Seminário Internacional de Políticas Públicas Integradas

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Anais SIPPI 2009
Seminário Internacional de
Políticas Públicas Integradas
Políticas Públicas:
Participação, Transparência
e Inclusão Social
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
EXPEDIENTE
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
Coordenadores de Área Temática:
AT – Gestão de políticas públicas integradas: conceitos e operação
José de Sá
AT – Metodologia para construção de políticas públicas integradas. Releitura de
experiências e novas proposições.
Luiz Roberto Alves
AT – Desenvolvimento local/regional, ou o novo direito à cidade.
Dagmar Silva Pinto de Castro
Conselho avaliador:
Edilene O. P. Garcia
Silvia Gattai
Douglas Filenga
Antonio José Vieira Junior
Viviane Dornas de Sena
Margarete Vieira Pedro
Márcia Barbosa Velasques
Judith Zuquim
Oswaldo de Souza Santos Junior
Suze Piza
Criatiane Gandolfi
Angela Soares Louzada dos Santos
Lucieneida Dovao Praun
Comitê Organizador:
Luiz Roberto Alves
Anderson Rafael Nascimento
Natalia Guerra
Natalia Lopez Belaz
Isabella de Abreu Silva
Data desta edição
Maio/2009
ISBN 978-85-7814-026-7
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
Rua do Sacramento, 230 - Rudge Ramos
09640-000 São Bernardo do Campo - SP
Tel.: (11) 4366-5825 - www.metodista.br/gestaodecidades
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Seminário Internacional de Políticas Públicas Integradas
Políticas Públicas: participação, transparência e inclusão social
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SUMÁRIO
Área temática 02 ..............................................................................................................4
As políticas de educação indígena no estado de Roraima e as ambiguidades étnicas no
meio urbano de Boa Vista................................................................................................. 4
E-Gov e os novos rumos da participação popular............................................................23
A Experiência de Gestão Integrada no Espírito Santo: SESP Itinerante ..........................39
Novas dinâmicas da sociedade civil e o enfrentamento da questão social: movimento
nossa São Paulo - estudo de caso...................................................................................46
Gestão de Políticas para a Criança e o Adolescente: Controle social e participação .......59
“Um novo direito à cidade - Políticas Públicas Integradas: um estudo de caso de Escolas
Municipais em função da experiência com a Metodologia NEPSO” .................................81
Área temática 03 ..........................................................................................................127
Notas sobre o conceito de Cidadania a partir do debate entre Marx e Marshall:............127
os direitos sociais no Brasil............................................................................................127
Reflexões sobre cidadania, instituições e direitos sociais ..............................................141
Anotações sobre políticas de ações afirmativas e a problematica do.............................157
desenvolvimento no Brasil .............................................................................................157
A experiência NEPSO em duas escolas públicas do município de Mauá: a vivência de
uma experiência progressista na educação básica. .......................................................178
Políticas de incentivo à prática de leitura .......................................................................195
Conhecendo o Jovem: uma Nova Proposta Metodológica de Pesquisa para Intervenção
Social ............................................................................................................................206
Crianças e adolescentes em situação de rua: por uma metodologia regional ................215
para o Grande ABC .......................................................................................................215
Área temática 04 ..........................................................................................................255
Políticas Públicas Integradas como caminho para o Desenvolvimento. .........................255
“Embu das Artes”: história e cultura ...............................................................................271
Centro de formação profissional Padre Leo Commissari: uma experiência de economia
solidária .........................................................................................................................287
Formação de redes sociais a partir da cooperação intergovernamental: análise da região
brasileira “ABC Paulista”................................................................................................299
Apresentações realizadas dia 23 de maio de 2009
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Políticas Públicas: participação, transparência e inclusão social
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Área temática 02
Gestão de políticas públicas integradas: conceitos e operações
Coordenador: Prof. Dr. José de Sá
Objetivo:
Debater a historicidade da gestão de políticas e as exigências contemporâneas pela
melhoria da qualidade e sustentação das políticas públicas tidas como setoriais e sociais.
Trazer uma contribuição sobre a integração das políticas públicas numa perspectiva de
participação social e fomento às diferentes culturas de cidadania.
Trabalhos apresentados:
As políticas de educação indígena no estado de Roraima e as ambiguidades
étnicas no meio urbano de Boa Vista
Políticas de la educación indígena en el estado de Roraima y ambigüedades étnicas en
la ciudad de Boa Vista
Raimunda Maria Rodrigues Santos1
Marília Gomes Ghizzi Godoy 2
Resumo
Este artigo apresenta uma descrição das estratégias desenvolvidas pela Secretaria
Municipal de Educação de Boa Vista e pela Secretaria Estadual de Educação de Roraima
vinculadas às políticas públicas nacionais para uma educação escolar indígena
diferenciada. Apresenta-se um panorama sobre a criação da cidade de Boa Vista e uma
análise dos trabalhos já publicados sobre os problemas enfrentados por indígenas nessa
cidade. A comunicação encaminha-se para a ambígua situação étnica em Boa Vista,
1
Licenciada em Letras pela UFRR. Especialista em Língua Portuguesa pela PUC/MG. Aluna do
Curso de Mestrado Multidisciplinar em Educação, Administração e Comunicação da Universidade
São Marcos. [email protected]
2
Mestre em Antropologia Social pela USP. Doutora em Psicologia Social pela PUC/SP.
Professora do Curso de Mestrado Multidisciplinar em Educação, Administração e Comunicação da
Universidade São [email protected]
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diante do sentido intercultural e de autonomia das políticas públicas indígenas,
considerando-se as implicações da migração dos indígenas para a cidade.
Palavras-chave: Cidade de Boa Vista, Políticas Públicas, Educação Indígena, Macuxi,
Wapixana.
Criação da cidade de Boa Vista
Boa Vista é a capital de um dos estados mais jovens do Brasil: Roraima. De
acordo com dados do IBGE, em 2007, possuía 249.853 habitantes distribuídos em
5.687Km2 dos 225.116 km2 da área territorial do estado.
Localizada à margem direita do rio Branco, a uma altitude de 90m acima do
nível do mar, a cidade de Boa Vista limita-se ao Norte com os municípios de Normandia,
Pacaraima e Amajari; ao Sul, com os municípios de Mucajaí e Alto Alegre; a Leste, com
os municípios de Bonfim, Cantá e Normandia e a Oeste com o município de Alto Alegre.
Tem como característica marcante o clima tropical úmido, com duas estações climáticas
bem definidas: a estação das chuvas, de abril a setembro, e o verão, de outubro a março.
Sua história está atrelada, sob vários aspectos, à história de Roraima. Ambas
estão relacionadas ao processo de colonização do Amazonas e à conquista do Rio Negro
(FARAGE, 1991; OLIVEIRA, 2003; SANTILI, 1989).
Com a ocupação da região ribeirinha do Baixo Rio Branco, até o final do século
XIX, tem-se início o povoamento da área que deu origem à cidade de Boa Vista
(LUCKMANN, 1989). Nesse período, as primeiras fazendas de gado estabeleceram-se
nessa região, após expedição de reconhecimento do rio Branco, realizada por Manoel da
Gama Lobo D’Almada, em 1787, que recomendou à Coroa investir em pecuária.
Além dos campos gerais, adequados para a criação de gado bovino, a garantia
de retorno financeiro pela venda da carne fresca e seca, redução de gastos com
exportação, a Coroa teria uma nova fonte de arrecadação de impostos (LOBO
D’ALMADA (1767), 1861).
Segundo Santili (1989, p. 19), a iniciativa oficial visava “integrar a região do rio
Branco ao mercado interno colonial com o fornecimento de carnes e couros à capitania
de São José do Rio Negro e assim torná-la um pólo de atração e fixação de colonos”.
Vale mencionar que tal iniciativa serviria para consolidar o domínio dos portugueses na
região disputada também por espanhóis, ingleses e holandeses.
A responsabilidade coube ao próprio Lobo D’Almada que, já no cargo de
Governador da Capitania de São José do Rio Negro, trouxe para a Fazenda do Rei,
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localizada em frente ao Forte São Joaquim3 e mais tarde denominada São Bento,
cabeças de gado adquiridas com a fuga do núcleo espanhol, expulso das margens do rio
Solimões.
Em 1830, o Capitão Inácio Lopes de Magalhães, comandante das tropas do
Forte São Joaquim, funda a fazenda Boa Vista, à margem direita do Rio Branco,
motivado pelos incentivos oferecidos aos civis que se tornassem criadores de gado.
O Estado português representado no Grão-Pará, não chegou a ser
beneficiado pelos negócios econômicos da região do Rio Branco,
apesar dos incentivos agropecuários decorrentes da política de
desenvolvimento do Marquês de Pombal, a fragilidade nas
transações comerciais eram constantes e sempre dependiam da
intermediação da Capitania do Rio Negro (depois Estado do
Amazonas) (OLIVEIRA, 2003).
Dentre as dificuldades apontadas para o pleno desenvolvimento da pecuária no
início de sua implantação, configura-se o isolamento e condições de pastagens, o que fez
os vaqueiros buscarem ao longo do rio Branco localização e campos favoráveis à criação
e comercialização dos produtos oriundos da criação de gado.
Dessa forma, criou-se no entorno da fazenda Boa Vista um pequeno povoado,
fato que, em 1858, levou o Governo da Província do Amazonas a transformá-la em sede
da Freguesia de Nossa Senhora do Carmo a qual, através do Decreto nº 49 de 9 de julho
de 1890, assinado pelo governador do Amazonas Augusto Ximeno de Villeroy, foi
elevada à categoria de Vila sob o nome de Boa Vista do Rio Branco e, pelo mesmo
decreto, criou-se o município com o mesmo nome da vila.
Em 25 de julho de 1890, o Capitão Fábio Barreto Leite instala o município Boa
Vista do Rio Branco. João Capristano da Silva Mota assume a superintendência do novo
Município e Francisco Joaquim de Souza Júnior, a intendência do novo município
amazonense (RORAIMA, 1991).
Com a Constituição de 1891, o município de Boa Vista do Rio Branco, embora
pertencesse ao Estado do Amazonas, “transformou-se no núcleo político, administrativo e
militar de maior relevância na região” (OLIVEIRA, 2003), devido ser parte das terras
disputadas por Portugal, Espanha e Inglaterra.
Até 1911, o município de Boa Vista do Rio Branco era composto apenas do
distrito-sede. Em 1938, passou a denominar-se somente Boa Vista, sendo acrescido por
3
Em 1775, a Coroa Portuguesa construiu na confluência do rio Uraricoera com o Tacutu o Forte
São Joaquim, como estratégia de defesa e povoamento de área considerada dentro de seus
domínios.
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dois distritos: Caracaraí e Murupu. A expansão populacional de Boa Vista deu-se
lentamente, até, aproximadamente meados de 1930.
Figura 1 - Vista aérea de Boa Vista do Rio Branco, em 1924.
Expedição Rice (1924/41). (Legenda e Foto: RICE, 1978)
Fonte: OLIVEIRA, 2003.
Pela dimensão do povoamento, percebe-se que os investimentos na região
eram escassos. Por isso, por receio de perder o espaço territorial para estrangeiros
vizinhos, o Estado Novo, em nome da “Segurança Nacional”, adotou nova política de
povoamento e colonização do território amazônico. Em 13 de setembro de 1943, o
Presidente Getúlio Vargas assinou decretos criando cinco territórios federais, dentre eles
o Território Federal do Rio Branco - passando a ser denominado Roraima, em 13 de
setembro de 1962 - tendo como capital Boa Vista, devido ter sido a primeira cidade
construída na região com maior número de habitantes.
As políticas de colonização do Governo Federal resultaram no crescimento
populacional de Boa Vista. Espaços antes ocupados pela vegetação são ocupados por
residências.
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Figura 2 - Vista aérea de Boa Vista, com as transformações
após a década de 1960-70. Foto: D. Nogueira
Fonte: OLIVEIRA, 2003
Em março de 1975, o Governo Federal encomendou ao Projeto Radam uma
pesquisa sobre a cartografia, geologia, vegetação e natureza dos solos da Amazônia. No
diagnóstico ressaltava-se a existência de minérios na Serra dos Surucucus, localizada a
oeste de Roraima, próximo à fronteira com a Venezuela.
Este fato fez com que Roraima ficasse conhecido como o Estado do Ouro,
reproduzindo-se o mito do El Dorado. Em consequência, ocorreu um processo de
imigração em massa para Boa Vista, principalmente a partir de 1980. Em alguns casos,
os garimpeiros traziam consigo sua família. A esposa ficava na cidade com os filhos, nem
sempre em condições dignas, à espera do tão cobiçado e valioso metal: o ouro.
Quadro 1 - População de Boa Vista 1950 - 2007
ANO
Nº
DE
HABITANTES
1950
5.132
1960
7.037
1970
16.727
1980
43.016
1991
118.926
2000
197.098
2007
249.853
Fonte: Censo/Ibge – 1950/2007
O crescimento demográfico a partir de 1980 faz Boa Vista mudar suas feições.
Tudo passa a ser vendido, literalmente, a preço de ouro. O crescimento desordenado
ameaça alterar a forma de leque projetada pelo arquiteto Alexandre Dernusson, em 1930.
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Figura 3 - Vista aérea de Boa Vista, com as transformações após a
década de 1980 – 1990. Foto: Orib Ziedson.
Fonte: http://www.boavista.rr.gov.br/
Em 2007, a população de Boa Vista foi estimada em 249.853 (IBGE/2007). No
entanto, se população indígena do Estado de Roraima é calculada por estimativa,
conforme se demonstra no quadro 2, da mesma forma não se pode afirmar com exatidão
o número de habitantes indígenas em sua capital.
Quadro 2 – População indígena de Roraima
INSTITUIÇÃO FONTE
ESTIMATIVA/ HAB.
