A PAX QUE VAI À LUTA Um estudo sobre o Projeto Construção

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Aurimar Pacheco Ferreira
A PAX QUE VAI À LUTA
Um estudo sobre o Projeto Construção Coletiva de
Espaços e Tempos de Paz – ABCD / SP
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
São Paulo
2011
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
A PAX QUE VAI À LUTA:
Um estudo sobre o Projeto Construção Coletiva de Espaços e
Tempos de Paz – ABCD/SP
Dissertação apresentada à banca examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de Mestre em Serviço Social, sob a
orientação
Baptista.
São Paulo
2011
da
Profª
Dra.
Myrian
Veras
Banca Examinadora
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À minha mãe Júlia pelo inicio, meio e o todo que há de vir.
Aos meus amados e ausentes para sempre, Alípio, Marluce e Amaury.
Às amadas filhas Marluce e Tayse por nossas inseparáveis certezas.
À Julinha, neta, por assim ser minha mais tenra continuidade.
AGRADECIMENTOS
Ao fim desse desafio, agradeço aos meus amados e amadas, por quem sou
convertido, em especial:
Ao Amaury, meu irmão amado, querido e admirado, responsável por tudo que
agora acontece, com uma danada e insaciável saudade.
À Vivian que tem a natureza da minha sede e a norma de me fazer viver
À minha família, onde sou eterno no amor da Tatay, Malulu, Júlia e Julinha.
À minha orientadora, amiga e protetora Myrian Veras Baptista, anjo de multidão,
para quem toda e qualquer forma de apresentação sempre passará por uma
hipérbole.
Aos companheiros oficineiros do NECA pela convivência instrutiva e salutar
À Heloisa Daniel, Dulce Reginato e Célio Moraes pela irmandade e uma palavra
ainda a ser inventada. Meu profundo respeito pelas suas vidas.
Ao NECA e seus dirigentes, pela oportunidade de participar dessa experiência
Aos participantes das oficinas que comigo construíram as bases dessa
experiência
À CAPES, pelo financiamento de parte desse trabalho
A todas as pessoas que ao longo da minha vida, me fizeram acreditar que isso
seria possível
RESUMO
O tema desta pesquisa refere-se à experiência realizada pelo NECA Associação dos Pesquisadores de Núcleos de Estudos e Pesquisas sobre a
Criança e o Adolescente, denominada Projeto Construção Coletiva de Espaços
e Tempos de Paz que se desencadeou durante doze meses (janeiro a dezembro
/ 2006) em sete municípios da Grande São Paulo, na região do ABCD, composta
pelos municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do
Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. A operação do
Projeto foi proposta pelo Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, instância
jurídica colegiada dos sete municípios, a qual atua há cerca de dez anos, como
uma agência de desenvolvimento regional, incidindo sobre as Políticas Públicas
e suas formas de interação intermunicipal. O estudo teve como objetivo
investigar as diversas formas, a temática, o conteúdo e o formato das oficinas
recebidas pelos participantes, todos indicados em cada município pela
municipalidade local, por meio das secretarias de municipais de Educação,
Saúde, Transporte e demais Políticas Públicas com atuação transversal à
política de Assistência Social. O processo de implantação das oficinas
compreendeu doze meses de trabalho, com seleção e formação dos oficineiros,
reuniões de trabalhos com as respectivas secretarias municipais em conjunto
com o Consórcio Intermunicipal do Grande ABCD, seminários locais e regionais
de preparação, mobilização, abertura e avaliação dos trabalhos. As oficinas em
si foram realizadas entre agosto e dezembro de 2006 e foram constituídas de
trinta e nove, com trinta participantes inscritos, carga horária de quatro horas
semanais, durante dez semanas. O estudo apresenta uma visão recortada da
totalidade das oficinas e analisa os meandros objetivos e subjetivos de uma
proposta dessa natureza.
Palavras-chave: Cultura de Paz.Cidadania.Direito.Comunicação não violenta
ABSTRACT
The theme of this research referred to an experience conducted by NECA –
Associação dos Pesquisadores de Núcleos de Estudos e Pesquisas sobre
Crianças e o Adolescente, named “Collective Construction Project of Spaces and
Times
of
Peace”,
which
occurred
along
twelve
months
(January
to
December/2006) in seven municipalities of the metropolitan region of Sao Paulo,
known as Great ABCD, composed by the cities of Santo Andre, Sao Bernardo do
Campo, Sao Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirao Pires and Rio Grande da
Serra. The operation of the Project was proposed by the Intermunicipal
Consortium of the Great ABCD, which represented the juridical collegiate
instance of the seven cities, that have been acting in those places for around ten
years, as a development agency for the municipalities, affecting the Public
Policies and its paths of intermunicipal interactions. The study aimed to
investigate the many forms of thematic, the content and the shape of the
workshops received by the participants, all them indicated, in their respective
cities, by its local municipalities, that was supported by the municipals secretaries
of Education, Health, Transport, as well other Public Policies having transversal
actuation with the Social Assistances policies. The implementation process of the
workshops took twelve months of work, including stages of selection and
formation of instructors, work assemblies with the respective municipal
secretaries, along with the Greater ABCD Intermunicipal Consortium, local
preparation seminaries, mobilization, opening and evaluation of the developed
activities. The workshops were accomplished itself between the months of
August and December of the year of 2006 and totalized a number of thirty nine,
beginning with thirty participants, who were kept in the workshops during four
hours a week, during ten weeks. The study presented a cut view about the
totality of the workshops and analyses the objective and subjective meanders of
such a proposal.
Key words: Culture of Peace. Citizenship. Right. No violent communication.
“O verdadeiro desespero não nasce frente a uma teimosa adversidade, nem no
esgotamento de uma luta desigual. Provém de que já não conhecemos as
razões para lutar nem se, cabalmente, é preciso lutar. As páginas que seguem
dizem simplesmente que, embora a luta seja difícil, as razões para lutar, ao
menos, continuam estando claras”
Albert Camus
SUMÁRIO
Apresentação
01
1. Por Uma Paz Que Não Preceda A Justiça
07
2. Reflexões Sobre O Tema: Cultura Paz
16
3. A Paz Ao Longo Da História
19
4. A Construção De Uma Cultura De Paz - Proposta Desenvolvida No
28
Grande ABC
Considerações Finais
44
Referências
53
Anexos
56
1
APRESENTAÇÃO
Quando ouvi Caetano Veloso na canção Fora da Ordem (1991), afirmar que não
esperava
pelo
dia
em
que
todos
os
homens
fossem
iguais,
apenas sabia de diversas harmonias possíveis sem juízo final, imaginei a licença
poética saindo da cifra insigne do artista popular e mais uma vez a arte ditar a vida.
Durante anos atarefados, trafeguei pelo universo das possibilidades de contribuir para
que o mundo ao alcance de minhas fatigadas vistas pudesse ser outro. Pudesse eu, da
mais precária prática social nesse país de desvalidos, ajudar os viventes, conforme ser
jovem, idoso, mulher, menino, índio ou cafuzo, usufruir de cada uma de todas as
promessas que nós humanos trazemos ao nascer.
Por talento da espécie e seu suposto fenótipo semelhante ao criador, ou qualquer
merecimento conseguido à luz de seu direito de vida, já que já está em vida, pensei
tantas vezes, em conjunto com tanta gente, que faríamos um planeta melhor.
De tantos momentos acumulados, me restaram ilhas de satisfação e oceanos de
incertezas cravejadas de perguntas, algo estranhas: porque nossa atitude altruísta
diante da vida nos parece sempre suprimidas pelo cotidiano insano?
Qual o coeficiente de profissionalismo capaz de minar a esfinge enigmática da condição
humana, em pleno gozo de uma era mercadológica? Qual a linguagem necessária para
sermos considerados culturalmente homo sapiens-sapiens, e, portanto, inteligentes e
apaziguados?
Nada parece resistir à lógica da exclusão e estaremos, no dizer de Keynes, “todos
mortos no longo prazo1”. Isso justificaria negar à vida uma de suas mais doces
possibilidades, aquela que lhe faculta a felicidade.
1
John-Maynard Keynes, antes de morrer, citado em "Ben Trovato's Art of Survival (2007)" por Ben Trovato, p. 196.
2
Essa dissertação é uma ode ao contraponto. É uma tentativa de abordar o social pela
ótica de um encanto relacional só possível aos homens e mulheres que ousam serem
capitães de seus destinos, pela prática exacerbada da justiça. De um segmento que
ainda vê na convivência conflituosa, não a épica batalha que extermina, mas o
equilíbrio que faculta futuro para todos. Daqueles que somam aprendizado ao seu par,
na proporção simétrica que poderão receber. É estranhamente, um exame circunspecto
de quem ainda consome o combustível da esperança de que a humanidade
representada por você que aqui recorre, compreende a gramática da não violência.
Em aproximados vinte anos de trabalho na área social atuando como educador, gestor
de projetos, conselheiro municipal, militante de organizações não governamentais (de
cunho religioso ou não), lidei com a experiência da convivência intolerante, ora com o
conflito que gera confronto, ora o confronto que destrói a possibilidade do conflito que
produz avanços. Nos casos presentes, sempre destaquei como objeto de análise, uma
possível subversão desse mecanismo que menospreza o protagonismo altruísta, nega
a liberdade como capacidade de pensar por si mesmo, e insufla a violência na
resolução de problemas.
Observei, no dizer de Freire (2004), a ausência de um ambiente sócio-moral, na relação
de grupos. Vi de perto o infortúnio institucional que naufraga na falta de coerência e
constância, entendidas aqui, no primeiro caso, como discrepância na relação
teoria/prática e no segundo caso, como a desistência precoce de programas destinados
à
promoção
da
cidadania,
por
falta
de
convicções
para
consolidá-los.
A pesquisa tem ainda como objetivo a elaboração de um saber que desvele valores e
princípios atitudinais e comportamentais em sociedade, produtores das mudanças
necessárias para a construção de uma cultura de paz. Para tanto, tomou-se como
objeto de análise a experiência do Projeto Construção Coletiva de Espaços e
Tempos de Paz, realizado pela Associação de Pesquisadores de Núcleos de Estudos e
3
Pesquisas sobre a Criança e o Adolescente (NECA), entre janeiro e dezembro de 2006,
na região do ABCD, estado de São Paulo.
Para a consecução desta análise, demarcou-se a mim a função de pesquisador,
acumulei a condição de sujeito da pesquisa, dominei e apliquei seu conteúdo imediato,
com participação em sua execução e respectiva sistematização. Como decorrência
disso, para esta pesquisa a etapa do conhecimento empírico resolveu-se desde logo,
tornando-se necessário, no primeiro momento identificar na experiência sistematizada,
os pontos elucidativos da natureza e das particularidades dessa apreensão sobre uma
cultura de paz.
A pesquisa traz como pressuposto basilar a possível negação de um terreno movediço
que é pensar a paz a partir de um senso comum de valor acabado, imóvel e
substanciado pela generosidade e conversão dos humanos. O seu ponto de partida é a
crítica aos resquícios kantianos que, desde 1795, propôs “a paz perpétua” (KANT,1989)
para a humanidade como ideário emancipatório de nossa espécie, em uma histórica e
evidente demonstração de um ideário ainda pouco desvelado em relação ao modo de
produção capitalista.
Investigar a paz e sua viabilidade no campo das ciências sociais, ao largo dos
modismos e emocionalismos são uma tarefa instigante, quando não arriscada. Há uma
vertente tentadora na sociedade de compreender a cultura de paz a partir de um
pacifismo de conveniência, a despeito do espaço argumentativo que o tema ganhou ao
longo dos tempos. Por isso há de se vincular o sentido da paz aos conceitos de direitos
humanos, Estado Democrático de Direitos constituído, e assim qualificá-la como
instrumento de promoção e proteção social. Essa leitura é produto da compreensão e
da ação dos homens e mulheres que a constroem, afinal, como nos assinala
Guimarães, (2006) “a paz não é um estado dado, mas algo a ser instaurado e
construído por nós, da qual não somos seus clientes ou seus beneficiários, mas seus
sujeitos e co-criadores”.
4
Outro ponto importante nessa estrutura explicativa é verificar os aspectos subjetivos do
conceito de paz.
Boulding (2000,p. 32) chama a atenção para a necessidade de sempre nos referirmos à
cultura de paz, usando o termo no plural, no sentido de diferençar e não deixar de
contemplar as diversas nuanças desse conceito. É necessário atentar para o fato de
que essa é uma categoria de sentido plural, tem um significado específico quando a
discutimos com um religioso da prelazia local, diferenciado do significado que assume
quando nosso interlocutor é um habitante do oriente do mundo. Por isso a paz como
lugar comum da humanidade é uma farsa, e o pacifismo pouco adensado soa com
superficialidade e instrumentalização ideológica, jazendo no espaço baldio das
experiências fracassadas.
Também se destaca na teia constitutiva da categoria de culturas de paz, a necessidade
de não desvinculá-la do conflito, da noção dinâmica e movimentalista da paz. Nessa
noção, o conflito pode se tornar um instrumento, como bem diz Muller (1995, p.19)
“ilude-se quem estigmatiza o conflito, em favor de uma apologia exclusiva da
fraternidade, da reconciliação, do perdão e do amor”. Contraditoriamente, a paz tem
que ser como a guerra, ativa, e não a ausência das forças vitais.
A paz com enfoque de subjetividade é um patamar aceito, mas em fase terminal em seu
esgotamento de cidadania. Muito além da subjetividade, já sabemos que a paz terá
sentido mais eficaz sempre que se constituir como diálogo, como uma proposta externa
de convivência social que pressupõem mais de uma pessoa. De preferência a paz,
como categoria e como proposta de ação, deve trazer consigo o movimento e a
organização de pessoas, e nesse aspecto a miséria de nossos almejos de paz, nos
deixa ser flagrados no meio caminho andado da paz subjetiva. É urgente que o
deslocamento desta categoria contabilize sua amplitude tanto de propósitos como, por
certo, de resultados. Daí a importância de inaugurar esse discurso encharcado de
urbanismo paulista. Daí ser premente examinarmos com procedimento e acuramento
uma experiência significativa de construção de espaços e tempos de paz, no seio
5
histórico mais tórrido do capitalismo brasileiro: o estado de São Paulo e, mais
especificamente, a região do chamado grande ABCD.
Talvez possamos inferir disso uma pista segura para argumentar a paz em outras
paragens, desta feita a partir da análise de alguns erros cometidos, mas corrigidos e
muitos acertos a serem reaplicados.
Desta forma, podemos elaborar na discussão desencadeada, o serviço social como
disciplina e célula de expansão da luta política que responde à questão social imbricada
no cotidiano da sociedade, e que prolata a mediação como categoria necessária para a
construção das ações voltadas à conquista de direitos, em uma sociedade injusta.
O componente curricular de uma cultura de paz se constitui como instrumento aliado
dessas aproximações sucessivas ao instalar-se no seio de uma discussão humanista e
notadamente, da ordem da sobrevivência humana. O instauro de uma cultura de paz
imprescinde do aparato de proteção social que acolha o cidadão, que responda a seus
quereres, fazeres e saberes. A construção de espaços e tempos de paz é, em última
instância, gêmea univitelina da cidadania, e pressupõe que a sociedade seja equipada
de mecanismos de respostas prontos a serem disparados quando as ameaças de
violência sejam elas físicas ou simbólicas, se apresentarem aos cidadãos. A forma de
disseminação dessa mensagem poderá seguir, entre outros caminhos, os movimentos
sociais, as Políticas Públicas de Educação e Assistência Social, em formas
interdisciplinares de atendimento, concebendo, por exemplo, um currículo vigoroso para
o pleno funcionamento de um sistema único de promoção da cidadania, aos que dela
tiverem sido destituídos.
A experiência movida pela Associação dos Pesquisadores de Núcleos de Estudos e
Pesquisas sobre a Criança e o Adolescente (NECA), reuniu agentes públicos e privados
para discutir a temática da Cultura da Paz, e me instigou como oficineiro do projeto, ao
estudo das repercussões e manifestações dos participantes das oficinas diante da
6
proposta de discutir algo tão peculiar em nossos tempos: a possibilidade de não sermos
violentos a partir do próprio cotidiano.
O presente estudo, na distância abissal de esgotar o assunto, procurou refletir quais os
componentes que uma discussão sobre a cultura da paz, pode contribuir para a
efetivação de direitos. Ainda, e sobretudo, que para isso, essa paz se revele
vigorosamente lutadora.
