades propostas. Percebi que
alunos que permaneciam quietos em sala, em aulas anteriores as das oficinas,
passaram a participar ativamente dos momentos filosóficos, fazendo colocações e
perguntas. Era comum que eu levasse aos alunos pensamentos e frases de filósofos
para refletirmos antes do início das oficinas. Nos dias, entretanto, em que planejava
começar a aula por outra motivação, os alunos cobravam-me a leitura das frases, alguns
até solicitavam que as escrevesse em seus cadernos para mostrar aos familiares e
amigos. Não foram raras às vezes em que as oficinas acabaram começando cerca de
115
cinco a dez minutos depois do horário previsto porque ficava pesquisando frases para
um dos alunos que sempre me solicitava que copiasse uma frase filosófica em seu
caderno.
Outro fato observado diz respeito as constantes narrativas de dor e sofrimento
dos alunos, durante nossos debates sobre felicidade, alguns discursos eram tão
fortemente carregados de envolvimento emotivo que se fazia impossível interromper o
aluno, por mais que o pronunciamento fosse longo. Enunciados sobre as dificuldades
em cuidar dos filhos, da vida dura de um analfabeto, da rotina de trabalho cansativa,
dos obstáculos em aprender a ler e escrever, da morte do companheiro, dentre outros,
traziam à tona as especificidades do aluno da EJA.
Nesse contexto as reflexões acerca de ser ou não feliz eram marcadas por
envolvimento pessoal. E de algum modo eu já esperava esse tipo de comportamento
por parte dos alunos quando resolvi trabalhar justamente a felicidade. Tratar um
conceito como esse em uma turma com predominância de idosos, repletos da vontade
de aprender a ler e escrever, “atravessados” por marcas sociais e preconceito, estigmas
de derrota, problemáticas pessoais, e outros aspectos, já nos mostra o peso dessa
palavra, que de forma clara foi sentida pelos discentes.
Tanto eu quanto a docente da classe percebíamos um “novo ambiente” em sala
quando as oficinas ocorriam, tanto que ela mesma, várias vezes, me relatou o quanto
estavam sendo proveitosos aqueles “momentos do pensar”, que os alunos os acolhiam
de forma muito positiva porque fugiam da rotina escolar e instigavam-nos a pensar.
Apesar de não estar entre os focos principais da pesquisa alfabetizar por meio
da Filosofia, mas sim inseri-la em um ambiente alfabetizador da EJA, me preocupei em
levar aos alunos experiências filosóficas que tivessem articulação com o processo de
alfabetização e letramento, para tanto, dedicava um tempo importante ao planejamento
das atividades didático- pedagógicas próprias para aquela turma, formuladas de acordo
com o perfil da classe como respostas aos questionamentos provocados a cada nova
oficina. O desafio era grande, pois precisava trazer algo novo e diferente a cada aula,
ou seja, introduzir um pensamento filosófico por meio de uma metodologia capaz de
atraí-los e ao mesmo tempo não tirar o foco da alfabetização.
Contudo, a resposta dos alunos e da regente da classe apresentou mais pontos
positivos que negativos, e creio que em nenhum momento tenha atrasado ou
prejudicado o processo de alfabetização daqueles sujeitos, pois como dito, agi no intuito
116
de despertar o que cada área, alfabetização e Filosofia, poderia melhor ofertar àqueles
sujeitos. Compreendo que refletir práticas educativas e metodologias de ensino é
também filosofar e ao mesmo tempo descobrir formas expressivas de ensinar alguém a
despertar seu potencial para o criar e o agir.
Essa potencialidade para pensá-lo levou-me a indagar sobre possíveis maneiras
de concretizar os pensamentos e diálogos desencadeados durante as oficinas. Nelas
conversávamos constantemente sobre algo que pudesse representar tudo o que
havíamos discutido. De alguma forma queria que essa concretização estivesse
materializada na proposta de material didático desse estudo. Optei assim, por registrar
esses pensamentos por gravuras. Na ocasião o artista plástico Carlos Eduardo Franca,
morador de Angra dos Reis, auxiliou-nos nessa tarefa de registros produzindo imagens
que representavam as temáticas das oficinas e as discussões promovidas nos
encontros. Essas imagens fazem parte do material em anexo e nasceram com o objetivo
de promover reflexões filosóficas antes mesmo que o educador comece a ler o
planejamento da oficina.
117
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Falar em considerações finais nessa pesquisa não é algo propício, ao menos
nesse momento. Temos a mais profunda convicção que muito ainda precisa ser
discutido e proposto no que diz respeito à inserção da Filosofia nas classes de
alfabetização da modalidade EJA, da mesma maneira que se torna preciso pensar a
alfabetização como um todo. E, nesse caminho, é necessário entender tal proposta de
estudo como uma problemática filosófica, além de educacional, para buscar soluções
que visem uma alfabetização mais crítica e dialógica.
