O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

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Especialização em Gestão Pública
Programa Nacional de Formação em Administração Pública
MARIA JULIA DA SILVA
O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
Maringá
2011
2
Especialização em Gestão Pública
Programa Nacional de Formação em Administração Pública
MARIA JULIA DA SILVA
Trabalho de Conclusão de Curso do
Programa Nacional de Formação em
Administração Pública, apresentado como
requisito parcial para obtenção do título de
especialista
em
Gestão
Pública,
do
Departamento
de
Administração
da
Universidade Estadual de Maringá.
Orientador: Prof. Luiz Tatto.
Maringá
2011
3
Especialização em Gestão Pública
Programa Nacional de Formação em Administração Pública
MARIA JULIA DA SILVA
O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
Trabalho de Conclusão de Curso do Programa
Nacional de Formação em Administração Pública,
apresentado como requisito parcial para obtenção do
título de especialista em Gestão Pública, do
Departamento de Administração da Universidade
Estadual de Maringá, sob apreciação da seguinte
banca examinadora:
Aprovado em ___/___/2011
Professor, Luiz Tatto (orientador).
Assinatura
Professor........................................................., Dr.
Assinatura
Professora .........................................................,Dra.
Assinatura
Maringá
2011
4
SUMÁRIO
1.
INTRODUÇÃO ..........................................................................................
05
2.
OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DAS POLÍTICAS SOCIAIS ........
06
3.
A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA NO
BRASIL .....................................................................................................
07
4.
APRESENTAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA ..........................
10
4.1
O funcionamento do Programa Bolsa Família .....................................
11
4.2
Os Benefícios ..........................................................................................
12
4.3
Cobertura e Focalização ........................................................................
14
4.4
As Contrapartidas ...................................................................................
16
5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................
17
6.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................
18
5
O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
SILVA, Maria Júlia*
RESUMO
O Programa Bolsa Família é considerado um dos mais ambiciosos programas de
benefício social na América Latina. Lançado em outubro de 2003 como a principal
bandeira dos programas sociais do governo Lula, o Programa Bolsa Família procura
reduzir a pobreza e as desigualdades existentes por meio da transferência de
recursos monetários para as famílias que vivem em estado de extrema pobreza. No
que se refere ao lado da demanda, o objetivo do Bolsa Família é conferir às
camadas mais pobres da população uma capacidade de consumir em bases
regulares.
Palavras-chave:
Programa
Bolsa
Família,
Benefício
Social,
Pobreza,
Desigualdades.
ABSTRACT
The Programme is considered one of the most ambitious programs of social benefit
in Latin America. Launched in October 2003 as the flagship of the Lula government
social programs, the Family Grant Program seeks to reduce poverty and inequality
through the transfer of monetary resources for families living in extreme poverty. With
regard to the demand side, the objective of the Family Grant is giving to the poorest
of the population an ability to consume on a regular basis.
Keywords: Family Grant Program, Social Benefits, Poverty, Inequality.
* Pós-Graduanda do Curso de Especialização em Gestão Pública da Universidade Estadual de
Maringá. E-mail:[email protected]
5
1. INTRODUÇÃO
A pobreza é um fenômeno que acompanha a humanidade há séculos. Fruto
das desigualdades sociais e econômicas, a pobreza passou a desenvolver
características peculiares nos últimos 200 anos a medida que o sistema capitalista
de organização da sociedade passou a imperar em todo o mundo. A concentração
populacional nas grandes cidades, a reestruturação industrial e a desigual
distribuição das benesses do crescimento econômico contribuíram para a criação de
um novo elenco de problemas e carências ligados à insegurança pessoal, à
violência urbana e à desorganização dos grupos mais vulneráveis (REIS, 2003).