Estou convencido que a pauta de discussão sobre o que indica o sucesso de um
projeto, sobre como se constrói e garante-se direito social, passa em dose expressiva
pela qualidade do relacionamento que se estabelece entre os atores desse processo.
Sem que se anule a assertividade que caracteriza o consentimento da lei pelo direito
garantido, é o afeto e açúcar das relações que asseguram a qualidade da trajetória. A
cultura da paz e a linguagem da não violência devem ser criadas e cultivadas. Senão
pelo bom-mocismo que falsifica o que alardeia, será seguramente pelo vigor de uma
solidariedade que transforme, por uma pax que saiba ir à luta pelas conquistas coletivas
em sociedade.
Em síntese, o texto aqui apresentado ocupa a academia para pesquisar o discurso de
um direito acoplado a uma construção coletiva de tempos e espaços de paz,
experimentados no ano de 2006, no grande ABCD paulista, com os sete municípios
daquela região.
7
1 . POR UMA PAZ QUE NÃO PRECEDA A JUSTIÇA
A presente pesquisa se propõe a uma análise ex post facto de uma experiência
transdisciplinar, arrojada e coletivamente construída sob a égide daquilo que Freire
(1992) definiu com o verbo esperançar. Esperançar é uma transcendência da
esperança que tantas vezes é só uma espera. Portanto “esperançar” convoca o
intrínseco humano de cada um e sua capacidade de ir à busca, se juntar para
conseguir, ter forte participação no que está por vir.
Provoca com método e intencionalidade a realidade imediata, mesmo quando se trata
de abordar um tema que na sociedade urbana brasileira, está eivado de
contemporaneidade, no espectro daquilo que Hannah Arendt (2000) chamou de
“banalidade do mal”: o cotidiano das pessoas e suas perspectivas de viver em paz.
Esta dissertação dedica-se a analisar o Projeto Construção Coletiva de Espaços e
Tempos de Paz que se desencadeou durante doze meses (janeiro a dezembro / 2006)
em sete municípios da Grande São Paulo, na região do ABCD, composta pelos
municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema,
Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. A operação do Projeto foi proposta pelo
Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, instância jurídica colegiada dos sete
municípios, a qual atua há cerca de dez anos, como uma agência de desenvolvimento
regional, incidindo sobre as Políticas Públicas e suas formas de interação
intermunicipal.
A realização do projeto exigiu de imediato, do grupo de profissionais que atuaram como
coordenadores, supervisores e oficineiros, a dedicação de um olhar alternativo e
alterativo para o tema da paz. Isto fez com que a equipe se desvencilhasse dos
conceitos e matizes corriqueiros que o assunto remete, para a elaboração coletiva e
8
subjetiva com os diversos grupos trabalhados, das categorias relacionadas a uma paz
positiva.
A paz positiva visualiza os valores da convivência humana. Menciona a possibilidade de
assegurar na coexistência em sociedade, a orientação para a solidariedade, o
comportamento compromissado com a existência coletiva e pacífica, cujo olhar
destinado ao outro seja de respeito pelos seus direitos individuais e coletivos, produto
das acumulações societárias do direito constituído.
Essa construção visionária ajudou a refletir as causas primárias das relações humanas,
seu contexto axiológico individual, as imprecações sociais advindas do código
societário vigente e sua sempre eqüidistante e necessária interface com os Direitos
Humanos. A partir desses elementos fundantes, buscou afastar-se de uma visão de paz
negativa, abstrata, externa do eu-cidadão de cada um. Negou em primeira medida, o
esgarçado discurso religioso recorrente sobre o tema, de adjutório maniqueísta, cujo
espontaneismo não ultrapassa a tentativa de controle de danos.
A decisão de realizar a análise dessa experiência, da qual participei ativamente no
papel de educador, é fruto de um feixe de inquietações que se acumularam ao longo de
aproximadamente duas décadas de trabalho social em comunidades periféricas, em
quatro regiões do Brasil (norte, nordeste, sudeste e sul) e seis Estados (Pará, Amapá,
Maranhão, Bahia, São Paulo e Santa Catarina).
Em dezenas de municípios, atuei como agente público ou representante de grupos
privados. Nesses municípios testemunhei algo percebido como traço cultural idiossincrasias e vicissitudes da sociedade do pacato cidadão que desvincula direito de
cidadania; que não consegue argumentar sobre o significado que a justiça social tem
para si, por alheamento do termo; que
aprendeu a associar a paz a algo
extraordinariamente monótono, simbolizado pelo branco e que não está sob sua esfera
9
de decisões. A reflexão pessoal sobre esse perfil conduziu-me a querer melhor
compreender as encruzilhadas que o tema da cultura da paz proporciona quando
trabalhamos com o social e sua confluência com o educacional. Para tanto, minha
formação em pedagogia foi um patamar seguro para imiscuir-me na seara do serviço
social e sua insuperável contribuição para as transformações da sociedade.
A opção por desenvolver a pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social justifica-se a partir da identificação do referencial teórico-metodológico adotado
neste projeto com a área de concentração do referido Programa - Serviço social:
fundamentos e prática social – focado na linha de pesquisa que trata da identidade e da
formação.
Assim, esta dissertação tem o objetivo de analisar a experiência citada e aquecer a
discussão sobre os vínculos enfraquecidos ou negados entre a construção de uma
cultura de paz no seio da sociedade atual e sua correlação obrigatória com os
princípios dos Direitos Humanos.
Implica ainda em evidenciar que tais associações, quando negadas, comprometem
também os valores que constituem a democracia e o Estado Democrático de Direitos
que almejamos nos impingindo um conjunto de funções da ortopedia social, da qual nos
fala Foucault (1997).
A razão de ser deste estudo foi o fato de considerar que o exame da trajetória do
projeto ampliará as possibilidades dessa modalidade de abordagem da cultura de paz,
que se desenha como mais uma vereda e instrumento de reflexão sobre a convivência
social nos grandes centros urbanos.
10
Fortalecerá a agenda crítico-humanista que silenciosamente tem adensado a paz como
um componente básico dos Direitos Humanos e reforçará pelo exemplo vivido, o que
nos diz Freire (1986)
[...] a luta pela paz, que não significa a luta pela abolição, sequer
negação dos conflitos, mas pela confrontação justa, crítica dos
mesmos e a procura de soluções corretas para eles é uma
exigência imperiosa de nossa época. A paz, porém, não precede a
justiça. Por isso a melhor maneira de falar pela paz, é fazer
justiça.
Também é motivo para este estudo a apreensão de que vivemos em uma sociedade
cada vez mais complexa. A velocidade das informações encurta caminhos, as
tecnologias tornam-se fetiche de uma virtualidade individualizante e os valores
humanos são relativizados por uma lógica consumista dos modelos econômicos
hegemônicos.
A voracidade do ter mais, do paroxismo do consumo ou a busca dele é traço
exponencial do atual habitante do planeta que, segundo o Programa das Nações
Unidas para Assentamentos Humanos (UN-Habitat), em 2007, pela primeira vez na
história da humanidade, se concentra nos meios urbanos, na proporção acima de 50%
da população mundial.
No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta, no censo
2010, que 84% da população, quase 170.000.000 de pessoas moram em cidades,
gerando um novo e ardente fluxo concentrado de demandas para as Políticas Públicas,
sempre devedoras de seus papéis na esfera de suas competências. Desse total 28%,
ou 55,3 milhões de pessoas vivem em habitações precárias, entre favelas, cortiços,
ocupações e outros, gerando um potencial de frustração de projetos de vida,
transgressões e mutilações sociais que enquadram o país num ambiente inóspito para
uma vida com dignidade.
11
Como contraponto institucional, nos últimos oito anos, um forte programa de
transferência direta de rendas com condicionalidades, o Bolsa Família, atingiu treze
milhões de famílias em situação de extrema pobreza, a partir de uma política de
governo que removeu, sem lastro histórico similar, aproximadas 40.000.000 de pessoas
das franjas clássicas da insuficiência material, para guindá-las às instâncias mínimas do
consumo. Esse fenômeno desprendeu-se para uma direção consumista, caracterizada
pela aquisição desenfreada, desde as parafernálias eletro-eletrônicas, passando pelo
incremento dos produtos da higiene pessoal, mas, notadamente, caracterizando-se pela
procura e ampliação do consumo de alimentos, deixando-se experimentar esse novo
cliente, aos apelos sempre sedutores da publicidade que ativa o gosto.
Essa poderosa e retumbante movimentação de pessoas nos novos corredores do
consumo capitalista, apenas será melhor compreendida nos próximos anos, com os
estudos consolidados, mas desde logo nos precipita um componente de açodamento
das relações sociais, cuja economia de mercado não deixará de punir severamente ao
menor sinal de retrocesso da explosão de consumo, essas todas próprias e seminais ao
sistema produtivo vigente, pela frustração, endividamento longevo ou incapacidade
financeira de novos créditos desse usuário inaugural de cabines de avião a sabonetes
líquidos.
As Instituições Públicas, responsáveis pela condução das Políticas Sociais, sofrem o
agravo de longos anos sem planejamento compromissado, por um lado, com a
eqüidade e habilitação dos sistemas de Políticas Públicas e, por outro lado, com o
aumento e a concentração de pessoas. Dessa forma, compromete as necessidades de
sobrevivência da população, dentro de padrões de civilidade e crença nas suas próprias
capacidades de interferir na construção de seu futuro imediato.
Corroborando a visão de Freire, CANDAU; LUCINDA; NASCIMENTO (1999) reflete:
12
Vivemos numa sociedade onde cada vez mais a cultura da
violência faz-se presente nos ambientes sociais, na família, na
escola e no Estado. Mas para combatê-la faz-se necessário
fortalecer a cultura dos direitos humanos que passa pelo
reconhecimento
da
dignidade
da
pessoa
humana,
pelas
expressões de sonhos partilhados, pela construção de um
horizonte de vida e de sociedade que assuma de forma positiva a
diferença, reconhecimento do pluralismo, o que exige um diálogo
constante
entre
as
pessoas,
grupos
sociais
e
culturas
diversificadas.
No trabalho com comunidades em contextos de altíssima privação social, sempre ficou
transparente para o observador privilegiado, certo desmazelo com as práticas que
focam a cooperação, a capacidade de se colocar no lugar do outro e o vigor aí
alimentado de tolerar frustrações. Esse comportamento competitivo afasta os
indivíduos, dilacera os primeiros gestos de reconhecer o equacionamento conjunto de
problemas comuns, transformando-os em intransponíveis, por negarem de antemão,
seu caráter de per si, coletivo.
Qualquer tentativa individual de sobrepor-se aos interesses do outro, anulando-lhe as
chances de prevalecimento em quaisquer causas, denota o enfraquecimento do tecido
social necessário para grandes mudanças. Como afirma Milani (2003, p. 31):
A efetivação dessas mudanças é indispensável para que a paz
seja o princípio governante de todas as relações humanas e
sociais que vão desde a dimensão de valores, atitudes e estilos de
vida, até a estrutura econômica e jurídica e a participação cidadã.
A disseminação dos conceitos da comunicação não violenta e da cultura da paz é
estritamente necessário. Nos moldes de uma proposta laica, estruturante dos direitos
13
humanos e proclamadora de que os meios das conquistas sociais emanam das
relações subjetivas, essa comunicação se faz insubstituível.
Cotidianas e inclusivas, de valores nobres porém acessíveis a todo e qualquer cidadão,
essa nova realidade ética e esperançosa é hoje uma espécie de segundo sol, um
território a ser conquistado, arado e semeado como contraponto ao norte competitivo
que o capitalismo ocidental, sob suas diversas apresentações, sempre aponta para o
cidadão comum. Como afirmou Freire (1986):
A paz é fundamental, indispensável, mas paz implica lutar por ela.
A paz se cria, se constrói na e pela superação das realidades
sociais perversas. A paz se cria, se constrói na construção
incessante da justiça social, por isso, não creio em nenhum
esforço chamado de educação para a paz que, em lugar de
desvelar o mundo das injustiças, o torna opaco e tenta miopisar
suas vítimas.
Nessa agenda silenciosa e transdisciplinar se engendra a reinvenção do respeito
mútuo. É onde a larga consciência do outro habita as tolerâncias com o meio ambiente,
com as novas gerações e a organização social. Será, em outros termos, aonde a
própria sobrevivência da nossa espécie se funda e aposta - sem prejuízos do conflito
que edifica e faz evoluir as idéias – em um novo patamar ético de discussões, um
incremento curricular direto e objetivo nas práticas sociais com jovens e comunidades
pauperizadas. Segundo Candau (1999),
[...] é necessário favorecer a análise da realidade, reconhecer as
contradições do mundo em que se vive, e enfrentar as
desigualdades cada vez mais crescentes em nossa sociedade,
pois a construção de uma cultura de paz é indissociável da justiça
e da solidariedade. Um elemento não pode estar separado dos
14
demais, porque a paz é um produto que se constrói com estes
diferentes elementos.
A Organização Não Governamental Associação dos Pesquisadores de Núcleos de
Estudos e Pesquisas sobre a Criança e o Adolescente (NECA), a partir de demanda do
Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, durante o ano de 2006, efetivou o Projeto
Construção Coletiva de Espaços e Tempos de Paz e trouxe à tona a inquietação de
aprofundar os estudos e pesquisas sobre o tema.
A operação do projeto favoreceu-me imergir nas camadas mais significativas de uma
proposta metodológica que teve por base a construção coletiva para a efetivação de
cada uma das trinta e nove oficinas, que se propunham a atingir ao menos trinta
pessoas por turma, em carga horária total de quarenta horas-atividade, distribuídas em
dez semanas.
Como elemento instigante, há que se destacar o fato de que doutrinariamente a
experiência ousou em ser facilitadora de conteúdos que, se tiveram o balizamento
necessário em onze grandes categorias - conflitar, dialogar, reunir, tomar consciência,
escolher, ser justo, responsabilizar-se, aceitar o diferente, modo de ser e cuidar facultaram seu desenvolvimento no estrito animus de cada participante e seu respectivo
grupo. Servindo-se da estratégia lúdica e da eloqüência de que as representações
sociais são desconstruídas e soerguidas a partir da decisão pessoal do ator mobilizado,
buscou a partir dessa auto-descoberta instigada, atingir as gradativas e valiosas
decisões conscientes.
Tais elementos remetem ao horizonte de mão dupla que favorece o fortalecimento da
identidade pessoal e cultural, a vivência e a reflexão sobre questões étnicas e de
gênero, além de tocar com a severidade imprescindível, o respeito aos valores éticos
15
universais, a mobilização e a promoção do bem estar coletivo, “cláusulas pétreas” do
projeto ético-político profissional do Serviço Social.
Para Jares (2002, p. 56):
Proclamar uma cultura de paz é o mesmo que proclamar a
redução dos extremos de pobreza e riqueza, a adoção de políticas
públicas de equalização no acesso e exercício de direitos sociais
e
civis
básicos
para
aqueles
grupos
hoje
considerados
minoritários. Estabelecer a convivência em harmonia significa
possibilitar condições de vida, educação, moradia, saúde, direito
de expressão, liberdade de ir, vir, permanecer, trabalho, dentre
outros.
Na esteira dos pontos que atraíram meu olhar para a análise da experiência citada, está
a forma de gestação e gestão dos processos. Desde o mais elementar momento da
construção da proposta, uma engenharia complexa de tomadas de decisões se
apresentou como necessária para que o produto das discussões pudesse representar o
sentimento coletivo de quem propunha a ação. Essa experiência de compartilhamento
de ideias, onde existiram dezenas de recuos para cada avanço consolidado, é um fato
consumado de que há muito a ser desvelado nesse percurso pioneiro para todas as
partes, sejam elas os agentes públicos e da sociedade civil de todos os municípios do
Consócio, sejam elas os profissionais que o colocariam em prática.
Desta forma, após militar no projeto como educador e cidadão, era inevitável o
compromisso de realizar um estudo e uma pesquisa que apontasse a relevância
político, social, e profissional da temática e da experiência. Nesse sentido recorri ao
curso de mestrado em Serviço Social com o firme propósito de investir na qualificação
profissional e de contribuir para a feitura de pontes elucidadoras de conhecimentos que
façam emergir da relação refletida entre a teoria e a empiria.