Os desafios enfrentados para chegar até esse último capítulo foram inúmeros: o
primeiro e maior veio logo de início e centrou-se na difícil tarefa de definir como atrelar
alfabetização e Filosofia, depois em estabelecer um diálogo coerente com os autores
escolhidos, em definir objetivos, pensar a metodologia mais apropriada, e tantos outros
aspectos. Foram tantas dúvidas... Incertezas que constantemente colocaram em xeque
a possibilidade de terminá-lo. No fim, as últimas páginas dessa dissertação são
carregadas da certeza de que as incertezas que nos tomaram em seu início são ainda
maiores.
Contudo foram as inserções no campo de estudo, analisando o cotidiano e a
introdução do novo no ambiente escolar, que nos permitiu acreditar no potencial dessa
pesquisa, possibilitando um envolvimento verdadeiro com a proposta aqui exposta e um
olhar sobre a EJA permeado por possibilidades filosóficas. O campo nos deu a “energia”
que faltava para falar com propriedade sobre a realidade da Educação de Jovens e
Adultos e mostrar ao leitor uma experiência concreta de aplicação desse estudo. Não
que essa imersão tenha sido capaz de responder todas as nossas dúvidas ou de trazer
uma resposta final à temática, mas revelou-se como um ponto para análise relevante.
Bourdieu (1989 apud GOLDENBERG, 2000, p. 35) já nos explicava em O poder
simbólico sobre a importância da “interrogação sistemática de um caso particular” para
retirar dele as propriedades relevantes ou inaplicáveis, “ocultas debaixo das aparências
de singularidade.” No sentido de que o raciocínio analítico nos possibilita imergir no
particular do caso analisado e fazer uso da generalização sem nos deixar tomar por
completo, graças à forma “particular de pensar o caso particular que consiste em pensálo verdadeiramente como tal”. “Este modo de pensamento realiza-se de maneira
perfeitamente lógica pelo recurso ao método comparativo, que permite pensar
118
relacionalmente um caso particular constituído em caso particular possível”.
(BOURDIEU, 1989, p. 32-33 apud GOLDENBERG, 2000, p. 35).
Foi a prática que nos possibilitou a reflexão precisa para tratar essa temática. A
apatia provocada pelo aporte puramente teórico só foi quebrada quando fizemos uso
desses conhecimentos no cotidiano da sala de aula, quando nos possibilitamos
vivenciar a EJA e oferecer-lhes parte do que vínhamos estudando. Nesse contato inicial
percebemos que muitos dos sujeitos da EJA estão ali buscando novas oportunidades
de inserção no mercado de trabalho, outros tentando realizar o sonho adiado, por razões
diversas, de aprender a ler e escrever. São muitas histórias de vida que se compartilham
e assemelham, todas embebidas pela esperança de pela educação preencher algo que
os falta.
Foi no campo que percebemos também que o aluno da EJA buscar seu lugar,
quer falar sobre seus sonhos, suas lutas, quer ter voz. Eles se sentem agradecidos em
ter alguém que possa escutá-los sem interrupções. Também gostam de participar das
aulas, estão sempre atentos ao docente, exalam a “vontade de aprender.” Nesse
cenário a Filosofia foi muito bem recebida. E arriscamo-nos a dizer que timidamente
encontrou seu espaço num emaranhado de desconfianças. “Quem é essa professora
nova?” “O que é essa Filosofia?” “Eu só conheço o Aristóteles da igreja”. Desconfianças
que com o tempo foram transformando-se em novas formas de pensar. “Aristóteles era
um homem avançado para seu tempo” “Professora escreve essa frase do tal Epicuro
que eu quero levar pra minha filha ler”, “Esse filósofo pensa diferente do outro”.
Com o passar dos dias eram os próprios alunos quem pediam que trouxéssemos
frases filosóficas, e indagavam-me quando por algum imprevisto não comparecia no dia
de costume. Com o tempo as oficinas tornaram-se mais dinâmicas, os mais quietos
começaram a participar e a Filosofia foi se fazendo filosofar num ambiente de
aprendizado da leitura e escrita.
Falar sobre felicidade nesse ambiente mostrou-se extremamente propício aos
nossos olhos. Quantas palavras foram apresentadas por meio de discussões
envolvendo a temática, quantos assuntos atuais analisados... Em oito encontros
discutimos sobre trabalho, família, tristeza, vida, morte, amor, virtude, consumo e tantas
outras temáticas derivadas da felicidade.
A todo instante também foi possível recordar a vida, relembrar etapas difíceis,
reviver emoções e momentos especiais. Como esperava, refletir a possibilidade de ser
119
feliz com alunos tão tomados por singularidades como os da EJA, efetivamente,
provocou uma fuga ao habitual. No primeiro momento os discentes mostraram-se
resistentes a temática. Alguns chegaram a dizer que nunca foram felizes, mas um
percentual expressivo, para minha surpresa, transportaram para suas famílias a
conquista da felicidade verdadeira. Dessa maneira, aos poucos o envolvimento dos
alunos com o tema tornou-se mais sólido. Era possível perceber que refletiam mais
sobre a possibilidade de ser ou não feliz. Diante de uma situação problema, apresentada
à turma, eles buscavam soluções dialogando com suas próprias vidas e relatando
reações próprias, praticadas outrora. No fim falar sobre felicidade resultou em falar de
si mesmo, em conhecer-se melhor, em refletir sobre a existência humana. Os alunos
foram percebendo novas perspectivas, observando que assim como eles os filósofos
tinham visões distintas sobre a verdadeira felicidade, e conquistando autonomia para
pensar criticamente.
