Citar como: HEINIG, O. L. O. M. . Homonímia: confrontando

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Citar como: HEINIG, O. L. O. M. . Homonímia: confrontando conceitos e livros
didáticos. Revista da Unifebe, São José, SC., p. 165-173, 2003.
.
HOMONÍMIA: CONFRONTANDO CONCEITOS E LIVROS DIDÁTICOS
Otilia Lizete de Oliveira Martins Heinig
(FURB)
RESUMO: O objeto central de estudo é a homonímia, mas com ênfase em outros fenômenos
de indeterminação semântica. Os objetivos gerais são: confrontar conceitos de homonímia
apresentados tanto em gramáticas como em bibliografia específica da área e analisar livros
didáticos a fim de verificar como tratam esse tópico. É justamente neste último que a
pesquisa se concentra, pois os materiais destinados a professores e alunos preferem tratar dos
casos de homonímia parcial, enfatizando, sobretudo, os homófonos. Eles são objeto de estudo
de uma gramática que dita normas. Devido a isso se buscou estabelecer uma ponte entre a
teoria lingüística e a aplicação que é necessária que se faça, em sala de aula, quando se deseja
trabalhar com o significado das palavras.
PALAVRAS-CHAVE: homonímia; livros didáticos; ensino-aprendizagem
0. Introdução
O objeto central de estudo, nesta investigação preliminar, é a homonímia.
Entretanto, não é possível estudá-la sem fazer referência a outros fenômenos, que também
estão próximos quando se busca a determinação de um significado. Assim, além desse
tópico, serão analisados outros dois, polissemia e ambigüidade, tendo em vista que a
maioria dos autores consultados estabelece uma ponte entre os três, a fim de evidenciar as
semelhanças e as distinções que podem ser feitas, pois cada fenômeno, embora relacionado
com outro, tem características que permitem defini-lo de uma ou outra maneira.
Assim, são objetivos gerais dessa pesquisa: situar a homonímia a partir da
polissemia, estabelecendo, se possível, os limites entre esses dois fenômenos. Comparar

Artigo publicado na Revista da Unifebe. São José. p.165 - 173, 2003.
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homonímia e ambigüidade a fim de traçar um pararelo que possibilite entender quando
ocorre um e outro fenômeno. Confrontar conceitos de homonímia apresentados tanto em
gramáticas como em bibliografia específica da área. Estabelecer diferenças e semelhanças
entre homonímia, homofonia e homografia.
Para alcançar o que se objetivou, o trabalho foi dividido em duas partes, sendo a
primeira uma investigação nas gramáticas normativas a respeito de homonímia e também
de polissemia, cuja presença nessas obras não é muito comum. A última parte do trabalho
consiste em uma “visita” aos livros didáticos que abordam a homonímia para verificar
como o assunto é tratado no contexto escolar.
Dessa forma, se buscou estabelecer uma ponte entre a teoria lingüística e a
aplicação que é necessária que se faça, em sala de aula, quando se deseja trabalhar com o
significado das palavras. É preciso que os professores percebam que há uma distinção
entre saber a língua e saber analisar a língua dominando conceitos. Afinal, saber a língua é
ter domínio das habilidades de uso dela em situações reais, nas quais acontece a interação
com o outro, percebendo as diferenças entre uma e outra forma de expressão.
2. O que dizem as gramáticas e livros didáticos
Para iniciar a busca do entendimento desse termo, a primeira fonte de consulta é o
dicionário, que define homonímia como propriedade do que homônimo, ou seja, “Diz de
palavras que, ou palavra que se pronuncia da mesma forma que outra, mas cuja escrita e
sentidos são diferentes (os homófonos laço = laçada, lasso = cansado), ou que se pronuncia
e escreve do mesmo modo, mas cujo significado é diverso (os homógrafos falácia =
qualidade de falaz, e falácia = falatório)”(Aurélio, 1986, p. 905).
As gramáticas adotam praticamente a mesma concepção e tratam a homonímia
como se pode observar na síntese que segue a respeito das obras consultadas.