ANO
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE
23.422
2000
Conselho Indígena de Roraima - CIR
33.108
2006
Fundação Nacional de Saúde – Funasa
33.108
2006
Fundação Nacional do Índio – FUNAI
30.715
2007
Secretaria Estadual do Índio – SEI
34.367
2007
Fonte: Secd/ 2009
A divergência entre os números apresentados demonstra que não há uma
metodologia específica para a contagem dessa população. Ainda em busca de um
quantitativo das populações indígenas Yanomami e Y’ekuana, a Funasa realizou, em
2007, o “Censo por Pólo Base, Aldeia e nº de Casas”. Nesse diagnóstico registrou 16.598
pessoas dessas etnias. Essas pessoas não são consideradas nos números apresentados
no quadro 2, logo, somando-se o número de pessoas registradas na contagem da
Funasa com a população indígena informada pelo IBGE (menor número), pode-se inferir
que a população indígena de Roraima gira em torno de 40.000 pessoas.
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A presença indígena na cidade de Boa Vista
Os relatos de viajantes registram que foram as comunidades indígenas do Vale
do Rio Branco as primeiras de Roraima a estabelecerem contato com espanhóis,
portugueses, holandeses e ingleses, os quais, cada qual a seu modo, viam nos índios a
base da sociedade colonial. Os dois primeiros transformavam os índios em escravos,
impondo-lhes sua religião, costumes e submetendo-os a trabalhos pesados. Os últimos
não interferiam na cultura indígena. Independentemente dos moldes escolhidos para se
relacionarem com os índios, em todos os casos, os europeus visavam que aqueles se
tornassem “súditos fiéis e laboriosos”. (FARAGE, 1991, p. 75)
Durante o século XVIII, a Coroa Portuguesa procurou expandir sua estrutura
administrativa no Vale do rio Branco. Para tanto, procurou rever as condições dos índios
contatados.
Nessa época, a colônia portuguesa na Amazônia, representada
pelo Estado do Grão-Pará e Maranhão, tinha legislação
indigenista que proibia a escravização do índio, mas, ao mesmo
tempo, fazia uso do trabalho escravo do índio justificando-se com
parâmetros de “civilização”: o índio vivendo em coletividade e
sem domínio sobre o outro, precisava ser introduzido na ordem
da sociabilidade. (OLIVEIRA, 2003, p. 70)
No mesmo período, em relação ao número de indígenas vivendo sob o processo
“civilizatório”, Lobo D’Almada (1787), em documento descritivo sobre o Rio Branco e seu
território, aponta no Artigo V dados sobre a quantidade de índios que viviam nas cinco
povoações existentes na região. Sobre o povoamento denominado Carmo, do qual se
originou a cidade de Boa Vista, menciona a existência de 215 índios, dentre os quais
indica 54 como “impossibilitados” para o serviço. Não faz referência sobre as causas de
permanência desse quantitativo no povoamento, uma vez que, no século seguinte,
estima-se ser a população da bacia do Rio Branco, aproximadamente, 80% indígena.
(OLIVEIRA, 2003)
A política de expansão da cidade de Boa Vista, associada à colonização do Rio
Branco, fez com que a população indígena fosse inserida cada vez no sistema “branco”.
Isso implica dizer que passaram a sair da zona rural para viver na zona urbana do
município. Em pesquisa realizada entre janeiro de 1988 e setembro de 1989, Patrícia
Ferri (1990) diagnosticou que a maior concentração de índios que migraram para Boa
Vista é da etnia Macuxi. Define a migração como resultado de uma crise cultural, pois, os
índios que migram para a cidade são aqueles que mais resistem em manter o modo de
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vida tradicional de suas comunidades de origem. Vêem a cidade como “pólo de atração”
e seguem em busca de trabalho, estudo, dentre outras razões.
Em 2003, a Prefeitura Municipal de Boa Vista e a empresa Diagonal Urbana
realizaram uma pesquisa socioeconômica na qual identificaram que a
população indígena representa uma parcela significativa do total
de habitantes, especialmente em bairros como Raiar do Sol e
Pintolândia. Parte dessa população tem por característica a
sazonalidade de suas habitações, não estabelecendo residência
fixa na cidade ou no campo. Contudo, é cada vez maior a
quantidade de índios que encaram a cidade como a possibilidade
de propiciar uma vida melhor para os seus filhos, o que,
gradativamente, vem contribuindo para a permanência desses
grupos no ambiente urbano. (IBAM, 2003, p.10-11)
Vale ressaltar que, assim como no estudo de Ferri (1990), os entrevistados
apresentam como “principal motivo para o deslocamento aldeia-cidade [...] a busca por
uma melhor instrução, seguido de perto pela busca por oportunidades de trabalho.”
(IBAM, 2003, p. 11)
Em Braz (2003), dados sobre a vivência dos índios Macuxi em Boa Vista,
resultantes de entrevistas com índios que moram na cidade, comprovam os motivos
expressos nas demais pesquisas. Um dos depoimentos foi dado pelo senhor Euclides
Pereira. Ele aponta as razões da migração:
[...] na década de 70,80 [...] os jovens que saíam das
comunidades indígenas pra vir a Boa Vista [...] pensavam que
aqui na cidade era muito fácil, [...] não simplesmente pelo estudo
porque, inclusive, havia mais possibilidade de ser empregada
doméstica ou outras coisas. Os homens conseguiam algum
trabalho nas ruas. Como era a cidade em crescimento [...] isso
praticamente era um atrativo dessa juventude [...]. (BRAZ, 2003,
p.96)
Mais uma vez percebe-se a atração pelo urbano. Para a autora, ao chegarem
em Boa Vista a identidade dos índios torna-se híbrida, passam a viver como “brancos”,
mas continuam sendo índios pela origem. Essa dualidade torna-se um problema, pois, os
índios migrantes para a zona urbana, ao procurarem as organizações governamentais
em busca de ajuda, recebem reposta negativa por não se encontrarem em sua
comunidade de origem e, portanto, entende-se que nesse caso deixam de ser amparados
pela legislação dos direitos indígenas. O mesmo ocorre ao procurarem as organizações
não-governamentais que não desenvolvem, ainda, nenhum trabalho com os índios
imigrantes.
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Se a gente for fazer um levantamento hoje, nós temos uma
população imigrante muito grande da Guiana Inglesa , Wapixana
e Macuxi, temos um número grande. Nós temos dificuldade hoje
[...] na questão de documentos: tirar registros desses
índios que moram aqui na cidade porque são de origem da
Guiana. Hoje o juiz só aceita tirar o registro se tiver a assinatura
de um tuxaua daquela comunidade, provando que aquela pessoa
é pertence àquela comunidade. Como têm muitos índios que
moram aqui na cidade e são da Guiana, os tuxauas não dão esse
apoio e são Macuxi, e pertencem a mesma tribo, são Wapixana,
da mesma tribo. (BRAZ, 2003, p. 79)
Pela declaração do senhor José Adalberto à pesquisadora, pressupõe-se que,
para a cultura indígena, não existem as fronteiras territoriais. Independente de estarem
em terras brasileiras ou estrangeiras são todos “parentes”. O fato de estarem vivendo na
cidade ou em suas comunidades indígenas não faz com que percam sua identidade
indígena.
De acordo com os depoimentos coletados por Braz (2003), no século XXI, as
razões da migração dos índios para a cidade de Boa Vista não diferem das registradas
nos séculos anteriores. São elas: estudar, para melhorar de vida; trabalhar, para ter
acesso a bens de consumo oriundos do sistema monetário; desvendar o mundo urbano,
para experimentar uma cultura diferente.
Neste ponto cabe destacar o papel da Educação para o fluxo migratório dos
indígenas para a cidade.
A criação de escolas e internatos pode explicar o aumento do
fluxo migratório indígena para a cidade. Se, por um lado, as
escolas e internatos ofereciam instrução, por outro, afastavam os
jovens índios da vida nas malocas e de sua cultura. As regras
sociais do tipo “ocidental” lhes eram impostas nos internatos e
poucos voltavam novamente para suas malocas (FERRI, 1990, p.
23 – 24).
Os conhecimentos sobre a “civilização” criaram nos índios novas perspectivas
de vida. O sistema econômico e os paradigmas “civilizatórios” ofereciam-lhes a
oportunidade de ingressarem num mundo diferente do seu, longe do trabalho da roça,
próximo ao “progresso”. No entanto, ao chegarem em Boa Vista, foram submetidos a
trabalhos tão pesados quanto aos desenvolvidos em suas comunidades, fato este que
não foi suficiente para fazê-los retornar.
Embora não existam dados oficiais e eficazes sobre a população indígena
residente em Boa Vista, as instituições indigenistas reconhecem que o fluxo migratório
jamais cessou. De acordo com a Organização dos Indígenas na Cidade – Odic – existem,
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aproximadamente, 30 mil índios na cidade de Boa Vista. “O número segue pesquisa
realizada pela Secretaria Municipal de Gestão Participativa e Cidadania em 2003, cujo
resultado identificou 31.146 índios vivendo em Boa Vista, com idade entre 16 e 70 anos”
(FONTE BRASIL, 2008).
Vê-se, pois, que ao compararmos os dados da Odic e da SMGPC com os
números do quadro 2, os índios residentes na cidade não são considerados no cômputo
da população indígena do Estado de Roraima, levando-nos a subentender que a
migração cria uma ambiguidade em sua identidade: são índios pela origem, mas não
gozam dos seus direitos por viverem na zona urbana da cidade de Boa Vista.
Além dos fatores já mencionados, podem-se incluir a facilidade de acesso e a
proximidade dessas comunidades à cidade de Boa Vista como determinantes para o
processo de imigração indígena.
O mapa abaixo serve não só para se visualizar a distribuição das comunidades
indígenas nesse município, mas também para se compreender o quão próximos se
encontram do núcleo urbano.
Figura 4 – mapa de Boa Vista com localização das comunidades indígenas
Fonte: Governo de Roraima/Seplan
Dessa forma, reconhece-se que a presença indígena em Boa Vista é objeto que
merece ser reavaliado, a fim de que se possa determinar o fluxo migratório das diferentes
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etnias para a cidade e sugerir políticas públicas, em todas as áreas, que atendam a uma
parcela da população boavistense em busca de afirmar-se num espaço cultural que
passa a ser também seu no momento de sua migração para a cidade.
Políticas nacionais de educação escolar indígena
As reivindicações de políticas públicas que atendessem as
particularidades
culturais, históricas e linguísticas dos povos indígenas surgem entre as décadas de 1960
e 1970, com a mobilização de organizações indigenistas e das próprias comunidades
indígenas. A partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal, os direitos dos
índios foram reconhecidos, a e, com isso, em 1991, a FUNAI passa para o Ministério da
Educação a responsabilidade de conduzir a implementação de políticas para a educação
escolar indígena, cujas diretrizes garantissem a alteridade cultural dos povos indígenas.
Corroborando com o disposto na Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, de 20 de dezembro de 1996 – LDB 9394/96 – no título VIII
– Das Disposições Gerais- Art. 78, preconiza que
O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências
federais de fomento à cultura e de assistência aos índios,
desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para
oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos
indígenas, com os seguintes objetivos:
I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a
recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas
identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências;
II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às
informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade
nacional e demais sociedades indígenas e não-índias.
Vê-se, pois, que ao delegar ao Sistema de Ensino da União a responsabilidade
pela educação escolar indígena, o MEC passa a exercer a função de oferecer subsídio
técnico às Secretarias de Educação Estaduais e Municipais na elaboração de políticas
que integrem as escolas indígenas ao sistema de ensino regular, respeitando as
especificidades dos povos indígenas.
No Art. 79, esclarece como as responsabilidades devem ser compartilhadas
entre União, seus estados e respectivos municípios, incluindo as comunidades indígenas,
e define que todos os programas devem ser amplamente discutidos com as comunidades
indígenas, a fim de que as ações propostas a partir desta Lei não sejam confundidas com
as políticas assimilacionistas e assistencialistas desenvolvidas anteriormente. Assim,
determina que
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Políticas Públicas: participação, transparência e inclusão social
§ 1º Os programas serão planejados com audiência das
comunidades indígenas.
§ 2º Os programas a que se refere este artigo, incluídos nos
Planos Nacionais de Educação, terão os seguintes objetivos:
I - fortalecer as práticas sócio-culturais e a língua materna de
cada comunidade indígena;
II - manter programas de formação de pessoal especializado,
destinado à educação escolar nas comunidades indígenas;
III - desenvolver currículos e programas específicos, neles
incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas
comunidades;
IV - elaborar e publicar sistematicamente material didático
específico e diferenciado.
A fim de cumprir o disposto na legislação e efetivar políticas educacionais que
façam os objetivos previstos no artigo mencionado serem alcançados, o MEC reuniu
técnicos, antropólogos, representantes de organizações indigenistas, professores índios
e não-índios, vinculados à defesa de uma educação indígena diferenciada, para a
elaboração do Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas – RCNE/I –
documento este que se propõe a indicar um norte às escolas indígenas na construção de
seus Projetos Pedagógicos, ser um “denominador comum” (1998, p. 14) à medida que
suas orientações são de cunho geral, não privilegiando a cultura de um etnia em
detrimento de outras.
Além do disposto na Constituição Federal/88, nos artigos 210, § 2º; 215 e 231,
caput., LDB 9394/96 e do RCNE/I/1998, existem outros documentos que regulamentam a
natureza jurídica das escolas indígenas, tais como:
a) Portaria Interministerial MJ e MEC nº 559/91 – trata sobre a educação
escolar para as populações indígenas.
b) Resolução CNE/CEB nº 003/99 – estabelece diretrizes nacionais para
o funcionamento das escolas indígenas.
c) Decreto Presidencial nº5.051/04 - promulga a Convenção nº 169 sobre
“Povos
Indígenas
e
Tribais
em
Países
Independentes”,
da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 1989.
d) Lei nº 10.172/01 – Plano Nacional de Educação – Cap. 9, Educação
Indígena.
e) Resolução CNE nº 001/04 – institui diretrizes curriculares nacionais
para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história
e cultura afro-brasileira e africana.