Na América Latina e em especial no Brasil, não se chegou a organizar um
estado de bem estar social capaz de abranger toda sua população carente de ajuda
para suprir suas necessidades básicas de existência. O sistema de proteção social
implantado era voltado para os seguimentos formais da economia e se caracterizava
por oferecer uma cobertura restrita que atendia a uma parcela reduzida da
população excluindo de fato os mais pobres por estes terem vínculos instáveis e
precários com o mercado de trabalho (LAVINAS, 2005).
Particularmente no caso do Brasil, durante o período desenvolvimentista, que
se estendeu do pós-guerra até início dos anos 80, a questão da pobreza não ganhou
espaço como uma ação sistemática do estado. Cria-se que a própria concepção de
desenvolvimento
econômico
que
conduzia
as
ações
do
estado
levaria
automaticamente ao desenvolvimento social por meio da incorporação dos excluídos
do mercado formal de trabalho e pela mobilidade social que teriam. A pobreza não
era concebida como um fenômeno estrutural da sociedade brasileira e,
conseqüentemente, políticas sociais voltadas para a população nessa condição não
se desenvolveram. Apenas recentemente, após a década de 90, a pobreza, como
um problema social a ser enfrentado pela sociedade como um todo e pelo estado
em particular, ganha espaço como tema de debate entre os governos e ações
voltadas especificamente para a redução das desigualdades sociais passaram a ser
implementadas (COHN, 2004).
6
Nesse contexto, o Programa de Transferência de Renda Bolsa Família
tornou-se um dos principais instrumentos de combate à fome e de garantia do direito
humano à alimentação no Brasil (REIS, 2003).
Esse artigo tem como foco o Programa Bolsa Família do Governo Federal,
dando ênfase na análise de alguns aspectos mais importantes como focalização e
seleção de beneficiários, condicionalidades e relações intergovernamentais. O
principal
objetivo
é
compreender
como
esses
aspectos
estão
sendo
operacionalizados. Para realizar e o estudo fez-se uma revisão bibliográfica e
análise da legislação pertinente, a qual será realizada com pesquisa em periódicos,
revistas e artigos com o tema em questão.
2. OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DAS POLÍTICAS SOCIAIS
A principal característica das políticas públicas de proteção social no Brasil é
a incompatibilização entre os ajustes estruturais da economia à nova ordem
econômica internacional, os investimentos sociais do Estado e a garantia dos
direitos sociais. Nesta ordem, o pensamento neoliberal até que concebe a
necessidade de prestar ajuda aos pobres, mas possui enormes dificuldades em
reconhecer as políticas públicas como um direito humano. Em função disso, o
princípio das políticas de proteção social obedece muito mais ao discurso
humanitário e ao da filantropia. Esta lógica, que subordinou políticas sociais aos
ajustes econômicos e às regras de mercado, moldou para a política social brasileira
um perfil despolitizado, privatizado e refilantropizado (YASBEK, 2004)
É por isso que as intervenções estatais de combate à fome e à pobreza no
Brasil caracterizam-se, conforme Magalhães (2001), pela timidez, precariedade e
intermitência, não assegurando os direitos sociais básicos à população pobre. O
modelo bismarckiano baseado na contribuição individual introduzido no Brasil não
chegou a ser totalmente institucionalizado e atualmente atravessa uma crise em
decorrência da grande informalidade na economia. Para Souza (1999), uma das
conseqüências desse tipo de política é que os benefícios das políticas públicas de
proteção social ficam por vezes limitados à elite, ao invés de serem generalizados às
camadas mais desfavorecidas da sociedade.
7
Por outras vezes, as políticas sociais brasileiras são caracterizadas por um
alto grau de seletividade, voltadas para situações extremas, muito focalizadas,
direcionadas aos mais pobres dentre os pobres, apelando muito mais à ação
humanitária e/ou solidária da sociedade do que o provimento de políticas sociais por
parte do Estado.
