a relação entre habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem

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A RELAÇÃO ENTRE
HABILIDADES SOCIAIS E
DIFICULDADES DE
APRENDIZAGEM
relationship between social skills deficits and learning
disabilities
Lívia Fernanda de Oliveira*
Jurany Leite Rueda**
RESUMO
Habilidades sociais são reconhecidas como fatores de proteção no curso do desenvolvimento humano.
Estudos nessa área sugerem uma relação entre habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem,
apesar de haver contradições quanto à natureza e funcionalidade dessa relação. Este artigo pretende
fazer uma descrição de alguns estudos que indicaram a relação entre déficits em habilidades sociais e
dificuldades de aprendizagem.
Palavras-chave: Desempenho social; habilidades sociais; déficits; dificuldades de aprendizagem.
ABSTRACT
Social skills are recognized as a protective factor in the course of human development. Studies in this
area suggest a relationship between social skills and learning difficulties, although there are
contradictions as to the nature and functionality of this relationship. This article aims to provide a
description of some studies that indicate the relationship between social skills deficits and learning
disabilities.
Keywords: Social performance; social skills; deficits; learning difficulties.
*Professora de Educação Básica, graduada em pedagogia, com especialização em Educação Especial e
graduanda em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Santa Catarina. [email protected]
** Professora de Educação Básica, graduada em Pedagogia, com especialização em Educação Especial e
mestranda em Educação pela UFSCAR/campus Sorocaba. [email protected]
DOSSIÊ
OLIVEIRA, L.F.; RUEDA, J.L.
Introdução
O homem, como um ser social, depende de interações para seu pleno
desenvolvimento e, desde os primeiros dias de sua existência, procura formas de
interagir com outros. Desde muito cedo, procura seus pares para brincar, conversar,
fazer amizade e, através destas, aprende as noções básicas de socialização. Segundo Del
Prette e Del Prette (2005), a socialização é uma das mais importantes tarefas do
desenvolvimento da criança e é caracterizada pela ampliação e refinamento dos
comportamentos sociais e pela compreensão gradual dos valores e normas,
fundamentais para o funcionamento da vida em sociedade.
Durante os primeiros anos de vida, o indivíduo vivencia uma sequência de
experiências em seu ambiente, que podem favorecer comportamentos pró ou
antissociais. Diante dessa perspectiva, o campo teórico-prático denominado
Treinamento de Habilidades Sociais (THS) tem demonstrado a importância de um
repertório elaborado de habilidades sociais nos mais diversos contextos de vida,
inclusive o escolar (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 1996; 1999). Destaca-se, portanto,
a importância da aprendizagem de habilidades sociais para o desenvolvimento social,
emocional e acadêmico da criança.
Este artigo tem por objetivo analisar a literatura sobre habilidades sociais e
dificuldade de aprendizagem, não na forma de revisão sistemática e exaustiva acerca do
assunto, mas buscando clarificar a relação estreita entre essas duas variáveis a fim de
possibilitar futuras discussões e encaminhamentos de pesquisa e intervenção.
O campo teórico-prático do THS
Para compreender essa área de investigação e intervenção, três conceitos são
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fundamentais: desempenho social, habilidades sociais e competência social, definidos
por Del Prette e Del Prette da seguinte forma:
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A relação entre habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem, p.35-48
Desempenho Social refere-se à emissão de um comportamento ou
sequência de comportamentos em uma situação social qualquer;
Habilidades Sociais refere-se à existência de diferentes classes de
comportamentos sociais no repertório do indivíduo para lidar de
maneira adequada com as demandas das situações interpessoais;
Competência Social tem sentido avaliativo que remete aos efeitos do
desempenho social nas situações vividas pelo indivíduo, [...] qualifica
a proficiência desse desempenho e implica a capacidade do indivíduo
de organizar pensamentos, sentimentos e ações em função de seus
objetivos e valores, articulando-os às demandas imediatas e mediadas
do ambiente. (DEL PRETTE e DEL PRETTE, 2008, p. 31)
A capacidade de discernir corretamente os comportamentos sociais (habilidades
sociais) exigidos em uma demanda social é uma condição para a competência social de
um indivíduo. Del Prette e Del Prette (2007) elucidam competência social como a
capacidade de um indivíduo estabelecer pensamentos, sentimentos e ações a partir de
objetivos pessoais e de exigências situacionais e culturais, ocasionando resultados
positivos para o indivíduo e para sua interação com os demais. Os resultados positivos
para si e para os outros podem ser evidenciados pelo alcance dos objetivos da interação
social, manutenção ou melhoria de sua interação com o outro, manutenção da
autoestima e manutenção ou ampliação dos direitos humanos socialmente
reconhecidos.