Dentre esses documentos existem os que fixam as Diretrizes Nacionais para o
funcionamento das escolas indígenas, determinam a formação de professores indígenas
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e apresentam fundamentação relacionada à diversidade cultural, à interculturalidade, às
tendências que explicam o processo de aprendizagem, cujos conceitos remetem ao
respeito ao direito à diferença, à alteridade.
Como parte das ações voltadas para a efetivação de políticas educacionais
indígenas,
consolidou-se uma Coordenação Geral de Educação Escolar
Indígena no âmbito do Ministério da Educação, ao mesmo tempo
em que se incentivou a criação de instâncias gestoras nas
secretarias de educação estaduais para cuidar das escolas e da
formação dos professores indígenas. Formulou-se no MEC um
programa de financiamento de projetos na área da educação
indígena para apoiar ações desenvolvidas por organizações de
apoio aos índios e universidades, além de direcionar recursos
orçamentários do FNDE para que as secretarias de estado da
educação pudessem também desenvolver ações específicas
nessa área. (GRUPIONI, 2006)
A sustentação das políticas nacionais para as escolas indígenas está, pois,
alicerçada na garantia de participação das Secretarias de Educação estaduais e
municipais,
de
representantes
das
comunidades
indígenas,
dos
professores,
organizações indigenistas e universidades, instituições interessadas em fazer parte de
uma parceria em prol da “conquista da autonomia sócio-econômico-cultural de cada
povo, contextualizada na recuperação de sua memória histórica, na reafirmação de sua
identidade étnica, no estudo e valorização da própria língua e da própria ciência” (INEP,
2004).
Políticas de educação escolar indígena para Boa Vista
Conforme já foi dito, as ações de educação indígena tiveram início com o
processo de colonização e povoamento da região do Vale do Rio Branco. Durante o
período correspondente, representantes da igreja e imigrantes ligados ao poder estatal
dividiram-se na tarefa de “aplicar um projeto de aprendizado ávido por mudanças numa
região longínqua e carente de políticas educacionais” (SOUZA, apud Oliveira, 2003:124).
Os indígenas que se deslocaram de suas comunidades para a área urbana de
Boa Vista aprendiam a língua portuguesa, sob uma pedagogia que os reconhecia como
“necessitados de cultura”, afinal, precisavam ser “civilizados”, seguindo a linha de
pensamento dominante no século XIX.
A realidade da educação escolar indígena passa a mudar a partir da
mobilização de diversas organizações indigenistas em prol da reestruturação das
políticas públicas que afetam os povos indígenas. Na área da educação, diferentes
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eventos são executados reunindo lideranças e professores indígenas para discutirem a
organização administrativa e pedagógica ideal para as escolas indígenas. Com a
promulgação da Constituição Federal os povos indígenas passam a ter a garantia de
acesso a uma educação escolar diferenciada, intercultural e multilíngue.
A gestão da educação escolar indígena da cidade de Boa Vista é dividida pelas
secretarias de educação estadual e municipal, observando-se a responsabilidade de
cada organização administrativa preconizada pela LDB 9394/96.
A Secretaria Municipal de Educação de Boa Vista em seu organograma possui
a Coordenação Municipal de Educação Ambiental e Indígena, ligada ao Departamento de
Ensino, responsável por implementar as políticas educacionais nacionais e locais, nas
três escolas indígenas e oito anexos na zona rural de Boa Vista.
Em relatório encaminhado ao MEC no ano de 2007, destaca-se a inclusão no
currículo escolar o ensino da língua materna, cumprindo as recomendações constantes
no conjunto de normas e diretrizes para a Educação Indígena. De acordo com o
documento, a “iniciativa objetiva permitir que os alunos conheçam e tenham contato com
as línguas indígenas adotadas pela comunidade, valorizando-a e contribuindo para sua
preservação através da oralidade e da escrita.”
As comunidades indígenas de Boa Vista atendidas pela Rede Municipal de
Educação pertencem às etnias wapixana e macuxi. As escolas oferecem turmas de
Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos, num total de
262 alunos, conforme quadro abaixo.
Quadro 3 – Unidades escolares municipais por etnia
Nº DE ALUNOS
ESCOLAS
ETNIA
2008 2009
ESCOLA TUXAUA MARTINS PEREIRA
Comunidade do Morcego - sede
Macuxi
41
26
Comunidade Serra da Moça – anexo
Macuxi
08
16
Comunidade Truarú da Cabeceira – Wapixa 19
19
anexo
na
ESCOLA TUXAUA ALBINO MORAES
Comunidade Ilha – sede
Comunidade Vista Alegre – anexo
Comunidade Darôra – anexo
Comunidade Lago Grande – anexo
Comunidade Milho – anexo
Comunidade Campo Alegre – anexo
Comunidade Bom Jesus – anexo
Macuxi
Macuxi
Macuxi
Wapixana
Macuxi
Macuxi
Macuxi
44
69
28
34
07
19
15
42
73
19
20
08
22
11
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ESCOLA INDÍGENA CLEMENTE DOS SANTOS
Comunidade Vista Nova
Macuxi
Fonte: Smec/Pmbv
06
06
Em 2009, embora a lotação estivesse incompleta quando coletados os dados, o
quadro de lotação docente, incluindo concursados e contratos temporários, indica que 20
professores estão cursando ensino superior; 3, especialização; 3, Magistério Indígena; 1
está cursando o Ensino Médio; 5 já possuem o Ensino Médio e 1 é especialista. Vale
destacar que os cinco professores de língua materna possuem ou estão cursando o
Ensino Médio, em virtude da realidade local.
A Proposta Curricular do Município para a Educação Indígena, elaborada em
parceria com a Universidade Federal de Roraima e outras organizações indigenistas do
estado, está em fase de conclusão. Procura seguir as diretrizes do RCNE/I; reforça a
importância de se respeitar as especificidades das comunidades; visa “assegurar os
direitos previstos em Lei e orientar o corpo docente, de forma a construir uma educação
sólida, participativa e construtiva.” (SMEC/2009).
O fato de “nas escolas das comunidades indígenas, as crianças de variadas
séries assistem às aulas em uma única sala e as disciplinas são ministradas pelo mesmo
professor, o que dificulta a forma correta de administrar o conteúdo” (SMEC/PMBV, 2009)
exige que a coordenação responsável pelo processo de ensino realize ações com vistas
a preparar os professores para essa realidade. Dessa forma, em 2009, a Coordenação
de Educação Ambiental e Indígena propõe-se a realizar encontros mensais para
formação pedagógica dos professores indígenas; desenvolver projeto para confecção de
material pedagógico sobre as Comunidades Indígenas do município de Boa Vista; prestar
atendimento individual às escolas das Comunidades Indígenas; realizar monitoramentos
mensais nas Escolas Indígenas; organizar a segunda edição do Congresso de Educação
Indígena; dentre outras ações que visam ao avanço da qualidade do ensino; à
disseminação e valorização das culturas macuxi e wapixana. (SMEC/PMBV, 2009)
Em se tratando das obrigações pertinentes à Secretaria Estadual de Educação
e Cultura do Estado de Roraima – SECD/RR, a educação escolar indígena está
regulamentada nos seguintes documentos: Constituição Estadual/91, art. 156 – garante o
uso da língua-materna e da língua portuguesa nos processos de apropriação de
conhecimentos, observados seus modos próprios de aprendizagem da comunidade
indígena; Lei Complementar nº 41/01 – dispõe sobre o sistema de educação do Estado
de Roraima; Resolução CEE/RR nº41/03 – estabelece normas sobre criação e
funcionamento da escola estadual indígena; Parecer CEE/RR nº 49/03 – projeto de
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ensino médio regular diferenciado indígena; Parecer CEE/RR nº 19/04 – projeto Tamî’kan
(formação de professores indígenas); Parecer CEE/RR nº 20/06 – retificação do Parecer
CEE/RR 02/05 – autorização do curso de ensino médio e técnico de nível médio em
agropecuária e manejo ambiental e credencia o Centro Indígena de Formação e Cultura
Raposa /Serra do Sol; Parecer CEE/RR nº 27/06 – formação mínima para professores
ministrarem aula de língua indígena no ensino médio; Lei 609/07 – dispõe sobre a
carreira do Magistério Público no Estado; Parecer CEE nº111/07 aprovou as atuais
matrizes curriculares das escolas indígenas e não-indígenas da rede oficial de ensino,
revogando o disposto no Parecer CEE/RR nº 49/03 que tratava do Ensino Médio
diferenciado nas escolas indígenas. (SECD/DIEI)
Para coordenar administrativamente as Escolas Indígenas do Estado, em 1985,
criou-se no organograma da SECD o Núcleo de Educação Indígena, resultante das
reivindicações das lideranças e organizações indigenistas. Posteriormente, esse núcleo
transforma-se em Divisão de Educação Escolar Indígena – DIEI – que “reúne técnicos
formados em diferentes esferas da área pedagógica, procurando manter prioritariamente
a origem indígena desses servidores, com a finalidade de contribuir para as próprias
orientações observadas nas diretrizes nacionais para a educação diferenciada.”
(SECD/DIEI)
Em 2008, de acordo com o Censo Escolar do Inep publicado no Diário Oficial da
União, em 29 de outubro de 2008, a Secretaria Estadual de Educação possuía sob sua
responsabilidade, 1207 alunos na zona rural de Boa Vista.
De acordo com dados da DIEI, em 2009, foram matriculados 884 alunos
indígenas nas 11 escolas estaduais, conforme discriminado no quadro a seguir:
Quadro 4 – Matrícula preliminar 2009
REGULAR FUNDAMENTAL 8 E
ANOS
F
1 2 3 4 1ª 5 6 7 8 5ª U
ª ª ª ª A ª ª ª ª A N
s s s s 4ª s s s s 8ª D
8
1
3
2
0 9 9 8 7 7 8 7 6 9
4 4 2 1 1 9 3 2 0 4
Fonte: Secd/Diei
F
1 U
º N
A D
9
66
5 0 0
9 MÉDIO
REGULAR
T
O
T
A
L
1 2 3 IN
º º º T
M M M E
1
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5 3 7 4 0
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L
18
4 1 0
2
0
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3
20 14 4 0
T
O
T
A
L
G
E
R
A
L
88
4
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Em consonância com os princípios gerais das "Diretrizes para a Política
Nacional de Educação Escolar Indígena", a DIEI propõe-se a desenvolver ações que
reforcem a natureza específica e diferenciada, intercultural e bilíngüe das escolas
indígenas, oferecendo e apoiando projetos de formação de professores, tais como:
Projeto Tamî’kan (Magistério Indígena) “a ser concluído em 2012, com previsão de formar
300 professores indígenas e destina-se a contribuir para a efetivação do projeto de
autonomia dos povos indígenas do Estado” (SECD/DIEI).
A DIEI apóia o Curso de Licenciatura Intercultural, coordenado pelo Núcleo
Insikiran de Formação Superior Indígena, ligado à Pró-Reitoria de Ensino e Graduação
da UFRR, que realizou, no primeiro semestre de 2008, pesquisa para diagnosticar o
número de indígenas inscritos em cursos superiores na Universidade Federal de
Roraima.
diagnóstico inicial deste semestre revela dados interessantes.
Foram identificados, por exemplo, que os povos de maior número
matriculados na UFRR são o Macuxi, com 184 pessoas e o
Wapichana, com 88. Na licenciatura intercultural estão
matriculados 237 índios de diversos povos. Destaque para o
aumento da presença da etnia Yekuana, povo também conhecido
como ‘Mayongong’, que vive a noroeste de Roraima, divisa com a
Venezuela dentro da área Yanomami. O povo conta com uma
população de 500 índios, sete deles estão matriculados na
UFRR. Os outros povos identificados no levantamento são o
Ingaricó, Taurepang e Wai Wai.” (RORAIMA EM FOCO, 2008)
Além das políticas de confecção e distribuição de material escolar adequados à
realidade das comunidades indígenas, investimento no transporte escolar, educação
continuada para professores das escolas indígenas, dentre outras, a DIEI apresenta-se
como setor que busca
garantir que o Estado promova a oferta e desempenhe a
Educação Escolar Indígena francamente ou em regime de
colaboração com municípios e/ou outras instituições de caráter
pedagógico, ponderando demandas e necessidades advindas de
todos os povos indígenas de Roraima.” (SECD/DIEI, 2009)
Vê-se, pois, que a proposta de uma escola indígena diferenciada e de qualidade
vem sendo implementada em Boa Vista, tanto pela rede municipal quanto estadual, e
está permanentemente se reestruturando de modo que as escolas indígenas possam ser
beneficiadas pelas políticas públicas municipais, estaduais e nacionais, promovendo aos
povos indígenas a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas
identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências; acesso a conhecimentos
técnicos e científicos da sociedade nacional e das demais sociedades indígenas e não-
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indígenas, conforme previsto nas Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar
Indígena. (MEC, 1994)
Considerações finais
No século XXI, ainda prevalece a prática de serem considerados índios com
direito a recorrer aos órgãos competentes por sua defesa, aqueles que permanecem em
suas comunidades de origem. Mantêm sua identidade indígena, no sentido de serem
reconhecidos como índios, aqueles que mudaram para a cidade por serem
representantes de suas comunidades, por necessitarem estar próximos do núcleo de
poder e, assim, conseguirem intervir em defesa dos interesses dos “parentes”4.
Os
indígenas imigrantes para o perímetro urbano de Boa Vista passam a frequentar escolas
destinadas aos não-índios, perdem parte do vínculo com elementos de sua cultura os
quais são definidores de sua identidade.