Ainda, para Yasbek (2004) os fundamentos na solidariedade e em seus
componentes éticos e humanizados reforçam o deslocamento de ações de proteção
social para a esfera privada, colocando inclusive em questão os direitos ora
garantidos. Em virtude disso, faltam às políticas sociais no Brasil claras referências a
direitos, sobretudo porque o sistema de proteção social brasileiro carece de
mecanismos institucionais de exigibilidade administrativa dos direitos. Na verdade,
há uma imensa discrepância entre os direitos garantidos constitucionalmente e/ou
em diversos acordos internacionais do Estado brasileiro e as possibilidades reais de
acesso às políticas sociais enquanto direito humano.
3. A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA NO BRASIL
Os marcos iniciais da constituição e desenvolvimento de um Sistema de
Proteção Social no Brasil remontam aos anos 1930, quando o país, no seu processo
de desenvolvimento econômico, passa de um modelo de desenvolvimento
agroexportador para o modelo urbano-industrial, demandando o atendimento de
necessidades de uma classe operária emergente (SOARES, 2006).
A partir de então, o Sistema de Proteção Social brasileiro se desenvolve e se
expande, principalmente durante os anos 1970, no contexto do autoritarismo da
ditadura militar, possivelmente para que os programas e serviços sociais
assumissem a função de minimizar a forte repressão sobre a classe trabalhadora e
sobre os setores populares, em geral. Portanto, a
proteção social cumpre funções
de reprodução da força de trabalho e de legitimação do regime de exceção
(SANTOS, 2007).
8
A década de 1980 é marcada pela ampliação dos movimentos sociais
emergidos no porão de igrejas e instituições insurgentes ao regime autoritário,
despontando um novo movimento social e um autêntico sindicalismo no contexto de
rearticulação política da sociedade brasileira, estes voltados para a ação política
direta à repressão instituída. Nesse contexto, surgem novos partidos políticos, com
destaque ao Partido dos Trabalhadores, e outros procuram sair da clandestinidade
(SILVA, 1997).
Verificou-se uma unificação de lutas no mundo da produção, da reprodução e
no campo político-partidário em torno de demandas por participação política e pela
ampliação e universalização dos direitos sociais, culminando com a Constituição
Federal de 1988. Essa Constituição amplia significativamente os direitos sociais na
busca de ultrapassagem da cidadania regulada (SANTOS, 2007).
A instituição da Seguridade Social na Constituição brasileira de 1988,
compondo-se da Política de Saúde, da Previdência Social e da Política de
Assistência Social, representa uma conquista no campo da proteção social. Isso
permitiu que a Assistência Social passasse a ser considerada uma política de direito,
procurando romper com a cultura do favor, fazendo de todos, mesmo os excluídos
do mercado de trabalho, um cidadão brasileiro (SILVA, et. al, 2006).
É nesse contexto que a partir de 1991 entra na agenda pública brasileira o
debate sobre Programas de Transferência de Renda. Mesmo já tendo sido
implantados Programas de Transferência de Renda em diversos países da Europa a
partir dos anos 1930, esse debate só assume visibilidade contemporânea no plano
internacional nos anos 1980. Situa-se no âmbito das grandes transformações
econômicas, sociais e no mundo do trabalho em decorrência da Revolução
Tecnológica da Era da Informação, direcionando-se para o enfrentamento da
questão
social.
Essa
é
representada,
sobretudo,
empobrecimento crescente das populações (SILVA, 1997).
pelo
desemprego
e
9
No Brasil, o debate sobre instituição de Programas de Transferência de
Renda começa a fazer parte da agenda pública a partir de 1991, quando foi
apresentado e aprovado, no Senado Federal, o Projeto de Lei n. 80/1991 do senador
petista Eduardo Suplicy, propondo o Programa de Garantia de Renda Mínima
(PGRM). Esse programa destinava-se a beneficiar todos os brasileiros residentes no
país, maiores de 25 anos de idade, com uma renda que correspondesse a 2,25
salários mínimos, em valores de 2005. Inaugura-se, então, um processo expresso
por cinco momentos históricos específicos, partindo de proposições de Programas
de Renda Mínima/Bolsa Escola, chegando à recente proposta de unificação dos
inúmeros programas criados por governos municipais, estaduais e pelo governo
federal e aprovação de uma Renda de Cidadania, incondicional para todos os
brasileiros, cuja previsão seria sua implantação a partir de 2005 (SOARES, 2006).