Tornou-se possível fazermos ligações entre nossos pensamentos, a Filosofia e
a alfabetização. Se um assunto era introduzido, logo o pensamento de um filósofo sobre
o tema era apresentado e em seguida os vocábulos utilizados na discussão trabalhados
com a turma. Nesse sentido, ouso dizer que vi analfabetos filosofarem enquanto
aprendiam a escrever. O teor desse filosofar não entra em discussão nesse momento,
muito menos se as postulações apresentadas eram totalmente pertinentes ao assunto;
fato é que durante o processo de aprendizagem da leitura e escrita esses alunos
refletiram sobre o que estavam escrevendo e paravam para pensar o que tudo aquilo
significava.
Outro aspecto de relevância inquestionável nessa empreitada filosófica diz
respeito a questão religiosa vivenciada com a turma. Cerca de 80% dos alunos eram
evangélicos. E essa prática refletia fortemente em suas falas e ações. Uma
característica sem dúvida marcante na classe.
Os alunos constantemente defendiam sua religião de forma extrema, chegando
muitas vezes a discutir com aqueles que não comungavam do mesmo pensamento, o
que acabava sendo concretizado nas discussões em sala. A docente da turma também
costumava compartilhar com a classe pensamentos cristãos, o que em alguma medida
conduzia grande parte das reflexões para o cunho religioso. Essa realidade foi percebida
e vivenciada durante as oficinas.
Ao perguntar-lhes palavras que sintetizavam felicidade a palavra “DEUS” foi
citada quatro vezes entre os doze alunos da classe. Muitos inclusive acrescentavam
120
que na igreja descobriram a felicidade. Em outra etapa, ao trabalhar o pensamento
aristotélico com eles veio à tona uma reflexão sobre a virtude. Ao questioná-los sobre o
que entendiam por virtude todas as respostas foram de cunho religioso, como por
exemplo, a “virtude é estar no caminho de Deus”, “Deus é virtuoso”, dentre outras.
Também para muitos, só Deus poderia proporcionar a felicidade, cabendo ao homem
ser obediente e aceitar suas vontades.
Fui notando que parte considerável dos alunos, incluindo os não evangélicos,
demonstravam certo conformismo com a infelicidade, acreditando ser a vontade de
Deus uma vida de labuta e sofrimento, algo pelo qual deveriam passar por serem
pecadores. Nesse cenário, tenho que confessar, não foi nada fácil apresentar novas
perspectivas sobre felicidade que não se restringissem a Deus. No entanto, era preciso
promover novas reflexões sem, no entanto, desrespeitar os conhecimentos prévios dos
discentes.
Isso nos evidencia o quanto a religião se faz presente nos espaços escolares,
ainda mais quando estamos diante de colocações de cunho filosófico. Portanto,
tornando-se relevante ao educador saber lidar com postulações dessa natureza sem
desprezar essas considerações, visto que o aluno da EJA facilmente magoa-se
abandonando o curso até mesmo por sentir-se contrariado – uma situação relatada pela
própria professora da classe – mas também permitindo a eles novas perspectivas de
pensamento que não fiquem restritas ao religioso. Essa não é uma atitude fácil. Muitos
estão há anos na igreja, “fechados à um universo do pensar não cristão”, no entanto, o
educar perpassa pela multiplicidade de saberes, de possibilidades e de escolhas. O
professor precisa reconhecer que o aluno não aprende apenas na escola. Faz parte de
sua formação a igreja, a família, a comunidade e tantos outros grupos sociais com os
quais se relaciona. Promover atos do pensar respeitosos e criativos é obrigação do
educador. Dessa obrigação também faz parte a promoção de novas vivências, ainda
que a mesma não lhe pareça algo relevante.
Durante as oficinas utilizei a sala de vídeo da escola por duas vezes, isso
despertou nos alunos uma satisfação perceptível, visto que muitos nunca haviam
entrado naquele espaço. Apesar de a escola possuir equipamento de áudio e vídeo,
assistir um filme era sair da “rotina”. Um fato que me parece um déjà vu. Algo que
infelizmente se mantem ao longo dos anos. Tornou-se natural uma escola ter
computadores, mas os alunos não poderem acessar. Ter televisão, porém não serem
exibidos filmes ou qualquer outra atração. Ter internet e nenhum discente poder utilizar,
121
e tantas outras coisas que fazem cada vez mais do aluno da EJA um sujeito sem
qualquer recurso de aprendizagem, fora o livro didático e a lousa.
Lamentável é perceber que posturas como essas estão longe de serem
derrubadas. Muitas vezes porque a própria escola impõe limites às novas formas de
produção do conhecimento, postura que se estende aos seus funcionários.