As escolas indígenas de Boa Vista estão todas localizadas na zona rural do
município, logo a gestão da educação escolar indígena municipal e estadual contempla
apenas os indígenas residentes nessas áreas, as ações afirmativas das secretarias de
educação estadual e municipal são pautadas na ruptura dos paradigmas integracionistas,
resta, no entanto, a partir deste estudo, responder a novas questões a cerca da educação
escolar indígena: como incluir os indígenas que vivem na cidade de Boa Vista no sistema
educacional oriundo das políticas de educação indígena nacional? Como oferecer
educação diferenciada à população indígena que vive na zona urbana de Boa Vista,
visando à manutenção da interculturalidade, multilinguismo e preservação da identidade
étnica?
As
respostas
para
tais
questionamentos
devem
ser
pautadas
no
reconhecimento da impossibilidade de se manter os povos indígenas distantes dos
benefícios oriundos da vida urbana, do acesso a tecnologias que facilitam a vida do
Homem, considerando a necessidade de se conhecer dados que apontem o quantitativo
de indígenas vivendo no perímetro urbano de Boa Vista e se propor políticas públicas em
4
“Termo usado pelo índio para identificar a relação familiar entre os próprios índios. Essa relação
de parentesco envolve os distintos troncos lingüísticos porque todos descendem dos mesmos
ancestrais possuidores de vínculos de parentesco com a terra (mitos e ritos unificando o mundo
cósmico e o terreno)”(OLIVEIRA, 2003, p. 156).
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todos os âmbitos que dêem conta de atender a essa parcela da população indígena, de
acordo com o conjunto de normas nacionais.
Referências
BRASIL, Fundação Nacional do Índio. Disponível em www.funai.gov.br. Acesso em
27/03/2009.
BRAZ, Azenate Alves de Souza. Relações Interculturais: a vivência do índio Macuxi
em Boa Vista. Rio de Janeiro, UFRJ/UFRR, Dissertação (Mestrado), 2003.
FARAGE, Nádia. As Muralhas dos Sertões . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
FERRI, Patrícia. Achados ou perdidos? A imigração indígena em Boa Vista. Goiânia:
LAL,1990.
GRUPIONI, Luiz D. As Leis e a Educação Escolar Indígena: Programa Parâmetros em
ação
de Educação escolar Indígena. Brasília: MEC/SEF, 2001
LOBO DE ALMADA, Manoel da Gama. Descripção Relativa ao Rio Branco e seu
Território (ano 1787). Revista do Instituto Histórico Geográfico e Ethnográgico do Brasil.
Tomo 24. v.24. 4 trim., p. 617/683, 1861.
LUCKMANN, Donato. História e Geografia do Município de Boa Vista. Série Roraima
através dos Municípios. v.1. Boa Vista, 1989.
MEC/SEF. REFERENCIAL CURRICULAR
INDÍGENAS. Brasília: MEC/SEF, 2002.
NACIONAL
PARA
AS
ESCOLAS
OLIVEIRA, Reginaldo Gomes de. A herança dos descaminhos na formação do
Estado de Roraima. São Paulo, Pós-Graduação em História Social/USP. Tese
(Doutorado), 2003.
RORAIMA. Indicadores Sociais de Roraima 2004 - 2006. Boa Vista: GEES/SEPLAN RR, 2008.
________________. Relatório de Atividades da Divisão de Educação Escolar
Indígena. GER/SECD. 2009.
________________. Relatório de Atividades da Coordenação de Educação
Ambiental e Indígena. PMBV/SMEC, 2008.
________________. Plano de Ação da Coordenação de Educação Ambiental e
Indígena. PMBV/SMEC, 2009.
SANTILI, Paulo. Os Macuxis: História e Política no Século XX . Campinas,
Departamento de Ciências Sociais/UNICAMP. Dissertação (Mestrado), 1989.
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Políticas Públicas: participação, transparência e inclusão social
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E-Gov e os novos rumos da participação popular
E-government and the new ways from popular participation
Margarete Panerai Araujo5
Resumo
As temáticas participação popular e gestão publica do e-gov vêm sendo motivo de novas
pesquisas e investigações das ciências sociais aplicadas, parecendo concentrar muitas
preocupações atuais de nossa sociedade. Os governos buscam novas orientações
pautadas em programas políticos sob diferentes enfoques, de forma a avançar na
construção de conceitos na formação para cidadania. Tal modelo de gestão vem sendo
implementado no estado do Rio Grande do Sul. A metodologia de pesquisa utilizada
corresponde às técnicas exploratórias ainda parciais e com uma abordagem qualitativa.
Objetiva-se aqui apresentar algumas bases de reflexão da implantação do e-gov, como
política de expressão do compromisso social, e geradora de ações socialmente
inovadoras de conhecimento.
Palavras-chave: E-gov; Formação para Cidadania, Conhecimento Inovador.
Abstract
The subjects of popular participation and public management from e-government are
being the reason for realizes new researches and applicable social sciences
investigations that seem to center the new worry of our society. The governments search
new orientations focus in political programs on different meanings, trying to advance in the
building conceptions in citizen education. This kind of management is being introduced in
Rio Grande do Sul state. The procedures of study used are same like partials explore
techniques with quality approached. Here, the goal is to show the reflection base from
introduced of e-government, like as political expression from social compromised, and
promote of social innovator knowledge actions.
Key words: e-government; citizen education; innovator knowledge.
5
Doutora em Comunicação Social pela PUCRS, atualmente realiza seus estudos pós-doutorais na
UMESP-Cátedra Gestão de Cidades junto a linha de pesquisa de Gestão Cidadã em
Comunidades situadas em Regiões Metropolitanas. É professora-pesquisadora do Centro
Universitário Feevale em Novo Hamburgo.E-mail: [email protected]
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Políticas Públicas: participação, transparência e inclusão social
Introdução
A temática das políticas sociais implica em uma abordagem multidimensional e
com inúmeros significados, principalmente vinculado ao estado. Tradicionalmente as
relações que se estabelecem entre o estado e a sociedade, são entendidas a partir do
espaço público e privado. Esse cenário dicotômico manifesta-se de forma complexa e
suas relações decorrentes dependem de uma infinidade de mediações
financeiras,
burocráticas, de gestão, e políticas finalistas que promovam conhecimentos e
desenvolvimento econômico-social.
As heranças acerca do papel da administração pública no novo contexto político
do país baseiam-se nas reformas de estruturas administrativas e burocráticas, mas
também no jogo social, com objetivo de garantir reconhecimento das políticas de
administração, enfatizando o processo de modernização e implementação de
desdobramentos inovativos.
Essas novas políticas de gestão apontam renovações no tecido social, das
instituições representativas, dos direitos e políticas públicas que vem de encontro com a
participação de toda a comunidade. O e-gov, por exemplo, enquanto tema novo e amplo
vem constituindo-se em uma proposta que permite reunir essas
políticas de gestão
renovadas, bem como, ferramentas com um enfoque complementar de participação e
formação para cidadania, cuja beneficiada é a própria sociedade.
Esta pesquisa de caráter multidisciplinar foi delimitada tendo como objeto de
análise a proposta do plano de governo do estado do RGS para 2007-2010 identificando
de forma descritiva os poucos itens referentes a formação cidadã através da
modernização da gestão publica e do governo eletrônico. O estudo busca pontuar a
proposta prevista para as ações de implementação do governo eletrônico e sua ênfase
no estado enquanto agente fomentador desse tipo de participação popular. O objetivo
específico deste trabalho consiste em teorizar, sobre as categorias que estão sendo
pesquisadas “E-gov, formação para cidadania e conhecimento inovador” relacionando-as.
As demandas da sociedade aumentam constantemente e a capacidade de
responder a estas alterações, segundo Castells (2002), devem introduzir produtos,
práticas, fórmulas e métodos no mercado que expliquem as concentrações de produção
e de inovação colaborando, com a mudança de paradigmas e com uma real interface de
diferentes áreas do conhecimento.
A importância deste artigo está em detectar o início de um processo que está
sendo desencadeado no RS e que articula a participação popular, o conhecimento frente
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as inovações e a consagração de um modelo de gestão eletrônico, que hoje se torna
referência federal no país, ou seja, o e-gov. Pretende-se contribuir para o conhecimento
de tal trajetória que pode levar a um novo entendimento do espaço social virtual.
Os procedimentos metodológicos basilares centram-se em uma pesquisa
exploratória em sua fase inicial. A pesquisa exploratória tem como principal finalidade
desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de
problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores, na vida
social, política, econômica e demais aspectos do comportamento humano, tanto do
indivíduo tomado isoladamente como de grupos e comunidades mais complexas. No
caso deste estudo, essa complexidade está representada pelo governo do estado do Rio
Grande do Sul, na relação conceitual e empírica que se estabelece com o plano político
de governo e aspectos ligados ao conhecimento que oportunizam a participação popular.
Quanto aos procedimentos utilizados o artigo é de natureza bibliográfica e
documental. A pesquisa bibliográfica ainda está sendo desenvolvida a partir de material
já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. Assim, nesse
momento é possível justificar que o observador participante, segundo Lakatos e Marconi
(1991), enfrenta grandes dificuldades para manter a objetividade, pelo choque do quadro
de referência entre observador e observado. O objetivo inicial ainda é ganhar a confiança
do grupo de especialistas e fazer os indivíduos compreenderem a importância da
investigação, sem ocultar o seu objetivo ou sua missão.
Sobre à pesquisa qualitativa, as representações assumidas pelo pesquisador
desde o marco teórico estabelecido, integra localmente um momento empírico particular
caracterizador do momento atual e inicial de uma pesquisa. Assim a interpretação de
dados, segundo Flick (2004, p. 189), é o “ponto de ancoragem para a tomada de
decisões sobre quais dados ou casos serão os próximos a ser interligados na análise, e
sobre a forma ou os métodos através dos quais eles devem ser coletados”. Nessa
abordagem, a interpretação dos dados não pode ser considerada independentemente de
sua coleta ou da amostragem do material, pois ainda é parcial.
Fundamentação teórica
Participação popular e o conhecimento
O problema do conhecimento encontra-se no problema da vida, conforme
Maturana (1996). Essa idéia não decorre de maneira alguma de uma concepção
“biológica” em oposição a uma concepção “filosófica” do conhecimento. Baseia-se num
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princípio básico de como concebê-la, ou seja, como um complexo organizador/produtor
de caráter cognitivo com as seguintes instâncias: informacional, simbólica, memorial,
programática. Conforme apontado por Araújo e Freitas (2009) o conhecimento envolve
todas as noções de informação e de signo/símbolos remetendo uma à outra, pois a
informação é codificada em signos/símbolos que podem ser portadores de informação.
É importante considerar o momento político e o cotidiano marcado por um forte
desenvolvimento rápido e global da comunicação, onde a economia e a crescente
internacionalização do mercado são movimentos mundiais de transformação, que
acompanham, tanto facilidades, quanto dificuldades. O cenário nacional de reforma e
redução de Estado proporciona social e ideologicamente, as mudanças estruturais
evidentes na vida das cidades, com novas relações e repercussões como: o
individualismo, egoísmo, pragmatismo, a falta de solidariedade, imediatismo, relações
estressadas, e um perfil de cidadão alienado, que vive com medo, que é desconfiado,
isolado e preocupado com a sua vida social.
Essa tendência do mundo globalizado desvinculou o homem de uma análise total
e plural sobre sua dimensão social, pois, cada vez mais, os discursos e interpretações
são parciais e apresentam dimensões, que visam orientar apenas as práticas específicas,
fragmentadas e não a teia de relações. Diante de questões como essas, emergem
tentativas de compreender a sociedade como uma totalidade complexa, em que se
analisa o homem social a partir de um conjunto de aspectos, de culturas e relações. O
estado e a cidade são lugares privilegiados para formar o cidadão global, num contexto
social em que o poder vem sendo pautado, cada vez mais e, somente pelo saber e pelo
conhecimento.
De fato é impossível separar o humano de seu ambiente, de seus
circuitos de comunicação e demais implicações sociais.
Segundo Pinho (2008) é inegável que esse circuito esteja relacionado as
tecnologias de informação e comunicação (TIC) nos últimos anos. A vida, segundo ele
tem sido tomada pelas TICs, configurando, inclusive, um possível novo estágio do
desenvolvimento das sociedades – a sociedade da informação e do conhecimento – que
coloca não só enormes possibilidades de mudança social, como uma série de questões
marcadas por ambigüidades e indefinições.
Essa é uma preocupação sintonizada com os tempos atuais. Dessa forma, abordar
a formação para a cidadania como um dos aspectos de oportunidade, e principalmente
de conhecimento a participação é por excelência, tratar de um lugar, onde se faz
experiências cotidianas e inovativas, onde se pensa em mudanças e possibilidades num
conjunto complexo de relações sociais..
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O conhecimento é socialmente moldado e sua construção, conforme Choo (2003),
existe quando se reconhece o relacionamento sinérgico entre o conhecimento tácito e o
conhecimento explícito, dentro de uma organização. Ou seja, são elaborados processos
sociais, capazes de cria novos conhecimentos por meio dessa conversão. Assim, todo o
conhecimento tácito é constituído do Know-how subjetivo, dos insights e intuições que
uma pessoa tem depois de estar imersa numa atividade por um longo período de tempo.
Já o explicito é o conhecimento formal, que é fácil de transmitir entre indivíduos e grupos,
é codificado em fórmulas matemáticas, regras, especificações e assim por adiante. Esses
conhecimentos são complementares, mas sua converção necessita de combinações, que
podem levar a capacidade de gerar, de adaptar/recontextualizar, de construir a inovação,
a competência que ampliam o horizonte.
Nessas interações locais, desenvolve-se um conhecimento coletivo, que não
corresponde simplesmente à soma de conhecimentos de indivíduos e organizações, mas
são geradas a partir dos vários tipos de interação; e altera-se na sua interseção com a
circulação globalizada de informação e conhecimento.