É criado em outubro de 2003 o Programa Bolsa Família com a missão de
unificar os Programas Nacionais de Transferência de Renda. Nesse âmbito, registrase também uma significativa elevação dos recursos orçamentários destinados aos
Programas de Transferência de Renda. O projeto de autoria do Senador Eduardo
Suplicy foi sancionado pelo Presidente da República em 8 de janeiro de 2004,
instituindo uma Renda Básica de Cidadania, com previsão para implantação gradual,
iniciando pelos mais pobres, a partir de 2005, sendo o Bolsa Família considerado o
marco inicial que poderá conduzir à implantação de uma Renda Básica de Cidadania
para todos os brasileiros, embora essa possibilidade receba críticas e restrições no
interior do governo e no âmbito da sociedade. A proposta é que a Renda Básica de
Cidadania seja destinada a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país por
cinco ou mais anos, tendo como benefício a transferência de uma renda básica
incondicional, independente do trabalho ou de outra exigência (SUPLICY, 2002).
10
4. APRESENTAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
O Programa Bolsa Família (PBF) nasceu das experiências anteriores dos
programas de distribuição de renda e como um primeiro passo ao projeto de renda
de cidadania, de autoria de Eduardo Suplicy, votado em 2004. A tese de doutorado
de Ana Maria Medeiros Fonseca, defendida na Universidade de Campinas, em
2001, teve grande influência na configuração do Programa. A partir de seu trabalho
sobre o conceito de família na visão de políticas públicas e sobre o modo pelo qual
as famílias representam-se e apresentam a si mesmas, o Programa foi constituído
sobre um modelo familiar mais adequado à realidade brasileira, como será explicado
mais adiante (MARQUES, 2005).
É importante ressaltar que as escolhas relativas a um programa público e o
seu modo de funcionamento refletem o modus operandi de um Estado.
Como
Simmel demonstra, a forma de calcular .quem assistimos., a escolha do público-alvo,
os critérios de abordagem (à pobreza), as condicionalidades da assistência e as
eventuais penalidades de um programa refletem uma concepção de sociedade, de
investimento social e em última instância, uma filosofia de Estado (SILVA, et. al,
2006).
O Programa Bolsa Família tem uma vertente emergencial (transferência direta
de renda aos beneficiários e acompanhamento básico de saúde) e uma vertente de
longo prazo (educação infanto-juvenil). No entanto, se não for fortalecido por outras
ações, terá ainda um resultado limitado, uma vez que a questão da pobreza no
Brasil passa pelo desemprego massivo, por problemas de reconhecimento social,
por dificuldades de criar e manter um ensino gratuito de qualidade, por carências de
infra-estrutura que interferem no saneamento básico e na saúde, etc (MARQUES,
2005).
11
4.1 O funcionamento do Programa Bolsa Família
O Programa Bolsa Família é uma iniciativa entre diversas outras que constitui
o Programa Fome Zero como um todo. Dentro do Fome Zero, pode-se citar: o
Pronaf, o Alimentação Escolar, as Ações de Trabalho e Renda e o Luz para Todos,
entre outros.
O Programa Bolsa Família é o maior programa de transferência de renda já
realizado na história do País, também reconhecido como a maior experiência com
tais características em curso atualmente no mundo (SANT’ANA, 2007).
Pela transferência de renda direta às famílias de beneficiários, o governo tem
por objetivo combater a pobreza e a extrema pobreza. Hoje, o PBF está presente em
5.560 municípios e no Distrito Federal e alcançou mais de 11 milhões de famílias em
2006 (aproximadamente 44 milhões de pessoas). Os recursos do Programa são
distribuídos de acordo com as taxas de pobreza e extrema pobreza: 8% ao Norte,
50% ao Nordeste, 27% ao Sudeste, 11% ao Sul e 4% ao Centro-Oeste (MDS, 2004).