16
2. REFLEXÕES SOBRE O TEMA: CULTURA PAZ
Refletir sobre a cultura de paz sem as amarras do místico e dos sortilégios é necessário
ir aos detalhes da expressão. Nesse sentido a fundamentação do conceito na análise
gramsciana tem a serventia de nos enveredar pelo que seja cultura. Segundo Abreu
(2002, p. 142) “vincula-se aos métodos de trabalho, dando conta de um sistema ou
modo de vida, ou seja, de uma maneira de pensar e de agir adequada a um
determinado padrão produtivo e de trabalho”. Ou ainda, na perspectiva da UNESCO
(2005, p. 18), cultura é “uma maneira de ser, de se relacionar, de se comportar, de
acreditar e agir durante toda a vida, e está em constante evolução”.
A cultura de paz vem sendo vista nos meios da episteme moderna e acadêmica como
um paradigma emergente, que para Guimarães (2006) “é uma realidade lógica, prélógica e supra-lógica”. Diversos conceitos de cultura de paz são apresentados e há o
que atribui à paz, um rizoma social, com forte interface com seus correlatos econômicos
e políticos tendo como ponto de partida uma plataforma cultural de longa duração.
Concordamos com o conceito de paz imbricado à justiça social, demonstrado por
Mayor:
Não pode haver paz sustentável sem desenvolvimento
sustentável.
educação
Não
ao
pode
longo
haver
da
vida.
desenvolvimento
Não
pode
sem
haver
desenvolvimento sem democracia, sem uma distribuição
mais equitativa dos recursos, sem a eliminação das
disparidades que separam os países mais avançados
daqueles menos desenvolvidos (UNESCO, 2000).
Na análise de Mayor (UNESCO, 2000), a cultura da paz está direta e diametralmente
ligada aos efeitos de uma ação a partir de uma relação entre paz, desenvolvimento e
democracia. Nesta abordagem, percebemos a paz com um tronco social, uma vez que
17
esta não foge à luta contra exclusão e persegue a eqüidade social e o bem estar da
coletividade cultural.
Atermo-nos na dimensão da paz como possibilidade concreta, tem se mostrado uma
empreitada árdua e sutil, pelos tempos de guerra que se acirram, no inominável
aumento das desigualdades, de corrupção, dos desmandos com a coisa pública, entre
outros. Contudo, a paz vem emergindo cada vez mais como um clamor universal. “A
degradação do meio ambiente, da economia e da cultura fazem a humanidade
experimentar o problema do debilitamento do ser e levantar uma agenda ética comum”
(GUIMARÃES, 2006. p. 01).
O desejo ansioso pela paz está presente no recôndito humano que precisa, quer e
concorda com uma sociedade de paz. A agenda mundial e suas datas humanistas
demonstram que se há algum consenso na sociedade mundial, esse consenso é o
desejo pela paz. No entanto, pouco vale somente desejar a paz. Assim, no nível do
desejo ela é apenas abstraída com a fugacidade das coisas dispensáveis.
È preciso arregimentar forças e estratégias, antes de tudo, e se colocar numa posição
de busca, de realização. Cada pessoa envolvida e compromissada com um projeto de
paz, deve se perguntar como pode colaborar com a efetivação dessa cultura, e
descobrir, na seara de suas ações comuns, seu modo de contribuir para a paz. A
consciência da importância não violência está crescendo cada vez mais e no “horizonte
do mundo, desenha-se um novo senso comum emancipatório e uma prática societal
eminentemente não-violenta” (GUIMARÃES, 2006, p. 02).
As iniciativas de conquista de uma sociedade que preza pela construção da cultura de
paz não são novas, sequer recentes. Vêm se constituindo há dezenas de anos, e
podem ser identificadas, por exemplo, na Declaração dos Direitos Humanos, em
entidades e organizações pacifistas locais e mundiais, nas redes sociais, nos
movimentos de gênero e afirmação sexual, étnica e cultural, e contribuem no curso da
história contemporânea da humanidade, para um novo marco civilizatório. Atualmente a
18
cultura da paz apresenta-se na sociedade e especificamente nas universidades por
meio de pesquisas, grupos de controle e de estudos sobre a educação e cultura da paz,
assim com em dissertações e teses, entre outros.
No Brasil, a cultura da paz tomou força através das iniciativas da UNESCO que adotou
um programa em 1995 com o objetivo de assegurar a transição da cultura da guerra, de
violência, de imposição e de discriminação à cultura da não-violência, do diálogo, da
tolerância e da solidariedade. A partir de grandes iniciativas em prol da educação e da
cultura da paz, a Organização das Nações Unidas (ONU), em 1997 em Assembléia
Geral, proclamou o ano 2000, como ano Internacional da Cultura da Paz e
posteriormente em 1998 declarou o período de 2001 – 2010 como a Década
Internacional da Cultura de Paz e Não-Violência para as Crianças do Mundo (UNESCO,
2000).
Um dos principais responsáveis pelo programa cultura de paz da UNESCO, Adams
(2003), ao fazer a conferência histórica do tema, demarca que para colocar em prática
as determinações por uma cultura de paz, foi necessário produzir um documento
subscrito por cerca de 75 milhões de pessoas no mundo inteiro, que se disponibilizaram
a participar da campanha. O mesmo autor reputa esse momento da humanidade, em se
tratando de desenvolvimento, como uma travessia de fronteiras onde a transformação
de uma cultura beliciosa para uma cultura de paz seja, provavelmente, a mais radical,
profunda e abrangente, que qualquer mudança anterior da história da humanidade.
19
3. A PAZ AO LONGO DA HISTÓRIA
Nos últimos vinte séculos da história humana, tem sido recorrente ao seu tempo e
modo, a busca do homem pela possibilidade de viver bem consigo, apesar das
condições de seu meio imediato. Ainda que em parte sob seu instinto de sobrevivência,
durante todo esse percurso o homem formulou o usofruto da natureza, transformando-a
a seu serviço e benefício, garantindo sua permanência entre os seres vivos.
A conquista favoreceu novas utilizações para o que parecia eterno, e logo, a partir de
seu desenvolvimento intelectual, físico e motor, o homem aprendeu que seu bem estar
poderia ser função do planeta, das disponibilidades naturais abundantes, necessitando
para explorá-la, da ampliação de seu tino de saber fazer, de atuar de forma protagônica
naquilo que parecia ser incondicionalmente seu. Desde a água límpida do córrego, o
fruto maduro no pé da árvore, ao utensílio sólido que o fará ser portador do instrumento
cortante de poder de vida e de morte perante os demais, a espécie humana se impôs
por uma elaboração peculiar de ser agressiva e cognoscente.
Esse legado antropológico chega a nossos dias na mesma complexidade que foi criada,
mas acrescida das falências éticas que a convivência estabeleceu, quando a
competição pelo que parecia interminável se mostra a cada dia mais insuficiente para
todos, especialmente por serem todas essas relações, mediatizadas pela forma
hegemônica do modo de produção capitalista.
O ambiente emergente conspira e os fatores ontológicos de uma agressividade utilitária
se somam de forma avassaladora aos fatores competitivos da imposição do mercado
da sobrevivência, permeados na era moderna nas raias da comunicação instantânea e
o predomínio do agora, de um presente hedonista e destituído de valores de
sociabilidade e altruísmo. Se uma possível cultura de paz se mostra necessária, sua
restituição se fará pelos caminhos da razão e da sensibilidade, invento passível e
20
proveniente da inteligência como conteúdo, mas sofregamente, pelo mesmo instinto de
sobrevivência que precedeu o que hoje vivemos.
Para pensar o cotidiano a partir da Cultura da Paz é necessário dissecar a semântica
da frase, compartimentalizando-a segundo suas sentenças justapostas.
A paz é um componente seminal da humanidade em seus fatores culturais e sociais.
Sua representação é disseminada de geração em geração. Brandão (2005, p. 53), ao
resgatar essa simbologia no imaginário social, relata que ela se apresenta com: “uma
cor, o branco, um símbolo, a pomba, e alguns sinônimos, tranquilidade, harmonia,
calma, trégua, serenidade. Tem uma bandeira: um pano branco”. Ela gera expressões
tradicionais conhecidas como: “viver em paz”, “buscar a paz”, “vai em paz”, “que a paz
te acompanhe”, ”lutar pela paz”, “semear a paz”, entre outras.
A paz ao longo da história tem várias dimensões, Guimarães (2005) faz uma retomada
dessas tradições. Destacamos dentre muitas, algumas que se encontram bem próximas
de nós.
A busca histórica pelas reminiscências da humanidade, sempre encontra paradeiro,
mais cedo ou tarde, na tradição Grega que nos conduz aos tempos clássicos e antigos,
gênese civilizatória da humanidade, e evocar o caráter divino que estes povos davam à
paz. Segundo conta a história, conforme Guimarães (2005), Têmis e Zeus, deuses
gregos, tiveram três filhas às quais foram dados os nomes de Eqüidade (Eunonia),
Justiça (Dique) e Paz viçosa (Eirene), que se tornaram figuras divinas das estações do
ano, e zeladoras do ciclo da natureza,chamadas respectivamente por Talo (tem a
função de fazer brotar), Auxo (tem a função de fazer crescer) e Carpo (com a função de
fazer frutificar). As filhas de Zeus e Têmis têm, na simbologia da tradição grega, a
missão de evocar prosperidade, fartura, abundância profunda e fecundidade, bem como
assegurar o equilíbrio da vida.
21
Para Guimarães (2005, p. 95) “há uma ordem na natureza que garante a abundância e
a fecundidade da vida, cabendo aos humanos não atentar contra ou quebrar esse
sentido harmônico dado pelos deuses.”
A livre e imediata ligação teórica entre a dita paz viçosa, da justiça e da equidade,
expressa uma relação reconhecidamente próxima de nossa compreensão e está
relacionada com o equilíbrio da natureza.
Tradição também importante é a Romana: “Se queres a Paz prepara-te para a Guerra”.
Esta verdade histórica está identificada com poder do Império Romano, eternizada na
expressão “Pax Romana”, que só tem valor e legitimidade com a presença do
Imperador, líder dos exércitos romanos, onde sua ação dispensava a proteção divina, e
a Pax Romana era sinônimo de Paci Augustae, ou seja, a paz de Augusto, o imperador
de Roma. Nesta representação histórica de tradição de luta, a paz está ligada à vitória
adquirida por intermédio da guerra. É uma paz armada, tradição muito presente na
sociedade onde a busca da paz se dá por meios legais através de forças, do aparelho
repressor e militar (GUIMARÃES, 2005).
Nos costumes Judaicos-Cristãs, a máxima se modifica sem deixar de ser expressiva:
“As espadas transformam-se em arados”. É uma tradição intrínseca do Judaísmo e
reelaborada pelo Cristianismo. Esse modo de viver em sociedade é encontrado na
literatura semita, na bíblica cristã e denota o anseio do povo em transformar espadas
em arados. Significa no imaginário coletivo das comunidades: “prosperidade, bem-estar,
felicidade, saúde, segurança, salvação, relações sociais equilibradas, harmonia com
Deus, vida em plenitude, metáforas para a realização e completudes humanas”
(GUIMARÃES, 2005, p. 100).
Entre as inúmeras leituras históricas sobre a paz, nosso mundo contemporâneo adota
algumas com mais ênfase, aqui específicas e tratadas. A UNESCO replica que: “Nas
mentes humanas, a defesa da paz”. A Organização das Nações Unidas (ONU) desde
1945 e a UNESCO em 1946 vêm, por meio pesquisas e projetos sociais, propondo
22
ações diversas de prol de uma cultura de paz. Confirmando sua assertiva fundamental,
como expresso em seu ideário original, de que é nas mentes dos homens, na
realização diária do ser humano, que se encontra o nicho principal para erigir “as
defesas da paz”, a UNESCO dissemina por seus tentáculos globalizados a idéia mater
da educação para a paz. O cumprimento desse papel intransferível por definição e
alcance político dessa agência de desenvolvimento da ONU, tem sido de inestimável
contribuição para os objetivos da ideia de paz.
A pedagogia da libertação rompe com a concepção tradicional de educação e
desenvolve o raciocínio filosófico para a questão da paz. Neste sentido, anuncia “a paz
como conscientização sócio-política”. Paulo Freire inaugurou no Brasil uma vertente
pedagógica, cujo apelo à conscientização sócio-política é o esteio de seu olhar. Essa
estruturação se constitui como uma das confluências teóricas que deságuam na
educação para a paz. Desenvolvida e associada às Comunidades Eclesiais de Base
(CEB), vicejou a Teologia da Libertação e Movimento de Educação de Base. Segundo
(GUIMARÃES, 2005), a reflexão de freire, nos alcança ainda hoje, com o poder de uma
novidade.
A paz relacionada à justiça social e direitos humanos fica evidenciada no discurso do
educador protagonista Paulo Freire por ocasião do prêmio da UNESCO de educação
para Paz:
A paz é fundamental, indispensável, mas paz implica lutar por ela. A paz se cria, se
constrói na e pela superação das realidades sociais perversas. A paz se cria, se
constrói na construção incessante da justiça social. por isso, não creio em nenhum
esforço chamado de educação para a paz que, em lugar de desvelar o mundo das
injustiças, o torna opaco e tenta miopisar suas vítimas. (FREIRE, Apud, GUIMARÃES,
2005, p. 74).
Na concepção de Milani (2003, p. 31), a construção de uma Cultura de Paz exige a
necessidade de transformações “indispensáveis para que a paz seja o princípio
23
governante de todas as relações humanas e sociais que vão desde a dimensão de
valores, atitudes e estilos de vida, até a estrutura econômica e jurídica e a participação
cidadã”.
A educação para a paz, segundo Milani (2003), baseado em Boulding (2000), é vista
como cultura de convivência de diversidades, reconhecimento e aceitação das
diferenças, incluindo fazeres, saberes e quereres próprios de cada segmento humano.
Esse diapasão de crenças, valores e maneiras de viver, bem como seus
correspondentes arranjos institucionais que promovem o zelo e o apego ao cuidado
com os componentes de seu grupo de identificação, demarcando assim o
compartilhamento de todos os recursos disponíveis com todos que se habilitam a isso.
Essas concepções nos remetem a perceber que uma sociedade que goza uma Cultura
de Paz reconhece a importância e naturalidade de integração de diferentes culturas
(CORREA, 2003, p. 97). A realização e o fortalecimento desta ideia nos defronta com
sua sequencia lógica de reavivamento da identidade pessoal e cultural dos grupos
envolvidos. vivência, reflexão e respeito aos valores éticos universais, educação
ambiental, sensibilização quanto a questões étnicas e de gênero, mobilização e
promoção do bem-estar coletivo, bem como aprendizado para que os conflitos sejam
resolvidos de forma pacífica e não de forma violenta, indo ao encontro do projeto éticopolítico profissional do Serviço Social.
A generalidade da cultura de paz proclama e perfaz equidade social, corrigindo os
cânions entre pobreza e riqueza. A doção de políticas públicas de equalização no
acesso e exercício de direitos sociais e civis básicos para aqueles grupos hoje
considerados minoritários. Estabelecer a convivência em harmonia significa possibilitar
condições de vida, educação, moradia, saúde, direito de expressão, liberdade de ir, vir,
permanecer, trabalho, dentre outros. (JARES, 2002, p. 78)
A educação para a paz se estabelece pelos caminhos da não-violência, compreensão
pelos limites e possibilidades do outro, capacidade de tolerar frustrações e propensão a
24
compreender as situações de outrem com a mesma medida que se exige para si. É
preciso estabelecer um código de ética planetário, que origine também novos códigos
de conduta dos habitantes do planeta.
A cultura para a paz prescreve igualmente uma odisséia contra toda a violência direta e
estrutural, assim como especial vigilância ao currículo explícito e ao currículo oculto da
violência (GUIMARÃES, 2003; 2005). Nesse sentido é necessário trabalhar valores,
mudanças de hábitos, condutas e práticas sociais eivadas da cultura atual. Para essa
boa nova, pessoas civilizadas que possam tornar consciência das forças opressivas e
lutar para a transformação social. Para dar inicio a um ambiente educativo da paz,
imprescinde que haja comunidade, vínculo, e a convergência direta entre paz e
sociedade inclusiva. Como afirma Milani (2003, p. 32), “construir uma cultura de paz é
promover transformações necessárias e indispensáveis para que a paz seja o princípio
governante de todas as relações humanas e sociais.”