Desta forma, a aprendizagem da competência social está diretamente
relacionada com a aprendizagem das habilidades sociais, mas também com as
oportunidades que um indivíduo tem, durante toda a vida, para participar efetivamente
de diferentes contextos de interação, melhorando assim seu desempenho diante das
diferentes situações sociais (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2001).
Ainda sobre a definição dos termos, Elliott e Gresham explicam que:
“Habilidades Sociais são comportamentos aprendidos e socialmente aceitáveis que
permitem ao individuo interagir efetivamente com outros e evitar ou fugir de
comportamentos não aceitáveis que resultem em interações sociais negativas.” (2002,
p. 91)
As habilidades sociais são aprendidas de maneira não sistemática e sistemática,
nas relações interpessoais. No primeiro caso, os pais, os amigos, o cônjuge, os colegas
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habilidades sociais. No segundo caso, elas podem ser aprendidas por meio de
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de trabalho e a mídia em geral são importantes agentes educativos no ensino de
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Programas de Treinamento de Habilidades Sociais, tanto terapêuticos quanto
preventivos.
Portanto, as habilidades sociais têm sido consideradas, nesse campo de estudo,
um fator que contribui para a prevenção de comportamentos problemáticos (DEL
PRETTE; DEL PRETTE, 2005). Em antítese, déficits em habilidades de comunicação
e de interação social com colegas da mesma idade e adultos têm sido constatados em
crianças de comportamento problemático, principalmente as que possuem uma
conduta coercitiva, o que pode levar a uma rejeição pelo grupo, resultando em um risco
de desenvolvimento futuro de relacionamentos interpessoais pobres (MARINHO,
2003).
Del Prette e Del Prette (2009) propuseram a classificação das habilidades sociais
em sete classes como relevantes na infância, entendidas como prioritárias para o
desenvolvimento interpessoal:
(1) Autocontrole e expressividade emocional: Reconhecer e nomear as emoções
próprias e dos outros; controlar a ansiedade; falar sobre emoções e sentimentos;
controlar o humor; tolerar frustrações; mostrar espírito esportivo; expressar as emoções
positivas e negativas.
(2) Civilidade: Cumprimentar pessoas; despedir-se; usar locuções como “por
favor”, “obrigado”, “desculpe”, “com licença”; aguardar a vez para falar; fazer e aceitar
elogios; seguir regras ou instruções; fazer perguntas; responder perguntas; chamar o
outro pelo nome.
(3) Empatia: Observar; prestar atenção; ouvir e demonstrar interesse pelo outro;
reconhecer/inferir sentimentos do interlocutor; compreender a situação (assumir
perspectiva); demonstrar respeito às diferenças; expressar compreensão pelo
sentimento ou experiência do outro; oferecer ajuda; compartilhar.
(4) Assertividade: Expressar sentimentos negativos (raiva e desagrado); falar sobre
as próprias qualidades ou defeitos; concordar ou discordar de opiniões; fazer e recusar
pedidos; lidar com críticas e zombarias; pedir mudança de comportamento; negociar
interesses conflitantes; defender os próprios direitos; resistir à pressão de colegas.
(5) Fazer amizades: Fazer perguntas pessoais; responder perguntas, oferecendo
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informação livre (autorrevelação); aproveitar as informações livres oferecidas pelo
interlocutor; sugerir atividade; cumprimentar; apresentar-se; elogiar; aceitar elogios;
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oferecer ajuda; cooperar; iniciar e manter conversação (“enturmar-se”); identificar e
usar jargões apropriados.
(6) Solução de problemas interpessoais: Acalmar-se diante de uma situação-problema;
pensar antes de tomar decisões; reconhecer e nomear diferentes tipos de problema;
identificar e avaliar possíveis alternativas de solução; escolher, implementar e avaliar
uma alternativa; avaliar o processo de tomada de decisão.
(7) Habilidades sociais acadêmicas: Seguir regras ou instruções orais; observar;
prestar atenção; ignorar interrupções dos colegas; imitar comportamentos socialmente
competentes; aguardar a vez para falar; fazer e responder perguntas; oferecer, solicitar
e agradecer ajuda; buscar aprovação por desempenho realizado; elogiar e agradecer
elogios; reconhecer a qualidade do desempenho do outro; atender pedidos; cooperar e
participar de discussões.