No caso da oficina do filme, por exemplo, planejei levar pipoca aos alunos. Para
isso solicitei às cozinheiras da escola autorização para utilizar a cozinha na preparação,
assim economizaria visto que gastaria apenas um pacote de milho, no entanto, não
obtive permissão pelo horário do filme ser próximo ao de preparo da merenda. Resolvi
então, a um custo relativamente maior, comprar pipoca de micro-ondas e fazê-las na
sala dos professores e, infelizmente, tive que escutar comentários de docentes de outras
classes de que eu estava deixando um cheiro insuportável na sala e de que estava
“maluca” em comprar pipoca “cara” para alunos. No entanto, a pipoca deu aquele
momento um sabor todo especial. Muitos nunca haviam ido ao cinema e puderam
experimentar aquela sensação, gostaram tanto que propuseram que assistíssemos
outros filmes. As professoras da classe também ficaram satisfeitas com a atividade.
Elogiaram o projeto e a todo instante mostraram-se empenhadas em fazer com que tudo
desse certo.
Poder contar com o apoio das docentes durante as oficinas foi algo de extrema
importância no desenvolvimento desse estudo. Penso que todo educador não pode
fechar-se ao que lhe é mais confortável. O valor social de um filme na formação dos
alunos é inquestionável. Se não der para ter pipoca, então que seja sem. Mas que não
deixe de ser. São momentos como esses, simples, mas ao mesmo tempo
enriquecedores que conseguem significar o ensino, unir a turma e atribuir prazer ao
aprendizado.
Não estou dizendo que todas as aulas devam ter filmes, apenas que ignorar esse
recurso o ano todo é, de algum modo, um desrespeito com instituições que desejariam
tê-los e não os tem. Com os alunos que gostariam de utilizá-los e não utilizam. Com si
mesmo, que no fundo sabe a relevância dessa prática, mas não aplica pelo relativo
trabalho que possa vir a ter. Já passou o momento de alterar posturas, quebrar
paradigmas e instaurar o novo, tal qual o ato de filosofar.
Em se tratando de EJA, está mais do que na hora de reservar um espaço nas
discussões filosóficas para pensar novas formas de articular Filosofia e Educação de
122
Jovens e Adultos, Filosofia e Educação Popular, Filosofia e trabalhadores e, acima de
tudo, Filosofia e gente. Pessoas como eu, como você, que pensam em ter uma vida
melhor, batalham por oportunidades e que retornam à escola porque, por algum motivo,
acreditam na educação.
Em geral, o estudo de caso mostrou-nos que não estávamos “errados” quando
nos propusemos a retirar o filosofar do seu lugar de destaque, introduzindo-o no
ambiente menos improvável. Ele nos ajudou a entender os “motivos” dessa empreitada,
as possibilidades e principalmente os desafios, que não são poucos. E mais importante
ainda, nos auxiliou na formulação de questionamentos e perspectivas futuras. “Um
estudo de caso nunca está completo, sendo sempre possível acrescentar-lhe mais
qualquer coisa”. (PONTE, 2006, p.7 apud THEES, 2012, 169).
Quem melhor para falar sobre felicidade do que adultos e idosos. Nessa vida já
desfrutaram momentos de alegria e tristeza, reviveram e revivem passados
cotidianamente e tudo o que podem falar numa aula de felicidade é: FA, FE, FI, FO, FU.
Se quisermos dar sentido à vida de jovens e adultos que retornam à escola, comecemos
pelas nossas aulas. Se quisermos ensinar a escrever felicidade, comecemos admitindo
que esse seja um conceito que abrange muito mais que um giz e um quadro em branco.
Comecemos admitindo que essa palavra não poderá passar por desapercebido em uma
aula, afinal passamos nossa vida inteira à sua busca.
Da mesma maneira as reflexões acerca da felicidade não se encerram por aqui.
As contribuições de Theodor Adorno, Freud, Paulo Freire, dentre outros, são apenas o
começo de uma série de colocações que devemos nos fazer a respeito dessa conquista.
“Seremos felizes nessa vida” “A felicidade existe”, são indagações inerentes a existência
humana portanto, não se pretendem acabadas, mas enriquecidas pelo pensar contínuo.
No fundo, se lutamos por uma educação de fato emancipadora, há que se levar
em conta a felicidade do pensar. Somente embebidos pela certeza das possibilidades
de refletir sobre si e sobre a vida poderemos conceber a felicidade enquanto realidade.
Assim, a educação poderá colocar-se como possibilidade permanente: de realizar
sonhos, instaurar perspectivas, descobrir o novo, promover o pensamento e permitir a
felicidade.
Em se tratando de EJA, está mais do que na hora de reservar um espaço nas
discussões filosóficas para pensar novas formas de articular Filosofia e Educação de
Jovens e Adultos, Filosofia e Educação Popular, Filosofia e trabalhadores e, acima de
123
tudo, Filosofia e gente. Pessoas como eu, como você, que pensam em ter uma vida
melhor, batalham por oportunidades e que retornam à escola porque, por algum motivo,
acreditam na educação.