Nessa caminhada, educadores, lideranças e a sociedade em geral vão traçando novas
perspectivas de superação de preconceitos e discriminações, desenvolvendo
potencialidades numa relação de convergência de interesses comuns, que levem ao
encontro de respostas para uma vida mais digna. “A cultura da educação para a paz
está voltada para valores como respeito aos direitos individuais e coletivos, tolerância,
solidariedade, diálogo, desenvolvimento e justiça social” (ABRAMOVAY, 2001, p. 19).
Guimarães (2006) aponta um grupo de sete premissas que devem fazer parte do
currículo das ações, daqueles que trabalham na perspectiva da educação para a paz:
- criar referenciais não-violentos e fortalecer conexões;
- formar consensos para a paz;
- fortalecer pessoas para serem ativistas de não-violência;
- abolir preconceitos e estereótipos;
- instrumentalizar a resolução não-violenta de conflitos;
- diminuir o potencial de agressão;
25
- criar aversão à violência, com atitudes anti-militaristas e rejeição da violência.
Pode-se destacar como componente decisivo na elaboração e sedimentação voltada
para uma cultura de paz, na perspectiva do enfrentamento da Questão Social e da
exclusão dos direitos, aceitar as diferenças e idiossincrasias dos homens e mulheres
em comunidade. Suas manifestações culturais, políticas, econômicas e sociais,
respondem por suas múltiplas e complexas compreensões do mundo, que ultrapassam
qualquer tendência de uniformização. É imprescindível que a coletividade adote em seu
fazer os fundamentos de uma cidadania que distinga as diferenças, visualize a unidade
na diversidade e vice-versa, que para tanto se faz necessário:
-
respeitar a vida e a dignidade de cada pessoa, sem discriminar nem prejudicar;
-
praticar a não-violência ativa, repelindo a violência em todas as suas formas;
-
cultivar a generosidade, a fim de terminar com a exclusão, a injustiça e a
opressão política e econômica;
-
defender a liberdade de expressão e a diversidade cultural, privilegiando sempre
a escuta e o diálogo, sem ceder ao fanatismo e a intolerância;
-
promover o consumo responsável e um modelo de desenvolvimento que tenha
em conta a importância de todas as formas de vida e o equilíbrio dos recursos
naturais do planeta;
-
contribuir com o desenvolvimento da comunidade, propiciando a plena
participação das mulheres e o respeito dos princípios democráticos, para criar
novas formas de solidariedade.
A Cultura da paz inscreve-se como linha divisória para o respeito aos direitos humanos
e transforma-se em área sulcada para que sejam assegurados os bastiões valorativos
fundamentais do ambiente democrática, como igualdade e justiça social.
26
O desafio é trabalhar na educação pela paz, onde o respeito aos direitos humanos e à
diversidade se traduzam concretamente na vida de cada cidadão.
Paulo Freire recebeu o Prêmio UNESCO 1986 da Educação para a Paz. Ao recebê-lo,
afirmou: ”A Paz se cria e se constitui com a superação das realidades sociais
perversas. A paz se cria e se constitui com a edificação incessante da justiça social. Por
isso não creio em nenhum esforço chamado de educação para a paz que, em lugar de
revelar o mundo das injustiças, o torne opaco e tenda a cegar suas vítimas”.
A inclusão provoca no outro um novo olhar, que é de ressignificação da identidade de
cada um no contexto da sociedade. Mas, mesmo tendo esse novo olhar, não se está
imune a crises nas relações, porque as mesmas são permeadas pelas influências
midiáticas e pelos condicionamento do mercado capitalista. Quando, nos sistemas de
atendimento, se trabalha com uma perspectiva “bancária” - no dizer de Freire - onde as
soluções são automáticas e pré-concebidas, a construção desse novo olhar é frustrada.
Para superar essa dificuldade, há que disseminar uma atitude profissional e cotidiana
que vá além da reprodução dos valores mercadológicos e competitivos.
Crianças negras, pobres, de famílias pauperizadas e monoparentais, estão muito mais
propensas a serem excluídas dos espaços comunitários, seja a escola, sejam os
centros de recreação.
Ressalte-se que modificar esse contexto, essa realidade
constituída, vai além dos limites institucionais e demanda o desenvolvimento de uma
competência operacional específica para seu enfrentamento, “pois essa realidade é
produzida por fenômenos sociais muito amplos e as instituições são reflexo da
sociedade, com seus problemas e suas soluções” (SILVA, 2004, p. 155).
A inclusão social buscada depende de que se desenvolva um processo que assegure
oportunidades de acesso não apenas às Políticas Públicas, mas também aos demais
bens sociais, de qualidade, oferecidos pelo Poder Público e/ou pela sociedade. Essa
inclusão requer que o sistema de atendimento no país - seja escolar, da saúde ou da
assistência - tenha preparação apropriada no decorrer de sua formação para o
exercício profissional. Essa necessidade se evidencia na medida em que se considere
27
que a inclusão requer mudanças na forma de pensar e de agir e nos valores dos
profissionais que atuam a serviço da sociedade em geral. Evidencia-se também porque,
por sua vez, a própria sociedade está repleta de desigualdades, pela natureza de sua
constituição histórica.
O assistente social é um trabalhador que intervém na realidade social, por seu fazer
profissional, e nessa esteira, há a faculdade da construção de um projeto societário que
se contraponha ao do status quo, do poder constituído e socialmente injusto. Para
tanto, ele é movido pelo projeto ético político da profissão, que, a partir de nosso olhar,
tem uma interface significativa com a cultura da paz e a não-violência.
A construção de uma cultura de paz constitui-se uma empreitada basal e interativa de
cada ser humano, pois somos reconhecidamente, sujeitos de ânimo e vocação pela
paz. Ela é um processo de trocas entre as pessoas, é algo que se cria e recria nas
relações humanas, nas organizações societárias e nas nações. A paz é uma urdidura
de gestos de índole não-violenta, e sua assimilação está na tessitura de infindos
meneios sociais e das interações cotidianas e não apenas nas grandes proclamações
históricas. A paz expande-se, derrama-se, circula e faz agir. Abre diálogos entre
ciências, artes, filosofias, ritos, religiões, práticas sociais, constituindo-se como um
nicho de convergência, confluências que fazem mesclar-se rumos, caminhos e lugares.
“Assim como o amor é aprendível, a paz é ensinável, mas isso só é possível através do
contínuo aprendizado” (BRANDÃO, 2005).
28
4 – A CONSTRUÇÃO DE UMA CULTURA DE PAZ - PROPOSTA DESENVOLVIDA
NO GRANDE ABC
O espaço de referência da pesquisa Projeto Construção Coletiva de Espaços e Tempos
de Paz, o qual foi proposto pelo Consórcio Intermunicipal do Grande ABC e executado
pela equipe de Coordenadores, supervisores e oficineiros da Associação dos
Pesquisadores de Núcleos de Estudos e Pesquisas sobre a Criança e o Adolescente
(NECA).
O Consórcio Intermunicipal Grande ABC é resultado do esforço e trabalho conjunto
dos sete municípios que integram a região do Grande ABC: Diadema, Mauá, Ribeirão
Pires, Rio Grande da Serra, Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do
Sul. Foi constituído como uma associação civil de direito privado em 19 de dezembro de
1990, atuando como órgão articulador de políticas públicas setoriais. Em 8 de fevereiro
de 2010 transformou-se legalmente em Consórcio Público para se adequar às
exigências da Lei Federal nº 11.107 de 2005, passando a integrar a administração
indireta dos Municípios Consorciados, com legitimidade para planejar e executar ações
de políticas pública de âmbito regional.
Uma série de condicionantes políticas, econômicas e sociais presentes no país e
especialmente na região do Grande ABC no final dos anos 80 levou à criação desta
instituição com legitimidade e identidade regional contributiva para o desenvolvimento
econômico e social da região.
Inicialmente os municípios empreenderam diversas ações consorciadas relacionadas as
políticas de saneamento básico e meio ambiente, além de ações na área da saúde e
educação, com destaque para as ações profissionalizantes, além da educação escolar
de trabalhadores jovens e adultos.
Como conseqüência da efetividade dessas iniciativas e da missão do Consórcio
Intermunicipal Grande ABC de construir, de maneira suprapartidária, o bem-estar
29
comum das comunidades que ali habitam, surgiu o Movimento Criança Prioridade 1,
providência emblemática a cumprir a legislação vigente, Lei 8.069/90 - ECA Estatuto da
Criança e do Adolescente, cuja doutrina, método e gestão reconhecem e garantem
direitos a todas as crianças brasileiras.
Sendo o ABCD paulista, por tradição e história recente, o celeiro de lutas por direitos
individuais e difusos de trabalhadores e famílias locais com desfecho para todo o país e
o nicho de discussões que antecipam os meandros da questão social brasileira,
oportunizou-se a discussão que possibilitou entre outros temas, do Projeto Construção
Coletiva de Espaços e Tempos de Paz. O projeto foi concebido e direcionado aos
vários segmentos dos servidores públicos municipais, bem como alunos, professores,
educadores sociais e jovens em medidas de proteção ou sócio educativas.
O projeto Construção Coletiva de Espaços e Tempos de Paz é subsidiário de uma
iniciativa de natureza global, e surgiu a partir de uma Assembléia Geral da ONU
(Organização das Nações Unidas) em 1997, quando os representantes dos países que
a integram escolheram o ano 2000 como o "Ano Internacional da Cultura de Paz".
Em 1998, elegeram a década de 2001-2010 como a "Década Internacional da Cultura
de Paz e Não-Violência para as Crianças do Mundo”.
Entre os diversos braços que compõem a ONU, existe a Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que traz em seu programa
mundial, um manifesto à prevenção e à resolução não-violenta dos conflitos,
fundamentados em respeitar a vida, rejeitar a violência, ser generoso, ouvir para
compreender, preservar o planeta, redescobrir a solidariedade.
Traz como colorário institucional o objetivo de construir a paz na mente dos homens por
meio da educação, da cultura, das ciências naturais e sociais e da comunicação. Para
tanto, estabeleceu três grandes diretrizes que devem ser utilizadas como guia para a
construção de uma Cultura de Paz:
30
1)Educação - o conhecimento baseado em quatro pilares: "aprender a conhecer",
"aprender a fazer", "aprender a viver junto", e "aprender a ser".
2) Direitos Humanos e luta contra a discriminação - esses direitos e essa luta exigem,
para a construção de uma cultura de paz: informar, defender e promover o respeito aos
direitos humanos para os povos do mundo.
3) Pluralismo cultural – a apreensão de que as pessoas não são iguais e a paz
pressupõe a aceitação das diferenças.
Sendo o ABCD paulista um conglomerado urbano de flagrante e mais evidente
conurbação do país, apresentando uma população total de 2.605.277 habitantes,
segundo o censo IBGE 2010, há a preocupação das autoridades de criar e disseminar
entre os agentes públicos, jovens e formadores de opinião, a discussão da construção
da cultura da paz. O vislumbre de uma convivência que se nutra como contraponto aos
agravos indesejáveis e inevitáveis das tensões urbanas, haja vista os altos índices de
violência na região.
A Associação dos Pesquisadores de Núcleos de Estudos e Pesquisas sobre a Criança
e o Adolescente (NECA), operador do projeto Construção Coletiva de Espaços e
Tempos de Paz, é uma Associação de Pesquisadores, sem fins lucrativos, que visa
contribuir efetivamente para a promoção e defesa da garantia de direitos de crianças,
adolescentes, de suas famílias e da comunidade. Por meio de estudos, pesquisas,
desenvolvimento de tecnologias/metodologias alternativas, atua por meio de produção
e divulgação de informações e de conhecimento técnico e científico.
Como princípios e crenças, os profissionais que compõem o NECA propõem:
Acreditar que, para construir espaços e tempos de paz, é preciso desenvolver e tornar
disponíveis meios que levem a mudanças de consciência e de comportamento.
31
Acreditar que praticar a paz é viver, construir e ensinar a paz, pois ela só será
alcançada se cada cidadão, nos diferentes ambientes em que convive se engajar
ativamente na construção de relações baseadas no respeito, no reconhecimento da
diversidade e na empatia.
Acreditar, por fim, que esta construção exige o esforço de todos na busca de soluções
comuns e consensuais, por meio de um diálogo que reconheça os outros seres
humanos como interlocutores válidos.
O Projeto Construção Coletiva de Espaços e Tempos de Paz teve como objetivo
semear ações e valores pacíficos construídos na coletividade, para a coletividade.
Compreendeu a realização de trinta e nove oficinas de quatro horas, durante dez
semanas nos sete municípios da região do ABCD Paulista, área metropolitana de São
Paulo, composta pelos municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São
Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
As oficinas do Projeto foram realizadas durante dez semanas e se somaram trinta e
nove no total, com quatro horas de duração cada. Tiveram como público alvo
professores, lideranças comunitárias, agentes públicos da área social, de segurança
pública e saúde, além de jovens e estudantes em cumprimento de medida sócio
educativa em meio aberto ou ligados aos movimentos sociais locais.
Os grupos foram formados por personagens de diversos segmentos, sendo sua maioria
funcionários públicos da educação, saúde, assistência social e segurança pública, que
foram designados por suas chefias imediatas para participarem dos cursos.
Os grupos com esse perfil de participante apresentou maior sustentabilidade, com
freqüência média de 80% nas oficinas, seguido de perto pelos participantes ligados a
grupos organizados em ONGs que defendem direitos humanos e promotores de defesa
de direitos de jovens e familiares.
32
Também com participação destacada, os professores, público alvo principal dos
organizadores, sendo que tais participações, em cerca de 30% das oficinas
apresentaram desistência ou evasão espontânea, sem justificativas plausíveis para
organizadores e colegas de curso.
A mediada de proteção de acolhimento institucional, preconizadas no Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8069/90), Art. 101, apresentou o maior número de
participantes, bem como os adolescentes em cumprimento de medidas sócioeducativas, Art. 112, com destaque para aqueles a quem foi prolatada as medidas
sócio-educativas de Prestação de Serviços à Comunidade, Art.117 e a Liberdade
Assistida, Art. 118 e 119.
Como forma de mobilização foram realizados encontros (seminários regionais e locais)
com a comunidade de modo a envolvê-las e introduzir a temática no foco de interesse
das organizações locais. Foram realizados também encontros mais específicos
(oficinas) com representantes do poder público dos diversos grupos que compunham
esse coletivo, além dos dirigentes e gestores públicos das respectivas secretarias
municipais envolvidas.
Os seminários serviram também para difundir o temário das oficinas e colher propostas
complementares ao programado pela equipe gestora do projeto. Oportunizaram por
extensão, o levantamento de expectativas sobre os resultados obtidos, a partir do
processo vivido durante a realização do projeto.
As oficinas foram momentos para que os participantes exercitassem o conhecer, o
fazer, o conviver e o ser; momentos de reflexão sobre como se relacionam uns com os
outros e de criação de novas práticas para estar no mundo, conforme os princípios de
uma cultura de paz.
33
De uma forma mais concisa, as oficinas objetivaram oportunizar experiências de
atividades relacionais criativas, significativas, integradas e socializadoras com de meios
e funções diferenciadas, protagonistas de políticas públicas municipais.
Também buscaram valorizar o desenvolvimento de capacidades de pensamentos e de
atitudes favoráveis ao convívio pacífico, a partir das discussões e experiências
individuais.
De maneira prática e utilitária, as oficinas intuíram em seus participantes, pela reflexão
e experiências discutidas e examinadas, a preparação para uma intervenção útil e
responsável na comunidade em que vivem, residem e atuam profissionalmente;
As
oficinas
promoveram,
de
forma
geral,
situações
que
favoreceram
o
autoconhecimento de cada participante, sua relação com o outro e a dimensão da
cultura introjetada pelas práticas sociais irrefletidas.
No coletivo e para o coletivo, as situações de ensino-aprendizagem criadas, formais ou
não formais, fomentaram a expressão de interesses, e a experimentação de ações que
constroem uma cultura de paz. Alem disso desenvolveram a momentos de formação
global, em que o preceito das condições de igualdade de oportunidades, respeito pela
diferença e autonomia de cada um, foi perseguido em cada momento da atividade.
