“Diversidade de árvores em florestas tropicais: estudos baseados

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Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica.
Diversidade de árvores em florestas tropicais: estudos baseados
em parcelas permanentes
ALEXANDRE ADALARDO DE OLIVEIRA – UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
[email protected]
O uso sustentável dos recursos naturais como prática de conservação parece
ser a solução para a manutenção das florestas tropicais e sua biodiversidade.
Entretanto, além das dificuldades de um modelo de conservação integrado,
economicamente e socialmente justo, deparamos com a nossa falta de
conhecimentos de processos biológicos que subsidiem ecologicamente o uso
sustentável dos recursos naturais.
Do mesmo modo que a base teórica da conservação e manejo de sistemas
naturais tropicais mostra sinais de grandes mudanças de paradigmas, a
geração de informações sobre o ambiente biológico nos trópicos nas últimas
duas décadas é muitas vezes maior do que conseguimos acumular em séculos
precedentes. Não imaginamos mais a Amazônia como pulmão verde do
mundo, não se busca mais a preservação com o isolamento do ambiente
natural e restrição a qualquer atividade humana, começamos a entender os
serviços ecológicos prestados pelos ecossistemas naturais e os processos
importantes para a reciclagem de nutrientes e manutenção climática regional.
Ainda assim não compreendemos processos importantes e fundamentais para
subsidiar o uso sustentável dos recursos, sendo esse um dos grandes desafios
da biologia da conservação. Enquanto as discussões para a conservação
avançam a passos largos em outras áreas do conhecimento as questões
biológicas apresentam entraves inerentes à complexidade do sistema e a
limitações metodológicas e de investimentos.
Mesmo que chegássemos a uma boa compreensão dos fenômenos
responsáveis pela geração do imenso número de espécies nos trópicos, ainda
assim nos faltaria explicar a manutenção dessas populações ao longo do
tempo. Pouco intuitiva e difícil de explicar é a grande quantidade de espécies
de árvores encontradas lado a lado em mesmas condições ambientais. Em
parcelas de grande dimensão na Amazônia são encontradas em média 655
espécies de árvores por hectare com um centímetro ou mais de diâmetro, 618
na Malásia, 236 nas florestas de Camarões na África. Na floresta Atlântica
estudos encontraram mais de 450 com mais de cinco cm de diâmetro em um
hectare no sul da Bahia. Como explicar a coexistência de tantas espécies em
área tão pequena, lado a lado, competindo pelos mesmos recursos? Porque
não há uma espécie mais apta deixando mais descendentes e dominando o
sistema? Porque a exclusão competitiva não se processa nessa situação? Essas
Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica.
perguntas ainda não têm resposta definitiva e muitos são os grupos de
cientistas empenhados em respondê-las.
Dentre as idéias vigentes buscando respostas podemos distinguir duas linhas
de pensamento distintas e não necessariamente, mutuamente exclusivas. Uma
relacionada a um pensamento mais determinista, associando alta
especialização das espécies às condições encontradas em microsítios da
floresta. Condições ambientais como nutrientes no solo, qualidade e
quantidade de luz, umidade, interação com outras espécies e todas as outras
condições à que as plantas de uma espécie se confrontam durante todos os
estágios de vida e reprodução definiria sua ocorrência a um nicho bastante
específico. Nos climas temperados, como observado por Dobzansky em seu
trabalho clássico de 1950 e muitos outros estudos, as espécies devem estar
aptas a viver em uma grande variação de condições ambientais, como por
exemplo, toda a amplitude térmica existente entre o verão e inverno. Nessas
situações o nicho das espécies é amplo e poucas espécies coexistem mesmo
que haja uma gama muito grande de variação ambiental. No ambiente
tropical, por outro lado, as espécies não necessitam estarem aptas a grandes
variações climáticas, pois o ambiente apresenta flutuações sazonais muitas
vezes diminutas. Nesse caso, pequenas variações na umidade do solo, nas
condições de luz no interior da floresta, nas interações com outras espécies ou
qualquer pequena variação representa um ambiente diferenciado ocupado por
espécies distintas. Desta forma um ambiente, aparentemente mais
homogêneo, comporta espécies distintas lado a lado. Apesar da aparente
homogeneidade as espécies percebem o espaço como sendo bastante
heterogêneo devido a grande especialização das populações. Nessas condições
o nicho das espécies é restrito e esse estreitamento leva a uma ocorrência de
um número maior de espécies no ambiente pela partição de recurso.