O Bolsa Família visa articular as ações sociais e a transferência de renda,
com destaque a três pontos: 1) unificação dos programas anteriores e adoção de
critérios públicos de elegibilidade do programa. O Bolsa Família unificou quatro
programas de transferência de renda que existiam no início de 2002 e que não eram
articulados entre si: o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação, o Vale Gás e o Cartão
Alimentação. Essa unificação buscou gerar a simplificação de procedimentos e
redução dos custos de gestão do programa; 2) acompanhamento do cumprimento
das condicionalidades nas áreas de educação e saúde pelos beneficiários, ou seja,
da freqüência escolar e dos cuidados básicos com a saúde (calendário de vacinação
para crianças entre 0 e 6 anos e a agenda pré e pós-natal para as gestantes e mães
em amamentação); 3) o objetivo de formular parcerias com as três esferas do
governo, não apenas para implementar o Programa, mas também para priorizar os
beneficiários em outros programas. Busca-se, assim, unificar as ações para o alívio
imediato da pobreza e proporcionar medidas de médio e longo prazo para uma
inclusão social efetiva (SANT’ANA, 2007).
12
4.2 Os Benefícios
Desde sua criação, o Programa Bolsa Família tem se caracterizado por um
benefício composto e duas linhas de pobreza (elegibilidade). As linhas se referem
sempre à enda familiar per capita – a soma de todas as rendas de todos os
membros da família, divida pelo número de membros. A família é assim definida pela
Lei no 10.836: unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que
com ela possuam laços de parentesco ou de afinidade, que forme um grupo
doméstico, vivendo sob o mesmo teto e que se mantém pela contribuição de seus
membros. A definição de família é relevante e constitui uma das principais
diferenças entre o PBF e o Benefício de Prestação Continuada, o outro programa de
transferência de renda com foco na pobreza (LAVINAS, 1998).
As famílias cuja renda per capita forem superiores à linha de pobreza
extrema, mas inferiores à linha de pobreza (não extrema), fazem jus a um benefício
variável – que depende do número de crianças com idade de zero a 14 anos, até um
máximo de três crianças por família. As famílias cuja renda per capita forem
inferiores à linha de pobreza extrema têm direito a um benefício fixo, independente
do número de pessoas na família, além de terem também direito ao mesmo
benefício variável que as famílias cuja renda caia entre as linhas de pobreza e
pobreza extrema. Desde julho de 2008, há também um segundo benefício variável,
associado ao número de membros adolescentes na faixa de 15 a 16 anos que
residam na família, até um máximo de dois adolescentes (SOARES et. al, 2007).
O benefício é pago à mãe de família e, na ausência desta, a outro membro,
como o pai. Há um número muito pequeno de casais no qual o pai é receptor. Não
há qualquer regra de indexação formal para os benefícios do Bolsa Família, mas
quando os valores foram corrigidos, conforme estabelecido nos decretos citados, o
foram de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), do IBGE,
que mede a inflação da cesta de consumo de famílias cuja renda situa-se entre 1 e 8
salários mínimos. Há quem defenda que seria desejável usar a inflação de alimentos
ou calcular um índice específico para as pessoas mais pobres, mas até o momento
tem-se usado o INPC (BARROS, 2007).
13
Desde 2004, o benefício é concedido, em princípio, por um período de dois
anos. Isto quer dizer que se espera que os agentes municipais do PBF revisitem as
famílias – ou de outra forma atualizem seu cadastro – a cada dois anos, para
verificar se suas condições de vida mudaram ou permanecem as mesmas. Na
prática nem todos os municípios mantêm este grau de agilidade e há famílias
beneficiárias no PBF que passam muito tempo sem receberem visitas do agente
social (LAVINAS, 1998).