Os oficineiros reuniam-se uma vez por semana para trocar informações se ajustar os
planos. Os doze oficineiros, todos graduados nas ciências humanas e alguns cursando
a pós-graduação, eram divididos em três grupos de quatro coordenadores que lhes
serviam de ouvidores e interpretadores dos problemas que surgiam nas oficinas.
As oficinas foram todas realizadas em dias e locais apontados pelo poder público de
cada município e consistia na liberação do ponto nas respectivas secretarias dos
participantes. A assinatura na lista de presença era obrigatória, em seguida repassada
aos coordenadores dos municípios que aferiam a participação.
34
Foram realizadas 39 oficinas com trinta participantes cada uma, sendo 13 oficinas em
Santo André, 10 em Diadema e São Bernardo do Campo, 3 oficinas em Mauá, e uma
oficina em Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra e São Caetano, respectivamente.
De uma forma geral os participantes demonstraram interesse e assiduidade nas
oficinas. Ainda que algumas discussões embrenhassem pelo senso comum, as
oportunidades de discussões possibilitaram que os próprios grupos criassem seus
parâmetros de avaliação sobre como os respectivos colegas e profissionais acessam
informação e formação, bem como suas posições mais substanciadas, desenvolvidas e
reproduzidas no cotidiano de suas atuações profissionais.
Em diversas situações as discussões revelaram profissionais e agentes públicos
desesperançados de seu fazer coletivo, que por razões subjetivas e ideológicas,
chegam a legitimar irrefletidamente atos de violência em suas vidas cotidianas,
deixando transparecer sua conduta provável nas salas de atendimento ao público,
sejam eles alunos, pacientes, professores, usuários da assistência ou vítimas de
catástrofes.
As oficinas seguiram uma lógica de discutir a subjetividade na relação direta com o
coletivo e vice-versa, constituindo um diálogo de inúmeras portas de entrada, para um
terreno cujo assunto culminante consistia em rever ações, reavaliar posicionamentos,
questionar valores e promover a comunicação não-violenta.
Como preparativos das aulas temos hoje para análise, o demonstrativo das atividades,
os exemplos concretos das seguintes oficinas-padrão, tomando por base as atividades
conduzidas nos municípios de Santo André e Mauá.
Oficina 1
Tema: Acolhida permanente
Objetivo:
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Acolher os participantes a cada encontro, promovendo a integração de todos aos
objetivos da atividade e suas ramificações para a temática da paz
Atividade - Integração
Técnica do Nome e Predicado: Sentados em círculo, cada participante diz o seu nome
e um predicado com a letra inicial de seu nome representando algum aspecto de sua
personalidade, devendo usar a frase: bom dia e em seguida o nome do seu vizinho de
cadeira. Sucessivamente os participantes apresentam-se, revelando suas autoimagens, comunicando ao grupo seu modo de perceber o mundo a sua volta.
Vivência cotidiana
Em grupo, cada participante narra episódio recente que tenha protagonizado ou
presenciado gestos de solidariedade e respeito pelos direitos de outrem, teorizando
sobre os pontos determinantes que diferenciaram esse comportamento de situações
opostas. O grupo identifica ou reconstrói uma história, para ser apresentada ao grupo
maior.
Fundamentação
Leitura de breve texto “A função da arte” extraído do "Livro dos Abraços", de Eduardo
Galeano. A leitura foi realizada no grupo grande. A leitura oportuniza debate, reflexão e
apontamentos mediados pelo facilitador, com diálogo aberto com todos.
O mapa conceitual foi aplicado como forma de suscitar os conceitos e expectativas dos
participantes.
Análise Genérica das Oficinas, considerando o item Acolhimento dos Participantes:
O perfil heterogêneo dos participantes constituiu-se de pessoas entre dezesseis a
setenta anos, funcionários públicos, professores do ensino fundamental e médio,
agentes de saúde, policiais, bombeiros militares, adolescentes de grêmios estudantis,
adolescentes cumprindo mediadas sócio educativas, lideranças comunitárias, donas de
casa, assistentes sociais, psicólogas, pedagogos, diretores de escolas e de unidades
de atendimento ao público nas diversas políticas públicas.
36
Os locais dos encontros, todos desse recorte foram equipamentos públicos localizados
em bairros da periferia urbana dos Municípios.
Os espaços físicos, todos adequados com iluminação e acomodação para até quarenta
pessoas. Os recursos áudio visuais, bem como condições para alimentação rápida nos
intervalos,
foram
garantidos
pelos
equipamentos
públicos utilizados.
Quando
necessário esses locais dispunham de espaço em local aberto, além de biblioteca e
disponibilidade para utilização em qualquer dia da semana, inclusive nos fins de
semana.
As turmas, por seu perfil etário, diversidade de interesse individual, característica
funcional e profissional, idiossincrasias e história pessoal com o tema da cultura de paz
requereram atenção especial do facilitador para as discussões, considerando as
posições sedimentadas de todas acerca do tema da paz. A discrepância de visões e o
natural senso comum nas abordagens iniciais sobre a discussão formaram tempero e
dissonância na evolução dos encontros.
O Planejado, fruto da primeira supervisão no NECA, foi aplicado, guardando-se as
adaptações que a ocasião impunha.
As dinâmicas utilizadas foram sempre muito bem aceitas pelo grupo e cumpriram sua
função de apoio, aquecimento e envolvimento dos participantes.
A apresentação da proposta predispôs a todos, a partir dos grupos nos quais os
participantes discutiram entre si sobre o que esperavam da oficina, quais seus
conhecimentos sobre o tema da paz.
Através do mapa conceitual construímos uma primeira versão dos conceitos.
Realizamos uma reflexão sobre o produzido e fizemos a avaliação e o início da
construção de uma “colcha coletiva”, onde todos e a cada encontro, registraram suas
avaliações, comentários espontâneos e derivações dos sentimentos e inquietações
provindas da atividade de realizada.
37
Em caráter geral, nos casos aqui apresentados, foram cumprimos o programado, tendo
sido usado mais de 90% do tempo destinado à oficina e remetendo para o próximo
encontro algumas propostas de retomar a mobilização a fim de garantir a continuidade
do grupo sem desistências.
Oficina 2
Tema: Convivência familiar
Objetivo:
Discutir os eventos da temática da cultura de paz, a partir da categoria convivência
familiar, construindo conceitos e valores sobre comunicação não violenta.
Atividade - Integração
A música e sua singularidade contribuíram para apetecer os presentes no clima de
oficina com o objetivo que propunha. A Dança circular, movimento rítmico e
coreografado auxilia nessa guisa de concentração e impacta os presentes para a
atividade a seguir. A música Alma, do álbum Sortimento da artista Zélia Duncan, foi
usada para incidir na dinâmica do grupo.
Vivência cotidiana
Realização de trabalho em grupos, usando colagem a partir de manchetes de jornal,
matérias jornalísticas de revistas. Também utilização de desenhos de próprio punho dos
participantes, desde que servissem de base para enriquecer a discussão.
Fundamentação
Apresentação em texto e slides de material sobre o perfil da família ao longo últimos
quarenta anos, suas dissidências, formas de organização e demais caracterizações
sociais.
Análise Genérica Das Oficinas, Considerando O Item Convivência Familiar
38
O trabalho remete a questões de ordem pessoal e surgem as mais diversas
configurações familiares com suas respectivas interpretações de si. O diferente do outro
sempre surpreende e choca, deixando transparecer a irreflexão desses atos como
açodadores da cultura de paz ser tantas vezes negada no seio familiar.
As histórias e discussões se sobrepõem e as relações de gênero, sobretudo com o
papel da mulher na sociedade vindo a pauta. A noção da família que passa por uma
forte transição escapa da análise e as explicações para os chamados desacertos das
famílias na sua comunicação, deslizam do trabalho fora das mulheres, às drogas e a
alienação do homem. O temário patina quando as argumentações, algo inconclusas,
demonstram um esgotamento por inanição.
A possibilidade da cultura de paz se torna virtual para a maioria dos participantes, que
consideram a ocorrência constante dos filhos de pais separados na sociedade, a falta
de limites aos filhos, as condições da escola e a ausência das políticas públicas, um
fato irreparável.
A violência doméstica ameaça aparecer no debate. A provocação do mediador afeta o
grupo, mas não surte efeito o efeito necessário e em mais um fórum, por consenso e
culpabilização, a família é responsabilizada como pouco produtiva, também para
promover a cultura da paz.O assunto seguirá no próximo encontro.
Oficina 3
Tema: Solidariedade
Objetivo
Construir conceito de solidariedade como componente indissociável do cotidiano que se
instaura nas relações de homens e mulheres, tornando-os potenciais agentes de sua
história.
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Atividade - Integração
Dinâmica de grupo denominada “escultura de papel”. Cada participante faz uma
escultura do papel disponível, em folhas de papel sulfite. Em seguida faculta-se que
cada participante escolha uma escultura de outro participante e una-se a ele para
interpretar e trocar a experiência do realizado. Terminada a discussão, uma etapa
dançante reúne também ao acaso dois participantes para construir uma história tendo
por base as duas esculturas analisadas pela nova dupla.
Vivência cotidiana
Após as apresentações das histórias, estas são confrontadas por relatos previamente
preparados pelo facilitador e agora apresentados aos participantes.
Conclui-se por singularidades e coincidências e o debate se estabelece.
Fundamentação
Leitura do Texto Violência e Cidadania (1997) da Professora Maria Lúcia de Arruda
Aranha. Reflexão e intenso debate sobre os conceitos e sua relação prática com o
cotidiano individual e coletivo de cada um. O Texto oportuniza uma evidenciação dos
níveis de violência que ela chama de violência branca e violência vermelha, para se
referir as formas mais veladas e escancaradas, respectivamente, de violência que no
dia a dia, é manifestado para os indivíduos. Contrapõe paz e violência
Como complemento a audição do Texto “O Alfabeto” do livro Palavras ao Vento (2006)
de Adriana Falcão. O texto declamado pelo ator Lázaro Ramos é permite uma
discussão do como podemos escrever diferente nosso cotidiano, tomando por base as
interpretações inusitadas, bem humoradas e óbvias que a autora apresenta no livro.
Análise genérica das oficinas, considerando o item solidariedade:
Formulamos diversos conceitos de violência e elegemos a forma de ser trabalhado no
grupo. O tema Solidariedade teve boa recepção entre os participantes
40
O grupo tem história e sua expectativa é bastante positiva na convivência na oficina. A
história de vida sedimentou conceitos que a religião ajudou a cristalizar tornando pouco
permeável a mudanças, do dizer das próprias. Contudo, reconhecem suas posições
estratégicas em sociedade para apresentar outra leitura de mundo para seus alunos.
Ressalte-se que o grupo é composto majoritariamente por professoras e coordenadoras
pedagógicas de escolas públicas, além de agentes de segurança publica e enfermeiras.
Foram adoráveis em sua recepção, mas extremamente ansiosas com processos
construtivistas, esperando soluções claras, rápidas e eficientes para o problema da
violência, temática que lhes foi explicada como sendo a razão da oficina.
O grupo, embora com número menor de participantes em relação ao início das
atividades, apresenta ótimo relacionamento, demanda discussão, e testa o oficineiro,
por curiosidade e desejo de conhecer, sobre vários assuntos derivados do tema
principal. A oficina tem sido estimulante.
Reflexão e intenso debate sobre os conceitos e sua relação prática com o cotidiano
individual e coletivo de cada um. O Texto contribui para a reflexão de como preservar e
promover direitos no ambiente escolar, com vistas a construir uma atmosfera de paz.
Oficina 4
Tema: A paz de cada um
Objetivo
Aprofundar os conceitos trazidos pelo grupo e ressignificar a prática cotidiana de cada
um.
Atividade - Integração
Dinâmica de grupo “Quebra de Paradigmas”. Consiste na reprodução de ditados
populares conhecidos por todos, apenas que, nesse caso, apresentam desfecho
diferente do usual quando usados no cotidiano.
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Vivência cotidiana
Discussão sobre os ditados populares. Seu poder de comunicação e de fazer valer
verdades. Sua função de, em tantas situações, veicular preconceitos e formas de
opressão e desagregação.
Fundamentação
Leitura do Texto Educação para a Cidadania e uma Cultura de Paz (2008) da Jornalista
e Professora Celma Tavares.
O tema mais complexo gerou muitas polêmicas. Contudo as discussões trouxeram a
perspectiva de cada um no seu papel profissional e até individual. Infelizmente, por
razões de tempo não foi possível construir os indicadores de auto-reconhecimento
como agente da paz. As intenções ficaram no ar e no olhar expressivo de cada uma.
O grupo tem uma linda maneira de auto avaliar-se e projetar sobre si, se algumas
culpas, muitas das reais possibilidades de mudar seu próprio entorno. Esse grupo traz
consigo a possibilidade de ser diferente e parece não se intimidar com as dificuldades
conjunturais e estruturais de seu município. Com mínimas exceções, todas apresentam
uma razão em riste, a lógica que transcende as mediocridades das instituições. Quisera
tivessem o apoio e o aporte necessários. Um mundo novo habita e espreita aquele
pequeno grupo de educadoras.
Análise genérica das oficinas, considerando o item “A Paz de cada um”
O grupo mantém sua performance de participação e interesse nas discussões. A
qualidade das observações, as possibilidades de aprofundamento dos conceitos, à luz
das experiências de cada um, tem adensado as oficinas. Os profissionais
reiteradamente trazem suas situações problemas para o debate como forma de
enriquecer suas práticas com atitudes de não violência, sejam estas simbólicas ou não.
A função profissional de coordenação de vários dos participantes facilita as discussões
tornando fácil a comunicação. Contudo o fato de ter uma minoria que não detém
recursos para a decifração total das discussões, algumas vezes os deixa ao largo da
42
totalidade do assunto em pauta. Assim também como gera em meio aos
coordenadores, um ar de exigência maior, quando suas idéias, não são bem aceitas por
outro do grupo.
Concluir essa oficina foi gratificante. Se erros foram cometidos e embaraços vividos, foi
fascinante apresentar a reflexão sobre temas tão caros a todos nós que compomos o
NECA e tão distantes de quem está na prática, em um município que teoricamente
compõe a geopolítica do poder econômico desse país.
Coloco em relevo a importância de acompanhar o interesse crescente pelos assuntos
que remetem a direitos, cidadania, justiça. A sucessiva solicitação de bibliografia, filmes
e outros recursos, revelam o atingimento dos objetivos, senão com a totalidade dos
participantes, sobretudo a inicial, pelo menos com uma maioria qualificada, decidida
ainda que represada, compromissada e vibrante de profissionais que nos fazem crer
cada vez mais naquilo que falamos e anunciamos.
Nesse sentido, o tema nos faz refletir sobre o princípio metodológico bíblico de que
sempre serão muitos os chamados, mas os escolhidos, aqueles que se escolhem serão
poucos, para concentrar melhor a decisão.
Dadas as circunstancias, consideradas todas as nuanças da proposta, foi instigante,
mais uma vez, constatar e flertar com o tantas vezes insondável núcleo indestrutível do
ser humano quando este preza pela vida e sempre considera a vida outro.
Encerramos com o clipe musical da cantora Marisa Monte, Gentileza (2000), cuja
canção narra a história de um personagem da cidade do Rio de Janeiro que, após viver
um evento trágico, modifica sua visão de mundo e começa a influenciar na vida de seus
semelhantes.
O formato de oficinas apresentou-se adequado para esse fim, de discutir a cultura de
paz. Possibilitou em porções palatáveis, que os profissionais pudessem erigir um novo
43
patamar de discussão para esse fim, ainda que as primeiras impressões fossem de
perda de tempo ou qualquer outro exercício ocioso. A cada encontro distinguiam-se
entre os presentes, aqueles grupos com os quais a humanidade pode contar para
disseminar direitos e asseverar deveres. Ainda que o tema tenha sido introdutório, a
primeira vista nos faz enxergar que uma centelha contraditória foi encravada, em brasa
viva, no cipoal de joio que a messe da paz ainda tem que caminhar para prevalecer.
44
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando Stanley Kubrick concebeu seu “2001: Uma Odisséia no Espaço” em 1969,
criou uma metáfora definitiva da passagem do tempo entre a caverna e a conquista do
cosmos pelo homem, entre a barbárie mais primitiva e a sofisticação tecnológica que
expande os horizontes humanos, tornando-o senhor de si e agente de seu
desenvolvimento quase que sem limites.