Mesquita (1994, p.89-91) diz que, em português, há palavras que se assemelham
na forma (pronúncia ou grafia), que têm significados diferentes.
São chamadas de
homônimas e entre elas distinguem-se as homógrafas das homófonas, e estas das perfeitas.
Terra (1987, p.22) de forma resumida define os homônimos como palavras que têm a
mesma pronúncia, mas significados diferentes. Nicola e Infante (1991, p.423) os definem
3
como palavras cujo significante é praticamente idêntico, mas cujo significado é diferente.
Os autores também apresentam as subdivisões e explicam que homógrafos possuem a
mesma grafia, mas timbre vocálico ou acentuação tônica diferente; homófonos possuem a
mesma pronúncia, mas são representadas graficamente por letras diferentes; homógrafos e
homônimos ou homônimos perfeitos possuem exatamente o mesmo significante (gráfica e
sonoramente) e significado diverso.
Há outros autores que, além de tratar da homonímia, também apresentam
explicações para o fenômeno da polissemia. Leme, Serra e Pinho (1981, p.206) definem a
homonímia como fenômeno que consiste no fato de dois significantes idênticos terem
diferentes significados. Exemplificam com pregar que pode significar pôr pregos e fazer
sermão; dó que tanto significa nota musical como piedade. A distinção em casos assim é
feita pelo contexto lingüístico e/ou pela situação concreta em que se está. Contrapõem a
essa explicação, a polissemia, que é o fato de uma palavra ter vários significados. Sugerem
consultar a palavra cravo no dicionário e ver a variedade de sentidos.O dicionário Aurélio
(1986:495) apresenta três entradas para cravo: 1)cravo1: a flor do craveiro; 2) cravo2: [Do
lat. clavu]1. Prego para ferradura. 2. Prego com que os pés e as mãos dos crucificados eram
fixados à cruz. 3. Afecção do folículo sebáceo. 4. calo doloroso e aprofundado no derma, na
planta do pé, como um cone; 3) cravo3: [Do fr. clavecin] Instrumento de cordas com um ou
dois teclados, da família da espineta e do virginal, e cujo som é produzido por meio de
plectros que puxam as cordas fazendo-as vibrar; clavecino, clavicímbalo...”. Há referência
também a compostos como: cravo-bordado, cravo-da-índia, cravo-de-amor, cravo-debouba, cravo-de-cabecinha, cravo-de-defunto, cravo-do-maranhão. Outro autor que
apresenta os dois fenômenos juntos é Bechara (1969, p.422), para quem a polissemia é o
fato de ter um vocábulo mais de uma significação; já a homonímia é o fato de haver
vocábulos que se pronunciam da mesma maneira, mas que têm significados diferentes.
Podem ter ou não a mesma grafia. Também Martins e Zilbernop (1997, p. 40-3) aproximam
as duas ocorrências e as distinguem dizendo que homonímia é a situação em que uma só
palavra assume duas ou mais significações completamente diferentes, mas cuja origem
admite vocábulos heterogêneos. Com relação à homonímia, os dicionários, via de regra,
apresentam mais de uma entrada (verbete). As autoras exemplificam com são:sadio (latim
= “sanus”); santo (latim = “sanctus”); verbo ser (latim = “sunt”). Quanto à polissemia, é
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definida como a situação em que uma palavra assume significados variáveis de acordo com
o contexto, mas cuja origem é única. Com relação à polissemia, os dicionários, via de regra,
apresentam uma entrada. Exemplificam com ponto que vem do latim “punctus” e pode
significar: sinal gráfico; lugar determinado; livro em que se marcam faltas, etc. Finalizam
com a observação de que há palavras que são homônimas em relação às outras e
polissêmicas se as compararmos com terceiras. As autoras também exploram a palavra
cravo e afirmam que, quando se origina do francês clavecin instrumento de cordas e
quando se origina do latim clavu (prego, afecção da pele, flor ou condimento),
são
homônimos. Entretanto, só os últimos são polissêmicos, pois além de terem analogia na
forma, têm a mesma origem vocabular.