O conceito de formação e suas atuais dimensões
Um “governo educador”, segundo Bernet (1999) tem também algo (ou muito) de
utopia, mas não só isso. O estado do RGS viveu e vive um momento desses. As
propostas de participação popular como os COREDES, o Orçamento Participativo, o
atual Planejamento Participativo instituído pelas gestões governamentais passadas
desencadearam rupturas sociais e instauraram procedimentos e iniciativas não
praticados até então por outros governos e canalizaram recursos públicos, para políticas
sociais transformando as cidades e o estado no que Bernet (1999) chama de cidade
educadora metaforicamente.
Os processos que envolvem a participação, a consulta, e o voto que mobilizam
os grupos e movimentos sociais são constituídos por um sistema administrativo de
planejamento composto por fóruns regionais e temáticos, tendo como meta principal
incentivar os segmentos populares a deliberarem, de forma organizada, sobre os
investimentos previstos para o conjunto da cidade e/ou estado. Nessa perspectiva, a
dimensão marcante está na participação do povo e nas técnicas que são utilizadas pelo
governo para a informação, comunicação e virtualidade junto
aos conselhos
representantes para fiscalizarem e definirem suas reivindicações e prioridades para cada
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região, restabelecendo o que Rawls ( 2000) apresentava como estatuto de liberdade,
democracia e justiça.
Um sistema administrativo de participação quando instaurado, torna-se um
instrumento símbolo, pois suas técnicas contribuem para esboçar um novo perfil do
cidadão baseado nas relações sociais. Tais relações, vividas pelos agentes que
participam desencadeiam um campo de forças em que há posições bastante claras e no
qual as decisões são amplamente debatidas e disputadas. Neste sentido, o que resulta
são
relações
de
forças
simbólicas
(BOURDIEU,
1989),
que
se
manifestam
estrategicamente, e à medida que esse aparelho de mobilização se fortalece, cresce
também um processo institucional instaurado. Assim, passa a ser cada vez mas
legitimado, enquanto mecanismo, quando garante espaços, a multiplicação de sua idéia,
e a construção de um processo democrático para o cidadão, pressupondo, portanto, a
manutenção do poder nas relações entre os agentes que dele participam (ARAUJO,
2004, p.45).
A concepção atual de formação tem alterado o seu significado histórico, frente às
aceleradas exigências que o mundo tem apresentado. Essa formação para a cidadania
moderna tem, condensado cada vez mais a generalização, e sua construção se dá
através de um processo interno, gerado pela reflexão, participação, autoconscientização
que a virtualidade proporciona, desmitificando, o complexo processo de mudança dos
agentes.
A formação construída a partir dessas características extrapola o espaço da
educação formal e das instituições. A instituição escolar não mais detém o privilégio de
transmissão dos conhecimentos da formação adquirida. A aquisição da formação se dá
em um “(...) processo contínuo e múltiplo” (LOPES Y ARTILLES, 2002, p.186), pois a
aprendizagem é um processo de tomada de consciência que garante certa autonomia do
ser.
O homem é um fazer-se constante por sua formação, que enquanto processo de
construção incorpora todas as dimensões humanas. A formação integral, neste sentido
extrapola, pois consideram outros espaços da vida social, de convívios, percepções,
sensações, vivências na construção do cotidiano e na auto-eco-organização. Neste
sentido, vive-se num momento em que se torna necessário que nos apropriemos de “[...]
novas linguagens, novas formas de pensar, e o domínio ou, pelo menos a possibilidade
de desenvolver uma compreensão sobre caminhos que estão sendo percorridos pelas
ações humanas na direção de simplificar processos, de condensar, transmitir e estocar
informações [...], (FAGUNDES,1998, p.321).
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É o chamamento à formação renovada que inclui novas dimensões. Nesse
processo instauram-se qualidades, experiências próprias, capacidades práticas e
aquisição. Esse novo processo de formação para a cidadania que envolve a participação
popular no ambiente virtual, passa a ser invocada hoje, como um instrumento capaz de
transformar a sociedade.
Entendida às vezes, conforme Tanguy (1998), como um
movimento da adaptação dos homens e mais raramente nos últimos anos, como
instrumento de democratização das relações sociais, na sociedade. Mas, essa tomada de
posição frente às TICs garante autonomia através da participação em diferentes espaços
e assimilação de informações diversas.
Assim, o processo de formação para o cidadão tem perspectiva de uma profunda
mudança que foi acelerada pelo uso crescente de tecnologias e redes de comunicação
interativas que acompanham e ampliam uma mutação na relação do saber com as
capacidades cognitivas redefinindo possibilidades, oportunizando criação coletiva
distribuída , aprendizagem cooperativa e colaboração em redes oferecidas pelo
ciberespaço segundo Levy ( 1999).
Para concretização desse tipo de mudança identifica-se os parâmetros difundidos
pelo plano de ação da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (2009) que
indica e aponta que os governos devem fortalecer a infraestrutura de redes de banda
larga nacionais regionais e internacionais com inclusão de sistemas que contribuam para
criação de capacidades necessárias e ajustamento da satisfação das necessidades dos
países e dos cidadãos baseados nas TICs.
Portanto, o conceito de governo educador tem diversos significados, é versátil e
adquire uma função retórica, e consiste no reconhecimento de que as cidades educam. O
conceito de formação dessa educação vem ultrapassando os muros institucionais, pois a
teia de relações estabelecidas pelos agentes, envolve a sociedade de informação. Assim
o acesso a informação se transforma em um potencial que desencadeia, um currículo
oculto, um novo passaporte para a cidadania, uma autonomia seletiva frente à realidade.
Estas novidades tecnológicas transformam valores, atitudes, comportamentos e
conhecimentos, que segundo Platão, devem guiar o seu discípulo a fim de que ele possa
perceber a beleza que existe nesses conhecimentos. Beleza que existe em si mesma e
por si mesma, sempre idêntica e da qual participam todas as demais coisas belas
(RIBEIRO, 1998). Essa passagem é bastante significativa. Trata-se do chamamento a
uma formação renovada, do fator diferencial com novas dimensões.
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A categoria e-gov no setor governamental
Conforme Pinho (2008), e Rezende (2007) as TICs, Tecnologias de Comunicação
e Informação têm se ampliado no setor governamental por meio do que se chama e-gov
ou governo eletrônico, representando uma informatização de suas atividades internas e
oportunizando a comunicação com o público externo, desde cidadãos, até fornecedores,
empresas, ou ainda outros setores.
Nota-se que os chamados portais governamentais, favorecem a demonstração de
sua identidade, seus metas, suas realizações, possibilitando a concentração e
disponibilização de serviços e informações, e o acesso. A emergência desses espaços e
ambientes virtuais pressupõe uma desterritorialização que, conforme Levy (1999)
encoraja um novo estilo de relacionamento independente dos lugares geográficos, do
tempo, consolidando uma novidade absoluta.
Essas políticas sociais são como um modelo estratégico de gestão e objeto de
análise de formação e de conhecimento e suas demonstrações podem ser entendidas
como um conjunto de ações, que visam a orientação e integração do homem no contexto
social. Isso evidencia uma preocupação com o tema urbano, com o conteúdo que
pretende combinar imagens de cidade, segundo Bernet (1999) são a subjetiva, a global,
sendo a terceira a que constrói uma imagem forjada com materiais do desejo, que
possam contrastar com a realidade e orientar assim a participação para edificar a cidade
melhor, que envolve à totalidade de suas relações, cujos efeitos positivos são universais.
De certo modo, a idéia de formação para cidadania também foi imaginada por
muitos renovadores, que tentaram desmistificar, tanto as instituições educacionais como
as governamentais, integrando-as às comunidades do seu entorno. E esta tendência, tão
presente de análise social globalizada de permitir o ingresso da virtualidade das
instituições da cidade e do governo no meio social, demonstra que o princípio da
formação e do conhecimento, engloba ideias muito maiores, pressupondo significados,
não somente descritivos, e informativos, mas uma idéia-força, um movimento de
comunicação.
Portanto, analisar uma proposta de formação para a cidadania através da
utilização de meios digitais em portais eletrônicos e seus significados, enquanto símbolos
de um sistema de informações codificadas é refletir sobre uma perspectiva de
aperfeiçoamento democrático.
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A cidade é um contenedor de educação, porém também é uma fonte direta, que
gera processos estratégicos para prestação de serviços a sociedade. A adoção das TICs
em seus processos de comunicação internos, bem como, na melhoria dos serviços
públicos prestados à sociedade destacam em importância o meio digital. O uso intensivo
das TICs pelos cidadãos, empresas privadas e organizações não governamentais e a
migração da informação baseada em papel para mídias eletrônicas e serviços online, da
internet, aumenta a cada dia, segundo Diniz et al ( 2009).
É comum associar a adoção das TICs a uma forma estratégica e intensiva de
movimento de reforma do Estado, da modernização da gestão pública e da necessidade
de maior eficiência do governo. Nesse sentido, desempenho, eficiência, eficácia,
transparência, mecanismos de controle, qualidade do gasto público e prestação de
contas, relacionados ao processo de modernização da gestão pública, foram associados
ao processo de construção de programas de governo eletrônico.
Segundo Demo (1996), à democracia é um sistema político, no qual o acesso ao
poder pode ser regulado e administrado de modo democrático, e seus fatos essenciais
são o progresso que reforçam a competência de alguns componentes cruciais, como
educação, organização política, identidade cultural, informação e comunicação,
destacando-se acima de tudo, o processo emancipatório.
O desdobramento desses temas em políticas públicas e iniciativas concretas,
segundo Diniz et al (2009), passam a ser
explicitadas nos planos
de governo, e
requerem o uso de tecnologia, tornando os programas de governo eletrônico os
elementos alavancadores de novos patamares de eficiência da administração pública.
Mas a cidadania é, assim, a raiz dos ‘direitos humanos’, segundo Demo (1996),
sendo que o seu desafio maior é justamente a eliminação da pobreza política, pois fazerse sujeito competente é não admitir tutela, mas também dispensar assistência. Essa ideia
de uma ‘sociedade cidadã’, deve possibilitar a construção de uma instância organizada
com o intuito de desenvolver o ideal da sociedade e de sua emancipação. Não
desvinculando a questão da cidadania da capacidade produtiva dos indivíduos, o autor
disserta sobre a sociedade capitalista, onde os conflitos estão colocados, como uma das
questões centrais e esse desafio podem ser minimizados no acesso e no uso estratégico
das TICs. Esses elementos viabilizadores de um novo modelo de gestão pública da
sociedade da informação, chamado de governo eletrônico.
Demo (1996), afirma que o sonho fundamental de formação da sociedade seria o
de propiciar a autonomia dos sujeitos frente ao processo de apropriação do
conhecimento e da realidade, processo pelo qual sua liberdade e autodeterminação vão
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ocupando gradativamente o espaço habitado. A autonomia vai se fundamentando na
responsabilidade que o sujeito passa a assumir por seu próprio processo, onde os
indicadores e a sua formação aparecem como um dos componentes principais
embutidos na cultura, nos valores, normas, etc. Porém, apresenta sua critica a uma
ideologia fatalista e imobilizante da ‘pós-modernidade’, e denuncia que alguns modelos
de gestão são como uma estratégia surda de acomodação dos conflitos sociais. Ele
afirma, como condição básica para a redenção social, o renascer dos homens que
conseguirem identificar corretamente essa ideologia e transcendê-la, tornando-se
senhores de seus destinos.
Gentili (1997, p.192) declara, que a politização surgida através dos movimentos
sociais, explicaria as importantes mudanças verificadas no terceiro mundo. Ao abordar a
questão dos movimentos sociais, analisa sua contribuição na defesa dos direitos do
cidadão, na construção de novas formas de subjetividade e de participação, sua
representação democrática no exercício da cidadania e a luta emancipatória do espaço
público. Mas não é possível esquecer as críticas que vem sendo desenvolvidas a esses
modelos imobilizantes.
Em seu artigo Diniz et al ( 2009), descreve sobre isso e apresenta um modelo de
referência proposto que pretende servir de suporte metodológico ao estudo e análise
histórica de programas de governo eletrônico. Ele apresenta no modelo o relacionamento
entre os atores e as etapas do processo que refletem o grau de intervenção deles em
seus diversos momentos de construção verificando os aspectos influenciadores que
impactam no resultado final. Seu modelo teórico destaca que a administração pública
deve propor que seja enfocada a capacidade de construção e retenção do conhecimento
dentro do própria região, em contrapartida ao simples consumo de fontes externas, de
forma que sejam efetivas politicamente, flexíveis e capazes de acomodar mudanças
ambientais e tecnológicas, assim como políticas integradas com outros setores, tais como
educação e infraestrutura.
Assim, define um macroescopo do projeto, sua fonte orçamentária e suas
principais inter-relações e dependências com outros projetos e/ou recursos cujas etapas
resultam na identificação das atividades e ações necessárias para alcançar os objetivos
esperados. Vários atores e influencias determinam a continuidade e descontinuidade de
um processo como esse.
Uma cidade e /ou estado educador precisam ter, de cenários claros, e grau de
desenvolvimento da sociedade da informação, portanto, pode gerar processos educativos
eventuais e/ou permanentes, que satisfazem necessidades e demandas pontuais ou
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passageiras. Estas situações educativas ocasionais vem sendo geradas até o presente
momento
de forma insipiente, mas a o uso acelerado das
TICs
permitem que as
mesmas sejam utilizadas para dar apoio e melhorar as funções de governo e isso já se
reflete no tecido social.
Dessa forma, as categorias pontuadas: Participação popular e o conhecimento; o
conceito de formação e suas dimensões e o e-gov no setor governamental; sistematizam
e destacam conceitos imprescindíveis para refletir sobre a temática das tecnologias de
informação e comunicação e na necessidade de gerar integração, desses conceitos para
a compreensão de um salto qualitativo na formação da autonomia cidadã.