Quando a revolução da microeletrônica passa a presidir as relações do homem na
segunda metade do século vinte, é como se um novo osso planasse pelo espaço
arremessado por um moderno neardenthal, só que dessa vez para não ir tão longe,
senão dentro do próprio universo, de sua mais ontológica dimensão: o eu e sua relação
em sociedade.
A velocidade da comunicação, a relativização dos valores, a perversa globalização da
economia de mão única, a verticalização dos desejos e vontades, trouxe para o
ambiente humano a premissa básica de que é preciso competir. Essa velocidade em
prevalecer, traz consigo a máxima da competição: alguém vai fracassar.
Quem não consegue alcançar os códigos dessa modernidade instantânea em suas
inovações, é alijado do processo e parece regredir aos primeiros minutos do filme de
Kubrick.
Esse cenário competitivo, confirmação esdrúxula da seleção natural de Darwin facilitou
suas conseqüências e entramos na segunda década do terceiro milênio com o
acirramento do fundamentalismo religioso, o recrudescimento dos conflitos étnicos, a
cristalização da miséria de quase dois terços da população mundial que já não dispõem
somente de alimentos, mas também de água, remédios, tecnologia, educação, futuro.
Essa condenação inspirada nas modelagens mercantis do ocidente parece criar para o
sempre desse presente, aquilo que os antropólogos chamam de homo sacer, aquele
que pode ser morto sem punição, já que para a lei ele não tem validade.
45
Trazer à luz a discussão da paz em ambiente tão inóspito a ela é tarefa igualmente
controversa, impermeável, flertando com o delirante e o dogmático, dependendo do
interlocutor. Mais ainda. Parece não haver possibilidade de suplantarmos a relação
cronicamente imposta a sociedade, de que a paz é um utensílio de tolos, inebriados
com uma causa perdida, alheia aos vencedores e inversa a todo formato de sucesso
que essa civilização considera como normatizado e pronto a ser reproduzida para as
próximas gerações.
Permeando essa discussão pouco razoável, temos um tempero agregador: a ética. Não
a ética para os outros, mas aquela que vale para todos, aquela que se estende dos
condicionantes ambientais à relação com meu entorno, e em quem eu vou voto para
me representar nos poderes constituídos.
Daí a contemporaneidade legítima para a discussão da paz. A formação do cidadão
que ajude a conduzir as veredas da humanidade em um curso alternativo e alterativo
que começa com preparação do homem, do ser humano.
O perfilamento desse cidadão imprescinde de informação, de ferramentas adequadas,
formação acadêmica, e conexão com o mundo. Contudo, precisa fundamentalmente de
sentimento de sociedade. Carece incomodar-se com as injustiças, a perceber que, sem
prejuízo de suas atribuições, sonhos, idiossincrasias e resultados esperados, é um ator
de ponta para que o globo sobreviva de si mesmo. Do cidadão humanista, seguro,
competente, exato e fiel, espera-se também o agente disseminador do que nos
preserve a todos, o protagonista de um roteiro que nos promova por inteiros, que
contribua com o estabelecimento do hoje e do devir.
Como argumenta D'Ambrosio (2008) a paz precisa ser o centro de nossas reflexões
sobre o futuro. Quando a paz é abandonada, todas as outras relações humanas estão
em perigo e o equívoco supremo sobre o tema é achar que esta, a paz, se contradita
automática e similarmente às guerras, condições beliciosas com envolvimento militar.
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Como conceito de muitas dimensões, apresenta sangria social no dia a dia, no
cotidiano do mais comum dos viventes. É nessa objetividade da subjetividade que o
comportamento da paz se constrói, se constitui e dissemina suas consequencias e
efeitos nos eixos seminais da existência humana.
O Projeto Construção Coletiva de Espaços e Tempos de Paz teve como última
instância, o objetivo reavivar em segmentos substantivos da municipalidade da região
do grande ABCD paulista, aquilo que compõe o fundamento dos grandes relatos da
humanidade, aquilo que habita as crenças na eternidade dos deuses: o ser humano foi
feito para viver em paz (D'Ambrosio, 2008).
Na região onde aconteceram as oficinas, o tema surgiu muito mais como demanda
técnica e administrativa do que como resultado de alguma pesquisa com a população
ou apontamento de solução para os eventos que negam a paz, na convivência daquela
comunidade. Não constou que a atividade fosse um investimento pela crença cerrada
que o tema pudesse alongar-se como conteúdo a habitar os currículos e demais
instrumentos de formação de funcionários públicos ou profissionais de organizações
não governamentais.
È importante ressaltar que apesar dessa constatação, somente a configuração
consorciada existente na região do grande ABCD paulista pode introduzir de forma tão
abrangente em território difuso e demograficamente complexo, a temática em pauta.
Como ação subsidiária, essa iniciativa pode redundar no prodígio de alimentar as
demais políticas públicas, com destaque para a própria concepção de segurança
cidadã, ou, Segurança Pública Humana. Nessa concepção, o cidadão passa a ser o
marco referencial em sua relações cotidianas, considerada como um conjunto de
condições que possibilitam um nível de tranqüilidade para viver, ou a construção diária
da cultura da Paz.
47
Mais que simplesmente ações preventivas, se tratam de uma verdadeira quebra de
paradigmas no campo das ralações em comunidade. Este movimento não acontece
apenas no Brasil, ao contrário, trata-se de um movimento internacional, do qual nosso
país faz parte, e que, em outros locais podemos encontrar experiências exitosas como
referência.
Esta nova localização político-institucional da segurança cidadã e cultura de paz,
procura resgatar as mais recentes conquistas da cidadania no Brasil e no mundo.
Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a pessoa, deve ser
tomada como referência para a organização dos Estados, e, por conseguinte para a
concepção das políticas públicas. Concerne, em essência, a tutela efetiva de uma parte
de amplo espectro de direitos humanos: o direito a vida, a integridade pessoal e outros
direitos inerentes ao foro mais pessoal (não violação de domicílio, a liberdade de ir e vir
etc.), assim como o direito de desfrutar dos próprios bens. No Brasil, a Constituição de
1988, afirma uma série de Direitos aos Cidadãos e deveres ao Estado, como princípio
norteador da organização social e política nacional. Isto não isenta a identificação e a
cobrança dos deveres de cada um, mas assume o compromisso público com a
qualidade de vida como valor maior da Nação.
A cultura de paz, neste sentido, inclui a atenção aos atos humanos, ao controverso da
violência e também a prevenção de acidentes e calamidades públicas e,
principalmente, a construção do sentimento de pertencimento social, que está na base
do convívio pacífico.
A máxima da cultura de paz pode acrescentar a um território como o ABCD paulista, a
quebra de um paradigma de que os fenômenos sociais de violência ou de intolerância
são missões a serem corrigidas por uma institucionalidade pública, policialesca e
repressora. Não será desnecessária esta. Aliás, se obriga sua existência consistente e
eficaz. Contudo, como elemento auxiliar típico de uma sociedade democrática e com
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direitos constituídos, que o cidadão dito e percebido como comum, cumpra sua parte, a
começar pelo seu âmbito primordial: seu cotidiano.
Ao senso comum, aos meios de comunicação, e, mesmo aos profissionais de
segurança tradicional, os brados por equipamentos e legislação mais severa contra os
atos violentos, parecem um hino repetido a exaustão, cujo descumprimento explicaria
todo agravamento da ausência de uma paz pública positiva.
Superar estes entendimentos sem abrir espaço para o desregramento e o arrivismo é
um desafio de longo prazo, mas que exige seu início imediato, sob o risco de entrarmos
na ciranda sem fim da “violência para combater a violência”.
Ter o cidadão como referência para a definição das ações da cultura da paz, torna as
coisas menos simplistas, e, aumenta o compromisso de todos com a questão. Para
tanto, em primeiro lugar, precisamos envolver os cidadãos e suas organizações,
enquanto sujeitos na definição e construção das ações de uma convivência cidadã.
Só por isso o Projeto Construção Coletiva de Espaços e Tempos de Paz já teria
cumprido sua parte naquele território. Quando agrupou cerca de novecentas pessoas,
parte significativa delas com poderes, ainda que pequenos, mas de decisão no dia a dia
dos municípios, o projeto galgou o sentido de que, sem o protagonismo da população,
sobretudo de suas lideranças e formuladores de opinião participando da iniciativa,
quaisquer propostas de cultura de paz não será próspera. Qualquer investimento que
descarte o cidadão e sua participação concreta na rotina das cidades resta limitada à
materialidade e não produz as transformações subjetivas necessárias ao convívio
cidadão.
Quando se convoca esse sujeito e cidadão se está promovendo a nova cultura,
baseada no sentido de reciprocidade, respeito à diversidade, valorização da vida
humana, e, fortalecimento da identidade comunitária e da coletividade. Esta estratégia
49
também tem o potencial de influir diretamente sobre os problemas de segurança local,
assim como de captar maior atenção da comunidade, que hoje se sente parte do
problema, para que se veja também como parte de suas soluções, com o advento de
uma cultura de paz.
Não podemos isentar, obviamente, o papel do poder público neste processo. Este tem a
missão de investir na elaboração de estratégias para a efetivação de uma cultura de
paz. Suas instituições precisam ser aprimoradas para bem desempenhar o seu papel e,
mais ainda, para mostrar a diferença de sua atuação a ponto de cativar a confiança
necessária à participação. É preciso que os órgãos policiais mostrem claramente “de
que lado estão”, isto é, que se coloquem como defensores da pessoa humana, acima,
até mesmo, da propriedade privada, sem, contudo, negligenciar também este direito.
A participação e o compromisso crítico com a cultura da paz, aqui referidos, passam
longe das manifestações do tipo “basta de violência”, ou “queremos justiça” a que
estamos – infelizmente – acostumados a ver. Significam um mergulho na raiz da
questão, recriando as condições para o desenvolvimento da nova cultura da
convivência. O investimento deve incidir nas pessoas e em particular, friso sem temer
pela ênfase, na vida cotidiana, a que surge no interior da família e do bairro.
Diariamente milhares de cidadãos e cidadãs, crianças e adolescentes sofrem com a
ausência de uma cultura de paz. Não será exagero afirmar que parte desse público
ignora sua possibilidade, como tantas vezes nas oficinas, pudemos flagrar na
desesperança e omissão de alguns participantes, com o tema.
Como oficineiro e profissional da educação, com vivência plena e extensa na
assistência social nos últimos vinte e cinco anos, mas principalmente como militante
dos direitos humanos desde que „adolesci‟ nos rincões do Estado do Pará, norte do
Brasil, foi peculiar enfrentar turmas de trinta pessoas, que inicialmente contemplavam
minha missão diante deles como se fora um extraterrestre recém-chegado ao planeta.
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Não há como ser diferente e apesar da naturalidade que a idade explica coisas e nos
faz decifrar códigos indevassáveis, pus minha profissionalidade à prova dos
desencontros e da novidade de explicar por caminhos diferentes, o que sempre
acreditei e fortaleci.
Em todos os momentos ali falei as verdades que me movem, que me trazem sem
nenhuma condecoração, ao palco dos que insistem no ideário humanista, da convicção
da vida como direito em tudo que ela permeia e produz. Balizado pelo sentimento e
entendimento, lembro agora de Bruckner (2006), quando afirma “que somos a primeira
civilização que se sente infeliz por não ser feliz; no fundo, a primeira civilização para a
qual a tristeza e a dor, a doença e a decadência, a velhice e a morte são vistas como
aberrações que não estavam no programa”. Esse hedonismo liberal nunca esteve tão
em voga na história dessa humanidade, e em cujo terreno arado para si, não florescem
as pétalas do nosso bem querer.
Após confundir meu coração, aqueles instantes recuperaram o letramento da minha
razão e do meu planejamento de oficineiro, saberia desde sempre que não conseguiria
oferecer os “saaras metafísicos” esperados por parte da platéia. Não seria eu,
testemunha interativa e de co-autoria renomada em tantos atos de direitos com jovens
crianças e seus familiares, que estaria ali, promovendo hagiografia cristã.
Se é verdade que todas as nossas verdades sucumbem nos galhos secos da realidade
em riste, entendi que minha ação didática, se jamais, por enredo e intencionalidade
ultrapassaria os limites da fogueira da noite, aquela que aquece quem está perto, mas
não jamais iluminará a totalidade das trevas, compreendi que falar de cultura de paz
para agentes públicos de tão estratégica região do país era uma responsabilidade
insólita e ilustre.
Quando Fernando Pessoa (1930) asseverou que “navegar é preciso”, alguns se
51
enganaram com os gumes de sua retórica. Para além de o verbo precisar travestido e
compreendido como necessidade, o poeta nos ensinou que essa navegação é exata,
refinada, precisa pela excelência de sua virtude.
Assim complemento meu pensamento ao sufragar a paz para os territórios humanos,
com a clareza teórico-prática de que essa frente de luta pela paz é precisa, instigante e
insubstituivelmente humana.
Se o discurso pela cultura de paz é uma algaravia tediosa para tantos estes que
preferem seguir, cada qual na direção dos seus equívocos particulares que
comprometem o mundo coletivo persiste ainda nesse nevoeiro ontológico, a ideia
progressista de que os homens e mulheres de nossa espécie podem ser mais
responsáveis com seus destinos.
Que de posse de seus sonhos legítimos que incluem sempre mais alguém, singrem o
percurso de serem senhores de suas almas e de uma perfeição possível,
dialeticamente proporcional com as muitas promessa que trouxeram ao nascer.
Por fim, a experiência do Projeto Construção Coletiva de Espaços e Tempos de Paz no
grande ABCD paulista foi capaz de mover centenas de pessoas para falar e ouvir falar
de cultura de paz. Na microfísica de cada um participante, ampliando-se nas suas
relações pessoais e profissionais foi esclarecida que a guinada atitudinal de si é o
grande elo significante de nossa mudança de linguagem acusatória, rotulação e
julgamentos para uma comunicação transparente e edificante.
O Serviço Social, área do conhecimento que presume o direito como válvula maior na
compreensão das relações sociais presentes na sociedade como um todo e que
preceitua a democracia como estado de direito garantidor dos mínimos sociais,
inscreve-se na discussão ainda tenra da cultura de paz, com seu cabedal histórico de
promover e preservar o ser humano sob qualquer situação. Assim faz quando contribui
com essa pax que vai à luta, buscando nas experiências possíveis, romper com a
52
emergência silenciosa dos que ignoram por preconceito ou displicência, os diversos
campos da luta política pelo sublime que o homem, em si, reserva para seus pares.
Como desfecho derradeiro, deixo para livre interpretação, a fala talvez repetida, mas
esperançada, tolerante e altruísta de uma das mais atuantes participantes nos grupos.
Contou-nos ela que ao ser inquirido aquele prisioneiro que escreveu poemas de amor
refinados no cárcere severo, como conseguiu isso, respondeu: “foi fácil. Apenas
desvalorizei as paredes”.
53
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VELOSO, Caetano. Álbum Circuladô. Gravadora Universal, Selo Phillips, 1991.
56
ANEXOS
OFICINA CONSTRUÇÃO COLETIVA DE TEMPOS E ESPAÇOS DE PAZ
AVALIAÇÃO DO 1º ENCONTRO
Data: ____/____/2006
Ofineiro (a) responsável pela oficina: _____________________
Como você avalia as atividades que foram realizadas hoje.
Local:
( ) Ótimo
( ) Bom
( ) Regular
( ) Ruim
Horário:
( ) Ótimo
( ) Bom
( ) Regular
( ) Ruim
N. de Participantes:
( ) Ótimo
O desempenho do oficneiro(a):
( ) Bom
( ) Regular
( ) Ruim
( ) Ótimo
( ) Bom
( ) Regular
Envolvimento do grupo:
( ) Ótimo
( ) Bom
( ) Regular
Conteúdos:
( ) Ótimo
( ) Bom
( ) Regular
( ) Ruim
Dinâmicas:
( ) Ótimo
( ) Bom
( ) Regular
( ) Ruim
( ) Ruim
( ) Ruim
Espaço Livre (críticas, sugestões, comentários gerais) ..........................................................
.......................................................................................................................................................
.......................................................................................................................................................
.......................................................................................................................................................
Obrigada pela participação.