Aqui se pode notar que há uma divergência quanto ao exemplo apresentado por
parte de Leme, Serra e Pinho e da última obra consultada. O que se pode observar é que o
critério usado diferencia e as últimas autoras se valem do critério etimológico, o qual
recebe críticas de Lyons, Mattoso Câmara, Rehfeldt. Sacconi (1982, p.352-3; 1994, p.4323) também leva em conta o campo diacrônico para estabelecer um paralelo entre
homonímia e polissemia. Segundo ele, por diacronismo, só há homonímia quando uma
palavra possui vários significados, mas resulta de vocábulos distintos. Exemplifica com rio
que provém de rivu (substantivo latino) ou de rideo (verbo latino). Há polissemia quando
uma palavra adquire multiplicidade de sentidos, que se explicam dentro de um contexto;
neste caso, trata-se realmente de uma única palavra, que abarca grande número de acepções
dentro de seu próprio campo semântico. Para exemplificar a multiplicidade de sentidos, o
autor selecionou o verbo fabricar e o adjetivo fino, além de comentar que também há
conjunções polissêmicas: que, se, como, porque, porquanto, que ora aparecem com um
valor e ora com outro, dependendo do contexto em que estão inseridas.
Os livros didáticos, os quais serão objeto de análise a seguir, adotam as definições
apresentadas pelos gramáticos e, em geral, abordam a homonímia quando desejam explorar
a grafia das palavras e, às vezes, a significação quando partem de textos.
3. Como os livros didáticos abordam a homonímia
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Se de um lado está a teoria que busca a compreensão de cada fenômeno da língua,
de outro estão os educadores que buscam explicar como a língua – apresentada na escola –
funciona.
Quando se confina à língua ao contexto escolar, deseja-se dizer que as
variedades, na grande maioria das vezes, ficam esquecidas, passando a valer um padrão de
língua que corresponde ao dito “culta”. Ainda que esse tema mereça mais atenção, isso não
será feito nesta seção, pois o objetivo que se quer atingir é verificar como os livros
didáticos exploram o fenômeno da homonímia.
Para tal, foram selecionados sete volumes de cinco autores diferentes, destinados
ao ensino fundamental, terceiro e quarto ciclos, dos quais será feita uma análise preliminar.
Em Português através de textos, Magda Soares dedica, nos volumes 6,7 e 8, um
espaço para a discussão da homonímia. A autora destina o estudo desse tema à parte
reservada ao “vocabulário”, que ocupa a segunda seção, vindo logo após a compreensão do
texto.
O primeiro contato com o assunto aparece nas páginas 74 e 75, no volume
destinado à sexta série, na seção “uso do vocabulário”, quando se apresenta a proposta de
análise da palavra céptico conforme transcrição que segue:
Veja como aparece o verbete céptico num dicionário:
Céptico. [ Do gr. skeptikós, pelo lat. scepticu] Adj. 1. Que duvida de tudo; descrente. 2. Filos.
Pertencente ou relativo ao cepticismo. 3. Filos. Diz-se do partidário do cepticismo. S.m. 4.
Indivíduo céptico (1). 5. Filos. Partidário do cepticismo. [Var.: cético. Cf. séptico.]
a)
Dê o significado das abreviaturas Adj. e S.m. que aparecem no verbete. Use seu caderno.
b)
A palavra céptico, na frase do texto “Edmundo era céptico”, é um Adj. ou S.m.?
c)
O sentido da palavra céptico no texto é o de número______. Compare o sentido do verbete
com sua resposta do exercício 2 de Compreensão do Texto; você acertou ou errou?
d)
No verbete aparece a abreviatura Filos.
Filos. = Filosofia
Conclua, e escreva em seu caderno: que informação dá o verbete sobre o emprego da palavra nos
sentidos 2,3 e 5?
e)
[...]
f)
Observe no fim do verbete: [...Cf. séptico.]
Cf. = confronte, compare
Séptico é um HOMÔNIMO de céptico: pronuncia-se da mesma maneira, mas o sentido é
diferente.
Procure no dicionário o verbete séptico e copie-o em seu caderno.