Uma idealização dessa hipótese pode ser encenada com a queda de uma
árvore na floresta e a formação de uma clareira. Nessa clareira as condições de
luz são muito distintas e existe um gradiente com extremos de grande
luminosidade no centro da clareira contrastando com a sombra do interior da
floresta. Nessa gama de variação, sementes de distintas espécies estariam
aptas a germinar em distintas condições ao longo do gradiente e, portanto as
espécies tenderiam a ocupar espaços pré-determinados ao longo do gradiente
de luz. Do mesmo modo que imaginamos as variações de luz, podemos incluir
outras como umidade, nutrientes, temperatura complicando o modelo. Além
disso, podemos incluir também diferentes tamanhos de clareiras como sendo
condicionantes de diferentes amplitudes de variação ambiental e, portanto
incluindo maior variação no sistema. Nessa situação, apesar do nicho das
populações ser muito restrito e o modelo ser determinista, a capacidade de
predição é baixa devido à grande gama de fatores espaciais e temporais
associados e nossa falta de conhecimento dos fenômenos para alimentar o
modelo.
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Menos previsíveis ainda são as florestas se encaradas pelo modelo estocástico
lançado por Hubbel e Foster. Nesse modelo grupos de espécies seriam
equivalentes ecologicamente e aptas às mesmas condições ambientais. A
ocorrência dos indivíduos estaria condicionada a fenômenos estocásticos. A
formação de clareira, por exemplo, é um fenômeno não previsível quanto à sua
ocorrência, portanto, não há como saber a priori onde e quando será formada
uma nova clareira. Nesse modelo o sucesso na regeneração ou no
estabelecimento de uma espécie estaria condicionado à, por exemplo,
ocorrência prévia de jovens ou plântulas no exato momento em que a clareira
se forma, ou à restrição na dispersão de semente de uma espécie mais apta e
a dispersão de uma espécie competitivamente inferior. Portanto, nas diferentes
condições ambientais associadas à clareira, a ocorrência de uma espécie ou
outra estaria mais fortemente relacionada a eventos estocásticos do que a
maior especialização e aptidão por uma das espécies. Em modelos
matemáticos onde espécies têm a mesma taxa de nascimento, morte e
reprodução, e a ocorrência da espécie é aleatória, a taxa de extinção torna-se
baixa, mesmo para populações com poucos indivíduos.
Os modelos mais gerais podem ser complementados por modelos associados
mais particularmente a um fenômeno. Quase concomitantemente, Janzen e
Connell, no começo da década de 70, lançaram hipóteses semelhantes para
explicar a baixa densidade populacional e a alta diversidade de árvores nas
florestas tropicais. Partindo da observação que dificilmente ocorre o
estabelecimento de um indivíduo jovem próximo a um adulto da mesma
espécie, os autores estabelecem modelos de interação entre herbívoros
específicos e árvores hospedeiras. Próximo à árvore-mãe, ou a um adulto da
mesma espécie, a pressão de herbivoria e de agentes patogênicos seria maior,
portanto o estabelecimento de um indivíduo da mesma espécie nas imediações
seria dificultado, aumentando a chance de outra espécie se estabelecer. Dessa
forma, a cada espécie estabelecida aumentaria a chance de uma outra espécie
se estabelecer nas imediações, o que explicaria a alta alfa-diversidade de
árvores nas florestas tropicais.
Connell, após centrar o enfoque na interação herbívoro-hospedeiro,
lançou a idéia de que o principal fator na manutenção da alta diversidade nas
florestas tropicais e recifes de corais seriam distúrbios em freqüência
intermediária. Para esse autor, uma espécie adaptada a uma condição
particular seria desviada de sua tendência a dominância por distúrbios que
modificam tal condição ambiental. Os distúrbios em ambientes altamente
diversos estariam constantemente evitando a exclusão competitiva e
produzindo comunidades que seriam mosaicos de pequenas áreas em
diferentes estágios sucessionais. Contudo, para a manutenção de alta
diversidade, estes distúrbios teriam que ser em freqüência e escalas
"intermediárias", pois distúrbios catastróficos ou em alta freqüência não
possibilitariam a recolonização da área até que o próximo evento de distúrbio
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ocorresse, o que ocasionaria a dominância na comunidade de espécies
adaptadas aos primeiros estágios de sucessão. Para esse autor, dentro de uma
série sucessional, a maior diversidade seria encontrada nos estágios
intermediários que congregariam espécies dos estágios iniciais e finais do
processo
Apesar de complexo, podemos imaginar um cenário onde grupos de espécies
muito similares e muitas vezes filogeneticamente próximas são mantidas por
eventos estocásticos, enquanto grupos de espécies com aptidões um pouco
distintas são mantidas pela partição de recurso, em um ambiente onde o
distúrbio associado à formação de clareira evita a dominância de espécies mais
aptas à situação estável do interior da floresta, e que pressões de interações
com herbívoros e patógenos privilegiam a ocorrência de espécies árvores
distintas lado a lado. Esse cenário incorpora grande parte das teorias tratas.