Além das visitas periódicas, há também crescente verificação do status das
famílias em bases de dados de fontes de renda formais: as bases do BPC e do
restante da seguridade e a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). As duas
primeiras apontam se alguém na família recebe um benefício previdenciário ou
assistencial, e a segunda se algum membro passou a ser empregado no mercado
formal. A verificação com a base de benefícios do BPC começou no ano passado
(2008) e a verificação com o restante da seguridade começa este ano (2009)
(SOARES et. al, 2007).
Se alguém na família passa a receber um benefício previdenciário ou
assistencial ou um salário no setor formal e esta nova renda eleva a renda per capita
da família para limite superior aos limites do PBF, tanto a própria família quanto o
município no qual ela reside são informados da nova situação. Um mês após o envio
dos dois comunicados, o benefício é bloqueado. Se o cadastro for atualizado e as
novas informações apontarem que, a despeito da nova renda, a família deveria
continuar recebendo, o benefício será desbloqueado. Caso contrário, o benefício
será cancelado (LINDERT et. al, 2007).
O problema com esse método é que tanto os registros da seguridade como
principalmente a RAIS tornam-se disponíveis com algum atraso. A RAIS é coletada
apenas anualmente e, até os dados estarem disponíveis, é possível que até dois
anos tenham se passado. Uma possibilidade seria consultar outros registros
administrativos mensais, como o Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à
Previdência Social (GFIP) e o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
(CAGED). Em 2008, 445 mil famílias tiveram benefícios cancelados e outros 622 mil
benefícios foram bloqueados para investigação nestas verificações (LAVINAS,
1998).
14
Finalmente, há um número surpreendente de famílias que pedem a
suspensão do benefício devido à melhoria de vida. Segundo o Sistema de
Benefícios ao Cidadão, 44 mil famílias solicitaram desligamento do PBF por conta
própria. No entanto, este número é provavelmente uma subestimativa, na medida
em que muitos gestores vinculam estes pedidos ao fato de o valor da renda per
capita ser superior à estabelecida pelo programa. Não deixa de ser verdade, mas
perde-se a variável que aponta a honestidade da família (BARROS, 2007).
4.3 Cobertura e Focalização
A focalização é tema fundamental para todos os programas de garantia de
renda mínima ou programas de transferência de renda condicionada não universais.
Afinal, se o país está selecionando os mais pobres para receber um benefício, é
fundamental que se selecionem, de fato, os mais pobres. A cobertura é igualmente
importante. Para ter impacto relevante sobre a pobreza, a desigualdade ou o bemestar, é necessário que se cubra uma grande porcentagem das pessoas pobres
(SOARES, et. al, 2009).
A cobertura do Programa Bolsa Família não começou do zero. Quando o
programa foi criado em 2003, já havia cerca de dez milhões de famílias recebendo
os programas remanescentes. Se são excluídos os 6,7 milhões de beneficiários do
Auxílio-Gás, um programa cujo valor era realmente muito baixo, com muita
sobreposição com os outros programas, além de ter características essencialmente
diferentes do PBF, em janeiro de 2004 havia 4,2 milhões de beneficiários do Bolsa
Escola, Bolsa Alimentação ou Cartão Alimentação, além de 3,6 milhões de
beneficiários do PBF. Havia também em torno de 1 milhão de beneficiários do PETI,
mas devido a características do programa, em particular uma jornada escolar
ampliada para que as crianças não voltassem a trabalhar, a integração do PETI com
o PBF começou apenas no final de 2005 (BARROS et. al, 2008).
15
Finalmente, havia uma meta de 11 milhões de famílias beneficiárias a ser
atingida. Nos três anos que se seguiram à fusão, a cobertura do PBF aumentou
continuamente até o final de 2006, quando a meta dos 11 milhões foi finalmente
atingida. Em 2007 e 2008, não houve mudança no total de beneficiários
(MARQUES, 2005).