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O que se pode observar, no exercício proposto, é que o aspecto morfológico é
evidenciado. Ainda que o exercício (c) se remeta ao texto, depois disso o sentido é apenas
o que está posto no verbete, como evidencia o último exercício, para o qual não há
nenhuma proposta de contextualizar o termo consultado.
Somente em um outro momento, a obra retoma o assunto, na página 214, quando
apresenta o subtítulo “homônimos”, explorando a diferença entre censo e senso.
No
material destinado ao professor, é dada a seguinte orientação:
Ver comentário na p. 75, exercício f; se a diferença entre homófonos e homógrafos foi feita, pedir
aos alunos que determinem se os homônimos do exercício são homófonos ou homógrafos (são
homófonos) – ver comentários sobre o exercício e de Uso do Dicionário. Para fixar a grafia dos
homônimos, o professor pode dar um ditado de frases em que eles apareçam; exemplos: Ele
conserta móveis. Ouvi, no rádio, um concerto para piano muito bonito. A carne não está bem
cozida. A roupa está descosida na bainha. A cozinha é pequena. O pavão tem uma bela cauda.
Vou fazer calda para o doce.
Como se pode observar, a ênfase recai sobre o aspecto ortográfico, e o aluno
deverá ser capaz de escrever os homônimos de forma adequada, não pelo sentido em si,
mas como diz a orientação “para fixar a grafia.”
No volume destinado à sétima série, há três momentos em que o assunto é
explorado, todos sob o subtítulo de “homônimos” e dentro da seção destinada ao
“vocabulário”.
Nas páginas 38 e 39, a proposta é trabalhar com as palavras males, mal e mau,
evidenciando a classe gramatical a que cada uma pertence.
Depois de uma rápida
explanação, são apresentados seis exercícios, sendo cinco deles de preencher lacunas
usando a forma adequada.
Novamente, nas páginas 93-4, é explorado um par homônimo: pára e para. Como
destaca a orientação dada pela autora, o objetivo maior é : “Além de um exercício de
Vocabulário – significação das palavras – o exercício é, também, de morfologia –
identificação de classe das palavras, verbo ou preposição – e de ortografia – acentuação de
homógrafos. Se necessário, recordar o conceito de preposição. É importante que o aluno
perceba a diferença de intensidade na pronúncia de para e pára; por isso as frases devem
ser lidas em voz alta.”
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Aqui se observa, mais uma vez, como o critério morfológico é o mais forte
quando se trata de estabelecer diferenças entre homônimos. Ainda que os exercícios tentem
criar circunstâncias em que se possa usar um ou outra forma, percebe-se que elas são
elaboradas a fim de fixar uma e outra grafia, pois raramente, no cotidiano, situações como
as apresentadas no exercício acontecem:
a)
Coloque o acento onde for necessário:
- Para o ônibus na esquina por favor?
- Para quê?
- Para eu descer.
- Para com essa mania de gritar para conseguir o que quer.
b) Escreva uma frase para cada resposta:
- ____________________________________________
- Para o despertador.
- ____________________________________________
- Pára o despertador.
A autora retoma a discussão sobre homonímia ainda nas páginas 204 e 205, onde
analisa os homônimos perfeitos. Retoma o verbo aterrar, que havia aparecido no texto “A
bomba atômica”(Vinícius de Moraes), apresenta o verbete (que tem duas entradas no
dicionário) e depois os exercícios como se pode analisar a seguir:
Escreva os dois sentidos possíveis de aterra no verso:
Bomba atômica que aterra = _______________________________________
Bomba atômica que aterra = _______________________________________
b) O uso de uma palavra que pode ter dois sentidos é um defeito do verso? Ou uma qualidade
do verso? Por quê?
c) A origem de aterrar é diferente, em cada caso; copie do verbete:
ORIGEM
Aterrar1________________________________________________________
Aterrar2________________________________________________________
d) Observe os sinônimos de aterrar2, na acepção 4; leia os verbetes aterrissar, aterrizar e
aterrissagem: [...]
Qual o sentido das abreviaturas:
Bras. = _________________________________
Gal. = __________________________________
Reescreva a frase, substituindo o verbo pelas duas outras formas equivalentes:
O avião aterrizou.