57
2 – CARTILHA RESULTANTE DAS OFICINAS DO
Projeto Construção Coletiva de Espaços e Tempos de Paz – ABCD / SP
(capa)
Construção coletiva de espaços e tempos de paz
58
DEZ PASSOS DE UM CAMINHO PARA A CONSTRUÇÃO UMA CULTURA DE PAZ
Programa Nacional
Paz nas escolas
59
dos
Cartilha “Dez passos
de
de um caminho para
Núcleos de Estudos e
(a construção) da paz”
Secretaria Especial de
Associação
Direitos
Pesquisadores
Humanos
Governo Federal
Programa
Paz
nas
Escolas
Responsável:
Pesquisas
sobre
a
Criança e o Adolescente
Paulo
– NECA
Pesquisa e textos:
Marques
Mª Emilia A.N. Bretan
Presidente:
Consórcio Intermunicipal
Myrian
Veras Baptista
Paula Freire
Silvia Losacco
do Grande ABC
Willian Dib - Presidente
___________________
__
Revisão: Mª Emilia A.
N. Bretan
Movimento
Criança
Prioridade 1
Coordenação:
Coordenação
Técnica:
Regina Reis
Projeto Gráfico:
Marlene
Zola
Assessoria
Jurídica:
Mirtes
Construção Coletiva de
Grupo de Trabalho para
Espaços e Tempos de
o
Paz
Coletiva de Espaços e
Coordenação:
Silvia
Projeto
Construção
Tempos de Paz:
Losacco
Diadema: Ana Lúcia
Rua Wanderley, 1736
CEP
___________________
__
Mauá:
LOGO SEDH
Grecco
Silvia
Regina
Endereço SEDH
Ribeirão Pires: Priscilla
e Auricélia
60
Rio Grande da Serra:
Alessandra e Adriana
SAndré: Maria Helena
SBernardo: José Carlos
São Caetano:
61
Indice
Parte 1 – Contextualização
O Consórcio Intermunicipal do Grande ABC
O Movimento Regional Criança Prioridade 1
A ONU, a UNESCO e a Década Internacional da Cultura de Paz e Não-Violência para
as crianças do mundo
O Manifesto 2000
O Programa Nacional “Paz nas Escolas” do Governo Federal
Parceiros na Construção
O Projeto Construção Coletiva de Espaços e Tempos de Paz
Parte 2 - Educação para a paz
Esta cartilha foi feita para você
Educação para a paz. Tempo de parar, tempo de refletir, tempo de agir diferente.
Educar para uma cultura de paz requer
Todos podemos ser agentes da paz
Temas para os debates:
CONFLITO
DIALOGAR
REUNIR
APRENDER
TOMAR CONSCIÊNCIA
ESCOLHER
SER JUSTO
RESPONSABILIZAR-SE
ACEITAR O DIFERENTE
62
MODO DE SER
CUIDAR
Avaliação de um processo
Outros caminhos a serem percorridos para a construção de uma cultura de paz
Despedida
Bibliografia
63
O Consórcio Intermunicipal do Grande ABC
(Missão do Consórcio)
Os sete municípios reúnem-se para, através de ações diversificadas e integradas, numa
postura suprapartidária, construírem o bem-estar comum das comunidades que ali
habitam.
O Movimento Regional Criança Prioridade 1
(Missão do Movimento)
A Organização das Nações Unidas - ONU é uma organização mundial
composta atualmente por 191 países. Criada logo após a Segunda Guerra Mundial, no
ano de 1945, a ONU atua na promoção da paz e assistência humanitária como uma
central de esforços internacionais, ajudando a unir nações e harmonizar ações, na
busca de uma solução par aos problemas que afetam a humanidade.
Numa Assembléia Geral em 1997, os representantes dos países que integram a
ONU escolheram o ano 2000 como o "Ano Internacional da Cultura de Paz". E em
1998, elegeram a década de 2001-2010 como a "Década Internacional da Cultura de
Paz e Não-Violência para as Crianças do Mundo”.
Entre os diversos braços que compõem a ONU existe a Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, que tem como
objetivo construir a paz na mente dos homens por meio da educação, da cultura, das
ciências naturais e sociais e da comunicação. Estabelece três grandes diretrizes que
devem ser utilizadas como guia para se construir uma Cultura de Paz:
64
Educação - o conhecimento baseado em quatro pilares: "aprender a conhecer",
"aprender a fazer", "aprender a viver junto", e "aprender a ser";
Os Direitos Humanos e a luta contra a discriminação - informar, defender e
promover o respeito aos direitos humanos para os povos do mundo;
Pluralismo cultural – as pessoas não são iguais. A paz pressupõe a harmonia
entre as diferenças.
65
Para promover os objetivos do Ano Internacional da Cultura de Paz, diversos
ganhadores do Prêmio Nobel da Paz, junto com a UNESCO e a ONU, escreveram um
guia muito pequeno, mas muito importante, onde definiram os princípios da criação de
uma Cultura de Paz, chamado Manifesto 2000 por uma Cultura de Paz e NãoViolência.
Abaixo, reproduzimos integralmente o texto deste Manifesto:
“Reconhecendo a minha cota de responsabilidade com o futuro da humanidade,
especialmente com as crianças de hoje e as das gerações futuras, eu me comprometo em minha vida diária, na minha família, no meu trabalho, na minha comunidade, no
meu país e na minha região – a:
1. Respeitar a vida - Respeitar a vida e dignidade de cada ser humano sem
discriminação nem preconceito
2. Rejeitar a violência - Praticar a não-violência em todas as suas formas: física,
sexual, psicológica, econômica e social, em particular contra os mais
desprovidos e vulneráveis, tais como as crianças e os adolescentes.
3. Ser generoso - Compartilhar meu tempo e recursos materiais com um espírito
de generosidade para colocar um fim à exclusão, injustiça e opressão política e
econômica.
4. Ouvir para compreender - Defender a liberdade de expressão e a diversidade
cultural, sempre dando preferência a dialogar e ouvir sem ceder ao fanatismo,
difamação e rejeição.
5. Preservar o planeta - Promover o consumo responsável e modos de
desenvolvimento que respeitem todas as formas de vida e que preservem o
equilíbrio da natureza no planeta.
66
6. Redescobrir a solidariedade - Contribuir ao desenvolvimento de minha
comunidade com plena participação das mulheres e o respeito aos princípios
democráticos para criarmos, juntos, novas formas de solidariedade”.
67
O Programa Nacional “Paz nas Escolas” do Governo Federal
A partir de uma demanda da sociedade para reduzir o problema da violência nas
escolas, em 1998, o então Departamento da Criança e do Adolescente do Ministério da
Justiça criou
um
Grupo de Trabalho com o objetivo de estudar, avaliar e propor
medidas que reduzissem a violência nas escolas.
Resultado do trabalho desse grupo, nasceu o Programa Nacional Paz nas Escolas.
Suas principais diretrizes são:

solidariedade,

respeito aos direitos humanos, e

promoção de uma cultura de paz e não-violência.
Fortemente ligado ao Manifesto 2000, o Programa compreende que para mudar
a cultura de violência que hoje impera em nossas escolas, é preciso envolver e
capacitar as pessoas que fazem parte dessa realidade: estudantes, professores,
funcionários, guardas civis, polícia militar, pais e vizinhança. Sem esse envolvimento da
comunidade, que participa ativamente e pode ajudar crianças e adolescentes a
crescerem com ética e respeito pelo seu semelhante, não é possível construir uma
cultura de paz nas escolas.
O Programa Nacional Paz nas Escolas vem se desenvolvendo na maioria dos
estados brasileiros e tem funcionado como uma “central de acolhimento” a inúmeras
propostas de prevenção à violência e estímulo ao protagonismo juvenil.
O Movimento Criança Prioridade 1 do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC,
reconhecendo sua responsabilidade na criação, desenvolvimento e garantia de
condições que assegurem a qualidade de vida das comunidades que o integram,
propôs à Subsecretaria da Infância e Juventude da Secretaria Especial de Direitos
Humanos da Presidência da República, a realização do Projeto Construção Coletiva
de Espaços e Tempos de Paz a partir da proposta do Programa Paz nas Escolas.
Parceiros na construção
68
Foi com muita satisfação que a Associação dos Pesquisadores de Núcleos de
Estudos e Pesquisas sobre a Criança e o Adolescente - NECA, recebeu o convite
do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC para a elaboração e execução pedagógica
do Projeto Construção Coletiva de Espaços e Tempos de Paz.
O NECA é uma Associação de Pesquisadores, sem fins lucrativos, que visa
contribuir efetivamente para a promoção e defesa da garantia de direitos de crianças,
adolescentes, de suas famílias e da comunidade, por meio de estudos, pesquisas,
desenvolvimento de tecnologias/metodologias alternativas, bem como por meio de
produção e divulgação de informações e de conhecimento técnico e científico.
E no que acreditam os profissionais que compõem o NECA?
Acreditamos que para se construir espaços e tempos de paz, portanto é preciso
desenvolver e tornar disponíveis meios que levem a mudanças de consciência e
de comportamento.
Acreditamos que praticar a paz é viver, construir e ensinar a paz, pois ela só será
alcançada se cada cidadão, nos diferentes ambientes em que convive, se
engajar ativamente na construção de relações baseadas no respeito, no
reconhecimento da diversidade e na empatia.
Acreditamos, por fim, que esta construção exige o esforço de todos na busca de
soluções comuns e consensuais, por meio de um diálogo que reconheça os
outros seres humanos como interlocutores válidos.
69
O Projeto Construção Coletiva de Espaços e Tempos de Paz
O Projeto tem como objetivo semear ações e valores pacíficos construídos na
coletividade, para a coletividade.
Compreende a realização de diversos encontros. Encontros com todos, de modo
a envolver a comunidade (seminários regionais e locais), e encontros mais específicos
com representantes dos diversos grupos que compõem este coletivo (oficinas).
Os seminários servirão para chamar a comunidade à participação (abertura) e
dar a oportunidade a todos de conhecerem os resultados do processo vivido durante o
Projeto (encerramento).
As oficinas serão momentos para que as pessoas exercitem o conhecer, o fazer,
o conviver e o ser; momentos de reflexão sobre como se relacionam uns com os outros
e de criação de novas práticas para estar no mundo, conforme os princípios de uma
cultura de paz.
Foi necessário elaborar um material didático especialmente para este Projeto,
bem como os jogos e atividades que serão utilizados pelos oficineiros (profissionais que
irão orientar as oficinas).
Também esta cartilha compõe, junto com um vídeo, material para ser usado nas
oficinas. Sua função, entretanto, vai além deste Projeto, podendo ser utilizados por
todos os que quiserem semear uma cultura de paz.
70
Não por acaso, este Projeto foi „batizado‟ com o nome Construção Coletiva de
Espaços e Tempos de Paz.
Construção Coletiva significa processo e parceria.
Sempre que se pensar em ações para a construção coletiva, parte-se do
princípio de que haverá no mínimo duas pessoas trabalhando (às vezes em funções
diferentes) com um mesmo objetivo. Trabalhando em parceria, coletivamente.
E quando se fala em processo, significa que essa construção coletiva é um
projeto cumprido em etapas, atendendo às necessidades de cada um dos seus
participantes em cada momento. O respeito, a tolerância para o diferente, a
cooperação, a confiança nos parceiros são obrigatórios para o sucesso da empreitada.
Neste Projeto, o processo acontece em espaços e tempos determinados
(oficinas e seminários). Outros Espaços e Tempos de Paz podem ser construídos a
partir da experiência vivida pelos participantes do Projeto.
“O homem só pode apresentar o mundo aos outros homens
Se for apresentado enquanto transformável!”.
Bertolt Brecht
71
ESTA CARTILHA FOI FEITA PARA VOCÊ.
Dentro dela, você vai encontrar idéias, dicas, textos, jogos e frases que podem
ajudá-lo a refletir sobre como transformar o mundo, e agir, nem que seja só num
pedacinho dele, aquele que está perto de você. E, de repente, se juntarmos uma
porção de pedacinhos transformados, teremos uma grande mudança!
Quando nos sentimos participando, valorizados e capazes, quando conseguimos
olhar de uma maneira nova as mesmas coisas, disseminamos no ambiente a nossa
positividade. Mudar um comportamento em nós é mudar o que está em torno de nós.
Sabemos que há pessoas e organizações realizando inúmeras ações bem
sucedidas. Esta cartilha é mais uma contribuição. Os conteúdos e a forma aqui
apresentados são apenas um dos diversos caminhos possíveis para a construção de
uma cultura de paz.
Você pode utilizá-la conforme a realidade do lugar e do tempo em que estiver: na
família, no trabalho, na escola, no ônibus, na rua...
Esperamos que você aproveite bastante e bem as dicas contidas aqui.
Mãos à obra!
" Artigo I - Fica decretado que agora vale a verdade,
que agora vale a vida
e que, de mão dadas,
trabalharemos todos pela vida verdadeira."
(do poema " Estatutos do Homem" de Thiago de Mello)
72
EDUCAÇÃO PARA A PAZ
TEMPO DE PARAR
TEMPO DE REFLETIR
TEMPO DE AGIR DIFERENTE
Refletir - fazer retroceder, desviando da direção inicial.
Pensar maduramente, meditar.
Espelhar, deixar ver, revelar. (Dicionário Aurélio)
Os diversos sentidos do termo REFLETIR nos indicam que é tempo de parar.
Abrir espaços para a transformação!
A vida que temos vivido, o modo como estamos organizados em sociedade, os
resultados que temos obtido desse modelo, nos indicam que é preciso criar novas
direções, construir novas respostas. Transformar é preciso.
Um novo olhar se impõe, se quisermos continuar vivos e dignos. E um novo olhar
pressupõe uma nova forma de se relacionar. Estabelece uma nova visão do mundo, em
que o individual e o coletivo são pratos da mesma balança. Todos os seres se
relacionam em interdependência, assumindo corajosamente que são incompletos.
Para manter a vida é urgente firmar parcerias, definir quais as responsabilidades de
cada um para consigo e para com os outros.
Aprender a FAZER JUNTO.
Uma tarefa que nos chama para um projeto social compartilhado, em que todos
colaboram para o desenvolvimento e fortalecimento da identidade pessoal, cultural e
social de indivíduos e grupos de brasileiros.
73
Esse projeto de construção conjunta só se inicia por meio da educação. Uma mudança
cultural tão profunda requer que todos, crianças e adolescentes, jovens e adultos,
reaprendam a conviver e a se relacionar.
Educar é preciso.
E o que é educar? É um processo compartilhado em que os indivíduos, na companhia
uns dos outros, podem mostrar-se progressivamente competentes e autônomos.
A educação não pode se dar de maneira ingênua, indefinida, sem direção. Educar é um
ato cultural, social, psicológico, afetivo, existencial e, principalmente, político. Implica,
portanto, em valores e princípios.
Aprender também é preciso.
A aprendizagem nos transforma. Quando aprendemos algo novo, mudamos nossa
forma de fazer as coisas, de olhar o outro, de nos posicionar. Aprender significa uma
transformação no tipo de vida que levamos.
Aprender significa, em contato com o novo, modificar o que somos. Isto nos dá um
sentimento de poder e uma imagem positiva de nós mesmos.
“Ninguém educa ninguém
Ninguém se educa sozinho
Os homens se educam em comunhão.”
Paulo Freire
P A Z - estado de bem-estar que resulta do compromisso de cada indivíduo e de um
coletivo em participar e estimular a criação de hábitos, costumes e atitudes de respeito,
bem como em resistir, dissuadir e rejeitar gestos, atos e palavras de agressão.