Muitos estudos vêm corroborando ou reforçando uma ou outra teoria sobre a
coexistência de espécies de árvores em florestas tropicais (Chave, 2004;
Hubbell, 2004; Brokal & Busing, 2000; Sheil & Burslen, 2003; Wright, 2002;
Denslow & Hartshorn, 1994).
Recentemente um interessante artigo demonstra que pares de espécies
aparentadas que vivem na mesma localidade, porém associadas a situações
ambientais distintas de solos são segregadas mais pela pressão exercida pelos
herbívoros do que pela sua maior aptidão à condição do solo. Todos os pares
de espécies consistiam de populações provenientes, uma de florestas de baixio
onde os solos são mais úmidos e arenosos e outra de vertente, crescendo em
solos mais argilosos e menos úmidos.
O experimento consistia em
transplantar indivíduos das espécies para ambas as situações ambientais. Além
disso, em cada tipo de ambiente haviam grupos de plantas protegidas de
herbívoros e grupos sem essa proteção, obtida com o uso de telas de exclusão.
Em geral, a espécie que ocorre em solo argiloso cresce mais que seu par
original do solo arenoso em ambas as situações ambientais, desde que
protegida dos herbívoros. Entretanto, quando não está protegida dos
herbívoros essa espécie ao invés de crescer apresenta perdas de biomassa e
morre mais no solo arenoso. Ou seja, a co-ocorrência e manutenção dessas
espécies no sistema se dão não apenas pela mudança das condições
ambientais, mas também e principalmente pela interação com outros
organismos (Fine et al.,2004). Esse estudo nos faz ir longe se imaginarmos a
infinidade de interações ainda não conhecidas e que podem se processar em
uma floresta onde ocorrem mais de 600 espécies de árvores e de muitos
milhares de outros organismos associados em uma pequena parcela de
100x100m.
Para muitos a Amazônia é tida como uma imensidão homogênea de floresta
repleta de recursos a serem explorados. Nesse imaginário, impera a visão de
uma floresta ambientalmente única e que pode ser tratada como um todo.
Essa visão nega a pluralidade das florestas amazônicas em todas as suas
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escalas, gerando uma abordagem ambientalmente reducionista. Difícil negar
que a aptidão da Amazônia é florestal. Modelos baseados na substituição da
floresta por sistemas agropecuários não florestais têm se mostrados
desastrosos e mesmo assim continuam sendo estimulados em nome do
desenvolvimento econômico. Se o ritmo de desmatamento estabilizar nas
taxas que temos hoje, em 30 anos dobrará a área desflorestada, ou seja,
destruiremos em 30 o mesmo que destruímos em 500 anos desde o
descobrimento.
Ambientalistas e programas de governo buscam alternativas economicamente
viáveis e socialmente justas para a inclusão dos povos da floresta a um
sistema produtivo que não sacrifique a própria floresta. Nesses modelos buscase a utilização de recursos florestais de modo sustentável e em taxas que
permitam a sua regeneração. Ainda são poucos os modelos implantados que
verdadeiramente contemplam os objetivos básicos propostos pela convenção
da biodiversidade entre eles de legar a gerações futuras os recursos e os
potenciais da biodiversidade.
A alta biodiversidade da região está intrinsecamente relacionada a uma baixa
densidade das populações, populações muito abundantes não permitiriam a
coexistência de tantas espécies. Como compatibilizar a eficiência do sistema de
produção ou extração com recursos oferecidos em baixa densidade? Como
estabelecer um sistema sustentável de extrativismo se o modelo econômico
vigente exige sistemas produtivos altamente eficientes a baixo custo? Como
compatibilizar a extração de recursos com sistemas familiares de propriedades
relativamente pequenas?
Qualquer que seja a solução econômica para a região, deve contemplar as
particularidades locais, o tipo florestal e os processos biológicos associados à
geração e manutenção das espécies. Em qualquer escala de foco a floresta
deve ser entendida nas suas particularidades e diferenças.
Conhecemos apenas parte dos processos relacionados à diversificação das
florestas tropicais, sabemos que em diferentes escalas processam-se
diferentes mecanismos e que há uma interação grande de fatores que
condicionam a coexistência de espécies nas densidades encontradas. Esse
conhecimento, ainda que incompleto, deve ser incorporado ao planejamento da
região se um dos objetivos for realmente manutenção do patrimônio genético
que representa toda a imensa biodiversidade tropical.
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