O avião _________________.
O avião _________________.
Escreva os substantivos correspondentes:
Aterrissar:________________________
Aterra: ___________________________
a)
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Ainda que a autora, na orientação dada ao professor, tenha dito: “insistir no valor
expressivo do duplo sentido de aterrar, no verso.” O que se percebe é um exercício que,
além de explorar o aspecto morfológico, introduz o aspecto etimológico, evidenciando que
este é um critério válido para a distinção de homonímia e polissemia.
A questão
apresentada em (b) poderia suscitar uma discussão interessante sobre o que é defeito e
qualidade quando é possível usar dois sentidos, mas ela é cortada por um outro viés, que
novamente sai do texto e cai no verbete, ou seja, a língua em estado de dicionário quando a
discussão surgiu a partir de um poema.
Finalmente no volume da oitava série, são explorados os homógrafos,
reaparecendo o uso de pára e para e outros casos semelhantes: pelo e pêlo, por e pôr, pode e
pôde. O critério explorado novamente é o morfológico, dando ênfase à ortografia,
especialmente, aos acentos diferenciais . Os exercícios são apenas de fixação para distinguir
o elemento acentuado do não acentuado em frases criadas propositadamente para tal. Não
há nenhuma explicação a respeito do assunto, a seção inicia direto com os exercícios e, ao
término, passa para o outro tópico, sinônimos, que irá abordar outras palavras.
Da coleção Linguagem e vida (Norma Goldstein e Marinez Dias), foi selecionado
o volume destinado à oitava série. A obra segue uma rotina na divisão de atividades que
seguem ao texto, o estudo dos homônimos e parônimos se encontra na quarta parte“reflexões sobre a língua”- no item intitulado “para redigir melhor”.
Nele as autoras apresentam uma rápida distinção entre homônimos e parônimos e
logo a seguir são apresentadas doze orações para que as lacunas sejam preenchidas com
uma das formas apresentadas.
Como se pode observar, é uma abordagem diferenciada da obra anterior, pois não
estão claros quais os critérios que levam a escolha do “termo adequado” como solicita o
exercício. Tem-se a impressão de que o assunto foi incluído pois faz parte do programa de
oitava séries estudá-lo. Entretanto, diante da lista limitada apresentada pelas autoras e por
ser apenas um momento de exercício, certamente os alunos não terão oportunidade para
explorar esse tópico como realmente seria necessário: no seu cotidiano.
Outra obra analisada foi o volume 1 de Oficina de textos: leitura e redação (Rosa
C. Riche e Denize M. Souza). A coleção é uma proposta de trabalho com leitura e
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produção de textos dividida em unidades temáticas. Na primeira delas, no terceiro capítulo,
encontra-se o tema “Os sons e as letras”. Ali se explora, por exemplo, o uso de j e g.
Novamente se perceber, pela dica dada aos professores, – “aproveite este espaço
para fazer uma fixação ortográfica das palavras escrita com j e g para que os alunos gravem
melhor” – a preocupação com a fixação ortográfica, e não com a questão do sentido. Isso
se mostra incoerente, pois o exercício se origina de um texto, condição favorável para
estudar o contexto em que a realização de viajar/viagem. Faraco (1984, p.22) se refere ao
ensino de ortografia por regras e lacunas como uma estratégia inadequada, pois quando
escrevemos não o fazemos por meio de preenchimento de espaços em branco ou por meio
de palavras soltas, isoladas de contexto.
Além disso, no exemplo explorado, as autoras poderiam ter se valido do aspecto
morfológico que, em casos como esses, auxiliam a perceber a diferença de grafia entre uma
e outra palavra, conforme Scliar-Cabral (2001, p.44-5):
As regras de derivação morfológica evitam a sobrecarga do léxico mental ortográfico, mesmo nos
contextos competitivos. [...] Convém enfatizar que, uma vez memorizadas no léxico mental
ortográfico as formas primitivas, elas se mantêm na derivação, obedecendo, porém, as restrições
impostas pelo contexto fonético. [...] O mesmo se aplica aos derivados do sistema do presente.