As Habilidades Sociais no contexto escolar
Há uma relação existente entre aprendizagem e desenvolvimento, no aspecto
social e emocional.
Entretanto, o ato de aprender, bem como o fenômeno da
aprendizagem em si, pode ter uma relação estreita com a presença, ausência ou
desenvolvimento de habilidades sociais específicas.
Caldarella e Merrell (1997) afirmam que as crianças que apresentam
comportamentos sociais apropriados reúnem um conjunto de habilidades sociais
importantes para a definição do sucesso das interações sociais em idade escolar tais
como oferecer ajuda, cumprimentar, expressar sentimentos, cooperar, participar,
elogiar, criticar positivamente, etc.
Na prática social, esses déficits podem levar a criança ao não reconhecimento
das demandas dos ambientes e ao desconhecimento das normas e padrões socialmente
aceitáveis ou valorizados. Nesse contexto, pode dificultar: a identificação dos objetos
relevantes para uma interação (exemplo: desconhecendo o sentido de diversão e
camaradagem que os colegas atribuem a um jogo, a criança o vê somente como
oportunidade de vencer); a seleção de estratégias apropriadas para alcançar os objetivos
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uma regra de solicitar); o ajuste do comportamento às mudanças do contexto (exemplo:
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de uma interação (exemplo: tomar à força um brinquedo quando o grupo já estabeleceu
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fazer brincadeira de mau gosto com um colega que acaba de receber uma notícia
desagradável).
As dificuldades para compreender essas demandas podem estar associadas a
padrões perfeccionistas de desempenho, autoavaliações distorcidas, baixa autoestima,
expectativas, crenças e autorregras disfuncionais podendo levar os educandos a
desenvolverem problemas de comportamento, restrições de oportunidades e modelos
e ao excesso de ansiedade interpessoal.
A qualidade da relação da criança com os colegas, enquanto uma das condições
para sua aprendizagem social e acadêmica, pode ser em grande parte mediada pelo
professor. Um relacionamento satisfatório entre professor e aluno é fundamental para
aumentar a probabilidade de o professor alcançar não só os objetivos acadêmicos, mas
também para promover a competência social das crianças.
As crianças podem apresentar dificuldades nas relações interpessoais
dependendo da frequência, proficiência e importância das habilidades sociais,
permitindo inferir três tipos de déficits: de aquisição, de desempenho e de fluência
(DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2005).
É importante ressaltar que as habilidades sociais não têm apenas relação com o
processo de aprender, mas também com o de ensinar. Segundo Del Prette e Del Prette
(2008), habilidades sociais educativas (HSE) referem-se às classes de habilidades sociais
intencionalmente direcionadas para promover o desenvolvimento e a aprendizagem do
outro, seja em uma situação formal ou informal. Os mesmos autores denominaram
habilidades sociais educativas como “aquelas intencionalmente voltadas para a
promoção do desenvolvimento e da aprendizagem do outro, em situação formal ou
informal de ensino” (p. 95). Essas habilidades devem estar presentes nas interações
entre educador (seja ele mãe, pai, professora ou agentes sociais) e o educando (filho ou
aluno) e conferem, em relação a quaisquer respostas a serem modeladas, melhores
resultados educativos, tanto no planejamento quanto na condução das ações adotadas.
De forma mais específica, descrevem tais habilidades em quatro classes:
1) Estabelecer contextos interativos potencialmente educativos: o conjunto de
ações que descrevem essa classe enfatiza que o educador tem a responsabilidade de
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gerenciar o ambiente físico, materiais educativos e as relações entre os alunos, sugerindo
ações que possam ser mediadas por ele, para que alcancem objetivos prévios
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determinados pelo professor. Por exemplo: quando o professor do ensino regular
recebe em sua sala de aula um aluno com necessidades educacionais especiais ele pode,
de acordo com a idade e nível dos educandos, planejar e envolver todos os alunos,
buscando a melhor forma de atendê-los, bem como procurando informações e
estimulando os alunos a buscá-las. Assim, incentiva e estabelece, através de atividades
em duplas e em grupo, interações sociais habilidosas para todos os integrantes da sala
de aula.