Fingir a não existência do analfabetismo representa um completo descaso com
a população mais humilde, que necessita da escolarização para ter acesso à
profissionalização, à cultura escrita e aos seus benefícios. É sinal de um
descompromisso do poder público com uma dívida social de anos, que não merece ser
tratada com a hipocrisia de quem não acredita na capacidade das classes populares.
Estamos diante de uma proposta de trabalho inacabada, com muitas arrestas
que somente a prática e a imersão na temática serão capazes de aparar. Obviamente
as soluções aqui apresentadas são passíveis de críticas e reformulações, que
entendemos como perfeitamente saudável ao desenvolvimento dessa pesquisa, o
importante é que a “semente” da possibilidade de um analfabeto filosofar não “morra”.
Pelo contrário, entendemos a Filosofia como uma “porta aberta” ao pensar, a descoberta
e a vida. Afinal, o desabrochar para o conhecimento, o pensamento em ação, somente
é alcançado quando estamos dispostos ao novo e, nesse sentido, levar Filosofia ao
alfabetizando é romper paradigmas e instaurar novos olhares sobre o processo de
alfabetização de jovens e adultos.
Nesse sentido, creio que essa pesquisa, além de colocar a inserção da Filosofia
na alfabetização de jovens e adultos em pauta, abre margens para futuros
questionamentos sobre a própria natureza da introdução dessa perspectiva filosófica no
âmbito das séries iniciais da EJA. Se como uma disciplina obrigatória, ou como uma
área do saber que norteia outras com o intuito de fortalecer o viés reflexivo e criativo
das mesmas. Ou seja, nos espaços de alfabetização da EJA devemos nos valer da
Filosofia como disciplina ou como estratégia de pensamento crítico-reflexivo?
Disciplina ou estratégia pedagógica o importante é partir do pressuposto de que
o momento do filosofar não poderá constituir-se em um “evento”. Um acontecimento
programado com dia e hora certos para acontecer. O pensar deve constituir-se em algo
contínuo. Não é um instante. É uma relação com o saber, um processo de crescimento,
aprendizagem e autonomia crítica. Portanto, não admite pormenores, pode ser
planejado sim, mas não deverá ser programado como algo fora do habitual. Essas são
questões que pela própria complexidade da Educação de Jovens e Adultos e da
Filosofia não se cessão por agora, mas que necessitarão de destaque em futuros
desdobramentos desse estudo.
124
Portanto, nem os objetivos e muito menos a metodologia aqui traçada são
definitivos. Estamos dispostos a pensar juntos, refletir sobre nossos pequenos passos
para nos lançar em voos panorâmicos. Afinal, desde o começo dessa pesquisa nunca
foi nossa intenção acreditar que nosso trabalho seria concluído aqui, porém era preciso
derrubar os primeiros obstáculos, mesmo sabendo que a estrada seria longa.
Um novo caminho para a EJA é colocado nesse estudo. A Filosofia é “um
caminho” e não “o caminho”. Mas poderá transformar-se numa importante forma de
materializar nas salas de aula o discurso de grandes pensadores como Paulo Freire,
criticado por valer-se justamente do filosofar em suas considerações. A Filosofia é “uma
perspectiva” e não “a perspectiva”. Ela se traduz em uma das “possíveis” formas de
enxergar o mundo e pensar sobre si de forma crítica, não é a “única” – e nem está entre
suas pretensões querer tal proeza. Por fim, a Filosofia é “uma alternativa” e não “a
alternativa”. Sobretudo é a solução encontrada pelos educadores que acreditam em
seus alunos, na capacidade que eles possuem de refletir, ainda que no começo de sua
trajetória acadêmica. Portanto, negar ao analfabeto a possibilidade de dialogar consigo
mesmo, de pensar o mundo a sua volta, de conhecer o pensamento de grandes
filósofos, de compartilhar experiências e, sobretudo, refletir é no mínimo incoerente com
o próprio discurso da EJA, e mais, é incompatível com a própria missão de um educador.
125
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132
APÊNDICE A: Planejamento das oficinas filosóficas
PROJETO APRENDENDO A ESCREVER, ENSINANDO A FILOSOFAR
OFICINA FILOSOFICA N° 1
TEMA DA OFICINA: “Felicidade foi-se embora”
OBJETIVO GERAL: Refletir o conceito filosófico felicidade percebendo-o como temática
norteadora do processo alfabetizador
Objetivos específicos:



Escutar e interpretar a canção “Felicidade foi-se embora” numa perspectiva filosófica;
Pensar as possibilidades de conquista da felicidade;
Explorar o universo vocabular oriundo das reflexões sobre felicidade apresentando as
grafias e fonemas das palavras surgidas nas reflexões.
PERGUNTA NORTEADORA: Conquistar a felicidade é possível?
TEMPO ESTIMADO PARA A OFICINA: Uma aula (duração de Três a quatro horas)
MOTIVAÇÃO / SUGESTÃO: Música “Felicidade foi-se embora” de Lupicínio Rodrigues
DESENVOLVIMENTO:
1° Momento: Como primeira discussão acerca do conceito felicidade orienta-se o docente a
utilizar uma atividade motivadora como introdução da oficina. Sugerimos a música “Felicidade
foi-se embora”.