Sendo assim, grafa-se o presente do subjuntivo e respectivas formas do imperativo, conforme a 1.ª
e 2.ª pessoa singular do presente do indicativo. Por exemplo, “viajem” em “que eles viajem” forma
derivada de [...] “viaj”, em oposição ao homófono não homógrafo “viagem” em “a viagem”,
forma derivada do tema nominal /’via/  “via” mais o sufixo [...] “agem”.
A Gramática pedagógica (p. 306-11) explora um poema de Cecília Meireles a fim
de mostrar quantos significados a autora atribui ao termo “palavra”.
Depois este é
comparado com o verbete do dicionário Aurélio. Esta é a forma de introduzir o conceito de
semântica.
A partir daí, os autores se limitam a dar conceitos e exemplos de sinonímia,
antonímia, homonímia, paronímia, palavras em sentido conotativo e denotativo
e
polissemia. Logo a seguir estão os exercícios de classificação como o em (2) e de
identificação como o em (3) (5).
No que diz respeito ao exercício em (2) apenas se deve levar em conta, para fazer
a distinção entre uma palavra e outra, o critério morfológico. O sentido da palavra, a
palavra em uso ficam relegados ao momento inicial quando o poema é apresentado. Esta
atitude se revela incoerente, especialmente se for levado em consideração que é uma
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gramática pedagógica e que contém em sua apresentação o seguinte comentário dos
autores:
Este livro pretende fornecer-lhes os meios necessários para um bom desempenho
no seu cotidiano, em suas atividades de ouvir, falar, ler e escrever. Para isso, utilizamos
uma linguagem em moderna e atual e selecionamos os mais variados instrumentos para
servir de exemplos: manchetes de jornais e revistas, propagandas, histórias em quadrinho,
poesias, contos, etc. Procuramos, também, trabalhar apenas com os aspectos gramaticais
básicos, sem complicar e aprofundar demais a matéria, pois sabemos que, conhecendo esses
aspectos básicos, você será capaz de desempenhar, cada vez mais e melhor, as atividades
do dia-a-dia que envolvem a comunicação entre os homens.
A última analisada é o ALP, volume da sexta série. Os autores, Maria Fernandes
Cócco e Marco Antonio Hailer, escolheram o texto, cujo autor é um dos organizadores da
obra, “Uma tal de Filomena” e, na seção “Exploração” reservam as duas primeiras
questões para o estudo de homônimos e parônimos:
1)
No texto Um tal de Filomena, existem dezoito palavras escritas de forma incorreta. Use um
lápis colorido e pinte todos os erros que você descobrir. Depois passe para a atividade 2 e confira
se você sublinhou todas as palavras escritas incorretamente.
2)
Você tem aqui a lista das palavras homônimas e parônimas que estão escritas
incorretamente no texto.
Homônimos: palavras iguais no som e/ou na escrita, mas com significados diferentes.
Parônimos: palavras parecidas no som e/ou na escrita, mas com significados diferentes.
Procure no dicionário o significado de cada uma dessas palavras e escreva-o abaixo.
descente/decente; pião/peão; sela/cela; soava/suava; conserto/concerto; cassar/caçar;
destinto/distinto; comprimento/cumprimento; cavalheiro/cavaleiro; passo/paço;
lasso/laço;
arrear/arriar; devagar/divagar; acento/assento; censo/senso.
Surpreende o tipo de atividade, quando o livro diz ter uma proposta que difere da
forma tradicional, na qual se trabalha somente a gramática normativa. Logo nas páginas
iniciais, os autores declaram que o objetivo geral da obra é “o desenvolvimento de um
trabalho de linguagem que leve o aluno a observar, perceber, descobrir, refletir sobre o
mundo, interagir com seu semelhante, através do uso funcional de linguagens” (1994, p.2).