2) Transmitir ou expor conteúdos sobre habilidades sociais: com essa classe, os
autores descrevem ações do educador mediadas (ou não) por recursos visuais e
auditivos que visam a apresentar conteúdos de habilidades sociais. Dentre os
comportamentos que estão previstos para essa classe, estão os de sondar e desafiar a
participação do aluno durante uma atividade; estar atento às colocações dos mesmos
sobre conteúdos acadêmicos e de situações sociais, com a finalidade de organizá-los;
motivar o aluno a se expor em aula, apresentando objetivos para as atividades, dicas e
modelos de como se comportar e instruções verbais sobre conteúdos sociais e
acadêmicos.
3) Estabelecer limites e disciplina: para essa classe, são descritas ações verbais
e/ou não verbais do educador que designa, justifica, sugere e negocia regras, normas
ou valores. Sabe-se que o educador, conseguindo se comportar dessa maneira, consegue
maior domínio sobre a sala e uma interação que incentive o aluno a se habituar à
socialização.
4) Monitorar positivamente: a proposta dos autores com essa classe é apresentar
um conjunto de ações verbais e/ou não verbais dos educadores envolvidos em
monitorar de maneira educativa o comportamento diretamente observável ou o
comportamento relatado pelo educando. Os autores sugerem que o educador deve
apresentar consequências reforçadoras para comportamentos sociais desejáveis
imediatamente observáveis. Outro comportamento importante envolve estabelecer
condições de maior acesso a comportamentos do educando (passados ou futuros),
reunindo informações e/ou consequenciando relatos.
Dentre as HSE, pode-se destacar: a criatividade para idealizar condições
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do desempenho do educando; a observação; a análise dos progressos obtidos; o
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diversas de atividades educativas; a flexibilidade de mudar as próprias ações em função
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encorajamento para tentar obter a solução de problemas e a capacidade de apresentar
novos desafios.
Ainda no contexto da educação, é importante lembrar que o fracasso escolar é
um fenômeno recorrente na história educacional brasileira. Nesse assunto as
dificuldades escolares constituem um dos efeitos e um agravante da baixa competência
social. Por sua vez, esta dificulta o rendimento escolar e contribui para o isolamento
social da criança na escola. Por isso, alguns programas de treinamento introduzem, de
modo didático, os fundamentos da análise do comportamento aplicada, instruindo os
pais a motivarem os filhos a se comportarem bem e supervisionando-os na aplicação
de técnicas de incentivo, de atenção ao bom desempenho e de retirada de atenção
quando a criança não se comporta da maneira combinada.
Dificuldades de aprendizagem
O campo de estudos sobre dificuldades de aprendizagem iniciou-se através do
empenho de um grupo de pais que procuravam soluções para a dificuldade na
aprendizagem da leitura de seus filhos que, então, decidiram se reunir com profissionais
que pudessem ajudá-los. Isso aconteceu no ano de 1963, na cidade de Chicago.
Dentre os profissionais, estava o psicólogo Samuel Kirk, que trabalhava com crianças
com atraso mental, dificuldades da linguagem e de leitura. Foi nessa ocasião que ele
propôs que esses inexplicáveis obstáculos observados na aprendizagem da leitura
poderiam ser chamados de “Distúrbios de Aprendizagem” (DA) ou, na expressão
original, Learning Disabilities (LD), propondo o modelo Test Illinios de Aptitudes
Psicolinguísticas (ITPA) para avaliação e intervenção consequente e que serve de
justificação teórica para a identidade do campo recém-criado.
Segundo o National Joint Committee for Learning Disabilities (NJCLD) a expressão
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“distúrbio de aprendizagem” pode ser definida como:
[...] um grupo heterogêneo de desordens manifestadas por
dificuldades significativas na aquisição e uso da audição, fala, leitura,
escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. Esses transtornos são
intrínsecos ao indivíduo e presume-se que sejam devido à disfunção
do sistema nervoso central. Apesar de que uma dificuldade de
aprendizagem pode ocorrer concomitantemente com outras
condições incapacitantes (por exemplo, deficiência sensorial, retardo
mental, distúrbio social e emocional) ou influências ambientais (por
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A relação entre habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem, p.35-48
exemplo, diferenças culturais, instrução insuficiente/inadequada,
fatores psicogênicos), não é o resultado direto dessas condições ou
influências (NJCLD, 1981; 1985 apud GARCIA, 1998, p. 34).