Em seguida é importante elencar com a turma algumas concepções sobre felicidade. Para
isso, pergunte, por exemplo: se eles acreditam ser possível conquistar a felicidade? O que é
Felicidade? Se são felizes, etc.
2° Momento: Após essa etapa o professor poderá conversar com os alunos sobre alguns
filósofos que possuíam perspectivas de felicidade relacionadas às definidas por eles.
Para tanto, torna-se importante explicar o que é ser um filósofo e do que trata a Filosofia,
esclarecer que a conquista da felicidade sempre esteve presente na Filosofia desde a
Antiguidade e que refletir sobre questões como essas são importantes para sua formação.
3°Momento: Em seguida transcreva no quadro as palavras surgidas na discussão sobre
felicidade trabalhando com a turma suas grafias e fonemas. Explore sílabas desconhecidas
apresentando outras palavras com sons parecidos. Obviamente o aluno não aprenderá todas
as palavras numa aula, mas isso não impede o docente de apresentá-las à turma e em seguida
ir trabalhando cada uma delas separadamente. Nessa aula, por exemplo, foque na leitura e
escrita da palavra FELICIDADE, evidenciando que dela pode-se escrever CIDADE, IDADE e
FELIZ.
133
PROJETO APRENDENDO A ESCREVER, ENSINANDO A FILOSOFAR
OFICINA FILOSOFICA N° 2
TEMA DA OFICINA: Tristeza não tem fim, Felicidade sim.
OBJETIVO GERAL: Refletir sobre os conceitos Tristeza x Felicidade reconhecendo palavras
que possuam o encontro consonantal “TR” e terminações em “EZA”.
Objetivos específicos:



Refletir o conceito da Tristeza versus Felicidade;
Elencar outras palavras que possuam o encontro consonantal “TR” e terminações em
“EZA”;
Explorar o universo vocabular oriundo das reflexões sobre felicidade, da oficina
anterior, por meio de um bingo.
PERGUNTA NORTEADORA: Somos mais tristes do que felizes?
TEMPO ESTIMADO PARA A OFICINA: Uma aula (duração de Três a quatro horas)
OBS: Reserve os dois primeiros tempos da aula para alcançar os primeiros objetivos e o
último tempo para realização do bingo.
MOTIVAÇÃO / SUGESTÃO: Poesia Felicidade de Vinícius de Moraes
DESENVOLVIMENTO:
1° Momento: Orientamos o docente a iniciar essa aula com uma poesia que trate da temática
felicidade. Para tanto, sugerimos que seja entregue uma folha com a poesia transcrita para os
alunos, isso ajudara-los a localizar algumas das palavras trabalhadas na oficina anterior.
Leia a poesia pausadamente, se possível mais de uma vez, em seguida promova com a turma
uma discussão que traga os conceitos filosóficos Tristeza e Felicidade.
“2° Momento: Elenque com a turma palavras que se iniciem ou possuam o encontro
consonantal “TR” e terminações em “EZA” e “ESA” (se possível trabalhe essa diferença por
meio de palavras do cotidiano dos alunos) escreva-as no quadro e trabalhe a leitura e escrita
de cada uma delas.
3° Momento: O segundo momento da oficina será uma retomada das palavras trabalhadas
na oficina anterior. Para tanto, sugerimos um bingo de palavras onde os alunos deverão
localizar na cartela a palavra lida pelo colega de classe.
134
PROJETO APRENDENDO A ESCREVER, ENSINANDO A FILOSOFAR
OFICINA FILOSOFICA N° 3
TEMA DA OFICINA: A Felicidade na vida real
OBJETIVO GERAL: Pensar sobre como nossas ações diárias podem influenciar a forma com
que nos aproximamos ou nos distanciamos da Felicidade
Objetivos específicos:



Dialogar sobre ações do dia-a-dia que nos auxiliam na busca pela felicidade;
Identificar nos curtas assistidos ações semelhantes as do nosso cotidiano;
Reconhecer a escrita dos temas tratados nos curtas explorando a leitura das palavras
temáticas.
PERGUNTA NORTEADORA: Nossas ações podem nos distanciar da conquista da
Felicidade?
TEMPO ESTIMADO PARA A OFICINA: Uma aula (duração de Três a quatro horas)
MOTIVAÇÃO / SUGESTÃO: Apresentações de curtas com assuntos variados: convivência,
amor, amizade, família, obsessão, etc.
DESENVOLVIMENTO:
1° Momento: Inicie a oficina sem mencionar aos alunos os assuntos tratados nos curtas, pelo
contrário, deixe que eles, após a exibição, relatem os assuntos abordados pelos filmes.
2° Momento: Após o término da exibição dos filmes promova um debate com os alunos
sobre como nossas ações diárias podem nos aproximar ou afastar da felicidade
3° Momento: Nessa etapa sugerimos a realização de uma atividade que promova a
interpretação dos curtas com foco na alfabetização. O professor, por exemplo, poderá escolher
cenas dos filmes e explorar a escrita e leitura da palavra que melhor define aquela imagem,
ou trabalhar a escrita dos temas tratados nos curtas.