Resultados parciais
Este estudo encontra-se no estágio inicial de pesquisa e desenvolvimento de seus
pressupostos teórico-metodológicos. Por isso, apresenta-se nesta sessão uma análise
primeira decorrente do atual momento da pesquisa, sendo o plano de metas do governo
do estado do Rio Grande do Sul, o ponto de partida para a construção desse referencial
analítico.
O governo ao assumir seu mandato estabeleceu seus planos de ação para todos
os setores. Nesse sentido, um dos itens considerados mais importantes está associado a
correlação entre a crise das finanças e a qualidade dos serviços públicos prestados.
Inicialmente foi pontuado uma melhora na eficiência dos serviços, bem como, a
necessidade de uma proposição inovadora na gestão pública que melhore a avaliação e
a prestação dos atendimentos. Ao buscar uma nova racionalidade no mundo globalizado
frente ao mercado econômico e demais empresas, o próprio governo procura manter
características com foco na comunidade, através de uma ênfase na prática do
desenvolvimento a partir das ações sociais.
Essas proposições aparecem como propostas políticas de um sistema, detalhado
referente a Modernização da Gestão e Governo Eletrônico. Esse último prevalece, como
um modo de gerenciar programas públicos, de forma que em cada área ficassem
definidas prioridades, metas, indicadores de resultado e indicadores de esforço (que
medem objetivamente o grau de esforço realizado pelos programas escolhidos pelo
governo , ou seja a meta final) . Nessa elaboração, busca-se então descrever uma
constatação ainda parcial, referente ao estabelecimento das relações formativas e o uso
do e-gov. Considera-se que a utilização de uma forma inovadora, através do uso das
Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) na administração pública que vem sendo
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englobada sob o rótulo de "Governo-eletrônico" (eGovernment) são ainda puramente de
gerenciamento de atividades e comunicação interna.. Dessa forma a proposta de gerar
junto à população o acompanhamento de forma transparente da eficiência do governo,
ganha um destaque futurístico.
[...] algumas das iniciativas importantes na área de modernização
da gestão são as ações relacionadas à disseminação do
“Governo Eletrônico”. O que entendemos como “Governo
Eletrônico” vai muito além da simples introdução de novas
tecnologias computacionais no serviço público. Trata-se da
introdução de uma nova mentalidade que permita qualificar o
serviço público com a utilização de novas tecnologias, economizar
recursos
e
prestar
melhores
serviços
ao
cidadão
(www.scp.rs.gov.br ).
Com o objetivo de atuar no cumprimento das demandas, com certa
multidisciplinaridade, o governo do estado do RS, impulsionado por uma capacidade de
exercer uma nova e completa forma de se relacionar com os movimentos sociais, com
as circunstâncias protagonizadas de dificuldades supera-se e investe nas perspectivas
básicas de infra-estrutura, usuários, especialistas e conjunto de políticas para promover a
chamada sociedade da informação.
Mas as condições não favoráveis permitem a compreensão de que o
desenvolvimento será um processo político de longo prazo. Ou conforme o plano de
governo
[...] não há gaúcho que recentemente não tenha escutado algo
sobre a gravidade da situação das contas públicas do Estado. O
primeiro entendimento foi de que deve ser firmado é o de que a
crise é estrutural e não conjuntural (www.estruturantes.rs.gov
acesso em 24/05/2009).
Assim essas repercussões sobre a crise da máquina pública prejudicam a
prestação de serviços básicos
resultando no chamado Pacto pelo Rio Grande que
pretende alavancar os programas estruturantes. Mesmo assim os planos são
estabelecidos para o pacto que significa
[...]“combinar”, “pactuar”, em um contrato (daí o nome), os
resultados que cada área do Governo do Estado pretende
entregar como realização, a cada mês, a cada trimestre, até
completar o ano. Para isso, é necessário estabelecer um conjunto
de indicadores para cada área de governo e, para cada indicador,
uma meta a ser atingida. A contratualização permite, assim,
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desdobrar a estratégia de governo dentro de cada Secretaria,
consensando e definindo compromissos de Governo e resultados
a serem entregues ( www.estruturantes.rs.gov acesso em
24/05/2009).
Os Programas Estruturantes atendem aos três eixos estabelecidos pelo governo
para retomar o crescimento do Rio Grande do Sul: Desenvolvimento Econômico
Sustentável, Desenvolvimento Social e Finanças e Gestão Pública. O modelo de gestão
é construído tendo como base aquilo que é o objetivo primordial do Governo do Estado: a
promoção do crescimento com qualidade de vida para todos os gaúchos. Aqui as
estratégias para atingir suas metas são
[...] diversas iniciativas de comunicação, tanto internas, para os
servidores públicos, como externas, para o conjunto dos cidadãos
gaúchos. Assim, com a transparência que caracteriza este
governo, trazemos informações simples, atualizadas e completas
sobre o conjunto de ações que o Governo do Estado vem
implementando para melhorar a vida do cidadão (
www.estruturantes.rs.gov acesso em 24/05/2009).
Incluíram-se as alternativas de obtenção de uma técnica de gestão que não
depende de mais recursos, mais pessoas ou de alterações, mas de uma nova postura de
gestão do estado. As iniciativas na área de modernização, da gestão são as ações
relacionadas à disseminação do “Governo Eletrônico”. Ou seja, a introdução dessa nova
mentalidade que permita qualificar o serviço público com a utilização de novas
tecnologias, economizando recursos e prestação de serviços ao cidadão.
As propostas de práticas do “Governo Eletrônico”, devem ser entendidas como
parte de uma nova cultura na gestão pública. Mas, a simples disponibilização de novas
ferramentas computacionais em nada adiantará para a gestão pública se estas não
estiverem associadas a novos princípios de gestão. Todavia, quando inseridas num
contexto de prestação de serviços públicos que procura maximizar resultados e minimizar
custos, o uso de novas tecnologias se mostra muito adequado. Hoje elas envolvem os
demais programas prioritários de governo, a instituição de um sistema de avaliação de
produtividade do setor público estadual. Dessa forma, fica claro que disseminar as
práticas de governo eletrônico como um instrumento de modernização da gestão é,
conforme afirma Diniz et al ( 2009 ), uma perspectiva tecnológica de alta relevância na
análise histórica desse programa, mas propõe uma abordagem metodológica para a
análise do Programa de Governo Eletrônico apoiada em um modelo de referência que
incorpora as suas diversas etapas. O governo do estado do RS ainda já elege
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Considerações finais
Com essas referências de reflexão, pode-se inferir que atualmente o governo do
RS vem articulando propostas, políticas, ideias, produção intelectual, eixos e metas, com
um sentido de renovar seu sistema de gestão, de aprendizagem, de práticas e relações,
através de uma nova concepção de conhecimento de inovação voltada para a temática
do e-gov.. O contexto social, político e econômico que envolve a emergência dessa
proposta de gestão geram novos valores para a sociedade, garantindo, portanto, um
novo lugar de manifestação no cotidiano.
O conhecimento e a formação para cidadania vinculam-se a essa pluralidade de
temas que envolvem a sociedade civil, e as TICs permitindo uma correspondência, que é
resultado da modernidade nas relações sociais, exigindo saberes diversificados cada vez
mais complexos que colaboram na construção desse novo paradigma social. Na busca
de canais constantes de interlocução entre cidadãos e os governos eleitos, a democracia
consagra uma saudável união entre os conceitos de modernidade e participação. E o
marco importante da participação popular nas decisões do governo estadual são as
possibilidades de que todos os cidadãos estejam em condições de utilizar os
instrumentos do "governo-eletrônico", mesmo que eles tenham menores capacidades
"digitais", morem em regiões mais remotas, tenham menores ganhos financeiros, ou
tenham exigências especiais mentais ou físicas, conforme afirma Fugini, Maggiolini e
Pagamici (2005).
A cidade e o estado, como agente educativo, têm seu currículo, seus planos. É
possível dizer que possui seu próprio “currículo oculto” ainda que neste caso, seu
resultado não seja bem visível. Este currículo implícito da cidade é o conjunto formado
por aquilo que transmite: elementos da cultura, formas de vida, normas e atitudes sociais,
valores, tradições, costumes, expectativas, etc. Fazendo uso do texto de Bernet (1999),
um estado ou cidade que quiser se assumir como verdadeira e positivamente educadora
deve, em primeiro lugar, tratar de elucidar este currículo implícito. Deve identificar os
conteúdos do mesmo: que valores e contravalores impregnam o tecido urbano, que
atitudes são geradas nos cidadãos. E, em segundo lugar, deve tentar transformar este
currículo implícito em currículo desejável. Obviamente, quando se fala aqui de “currículo”
esse tem sentido figurado. Não se trata de transformar a cidade em uma escola. Mas, de
eliminar aqueles resultados indesejáveis e promover os que são coerentes com a
formação de uma cidadania democrática, pacífica, tolerante, igualitária, justa e solidária.
Assim acredita-se que a nova abordagem contratual passa a ser um pacto informativo.
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A Experiência de Gestão Integrada no Espírito Santo: SESP Itinerante
The experience of Administration Integrated into the Espírito Santo: SESP Itinerant
Resumo
O presente artigo tem como objetivo apresentar a experiência de gestão integrada por
meio da exposição e reflexão do programa SESP Itinerante, ora em curso na atual gestão
da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Espírito Santo. O
objetivo principal desse programa é apresentar a sociedade uma nova polícia,
procurando desmistificar a imagem repressora e violenta, sensibilizando as comunidades
locais quanto a importância da polícia na integração com os órgãos de segurança pública
e outros segmentos do governo, auxiliando na construção de um projeto conjunto e na
melhoria da qualidade de vida. Apesar do pouco tempo de execução avaliamos que o
programa já demonstra uma nova perspectiva em consonância com o paradigma da
segurança cidadã.
Palavras chaves: políticas públicas, repressão, violência, paradigma, gestão integrada.
O presente artigo tem como objetivo apresentar a experiência de gestão integrada
por meio da exposição e reflexão do programa SESP ITINERANTE, ora em curso na
atual gestão da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Espírito
Santo. O objetivo principal desse programa é apresentar a sociedade uma nova polícia,
procurando desmistificar a imagem repressora e violenta, sensibilizando as comunidades
locais quanto a importância da polícia na integração com os órgãos de segurança pública
e outros segmentos do governo, auxiliando na construção de um projeto conjunto e na
melhoria da qualidade de vida.
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Autora principal - Márcia Barros Ferreira Rodrigues – Professora Adjunta da UFES. Pós-Doutora
em Ciência Política - UFF, Doutora pela USP, Especialista pela PUC\RJ e Graduada em Ciências
Sócias pela UFF e coordenadora do NEI- núcleo de estudos e pesquisas indicíarias, vinculado ao
DCSO\UFES.
Co-autor - Rodney Rocha Miranda - Graduado em Administração de Empresas (1988) e Direito
(1993) pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF e pós-graduado em
Carreiras Jurídicas pela Escola Superior da Magistratura do DF (1996). Delegado Federal
licenciado e atual Secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social do Espírito Santo.
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O primeiro ponto a ser destacado nesse programa é o pressuposto que direciona
a política de Segurança Pública na atual gestão no Estado do Espírito Santo. Ou seja, a
secretaria de Segurança pública e Defesa Social, na prerrogativa de executar
diretamente ações de políticas de segurança pública, articula a prevenção da violência
com a repressão qualificada.
O modelo de gestão integrada do qual o programa SESP ITINERANTE faz parte,
exige uma concepção mais realista da segurança pública, reconhece a necessidade de
se ultrapassar o campo exclusivo das forças policiais no enfrentamento à violência, para
atuar principalmente na prevenção, criando mecanismos de participação cidadã na
gestão e na articulação de políticas públicas, fundamentando-se em sólidas parcerias,
que vêm sendo definidas e desenhadas ao longo deste processo.
Trata-se de uma visão sistêmica, integrada e aberta dos problemas da segurança,
por meio do envolvimento da comunidade e de outras agências públicas e civis, em
busca da eficácia do sistema de segurança pública. Assim sendo, a Secretaria de
Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Espírito Santo, instituiu em março de
2008 o programa SESP ITINERANTE.
Isto posto, é necessário fazer algumas considerações de ordem teórica para
avaliarmos o referido programa. Dessa forma, é preciso salientar que entendemos que o
fenômeno da violência em geral e o aumento significativo do índice de delito em
particular, têm se apresentado na sociedade contemporânea como um desafio
constitutivo e definidor de políticas públicas para a promoção do desenvolvimento
humano. Diante desse fato observa-se um crescente interesse por dados numéricos
traduzidos em estatísticas por meio de gráficos, estimativas e mapas de cunho espacial e
georeferencial, com o objetivo de mensurar o desenvolvimento do fenômeno social da
violência e do delito. Sem dúvida, esses procedimentos quantitativos são extremamente
relevantes e imprescindíveis como norteadores ou indicadores da dinâmica do fenômeno
da violência em qualquer aspecto. Inclusive, a construção desses dados é o primeiro
passo em pesquisas e/ou projetos que visem à intervenção na realidade. Entretanto, por
ser a violência um fenômeno social multicausal e multifacetado, o grande desafio, que já
se coloca de imediato no mapeamento ou registro quantitativo, é a compreensão e
explicação do fenômeno da violência nas suas causas, consequências e nuances
histórico-sociais, culturais, econômicas e políticas. Dessa forma, a complexidade do
fenômeno coloca de pronto a impossibilidade de uma definição heurística como também,
a insuficiência de um tratamento unilateralmente quantitativo. Os números não registram
ou mensuram afetos e sentimentos. Nesse sentido, o primeiro aspecto que se destaca é
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a variedade de formas de apresentação desse fenômeno social tais como: violência
doméstica, que engloba o estudo da dinâmica familiar, de gênero, infantil ou variedades
da criminalidade urbana que envolve vários delitos como latrocínio, homicídio, parricídios,
genocídio com viés étnico dos jovens afro descendentes no Brasil; sem falar na dimensão
simbólica ou das representações sociais diferenciadas desse fenômeno.