Acrescentam ainda, no tópico “considerações sobre a gramática textual”, que trabalhar a
gramática na escola é desenvolver o raciocínio do aluno, mas não se deve fazer uma
enorme quantidade de exercícios inúteis, pois o aluno só constrói os conceitos gramaticais e
os aplica quando compreende o seu uso. Assim, propõem que se deva desenvolver um
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trabalho de Gramática textual, na qual estejam presentes atividades que levem o aluno a
refletir sobre os
vários assuntos gramaticais através de comparação de textos
diversificados. Olhando a proposta e a atividade parece haver uma lacuna entre os dois,
pois o que se tem é apenas um texto, escrito por um dos autores da coleção, usado como
pretexto para explorar o um aspecto gramatical, seguido de uma definição colhida de uma
gramática normativa, não construída pelo aluno com a sua linguagem e um exercício
repetitivo que visa buscar o significado, mas não o uso.
Portanto, o que se pode encontrar nos livros didáticos destinados ao ensino
fundamental é uma gama de conceitos retirados de gramáticas normativas, das quais não há
sequer a indicação da fonte. Os homônimos perfeitos quase nada são explorados, apenas o
aspecto gráfico é valorizado, daí a preferência pelos homônimos parciais, especialmente os
não homógrafos. A palavra “em uso” aparece nos textos, mas os exercícios as isolam a
fim de promover a dissecação das mesmas.
Se o olhar do educador fosse de quem desconfia do que está posto no livro
didático, os casos de homonímia teriam um tratamento bem longe da forma simplificada e
reducionista com que este assunto é tratado. É imprescindível que tanto os autores de livros
didáticos como os professores tenham conhecimento teórico a respeito dos temas que
pretendem abordar em seus livros e aulas, deixando um pouco de lado o que a norma dita e
observando que a linguagem está nos textos e além deles.
Conclusão
Embora seja um tema que já tenha debatido por muitos teóricos, a polissemia ainda
pode ser discutida, pois o que se percebe, das leituras feitas, é um desejo de sempre mais
compreender o comportamento desse fenômeno que se situa entre tantos outros da
indeterminação semântica.
Para alguns, está próxima da ambigüidade, para outros se
distingue da homonímia, a qual foi a razão de ser de toda a investigação que se realizou
neste trabalho de pesquisa.
Depois de estabelecer paralelos com a polissemia e a ambigüidade, pôde-se concluir
que é possível estabelecer um espaço no qual a homonímia ocorre e conceituar esse
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fenômeno como a relação que acontece entre um ou mais itens lexicais com significados
diferentes.
Se, em sua investigação, os teóricos buscam discutir com profundidade a
polissemia; as gramáticas e os livros didáticos deixam esse tópico de lado e, quando o
abordam, fazem somente pelas bordas, apresentando simples definições e raras
comparações com outros fenômenos.
Outra constatação é que, de um lado, estão os teóricos que tratam com mais atenção
a homonímia absoluta, pois aí ocorre a competição com a polissemia, e é preciso apontar
critérios, que estabeleçam quando ocorre uma e outra, se pela etimologia, pela morfologia,
pelo contexto. Também é preciso perceber se um item lexical acidentalmente carrega dois
sentidos distintos e não relacionados ou se há relação entre eles e qual é. Já os materiais
destinados a professores e alunos preferem tratar dos casos de homonímia parcial,
enfatizando, sobretudo, os homófonos. Eles são objeto de estudo, não do que possam
significar ou como aparecem no uso da língua, viva que todos falam e escrevem, mas de
uma gramática que dita normas. O importante é - fixar a grafia das palavras - conforme
recomendam os livros destinados aos professores.
Não se quer, neste trabalho, negar o papel do professor que ensina a língua e da
necessidade que existe de trabalhar com a codificação de forma a levar o aluno à escrita das
palavras de acordo com a convenção estabelecida. O que se deseja apontar é a deficiência
que está posta na forma como a língua é trabalhada, em sala de aula, pelo professor. Este
precisa de conhecimentos científicos a respeito daquilo que trabalha e a lingüística tem
informações importantes sobre as características da linguagem, sua função e estrutura.
Assim, se o professor souber compreender essas informações, elas poderão funcionar como
um instrumental eficiente para que o professor possa abandonar a sua posição dogmática e,
distanciando-se do objeto de estudo, entender um fenômeno lingüístico, discuti-lo e
construir sua própria conclusão.
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