SUGESTÕES DE CURTAS:
Convivência For The Birds: https://www.youtubr.com/watch?=BQTJgwq7gPQ
O monge e o cão: https://www.youtube.com/watch?v=NBXFP2fdjKA
O último trico: https://www.youtube.com/watch?v=xL50-Vlfcu0
Quero envelhecer com você: https://www.youtube.com/watch?v=C5Qha 2K-ux8
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PROJETO APRENDENDO A ESCREVER, ENSINANDO A FILOSOFAR
OFICINA FILOSOFICA N° 4
TEMA DA OFICINA: Em busca da Felicidade
OBJETIVO GERAL: Dialogar sobre as cenas do filme “A procura da Felicidade” e as
perspectivas de felicidades trabalhadas com a turma até então.
Objetivos específicos:




Refletir sobre a mensagem passada no filme;
Realizar um diálogo sobre o filme assistido, atrelando essa discussão ao
questionamento sobre a possibilidade de conquista da felicidade;
Promover um momento de releitura e resgate do filme por meio de suas imagens mais
marcantes (encontro seguinte);
Utilizar palavras trabalhadas em outras oficinas para formar frases com mensagens
passadas pelo filme (encontro seguinte).
PERGUNTA NORTEADORA: O esforço leva à felicidade?
TEMPO ESTIMADO PARA A OFICINA: Duas aulas (Com duração de Três a quatro horas
cada)
MOTIVAÇÃO / SUGESTÃO: Filmes: “A procura da Felicidade” e/ ou “Hector a procura da
felicidade”
DESENVOLVIMENTO:
1° Momento: Para motivar uma reflexão mais aprofundada sobre a conquista da Felicidade
sugerimos a exibição de um filme que trate questões cotidianas de busca pela felicidade.
2° Momento: Após a exibição do filme sugerimos a promoção de um diálogo com os alunos
sobre os assuntos tratados no filme, para tanto o docente pode separar algumas imagens com
as cenas mais marcantes e junto com os alunos escrever no quadro as mensagens
transmitidas pelo filme que se relacionam ao que já foi trabalhado sobre felicidade.
3°Momento: Nesse ponto também é possível tratar filosoficamente o oposto da Felicidade
que seria a dor, a tristeza, o fracasso e tantos outros sentimentos desagradáveis, mostrando
aos alunos que quando falamos de felicidade necessariamente falamos de seus antagonismos
136
PROJETO APRENDENDO A ESCREVER, ENSINANDO A FILOSOFAR
OFICINA FILOSOFICA N° 5
TEMA DA OFICINA: A Felicidade consiste em fazer o bem.
OBJETIVO GERAL: Refletir sobre a prática do bem e sua relação com a conquista da
Felicidade.
Objetivos específicos:
 Refletir sobre reportagens com temáticas do bem;
 Construir um varal do bem com as reportagens lidas sobre prática de boas ações;
 Dialogar sobre os pensamentos de Aristóteles acerca da Felicidade;
 Promover um debate sobre a prática do bem e a Felicidade.
PERGUNTA NORTEADORA: A virtude pode levar à conquista da felicidade?
TEMPO ESTIMADO PARA A OFICINA: Uma aula (duração de Três a quatro horas)
MOTIVAÇÃO / SUGESTÃO: Construção de um varal do bem
DESENVOLVIMENTO:
1° Momento: Peça com antecedência que os alunos tragam para aula notícias cujo assunto
principal retrate uma boa ação, ou seja, que explore o conceito da virtude;
2° Momento: Nesse instante cada reportagem será lida para a turma, sempre que possível
com a ajuda dos alunos. Logo após, o professor poderá solicitar aos discentes que definam a
palavra que melhor exemplifica essa reportagem sugerindo que os mesmos façam placas de
identificação para as reportagens utilizando essas palavras.
1° Sugestão: A ideia é que as leituras dessas reportagens se tornem uma rotina na sala.
Visando isso, será construído, junto com os alunos, um varal do bem. Toda semana os alunos
trarão reportagens novas para exibição na sala e leitura conjunta. Para a discussão dessas
notícias sugerimos a formação de um círculo e a escolha de um dia fixo na semana – como
parte de um planejamento anual.
3º Momento: Pense nesse como um ótimo momento para introduzir na turma o pensamento
aristotélico sobre a prática do bem e sua relação com a conquista da felicidade. De forma
introdutória fale sobre Aristóteles, seus pensamentos e sua produção, para tanto, após
explorar as reportagens traga aos alunos frases nas quais o pensador discute essa
problemática. Em seguida proponha uma breve reflexão sobre as mesmas por meio de
exercícios de alfabetização que tenham essas frases como temática.