74
EDUCAR PARA UMA CULTURA DE PAZ REQUER:
1. Treinar diariamente! Aprende-se na prática do cotidiano. E, se nos observarmos
atentamente, poderemos nos aperfeiçoar sempre;
2. Definir que valores e princípios regem nossa vida, de forma a poder informar
claramente quais os comportamentos que não podemos tolerar de modo algum;
3. Nos comportarmos dentro desses valores e princípios, de maneira que aqueles
que conosco convivem observem coerência entre o que dizemos e fazemos;
4 Nos colocarmos da maneira mais verdadeira possível em relação aos outros,
discutindo aquilo que nos pareça incorreto em seus procedimentos e permitindo
o mesmo deles para nós, quando assim entenderem necessário;
5 Trabalhar em nós mesmos a ansiedade por nossas imperfeições e lembrar que,
tanto nós quanto todos com quem convivemos estamos mudando todos os dias,
o que significa que as regras que hoje nos servem não necessariamente nos
servirão amanhã;
6 Jamais esquecer que crianças, adolescentes e jovens são pessoas em
formação. Portanto, devem ser orientadas, instruídas e não hostilizadas quando
seu comportamento não corresponder às nossas expectativas;
7 Saber que as crianças, os adolescentes e os jovens não se tornam aptos para a
vida sem
carinho e proteção. E por isso mesmo
não temos o direito de
desrespeitá-los;
8 Lembrar sempre que crianças, adolescentes e jovens aprendem através de
modelos. O que eles serão no futuro é fruto, em parte, de nossas atitudes para
com eles;
75
9 Permitir o erro, o " fracasso" e a hesitação. Todos estamos aprendendo e nesse
processo, algumas experiências têm " sucesso" e outras, nem tanto;
10 Permitir a dúvida e enfrentar junto com o outro a angústia e a contrariedade que
vêm com ela;
11 Tomar o conflito como uma oportunidade para exercitar o diálogo, coordenar
pontos de vista e formar consciência crítica;
12 Analisar junto e aproveitar para tirar vantagens com os nossos erros,
transformando-os em "situações de aprendizagem";
13 Ser solidário - não cúmplice! (no sentido de ajudar a encobrir fraquezas e
incapacidades) - nas buscas e nas dificuldades de cada um;
14 Estimular e valorizar a expressão de opiniões, mesmo discordando delas, de
forma a promover a auto-confiança, para que nos tornemos adultos, profissionais
e cidadãos ativos e criativos;
15 Levar a sério o que diz e faz o outro. Só assim ele aprenderá a se
responsabilizar por seus atos e palavras;
16 Respeitar o ritmo, os interesses e as vontades dos outros, assim como exigimos
que façam em relação a nós.
76
TODOS PODEMOS SER AGENTES DA PAZ
Ser um Agente da Paz significa agir para a paz no dia-a-dia.
Agir promovendo o diálogo.
O Agente da Paz é aquele que, por meio do diálogo, ensina a aprender, estimula
o outro a pensar, ajuda a construir valores, atitudes, a estabelecer critérios de escolha e
a expressar opinião.
O Agente da paz autoriza a duvidar do que está posto, acredita na
transformação, estimula a experimentação e se lança às descobertas, de mãos dadas
com o aprendiz.
Algumas dicas para ser um Agente da Paz:
 Quando se deparar com situações de conflito, estimule e auxilie as pessoas a
dialogar;
 Evite críticas negativas e julgamentos rígidos;
 Procure analisar o fato vivido por alguém e não a pessoa que o viveu;
 Mantenha-se paciente frente às divergências;
 Demonstre sua confiança na capacidade de transformação das pessoas;
 Dê vez e voz a todos e estimule a participação daqueles que têm mais
dificuldade;
 Se faça presente, mas procure não resolver pelos outros;
 Aceite as diferenças. Aproveite-as como uma oportunidade de enriquecer a sua
vida;
 Permita-se e permita a dúvida;
 Cultive o interesse pelas pessoas e procure estabelecer relações verdadeiras;
 Valorize as opiniões, faça elogios, construa a auto-confiança e confiança para
com os outros;
 Se ocupe do bem-estar das pessoas (promova um ambiente agradável onde
você estiver);
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 Procure criar em parceria as regras para o seu dia-a-dia;
 Faça propostas.
O Agente da Paz vive e age sob a inspiração de uma cultura de paz.
Cultura é algo construído. É um jeito aprendido de viver.
Atualmente, vivemos a não-paz, expressa, no cotidiano, de formas visíveis e
invisíveis.
Se consideramos que cultura é algo aprendido e construído, podemos aprender
novas formas de viver sob a inspiração da paz.
CULTURA DE PAZ
É a maneira de agir e pensar, individual e coletiva, direcionada para a criação de
hábitos, costumes e atitudes de respeito, bem como para a resistência a palavras,
gestos e atos de agressão.
TEMAS
(aqui apresentados como “rascunhão)
CONFLITO
Para que possamos entrar propriamente no que é o “coração” desta cartilha, ou
seja, nos princípios gerais que permitirão discutir a realidade vivida por cada um e por
todos os envolvidos no projeto em sua vida quotidiana, é necessário fazermos uma
pequena discussão sobre o substantivo CONFLITO, pois é a partir dele, por ser uma
condição inerente à nossa humanidade, que, supomos, poderemos ter um
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entendimento mais amplo dos objetivos a serem buscados nas oficinas e dos seus
resultados.
Para início de conversa, podemos lidar com o conflito de duas maneiras: pela
coerção e violência, ou pela via da negociação e conseqüente entendimento entre as
partes.
Vivemos diariamente sob as regras dessa condição, pois o conflito é vivido
dentro de nós mesmos, internamente, bem como entre mim e o outro – família, escola,
amigo – nas diferentes opiniões e atitudes tomadas ao longo da vida.
Para uma cultura de paz, é importante que possamos encarar os conflitos como
uma oportunidade para o entendimento pela negociação, portanto, entre iguais.
O coletivo se organiza possibilitado pela política, que traz a sociabilidade
humana para um espaço público, ditada por regulações que ordenam as desigualdades
e as diversidades. Sob este enfoque, torna-se necessário reinventar a cidadania pela
discordância, pelo desentendimento em relação a como se reparte o todo.
Hoje, transformada em mercadoria, a cultura se confunde com a publicidade e a
liberdade se reduz a um ato de consumo.
Para exercermos uma cultura de paz, é necessário que as pessoas recuperem a
fala, discutam seus problemas e suas necessidades, pois só assim haverá uma
retomada do verdadeiro sentido da política, como criadora de uma identidade coletiva,
possibilitadora de novas formas de enfrentamento com a realidade mais ampla que nos
cerca. Dessa forma, é possível encontrarmos significados comuns compartilhados com
a sociedade.
Mas para podermos falar com propriedade, é preciso aprender a ouvir com
atenção e respeito, para que juntos, coletivamente, possamos gerar o sentido de uma
obrigação civil.
Na sociedade atual, em que passamos de uma sociedade política para uma
sociedade organizacional e tecnocrática, na qual trocou-se o SER pelo FAZER, tornase urgente invertermos essa lógica perversa, para construirmos valores comuns nos
quais possamos acreditar e que por eles possamos lutar para construirmos um mundo
mais justo e humano, um mundo de paz.
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E S C O LH E R
 Eleger, fazer opção entre
 Manifestar preferência por
A todo momento, na vida é preciso escolher: direita ou esquerda, isto ou aquilo, um jeito
de vestir,
como conviver com outras pessoas, como fazer amigos. Podemos até
escolher não escolher (deixa a vida me levar...).
Escolher é um direito, uma liberdade. Mas também uma responsabilidade. Quando
dizemos SIM ou NÃO, você tem que bancar as conseqüências da sua escolha. Dá mais
trabalho, talvez, mas você fica mais dono do seu destino.
AUTONOMIA - faculdade de governar-se por si mesmo. Direito de reger-se por leis
próprias. Liberdade moral e/ou intelectual.Propriedade pela qual o homem pretende
poder escolher as leis que regem sua conduta.
CU I DA R
 Encarregar-se, responsabilizar-se (Houaiss)
 Tratar de, dar atenção a,
 Fazer bem-feito, com intenção, com atenção especial, de maneira refletida (H
 Vem do latim “cogitare” - “agitar no espírito, remoer no pensamento, meditar,
preparar.” (H)
Cuidar de si - dar atenção a si mesmo. Observar o que lhe faz bem. Procurar a medida
boa para agradar o corpo, alimentar o amor próprio, os interesses, os afetos.
Cuidar dos outros
-
dar atenção para os gestos e palavras que possam causar
conforto ou desconforto às outras pessoas. E ter como conseqüência respostas
positivas ou negativas para você.
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Cuidar do ambiente - dar atenção às coisas que estão em volta de você, passando
pelo ar que você respira, a organização da casa, a higiene, os produtos que consome, a
forma como trata as coisas que são da coletividade (o prédio da escola, a rua de casa,
o uso dos recursos da natureza).
“ A re-construção da casa dos seres humanos (o planeta Terra) exige novos
valores,atitudes e comportamentos práticos.” Leonardo Boff (Saber Cuidar).
RESPONSABILIDADE
 Obrigação de responder pelas ações próprias ou dos outros.
O que faz um grupo forte e livre é que cada membro participe (tome parte) da
responsabilidade de manter e determinar o rumo a ser tomado pelo grupo. É
responsabilidade de cada um agir no espírito das regras estabelecidas pelo conjunto
daquelas pessoas. O resultado será benefício para todos e a garantia do direito
assegurado para cada um. É o grupo que sustenta o grupo, através do compromisso de
todos.
“É preciso estar atento e forte.
É preciso que todos estejamos ligados.”
ACEITA R O
DIFERENTE
 ACEITAR - consentir, reconhecer, admitir, acolher
 DIFERENTE - que não é igual, que não coincide, diverso, desigual.
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 EQUIDADE - disposição de reconhecer igualmente o direito de cada um.
 DIVERSIDADE - conjunto variado, multiplicidade. Indicador que leva em conta a
abundância e a equitabilidade de uma comunidade.
Con-viver com aqueles que são diferentes de nós (seja na cor da pele, no sexo, na
religião, na idade, na aparência física, na orientação política...), aceitar que pessoas ou
grupos pensem e tenham atitudes que não coincidem com nossos valores e crenças,
reconhecer igualmente o direito de expressarem livremente suas opiniões, faz mais
fortes e variados os grupos humanos. A diversidade está ligada à fartura, à riqueza de
idéias. Enriquece nossa convivência.
PRECONCEITO - julgamento prévio rígido e negativo sobre um indivíduo ou grupo,
mantido rigidamente antes de um exame ponderado. Vem de prejudicium – pré-juízo,
julgamento anterior, em geral vinculados a crenças, estereótipos e/ou antipatia e
aversão.
O preconceito é sempre fruto da falta de informação.Não vela a pena fazer afirmações
sobre coisas que, de verdade, ainda não conhecemos. Duvide de suas certezas. Vá
atrás de construir novas idéias sobre as mesmas coisas. Trate com respeito o diferente.
Lembre-se que, para ele, você também é um diferente!
SER JUSTO
 A palavra JUSTIÇA vem do latim. Quer dizer equidade (equivalência) e precisão
na aplicação das regras. Exatidão e bondade.
 JUSTIÇA é um princípio moral em nome do qual os direitos devem ser
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respeitados.
Ser justo é prestar atenção e fazer valer a igualdade (mesmo entre os diferentes) no
uso das regras, no exercício dos direitos e na prática da responsabilidade.
A justa utilização das regras na relação entre as pessoas é questão de sobrevivência
para a espécie humana. Não é possível que cada um faça apenas o que quer, como
quer. Muitas vontades e necessidades juntas precisam ser administradas, de maneira
que todos possam “caber” no mesmo espaço.
REGRA - fórmula de fazer algo, estabelecida em parceria pelas pessoas envolvidas em
determinada situação, para aquela situação. Ela serve para proteger o direito de todos.
LEI -
é uma regra que recebe a aprovação de todo um grupo, politicamente
organizado.
DIALOGAR
Diálogo
 fala em que há interação entre 2 ou mais pessoas; colóquio, conversa.
 Contato e discussão entre 2 partes em busca de um acordo.
 Composição em que as vozes ou os instrumentos se alternam ou respondem
 Troca de idéias, discussão de pontos de vista ou contatos diplomáticos (entre
representantes de grupos, nações).
Quando as vontades, os comportamentos ou os valores são diferentes “ é conversando
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que a gente se entende. ” O diálogo é ferramenta para encontrar soluções novas para
situações antigas,atendendo sempre ao maior número possível de pessoas.
RESPEITAR é reconhecer a dignidade própria ou alheia e ter comportamento inspirado
nesse reconhecimento.
TOMAR
CONSCIÊNCIA
Consciência
 Atributo altamente desenvolvido na espécie humana, pelo qual o homem toma,
em relação ao mundo e a seus estados interiores, aquela distância em que se
cria a possibilidade de níveis mais altos de integração, compreensão.
 Tomar conhecimento de, ter noção, idéia compreensão.
 Qualidade por meio da qual o ser humano se apercebe daquilo que se passa
dentro dele ou em seu exterior.
 Estado do Sistema Nervoso Central que permite a identificação precisa, o
pensamento claro e o comportamento organizado.
Tomar consciência significa decidir e responsabilizar-se, para si mesmo, sobre o que é
moralmente correto e funcionar como seu próprio juiz, que ordena acerca do que fazer
com as coisas futuras e sente satisfação ou mal- estar por atitudes tomadas.
Moral -
conjunto de valores como a honestidade, bondade, virtude, considerados
universalmente como norteadores das relações sociais e da conduta dos homens.
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Consciência vem do latim e quer dizer “ conhecimento de alguma coisa comum a
muitas pessoas.” SENSO ÍNTIMO.
A PR E N D E R
 Adquirir conhecimento e/ou habilidade prática.
 Vir a ter melhor compreensão de alguma coisa, pela intuição, sensibilidade,
vivência, exemplo.
 Tornar-se capaz de algo em conseqüência de estudo, observação, experiência.
 Sua origem latina vem da palavra APANHAR.
Todos já sabemos uma porção de coisas. Aprender o novo é melhorar o que já somos.
E nos tornarmos maiores, mais capazes de fazer uma vida de melhor qualidade.
“Quando alguém quer aprender e aprende, a experiência vivida lhe oferece uma
imagem positiva de si mesmo e sua auto-estima é reforçada.” (O construtivismo na sala
de aula “)
RE-UNIR
 Ligar o que estava unido e se separou.
 Unir o que estava dissociado, em conflito.
 Conciliar, harmonizar.
 Fazer comunicar uma coisa com outra.
Todos nós, seres humanos temos um poder. Se conseguirmos ficar juntos e somar o
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poder de muitos, seremos uma grande força. Somos partes estruturadas que, juntas,
formamos uma estrutura maior.
“ Um grupo é o começo de tudo. Um homem sozinho não pode fazer nada. Nada pode
atingir. Um grupo realmente direcionado pode fazer muito. Tem pelo menos a
oportunidade de chegar a resultados que um homem sozinho nunca seria capaz de
obter.” Gurdieff
M OD O
DE
SER
Ser
 Ter existência real,ocupar lugar, estar, viver
 Apresentar-se como um fato
 A natureza íntima de uma pessoa, essência.
 O sentimento, a consciência de si mesmo.
Modo
 Forma ou maneira de expressão, estilo
 Forma particular de algo
 Maneira de portar-se; conduta, procedimento
 Conduta social; maneira habitual de falar, gesticular, de agir em sociedade
 Padrão rítmico constante numa composição
 Jeito possível, usual ou preferido de fazer algo
 Opção particular de funcionamento
O modo de ser de uma pessoa é determinado em parte por características que já vêm
com ele quando nasce. Em parte, pelo grupo ao qual pertence (a cultura) e em parte
pelas escolhas que vai fazendo na vida.
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Se você pensar que, em latim, modo quer dizer medida, moderação, cadência, maneira
de (se) conduzir, de fazer ou de dizer.
Se você pensar que a cultura é um conjunto de padrões de comportamento, crenças,
conhecimentos e costumes construído por um grupo social...
Dá pra considerar que esse mundo de violência e maus tratos que estamos vivendo, é
resultado de nossa cultura atual, fruto de nossa arrogância, de nosso individualismo, da
suposta “esperteza” de todos os dias.
Dá pra considerar também que a humanidade foi quem fez isso. E, se fez, pode
transformar. E construir uma nova cultura, rapidamente, urgentemente, que valorize o
cuidado, o diálogo, a busca de novos aprendizados (porque não sabemos tudo), mais
justiça e respeito.
E, mais importante, ter a sabedoria de aprender a fazer juntos, reunir o que foi
separado e nos manter sustentáveis contando com as forças e capacidades dos
diferentes grupos,
povos e nações.
A construção de uma cultura de paz só será possível se VOCÊ optar por ela. E se
responsabilizar por essa escolha, tornando-se um ativo praticante de atitudes e
palavras
de amizade, compreensão, conciliação e confiança, de modo a passar para as
gerações do futuro (seus filhos e os filhos de seus filhos) o que conseguir realizar de
melhor no presente.
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