Verificaram-se nestes dois anos fortes evidências de subcobertura grave do
PBF, a principal das quais a existência de dois milhões e meio de famílias
cadastradas e elegíveis, mas que não recebiam o benefício. Outro indício foi a
redução na renda dos 5% mais pobres em 2007, justamente um ano no qual a
economia ia de vento em popa. No entanto, foram dois anos de crescimento da
renda e redução da pobreza, e não havia maiores preocupações com o aumento da
cobertura (SOARES, 2006).
Em janeiro de 2009, em parte devido às evidências persistentes de
subcobertura, em parte devido aos impactos da crise internacional, o Governo
Federal decidiu aumentar paulatinamente a cobertura do PBF, a fim de atingir a
meta de 13,7 milhões até o final do ano (MDS, 2004).
Quando se considera a focalização e sua interação com a cobertura, a
questão se torna mais complexa. Uma ferramenta-padrão para avaliar a focalização
de uma transferência de renda é a curva de incidência e o número que a caracteriza,
o coeficiente de incidência. Para desenhar uma curva de incidência, deve-se: i)
ordenar a população pela renda líquida, excluindo os benefícios do próprio PBF; ii)
no eixo horizontal, acumular a população ordenada pela renda; e iii) no eixo vertical,
acumular os recursos transferidos pelo PBF e programas remanescentes (SOARES,
et. al, 2009).
A razão para utilizar a renda líquida da transferência, e não a total, é que
critério para receber um benefício social é a renda familiar descontado este
benefício. Ou seja, é preciso saber qual é o nível de pobreza de uma família quando
ela NÃO conta com a transferência governamental em questão. Caso contrário,
haveria uma contradição na concessão do próprio benefício (BARROS, et. al, 2008).
Como os registros administrativos (Cadastro Único) sofrem de diversas
limitações, a focalização do PBF deve ser medida usando-se a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (PNAD). Outra forma de avaliar a focalização das
transferências de renda é verificar a proporção de famílias ou de pessoas que
atendem estritamente aos critérios de elegibilidade (BARROS, et. al, 2008).
16
4.4 As Contrapartidas
Um dos pontos mais controversos do PBF é o acompanhamento das
contrapartidas exigidas das famílias. De acordo com a Lei no 10.836, para receber o
benefício, as famílias devem enviar seus filhos à escola e, com relação à saúde,
fazer exames pré-natais, acompanhamento nutricional, e manter o acompanhamento
de saúde e as vacinas em dia. Há um grande número de autores que defendem
serem as contrapartidas tão ou mais importantes que o benefício em si. Esta
vertente da literatura sobre programas de transferência de renda condicionada
enfatiza seu caráter condicionado. O Bolsa Família seria, de acordo com esta visão,
um programa de incentivo ao capital humano das famílias mais pobres. Na imprensa
e na arena política, os que se alinham com esta visão cobram incessantemente da
SENARC maior empenho no acompanhamento das contrapartidas, e até a criação
de novas contrapartidas (YASCHINE & DÁVILA, 2008).
Há outra vertente, para a qual o PBF é, antes de tudo, proteção social. Ao
colocar contrapartidas excessivas, a função proteção social se enfraquece na
medida em que serão provavelmente as famílias mais vulneráveis as que não
conseguirão cumprir contrapartidas mais rigorosas. Há outro argumento, ligado ao
direito, que critica as contrapartidas de modo ainda mais forte: se o PBF se
transformar em direito, então contrapartidas não devem ser cobradas (TAVARES,
2008);
As contrapartidas mais cobradas dos beneficiários são aquelas que todos
nós deveríamos cumprir, e temos obrigação legal de fazê-lo (MEDEIROS, 2008).