O Individuals with Disabilities Education Act (Lei de Educação das Pessoas
Portadoras de Deficiência), define distúrbios de aprendizagem da seguinte forma:
[...] (um) transtorno em um ou mais dos processos psicológicos
básicos envolvidos na compreensão ou na utilização de linguagem
falada ou escrita, que pode manifestar-se em uma habilidade
imperfeita para ouvir, pensar, falar, ler, escrever, soletrar, ou fazer
cálculos matemáticos [...]. Dificuldades de Aprendizagem incluem
condições como deficiências perceptivas, lesão cerebral, disfunção
cerebral mínima, dislexia e afasia de desenvolvimento.
Há ainda a definição de dificuldade de aprendizagem como uma constante
gradação de performance escolar que agrega todos os determinantes orgânicos e relativos
ao contexto, os quais influenciam o rendimento escolar interativamente (Feitosa; Del
Prette; Matos, 2006). Nessa definição há uma perspectiva mais holística, mais
abrangente das dificuldades de aprendizagem, incluindo problemas no sistema
educacional, características próprias do indivíduo e demais possíveis influências
advindas do ambiente. Essa abordagem rechaça o ponto de vista meramente biológico.
Del Prette e Del Prette (1999; 2001; 2003) indicam que, independentemente de
se caracterizar dificuldades de aprendizagem como distúrbio ou como dificuldade, há
uma associação com déficits de habilidades sociais, e expõem duas possíveis explicações
para a associação entre déficits de habilidades sociais e dificuldades de aprendizagem:
1) déficits no repertório de habilidades sociais levariam a dificuldades de aprendizagem
porque prejudicariam a qualidade da relação com colegas de classe e professores,
reduzindo o acesso à informação e à construção social de conhecimentos; 2)
dificuldades de aprendizagem e/ou baixa competência social gerariam percepções e
emoções negativas no aluno que, por sua vez, afetariam a motivação para o
envolvimento na tarefa e funções cognitivas importantes para a apreensão dos
conteúdos e a construção social de conhecimentos.
Del Prette e Del Prette (2003) ressaltaram que, apesar das causas atribuídas aos
distúrbios e dificuldades de aprendizagem, ambos retratam problemas típicos da
escolarização inicial em leitura, escrita e matemática; incluem, entre os fatores
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exclusivamente biológicas nos distúrbios ou essencialmente psicossociais no caso das
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determinantes, aspectos do processamento cognitivo, sejam decorrentes de causas
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OLIVEIRA, L.F.; RUEDA, J.L.
dificuldades; e ambos possuem indicadores bastante semelhantes em habilidades
sociais, ou seja, estão associados a um baixo repertório de habilidades sociais. Ao
encontro disso, estes autores afirmam também que as habilidades sociais estão
diretamente associadas ao bom rendimento acadêmico. Igualmente, os mesmos autores
apontam que os déficits em habilidades sociais estão relacionados ao baixo rendimento
acadêmico, configurado como dificuldades de aprendizagem.
Feitosa (2003) identificou que, na avaliação dos professores, as crianças com
dificuldades de aprendizagem tendem a apresentar déficits em diferentes habilidades
sociais requeridas na interação com colegas, como, por exemplo, saber como abordar
um grupo formado, pedir desculpas, interceder em conflitos e propor brincadeiras.
Lopes (2009) aborda que dificuldade de aprendizagem é uma das principais
maneiras pelas quais o fracasso escolar é evidenciado. Efeitos negativos no âmbito
pessoal e mais amplo, na esfera social, poderiam ser evitados caso fosse dada uma
atenção especial ao problema da dificuldade de aprendizagem e planejadas estratégias,
intervenções e recursos que pudessem auxiliar os que sofrem em função desse
problema.
Dessa forma, para Del Prette e Molina (2006), é razoável conjeturar a existência
de relações entre dificuldades de aprendizagem e déficits em habilidades sociais, já que
a aprendizagem é um processo de construção social do conhecimento que ocorre na
interação do sujeito com seu meio.
Numa pesquisa realizada com 16 estudantes com dificuldades na aprendizagem
da leitura e escrita, sendo seis meninas e dez meninos entre sete e treze anos, os quais
receberam um THS (Treinamento de Habilidades Sociais), Molina (2006) constatou que
os ganhos no repertório social desses alunos foram acompanhados de ganhos
acadêmicos também. Apesar do pequeno número de participantes, a autora defende
que os resultados favorecem a ideia da relação funcional existente entre habilidades
sociais e desempenho acadêmico.