O conhecimento teórico e as experiências práticas, atestam o quanto é preciso
uma abordagem holística para que programas e/ou planos de intervenção social atuem
como prevenção e não repressão, que a médio e longo prazo promovam o
desenvolvimento humano sustentável. É importante destacar que estudos e pesquisas
demonstram que não há uma ligação direta entre pobreza, miséria e violência ou
criminalidade, mas sim entre violência, criminalidade e má distribuição de renda. A
desigualdade social gerada pela má distribuição de renda, propicia angústia e medo na
sociedade como um todo, gerando desconfiança, raiva, intolerância, ressentimento e
quebra de laços sociais de solidariedade, podendo estabelecer um estado de passividade
e/ou indiferença, ou ódios recíprocos entre segmentos do extremo da sociedade como a
polícia - que tem como função a manutenção do controle social e o uso legítimo da força e população excluída do processo democrático de participação político-econômico.
As circunstâncias histórico-culturais do nosso país e as opções tomadas pelos
“donos do poder” no período republicano, até pelo menos meados dos anos 80 do século
XX, para ficarmos na contemporaneidade, produziu um déficit enorme com grande
parcela da população brasileira que se viu marginalizada e excluída do projeto
republicano. O efeito dessa exclusão secular foi indelével e se faz presente
cotidianamente no noticiário dos jornais e na mídia, onde a população pobre, na sua
grande parte afrodescentende, aparece simultaneamente como vítima e algoz de delitos
escabrosos que atormentam a todos nós.
Diante desse quadro, acreditamos que a eficácia de políticas ou programas de
prevenção à violência e do combate à criminalidade deve levar em conta cinco
pressupostos:
1- o fenômeno da violência é constitutivo da sociedade humana, portanto podemos e
devemos controlar esses fenômenos mantendo-o em índices aceitáveis para o
desenvolvimento humano;
2- embora o fenômeno da violência não se reduza ao aspecto econômico é inaceitável a
desvinculação de ambos, principalmente num país como o Brasil;
3- sem pesquisa social e investimento na capacitação profissional dos agentes de
segurança não se constrói política pública preventiva e eficaz de controle a criminalidade;
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4- medidas de curto prazo não se sustentam, o que não quer dizer que medidas jurídicas
e econômicas de caráter mais imediato não sejam bem vindas;
5- a inclusão social deve ser afetiva, já que esta dimensão do psíquico é a que muda de
forma mais lenta, no entanto é a mais importante porque se não transformamos o afeto, a
ação não é verdadeira e não produzirá o efeito esperado a longo prazo. Os operadores
sociais devem incluir afetivamente o outro, para que assim possam exercer a função
parental7.
Diante desse quadro, destacamos que a concepção do programa SESP
ITINERANTE parte do pressuposto de que a violência tem na sua origem uma relação
direta com a desigualdade social, e que esta, também é constitutiva da sociedade
humana. Assim, entendemos que a principal conquista da parceria proposta pelo SESP
ITINERANTE é a perspectiva de aglutinação social voltada para a mudança de
paradigmas comportamentais na gestão da política pública de defesa social.
A metodologia proposta por esse programa aposta no enfrentamento e redução
de crimes e na construção de ambientes seguros e democráticos como espaços para a
promoção da convivência entre as pessoas, a partir de ações integradas entre os
diferentes níveis de governo. Assim, o referido programa leva as comunidades por meio
das escolas e espaços públicos, serviços, oficinas, palestras e peça teatral com diversas
temáticas, visando que os participantes sejam multiplicadores de informações
preventivas, para que possam transmitir ás comunidades em que residem o
conhecimento adquirido.
Especificamente, o programa procura: Integrar ações da segurança pública às
ações sociais, combinando ações repressivas com ações de prevenção; interagir com o
poder público local no planejamento e desenvolvimento de ações específicas de
prevenção que venham aproximar à sociedade local, do poder público local e da
secretaria de estado da segurança pública e defesa social; fortalecer integração com os
operativos de segurança local e a comunidade local; promover a crescente mobilização e
engajamento da população nas atividades de prevenção primária à violência; promover o
envolvimento dos meios de comunicação local na discussão, produção e divulgação de
matérias que favoreçam a informação e a reflexão sobre a prevenção à violência;
7
LEGENDRE, Pierre. O amor do Censor: ensaios sobre a ordem dogmática. Rio de Janeiro:
Forense Universitária: Colégio Freudiano, 1983.
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O público alvo do programa visa alcançar à comunidade local, o que incluí alunos,
diretores de escolas, pais, mestres, profissionais de segurança pública, líderes religiosos,
líderes comunitários, conselhos comunitários de segurança, poder público local entre
outros.
A meta é mobilizar o maior número de pessoas na comunidade visando que eles
se tornem multiplicadores das informações recebidas. Além do que, o gestor de
Segurança Estadual recebe as informações da comunidade local para subsidiar a
elaboração de políticas de segurança.
As parcerias desse programa incluí: Prefeituras Municipais do Estado do Espírito
Santo; Ministério Público Estadual; Polícia Militar do Espírito Santo; Polícia Civil do
Estado do Espírito Santo; Corpo de Bombeiro Militar do Espírito Santo; Defensoria
Pública Estadual; Conselhos Comunitários de Segurança; Igrejas; Escolas Públicas e
Públicas e Privadas.
A equipe organizadora do programa é a SESP\ GIC – gerência de Integração
Comunitária e Prefeituras Municipais.
Programação das Ações do SESP Itinerante
Visita às instalações da PM, PC, BM
SESP, Prefeitura Municipal e Operativos
de Segurança
Reunião com Conselhos Comunitários de Gestor Estadual de Segurança e
Segurança
Membros do Conselhos comunitário de
Segurança
Atendimento à Comunidade Local
Gestor Estadual de Segurança Pública
Palestra “ Como prevenir Acidentes Equipe Local Do Bombeiro Militar
Caseiros”
Palestra
“
Internet
Segura
para Equipe do NURECEL- Núcleo Repressão
Adolescentes”
contra Crimes Eletrônicos da PC
Peça Teatral – “Drogas Nunca Mais”
Equipe de Teatro da PM
Atendimento Jurídico aos Cidadãos
Defensoria Pública Estadual
Confecção de Carteira de Identidade
PC e Prefeitura Municipal
Assinatura de convênios SESP e SESP e Prefeitura Municipal
Prefeitura local: Exemplo:Lei 8635(seca)
, olho digital e Guarda Municipal( lei 8640)
Resultados das ações do SESP Itinerante
Municípios : Linhares, Aracruz,Castelo,
Colatina,São Roque do Canaã, Domingos
Martins, Vila Velha, São Gabriel da Palha,
Santa Tereza, Venda Nova do Imigrante
Apresentação à Comunidade local dos Municípios : Linhares, Aracruz,Castelo,
Membros dos Conselhos Comunitários Colatina,São Roque do Canaã, Domingos
de Segurança
Martins, Vila Velha, São Gabriel da Palha,
Santa Tereza, Venda Nova do Imigrante
10 edições Sesp itinerante
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Atendimento à Comunidade Local pelo
Gestor Estadual de Segurança
Palestra “ Como prevenir Acidentes
Caseiros”
Palestra
“
Internet
Segura
para
Adolescentes”
Peça Teatral – “Drogas Nunca Mais”
Atendimento Jurídico aos Cidadãos
Confecção de Carteira de Identidade
Assinatura de convênios SESP e
Prefeitura local: Exemplo:Lei 8635(seca)
, olho digital e Guarda Municipal( lei 8640)
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21 Atendimentos à comunidade Local
2200 pessoas participaram
2450 pessoas participaram
3000 pessoas assistiram
25 atendimentos a comunidade local
901 carteira confeccionadas
Municípios : Linhares, Aracruz,Castelo,
Colatina,São Roque do Canaã, Domingos
Martins, Vila Velha, São Gabriel da Palha,
Santa Tereza, Venda Nova do Imigrante,
assinaram Lei 8635.
A guisa de conclusão, podemos dizer que apesar do pouco tempo de experiência
do programa SESP Itinerante, ele já se coloca dentro de um novo paradigma da Política
Pública que segundo os parâmetros do PRONASCI, vincula a política pública à cidadania
e a defesa e garantia dos direitos da população, ou seja, a segurança pública nesse
sentido é entendida como um item dos Direitos Humanos. Dessa forma, com o objetivo
de promover a prevenção da violência no Estado do Espírito Santo, o programa em
questão propõe um trabalho objetivando, sobretudo, despertar e intensificar a consciência
individual de que a segurança e a preservação da vida é de responsabilidade de todos e
que constitui dever dos órgãos de Segurança Pública promover a divulgação não apenas
da legislação pertinente como também dos dados estatísticos e pontos vulneráveis
dessas ocorrências buscando ainda propiciar orientações e esclarecimentos sobre
comportamentos e atitudes adequados à segurança, objetivando prioritariamente a
preservação da vida e o direito constitucional de todo cidadão de ir e vir em segurança.
Referências
BEATO FILHO, Claudio. Das políticas de segurança pública às políticas públicas de
segurança. São Paulo: ILANUD, 2002.
CADERNOS ADENAUER. Segurança pública. Rio de Janeiro: Fundação Konrad
Adenauer, Jan. 2009.
DA CRUZ, Marcus Vinicius G. & BATITUCCI, Eduardo (Orgs). Homicídios no Brasil. Rio
de Janeiro: FGV, 2007.
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FALCÃO, Joaquim (Org.). Invasões urbanas: conflitos de direito de propriedade. Rio de
Janeiro: FGV, 2008.
REVISTA PRELEÇÃO – Publicação Institucional da Polícia Militar do Estado do ES.
Assuntos de Segurança Pública. Ano 3, n.5, Abr.2009. Vitória: PMS-DEI, 2009.
SAPORI, Luis Flávio. Segurança Pública no Brasil: desafios e perspectivas. Rio de
Janeiro: FGV, 2007.
SOARES, Gláucio Ary Dillon. Não matarás: desenvolvimento, desigualdade e homicídios.
Rio de Janeiro: FGV, 2008.
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Novas dinâmicas da sociedade civil e o enfrentamento da questão social:
movimento nossa São Paulo - estudo de caso
New dinamics of civil society and the confront of the issues social: Movimento Nossa São
Paulo- case study
Adriana Pevarello Bacci
Resumo
O presente documento tem como finalidade compreender as dinâmicas atuais da
sociedade civil, de articulação e parcerias entre o Estado, as empresas e os expoentes
da sociedade civil (considerando o recém-criado Terceiro Setor como elemento de
reconhecimento desta sociedade civil). Utiliza como elemento de contraposição os
estudos que evidenciam a dificuldade estrutural em romper com os padrões vigentes em
função de questões históricas, sociais, políticas e culturais.
Utiliza, ainda, o Movimento Nossa São Paulo como objeto de estudo representativo desta
nova dinâmica da sociedade civil.
Palavras- chave: Sociedade Civil, Terceiro Setor, Movimento Nossa São Paulo
Objetivo geral
Compreender as dinâmicas atuais da sociedade civil, de articulação e parcerias
entre o Estado, as empresas e os expoentes da sociedade civil, na perspectiva da
consolidação do Terceiro Setor, para o efetivo enfrentamento das questões sociais.
Objetivos específicos
1. Analisar o Movimento Nossa São Paulo como um potencial articulador de uma
nova forma de organização da Sociedade Civil;
2. Compreender o poder de enfrentamento das questões sociais a partir da
consolidação da sociedade civil;
3. Compreender os movimentos de Responsabilidade Social e Terceiro Setor.
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Objeto de estudo
Movimento Nossa São Paulo / Terceiro Setor
Questões norteadoras
1. Está a sociedade civil preparada para enfrentamento da questão social quando
representada em um movimento como o Nossa São Paulo?
Tal Movimento tem como missão articular e promover ações e mobilizar diversos
segmentos da sociedade para, em parceria com instituições públicas e privadas,
construir e se comprometer com uma agenda e um conjunto de metas, visando a
uma cidade de São Paulo justa e sustentável.
2. A sociedade civil quando representada por atores tão diversos e heterogêneos em
natureza e objetivos será capaz de convergir esforços para a construção de uma
cidade mais justa e sustentável? (“cidade mais justa, próspera, bonita, saudável,
eficiente, democrática e solidária”.)- Estatuto do Movimento Nossa São Paulo
Justificativa para escolha do tema
O momento em que vive a sociedade contemporânea nos impõe a necessidade
de uma discussão profunda, buscando alternativas para a uma sociedade mais justa e
viável. As desigualdades sociais, o desemprego, o recuo do Estado após as políticas
neoliberais que nortearam a política e a economia recentes e o crescimento do mercado
que busca lucro a qualquer custo, dentre vários outros fatores, são elementos que
convidam a esta reflexão.
No cenário social recente, a sociedade civil brasileira passou a assumir uma nova
dinâmica, com o surgimento de conceitos como os de Terceiro Setor e de
Responsabilidade Social.
Organizações não Governamentais, Institutos e Fundações
empresariais surgiram no cenário recente, apresentando-se como novos atores sociais
capazes de alterar a estrutura social vigente.
A perspectiva de uma nova dinâmica social exige uma reflexão que delimite
espaços e legitime os papéis referentes ao Estado, à sociedade civil e ao mercado, de
modo que cada um deles, baseado em suas próprias características, possa contribuir
para a construção desta sociedade mais justa e viável.