O capitulo 3 da Constituição Federal estabelece que a educação é “dever do
Estado e da família” e que o ensino fundamental é obrigatório. As contrapartidas de
saúde não são obrigações legais per se, mas constituem ações fortemente
recomendadas pela política de saúde a todo cidadão, qualquer que seja sua renda
ou classe social. As contrapartidas de saúde também não têm acompanhamento tão
próximo quanto as de educação, embora a taxa de acompanhamento tenha subido
de 7% das famílias no primeiro semestre de 2005 para 59% no segundo semestre
de 2008 (YASCHINE & DÁVILA, 2008).
Obrigatório ou não, o cumprimento dessas contrapartidas por parte das
famílias que vivem em situação de extrema vulnerabilidade social e de renda não é
tão simples quanto o é para as famílias menos vulneráveis. São famílias cujo vínculo
17
com a formalidade e a institucionalidade é mais frágil. Vivem longe das escolas e
dos postos de saúde. Frequentemente vivem além do alcance dos correios. Supõese, portanto, que o Estado deva entrar cumprindo seu dever constitucional de criar
condições para que as famílias façam a parte que lhes cabe (MEDEIROS, 2008).
A cobrança das contrapartidas educacionais é feita pelas secretarias
municipais de educação e consolidada pelo MEC. Usando o Cadastro Único, o MDS
gera uma lista de crianças, indexada pelo Número de Informação Social (NIS), e o
código da escola constante do último registro do Cadastro. O MEC então distribui
esta lista para as secretarias municiais de educação. As escolas cujos diretores têm
acesso à internet recebem da secretaria uma senha para preencher a frequência
das crianças de famílias que recebem benefícios diretamente. As demais recebem
formulários de papel cuja consolidação é feita pela Secretaria Municipal de
Educação (YASCHINE & DÁVILA, 2008).
O acompanhamento das contrapartidas de saúde é coordenado pelo
Ministério da Saúde e feito pelas secretarias municipais de saúde. A taxa de
resposta é um pouco inferior à taxa de resposta educacional, devido à oferta um
pouco menor dos serviços de saúde cujo acesso constitui a contrapartida do PBF. O
ciclo da saúde também é de seis, e não dois meses (MEDEIROS, 2008).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo que os resultados e impactos decorrentes dos Programas de
Transferência de Renda sejam muito modestos para superar a fome e a pobreza no
Brasil, esses programas podem melhorar, mesmo que temporariamente, a renda das
famílias assistidas, visto que essas famílias se encontram num nível econômico de
mera subsistência.
O PBF é um programa de extrema importância no panorama das políticas
sociais no Brasil. Tem um número de beneficiários comparável ao das grandes
políticas, como a saúde e educação públicas e a previdência social, que perfazem a
idéia central da política social brasileira. Pode-se pensar que o Programa Bolsa
Família cumpri um importante papel. São conhecidos os impactos do PBF na
redução da pobreza, na diminuição da desigualdade de renda, na maior frequência
escolar e na garantia de que as crianças beneficiárias não se submetam ao trabalho
infantil como antes.
18
Em relação à autonomia das famílias, pode-se dizer que a ausência de
indução de programas de geração de emprego e renda representa uma importante
debilidade do PBF, uma vez que não há uma diretriz clara pautada na
intersetorialidade e intergovernabilidade para atuar sobre as causas da precariedade
de inserção da população adulta no circuito produtivo.
É importante reconhecer que o desenho do Programa indica uma
multiplicidade de atores envolvidos em diferentes setores e níveis de governo, além
da sociedade civil. Diante disto, cresce a complexidade da estrutura políticoinstitucional. Não obstante os limites de concepção do Programa, é necessário frisar
que a retomada da pobreza como questão social a ser enfrentada pelo poder público
indica uma perspectiva mais promissora para a conformação dos direitos sociais
entre nós. Todavia, são muitos os desafios que ainda se interpõem nessa direção,
tendo em vista a magnitude e complexidade da questão social e a histórica
fragilidade do Estado brasileiro em dar respostas eficazes e efetivas.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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