Semelhantemente, a pesquisa de Bandeira, Rocha, Pires, Del Prette e Del Prette
(2006) avaliou características da competência acadêmica em sua relação com o
repertório de habilidades sociais e com variáveis sociodemográficas de uma amostra de
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257 crianças de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental. Foi aplicada a escala SSRS (Social
Skills Rating System) a 185 crianças, seus pais e a 12 professores. O questionário Critério
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Brasil foi usado para avaliação socioeconômica. Os resultados mostraram que 7,9% dos
estudantes apresentavam muita dificuldade de aprendizagem. As meninas obtiveram
escores mais elevados do que os meninos em competência acadêmica. As crianças de
escola particular apresentaram melhores índices do que as de escolas públicas. Uma
melhor competência foi observada em crianças de nível socioeconômico mais elevado.
Quanto maior era o nível das habilidades sociais das crianças, melhor era a competência
acadêmica e menor o número de reprovações.
O estudo conduzido por Lopes (2009) demonstrou que uma intervenção em
habilidades sociais com crianças que apresentam algum tipo de dificuldade de
aprendizagem resultou numa melhora no rendimento acadêmico. Após o programa de
intervenção, percebeu-se a aquisição e/ou o aperfeiçoamento de habilidades sociais
com mudanças significativas positivas no repertório das habilidades sociais. Além disso,
pais e professores detectaram diminuição de comportamentos problemáticos depois da
intervenção. A pesquisa de Lopes (2009) teve procedimento baseado nas vinhetas de
vídeo do RMHSC-Del-Prette (2005) e reuniu dados sobre o repertório de habilidades
sociais e competência acadêmica de crianças com dificuldade de aprendizagem antes e
após o programa de intervenção.
A promoção e o desenvolvimento do educando no seu contexto social e escolar
tem grande vínculo com o repertório de habilidades sociais. Assim, Feitosa (2008)
destaca que educandos com dificuldades de aprendizagem, por apresentarem uma
tendência aos déficits nas habilidades sociais, constituem um grupo de risco que requer
políticas e programas de intervenção específicos. É necessária atenção especial a esse
segmento da população, desenvolvendo sua competência social através da elaboração
e execução de programas de treinamento de habilidades sociais. Uma vez que elevarem
a sua competência social, esses educandos serão postos em melhores condições para
administrarem sua vida pessoal e interpessoal, tornando-se autores da própria
adequação social e escolar, o que resultaria em maior quantidade de amigos, melhor
relacionamento com os professores, mais autoestima e mais táticas para a resolução de
problemas de caráter interpessoal.
Há uma influência recíproca: não apenas a aprendizagem é afetada pelos déficits
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aprendizagem, há por conseguinte uma dificuldade também no desenvolvimento ou
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em habilidades sociais, mas também o contrário é verdade. Em havendo dificuldade de
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OLIVEIRA, L.F.; RUEDA, J.L.
aquisição de certas habilidades que, por sua vez, tornarão a ocasionar problemas na
aprendizagem. É como se fosse um círculo vicioso. Daí, portanto, a importância de se
verificar essa relação, identificar a fonte do problema e prover tratamento adequado.
Considerações Finais
Através do ponto de vista dos diferentes autores citados neste trabalho, podese concluir que um repertório deficitário em habilidades sociais está intimamente ligado
às dificuldades de aprendizagem e que, através da promoção planejada de um
treinamento em habilidades sociais, contribui-se para o rendimento acadêmico, além de
melhorar o relacionamento interpessoal.
Dessa forma, instalar ou aperfeiçoar o repertório de habilidades sociais pode ser
requisito para a inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais. Além
disso, profissionais mais socialmente competentes podem prevenir, detectar e intervir
precocemente e de forma ativa tentando ensinar e aperfeiçoar o conjunto de habilidades
sociais relevantes na infância de seus alunos, contribuindo assim para a não exclusão
escolar e social. Por meio de um bom planejamento e conhecimento prévio da
importância que as relações sociais cotidianas têm para o desempenho acadêmico de
qualquer aluno, é que o professor da sala de aula estará cumprindo também seu papel
de educador.
Portanto, as conclusões e resultados apontados neste trabalho colocam em
destaque a importância das habilidades sociais como um fator de proteção para o
desempenho acadêmico das crianças, bem como seu desempenho social. Diante das
implicações negativas causadas pelo baixo desempenho acadêmico no desenvolvimento
posterior das crianças e sua estreita relação com o repertório de habilidades sociais,
aponta-se a importância e a necessidade da implantação de programas de habilidades
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sociais tanto clínicos quanto profiláticos nas escolas.
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EBR – Educação Básica Revista, vol.1, n.1, 2015
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