3° Sugestão: Por último monte com os alunos, ao final do projeto, um “Varal Filosófico” onde
sejam apresentadas frases de filósofos com os seus respectivos nomes e imagem. Como
aqui abordamos a temática da felicidade, o ideal é que esse varal explore esse tema, mas
também poderá ser utilizado em qualquer outro tema. Faça isso tentando ao mesmo tempo
explorar, por meio das principais frases desses pensadores, os aspectos alfabetizadores das
palavras trabalhadas.
137
PROJETO APRENDENDO A ESCREVER, ENSINANDO A FILOSOFAR
OFICINA FILOSOFICA N° 6
TEMA DA OFICINA: O Consumismo e a Felicidade
OBJETIVO GERAL: Questionar-se a respeito do consumo na conquista da felicidade.
Objetivos específicos:




Pensar nas desigualdades sociais existentes na sociedade;
Refletir o lugar do consumo na satisfação das necessidades individuais e coletivas;
Identificar no contexto do consumismo palavras já trabalhadas, bem como as não
trabalhadas em sala, que estejam relacionadas ao consumo;
Perceber o papel da mídia na construção das diferentes perspectivas de felicidade e
do padrão consumista do século XXI. (Encontro seguinte)
PERGUNTA NORTEADORA: Consumir provoca felicidade?
TEMPO ESTIMADO PARA A OFICINA: Duas aulas (Com duração de Três a quatro horas
cada)
MOTIVAÇÃO / SUGESTÃO: Fichas com imagens de desigualdade social e propagandas de
produtos famosos.
DESENVOLVIMENTO:
1° Momento: Comece a oficina dispondo no quadro ao avesso as fichas com cenas de
desigualdades sociais. Faça de maneira que os alunos não sejam capazes de perceber do
que se tratam as imagens.
O ideal é que as mesmas tragam o contraste entre situações de extrema pobreza versus
consumismo desenfreado e que contenham uma palavra que expresse aquela cena.
2° Momento: Após peça a cada aluno que se dirija ao quadro para retirar uma ficha. Ele
deverá escondê-la dos demais colegas enquanto tenta ler a palavra contida na ficha e
interpretar sua imagem.
3° Momento: Escolha um aluno para começar a dinâmica, mas antes de solicitar que ele fale
sobre a imagem e leia sua palavra, surpreenda-o solicitando que escolha outro colega com
quem gostaria de trocar sua ficha.
A dinâmica seguirá dessa forma: a cada aluno solicite que troque sua ficha com outro, isso lhe
promoverá uma saída da zona de conforto e um esforço maior para ler a palavra nova.
2° Momento: Disponha as imagens no quadro enquanto promove uma discussão sobre o
consumismo e seus resultados na sociedade; após leia com os alunos as palavras contidas
na ficha, posteriormente promova uma atividade de alfabetização que tenha como foco as
palavras trabalhadas nessa oficina.
138
3° Momento: Mostre aos alunos imagens e/ ou propagandas de produtos famosos em meio a
cenas cotidianas: almoço em família, café da manhã, etc. Peça aos alunos que localizem esses
produtos nas cenas e promova em seguida um diálogo sobre como essas marcas estão
incorporadas no mercado nacional e mundial, ditando padrões de consumo. Sugira aos alunos,
por exemplo, que descrevam quais as mensagens que essas propagandas lhes transmitem,
quais os padrões de famílias presentes nas cenas e em quais perspectivas a felicidade é
trabalhada nas cenas. (Encontro seguinte)
4º Momento: Posteriormente monte com os alunos uma tabela contendo o nome da marca
que comanda o mercado consumidor (elenque, por exemplo, aquelas marcas que por sua
popularidade se confundem com o próprio nome do produto) e o verdadeiro nome do produto,
por exemplo: “Bombril” – Esponja de aço; “NESCAU” – Achocolatado; “Leite Moça” – Leite
condensado; dentre outros. (Encontro seguinte)
139
APÊNDICE B – Imagens utilizadas nas reflexões das oficinas filosóficas
Fonte: https://br.pinterest.com/pin/373306256589427855/
Fonte: https://br.pinterest.com/pin/373306256589427855/
140
Fonte: https://mundodesalienado.wordpress.com/2013/10/30/a-vida-da-sociedadeno-sistema-capitalista/
Fonte:http://seroutereisaquestao.blogspot.com.br/2013/06/texto-de-divulgacaocientifica-e-charge.html
141
Fonte: http://www.filosofiahoje.com/2013/04/midia-tradicional-x-midia-social.html
142
APÊNDICE C - Autorização de uso da imagem utilizada na pesquisa
AUTORIZAÇÃO DE USO DA IMAGEM
EM DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Eu
_____________________________________________________
aluna(o) da Escola Municipal Raul Pompéia, portador do número de
matrícula:_____________ autorizo a utilização da minha imagem para
produções relacionadas ao projeto de mestrado intitulado “Aprendendo a
escrever, ensinando a filosofar” da mestranda Angélica Lino Pacheco Paiva do
programa de pós-graduação em Filosofia e Ensino do Centro Federal de
Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca
Angra dos Reis, _____ de ___________ 2016.
_________________________________________
Aluno
APÊNDICE D – Material Didático produzido a partir das oficinas filosóficas oferecidas
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