Poemas comentados Mário de Andrade Lundu do escritor

Propaganda
Poemas comentados
Mário de Andrade
Lundu do escritor difícil
Eu sou um escritor difícil
Que a muita gente enquizila,
Porém essa culpa é fácil
De se acabar duma vez:
É só tirar a cortina
Que entra luz nesta escurez.
Cortina de brim caipora,
Com teia caranguejeira
E enfeite ruim de caipira,
Fale fala brasileira
Que você enxerga bonito
Tanta luz nesta capoeira
Tal-e-qual numa gupiara.
Misturo tudo num saco,
Mas gaúcho maranhense
Que pára no Mato Grosso,
Bate este angu de caroço
Ver sopa de caruru;
A vida é mesmo um buraco,
Bobo é quem não é tatu!
Eu sou um escritor difícil,
Porém culpa de quem é!...
Todo difícil é fácil,
Abasta a gente saber.
Bajé, pixé, chué, ôh "xavié"
De tão fácil virou fóssil,
O difícil é aprender!
Virtude de urubutinga
De enxergar tudo de longe!
Não carece vestir tanga
Pra penetrar meu caçanje!
Você sabe o francês "singe"
Mas não sabe o que é guariba?
— Pois é macaco, seu mano,
Que só sabe o que é da estranja.
(Comentários:
Crítica à literatura brasileira de então, à busca pela perfeição formal e de conteúdo.
Uso de uma linguagem coloquial.
Influências de todos para a formação de uma identidade cultural e nacional.)
Oswald de Andrade
Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
(Comentários:
Uso de uma linguagem coloquial, que se sobreponha à linguagem formal e gramatical.
Variantes linguísticas marcadas pela oralidade)
Erro de português
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
(Comentário:
Olhar crítico para a descoberta do Brasil, para o quanto o Brasil se deixou ser por
Portugal.
Característica modernista é a busca pela identidade cultural nacional, identidade esta
formada por elementos vindos de fora (bem selecionados), mas não determinantes.)
Manuel Bandeira
Poema tirado de uma notícia de jornal
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num
barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
(Comentários:
Os poemas, no modernismo, passam a vir das cenas cotidianas.
Uma das características da poesia de Bandeira: a morte, o tom melancólico)
Os sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os delumbra.
Em ronco que a terra,
Berra o sapo-boi:
– “Meu pai foi à guerra!”
– “Não foi!” — “Foi!” — “Não foi!”
O sapo-tanoeiro
Parnasiano aguado,
Diz: — ” Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…”
Urra o sapo-boi:
– “Meu pai foi rei” — “Foi!”
– “Não foi!” — “Foi!” — “Não foi!”
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
– “A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatutário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo.”
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
–”Sei!” — “Não sabe!” — “Sabe!”
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio…
(Comentários:
Crítica à escrita parnasiana, ao primor que os parnasianos têm em compor rimas,
inclusive, em rimar termos cognatos, ou seja, termos que possuem a mesma classe
gramatical já que para o parnasiano rimar termos cognatos não é sinônimo de
sofisticação, pois as rimas não são consideradas ricas. Manuel Bandeira também faz
uma alusão irônica aos poemas que valorizam a descrição dos objetos e da escultura
clássica.
Além do conteúdo temático, o poeta faz algumas construções estruturais que dão
sentido ao tema. Uma destas construções é o uso de aliterações em “p” e “b” e as
assonâncias em “u” e “a” que remetem o som do pulo dos sapos, assim como, o jogo de
palavras em ” Não foi! – Foi! – Não foi!” que faz analogia ao coaxar dos sapos.
Entretanto, o poeta moderno não utiliza a forma como meio de compor o tema, mas
também, como forma de compor a ironia temática presente no texto. Por exemplo, a
composição de todos os versos com a mesma métrica (cinco sílabas) faz parte da
proposta parnasiana. No entanto, o poema é criado em redondilhas menores, isto é, a
forma mais simples de se compor as sílabas poéticas, o que para os parnasianos é
inaceitável, já que eles louvavam a sofisticação e não a simplicidade.
Gabarito exercícios aula 15
1. A profusão de sensações a que o poeta está submetido (“As sensações renascem
de si mesmos sem repouso”) sugere a intensidade múltipla da criatividade de
Mário de Andrade. A busca pela identidade própria em meio a esse turbilhão de
ideias vem metaforizada na apóstrofe aos “espelhos”, que denota o desejo de ter
uma visão crua e direta de si. Os vocativos seguintes, direcionados a “Pirineus”
e “caiçaras”, podem indicar, respectivamente, as referências europeias e
brasileiras a que o poeta estava submetido. Desse modo, podemos estabelecer
um paralelo entre a busca da identidade cultural brasileira e o desejo em definir
quem ele é culturalmente.
2. Pasárgada é um lugar utópico onde o eu lírico pode realizar uma série de sonhos:
o prestígio da proximidade do poder (ser “amigo do rei”), o amor
descompromissado e sensual (“mulher que eu quero / Na cama que escolherei” e
“prostitutas bonitas / Para a gente namorar”), o gozo pleno da saúde e das
atividades físicas (andar de bicicleta, tomar banhos de mar, etc.), o retorno ao
conforto e segurança das imagens da infância (as histórias de Rosa contadas pela
mãe-d’água), o aproveitamento da tecnologia e de substâncias narcóticas
(telefone automático e alcaloides).
3. O poema é um verdadeiro lamento de uma moça interiorana que, depois de ter
conhecido festas e agitações numa cidade maior, lastima ter de voltar para o
campo, lugar marcado pela pacatez e pela religiosidade. O espaço rural, sob o
ponto de vista dela, é francamente negativo, como se pode notar na declaração
explícita de tristeza do quinto verso e na perspectiva de isolamento junto às
“malditas” palmeiras da fazenda.
Download