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Neste sentido, busca identificar perspectivas de uma dinâmica social com novos
(e fortes) atores sociais compreendendo ser possível -ou não- que esta sociedade possa
existir. Fica a questão a ser respondida ao longo do texto: trata-se de uma realidade que
a sociedade civil, com seus novos atores e dinâmicas em decorrência do aparecimento
de tais atores - Terceiro Setor, Filantropia Empresarial, Responsabilidade Social e
ONG´s, dentre outros, possam, na estrutura social vigente, protagonizarem a construção
de uma sociedade efetivamente mais justa e igualitária?
A sociedade civil contemporânea se vê seduzida pela idéia recente de revisão de
seus princípios e valores, a partir destes novos atores, muitos deles representantes de
empresas e organizações ligadas ao mercado, criando espaço para a consolidação do
Terceiro Setor, conceito recente, surgido na década de 1990, na sociedade americana e
exportado para o Brasil e outros países.
Tais instituições fazem parte da sociedade civil e se movimentam no sentido de
ocuparem um novo espaço no cenário social atual. Este novo cenário em que empresas,
sociedade civil, ong´s, movimentos populares, institutos, associações, fundações, dentre
outros protagonizam uma revisão de seus papéis causam estranheza aos mais
ortodoxos, que desconfiam da força, legitimidade e interesse genuíno na construção de
um novo ideário sócio-político.
Base teórica e pressupostos conceituais: primeiro, segundo e terceiro setor
Para compreensão do conceito do terceiro setor e da idiossincrasia entre primeiro,
segundo e terceiro setores, focaremos, pela afinidade com o presente estudo, o terceiros
setor. Para compreensão, segue-se uma breve explicação de cada um deles, baseados
no livro Terceiro Setor, Planejamento e Gestão, com organização de Ricardo Voltolini,
didaticamente separados para compreensão.
Primeiro Setor: Estado.
Serve aos seguintes objetivos fundamentais:
I-
Construir uma sociedade mais livre, justa e igualitária;
II-
Garantir o desenvolvimento nacional;
III-
Erradicar a pobreza e a marginalidade e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
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IV-
Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação, segundo
a
Constituição de República
Federativa do Brasil, 1988, Brasília, Senado Federal, Artigo 3º , p.3
Segundo Setor: Mercado
De natureza privada e produtiva de bens e serviços, com finalidade lucrativa,
portanto, opera com a única lógica que move o setor constitutivo da sociedade capitalista:
o lucro e a acumulação de capital.
Segundo o site do Senac, Setor 3, o Terceiro Setor é constituído por organizações
privadas sem fins lucrativos que geram bens, serviços públicos e privados, que são as
entidades constitutivas da sociedade civil. Todas elas têm
como objetivo o
desenvolvimento político, econômico, social e cultural no meio em que atuam. Além disto,
possuem como característica comum o fato de não terem como objetivo a acumulação de
bens e lucros, que devem necessariamente ser redistribuídos para a atividade fim.
Algumas questões polêmicas que giram em torno do Terceiro Setor; quanto à
expressão público, porém privado, uma vez que esta expressão não qualifica com clareza
a sua área de atuação. Especificamente quanto ao escopo de sua atuação, há um recorte
conceitual (e prático) que separa o primeiro (estatal), o segundo (mercantil) e terceiro
setor (sociedade civil). Segundo Carlos Montaño, o terceiro setor comportaria as
organizações não governamentais, os movimentos sociais, as organizações e
associações comunitárias, as atividades filantrópicas, as ações solidárias, as ações
voluntárias e as atividades pontuais e informais. Ainda segundo o autor, tal aporte
conceitual não considera, para a maioria dos teóricos do assunto, os movimentos
sindicais e os movimentos populares combativos, como o MST, por exemplo.
Seguem alguns dados sobre o Terceiro Setor, extraídos da pesquisa da FASFILFundações e Associações em Fins Lucrativos, realizada em 2002, em parceria com a
ABONG, o GIFE e baseada nos dados do IBGE(2):
o
Houve um crescimento de 157% das organizações sem fins lucrativos, que
englobam todas as organizações do terceiro setor, passando de 107 mil, em
1995, para 276 mil, em 2002. Dessas 276 mil instituições, 171 mil (62%) foram
criadas a partir de 1990;
o
Existem hoje mais de 500 mil organizações sem fins lucrativos (3)
o
Houve um crescimento do número de voluntários 71% do setor sem fins lucrativos
no Brasil em sete anos (de 1995 a 2002), passado de 190 mil para 326 mil.
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Ainda segundo a FASFIL, no mesmo estudo apresentado em 2002(3)
o
As 276 mil organizações em fins lucrativos empregam 1,5 milhão de
assalariados,
o que corresponde a 5,5% dos empregados de todas as organizações formalmente
registradas no País.
o
Cerca de 2,5 mil entidades (1% do total) absorvem quase 1 milhão de
trabalhadores.
o
A média de remuneração dos trabalhadores nas organizações sem fins
lucrativos era de 4,5 salários mínimos mensais, ligeiramente superior à média dos
assalariados das empresas em geral (públicas, privadas lucrativas e nãolucrativas), que era de 4,3 salários por mês.
o
O setor representa hoje 5% do PIB nacional, uma participação superior a
de setores expressivos da economia brasileira, como a indústria de extração
mineral (petróleo, minério de ferro, gás natural, carvão, entre outros), e maior que
a de 22 Estados brasileiros (só fica atrás de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas
Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná).
Região
Quantidade Percentual
Norte
11.715
4,25%
Nordeste
61.295
22,22%
Sudeste
121.175
43,92%
Sul
63.562
23,04%
Centro-Oeste 18.148
6,58%
Total
100%
275.895
Entidades sem Fins Lucrativos
Quantidade
Habitação
322
Saúde
3.798
Cultura e Recreação
35.539
Educação e Pesquisa
17.493
Assistência Social
32.249
Religião
70.446
Associações Patronais e Profissionais
44.581
Meio Ambiente e Proteção Animal
1.591
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Desenvolvimento e Defesa dos Direitos 45.161
Outras
22.715
Total
275.895
Fonte: FASFIL, 2002- Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil
– de autoria do IBGE, IPEA, GIFE e Abong, - Fonte: Cempre – Cadastro Central de
Empresas do IBGE, ano 2006 (foram descartadas as organizações a serviço de
interesses corporativos- sindicatos, condomínios, partidos políticos, cartórios e clubes,
entre outros)- Dados extraídos do site da GIFE.
Terceiro setor- uma análise crítica
Muitos teóricos e entusiastas do terceiro setor vislumbram na consolidação desta
área o espaço profícuo para a construção de uma nova sociedade, que contenha em sua
espinha dorsal a semente de uma sociedade mais justa. Surge com o conceito a
esperança de que a sociedade civil, o Estado e o mercado possam juntos , traçar
caminhos para um novo modus operandi.
Luiz Eduardo Wandereley postula a não existência de um Terceiro Setor, como o
querem os defensores desta nova área, mas acredita que a sociedade civil, em seu
conceito mais amplo, deve englobar o terceiro setor, que é apenas uma das inúmeras
representações da sociedade civil. Traduzir a sociedade civil em terceiro setor confere a
ele um caráter reducionista e que descaracteriza sua força e seu papel na sociedade.
Ficam, então importantes questões em aberto. Estamos, com o surgimento do
terceiro setor, da filantropia empresarial e dos projetos de responsabilidade social nos
deparando com uma nova forma de sociedade, a utopia de uma sociedade com melhor
distribuição de renda, sem miséria, fome, exclusão, enfim, mais feliz? Poderá esta nova
configuração social, sedimentada em três áreas: primeiro, segundo e terceiro setor ser
capaz, de juntas, participar, e, mais do que isto, serem protagonistas de construção desta
sociedade? Estarmos nos deparando com uma filosofia de vida, um sonho se
materializando, a utopia da consolidação de uma nova ordem social sendo posta em
prática? Movimentos que possuem atores tão diferentes em suas origens e objetivos
podem protagornizar, juntos, a construção de uma cidade mais justa, como postula o
Movimento Nossa São Paulo? A interlocução de diversos atores é capaz de, de forma
transversal, atingir os diversos segmentos sociais e impactar positivamente nas
dinâmicas da sociedade, e em especial da sociedade paulistana, tão marcada por
desigualdades profundas?
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Carlos Montaño, em seu livro Terceiro Setor e Questão Social, é taxativo ao
afirmar que não, o Terceiro Setor não representa qualquer esperança de construção de
uma nova ordem social, muito pelo contrário, é agente catalizador de desestrutura social,
despolitização, compartimentação da sociedade. O terceiro setor é ilusório, enganador e
pernicioso. Não trata-se, portanto, de crença de um futuro melhor, trata-se, outrossim, do
prenúncio de um futuro muito pior.
Movimentos sociais populares
Para Maria da Glória Gohn, movimentos sociais são “ações sociais coletivas de
caráter sócio-político, econômica e cultural, que viabilizam distintas formas de população
se organizar e expressar suas demandas” (GOHN, 2008, p.14).
Para Alberto Melucci (MELUCCI, 2001, p. 35), “um movimento social é uma ação
coletiva cuja orientação comporta solidariedade, manifesta um conflito e implica a ruptura
dos limites de compatibilidade do sistema ao qual a ação se refere”. Completa ainda
dizendo que “um movimento é a mobilização de um ator coletivo, definido por uma
solidariedade específica, que luta contra um adversário para a apropriação e o controle
de recursos valorizados por ambos.”
Estas três vertentes caracterizam o movimento social, ou seja: mobilização, laços
de solidariedade e senso luta contra um adversário. O sentido de solidariedade que o
autor contempla se trata de um “objeto de identificação afetiva para os indivíduos e reúne
ações que, em si, são separadas”. Ao analisá-las, deve-se considerar seus rito, símbolos
e manifestações que revelam, mais do que o movimento em si, o emergir de novas
necessidades.
Ainda para Maria da Glória Gohn, no livro Movimentos Sociais no início do Século
XXI- Antigos e Novos Atores Sociais, esta organização é evidenciada nas inúmeras
formas de estratégias, considerando: as denúncia, a pressão direta- marchas e
passeatas e as indiretas, entretanto, o que mais chama atenção nos movimentos
contemporâneos é o que Habermas chama de agir comunicativo, em que caracteriza a
atuação por meio de redes sociais, locais, regionais, nacionais e internacionais, utilizando
a tecnologia e a comunicação como importantes suportes para a organização dos grupos
envolvidos. As ações em redes se organizam a partir de diferentes interesses, tais como
os sociais, os locais, virtuais, de temáticas específicas, socioculturais, geracionais.
Para Alberto Melucci, no livro a Invenção do Presente- Movimentos Sociais nas
Sociedades Complexas, p.23, a identidade coletiva é um produto de trocas, negociações,
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decisões e conflitos entre os atores, o que engloba as relações, nas organizações sociais
contemporâneas, com concorrentes, aliados, adversários, aonde o sistema político e
aparato de controle social definem um “campo de oportunidade e de vínculo dentro do
qual um ator coletivo se forma, se mantém ou se modifica no tempo”.
Ainda para Melucci (2001), o movimentos sociais contemporâneos, para serem
compreendidos devem ser analisados sob a luz da multiplicidade de elementos,
sincrônicos e diacrônicos, e sua complexa combinação das ações coletivas concretas. A
lógica dominante do sistema que se desloca em diversas áreas do sistema- gerando
variabilidade de lugares e atores do conflito.
Movimentos não necessariamente têm homogeneidade, muitas vezes são
complexos e fragmentados. Analisá-los somente sob a luz histórica ou conjuntural,
também fragmenta o sentido amplo dos movimentos, pois deve-se considerar as
motivações, os sentidos e os componentes da ação coletiva. Defende ainda que há uma
série de lacunas conceituais: um deles advindo do marxismo, que não conseguiu
responder adequadamente quanto à ação da classe operária, se nasce de forma
espontânea, em função da própria condição proletária, ou se é resultado do modo de
produção capitalista. Além disso, há uma linha que defende crenças e valores
compartilhados pelos atores, que respondem a uma disfunção através de uma ação que
os vincula em uma representação coletiva em que se reconhecem. Fica em aberto,
novamente, a questão de como se mantêm estes grupos, considerando que as crenças
não bastam para dar concretude às ações. Conclui, com isso, que o que se determinou
chamar de movimento é, na realidade, a resultante de processos sociais heterogêneos,
com instâncias múltiplas e freqüentemente contraditórias, ainda que superficialmente
passem a imagem de um fenômeno homogêneo, que devem ser analisados sob a ótica
da formação de sua unidade e quais resultados diferenciados podem ser atingidos.
Ainda para Melucci, no livro a Invenção do Presente, o movimento social é uma
expressão de conflito e não resposta à crise. Desta forma, Melucci elucida que o conflito
pressupõe a luta de dois atores sociais pela apropriação de um recurso valorizado por
ambos, que se enfrentam em um campo comum e que a crise se refere aos elementos
de desagregação do sistema.
Especificamente para responder à indagação quanto à efetividade de movimentos
que trazem em sua gênese atores tão diversos em natureza e objetivos, Alberto Melucci
trás uma importante contribuição, quando nos fala que se o conflito não ultrapassa os
limites do sistema de referência, encontramo-nos diante da competição de interesses no
interior de uma determinada ordem normativa.
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Movimento nossa São Paulo
O Movimento Nossa São Paulo, iniciativa que surgiu em maio de 2007, reúne
cerca de 500 organizações da sociedade civil e é um modelo importante de como a
sociedade civil, articulada e organizada em forma de rede pode se consolidar no seu
papel de apresentar propostas, pressionar e fiscalizar o poder público. É apartidário,
interreligioso, não possui presidente nem diretoria e suas ações se fortalecem em forma
de redes de atuação. Após sua criação, com quase 1 ano e meio de vida, já serve como
exemplo (um de seus propósitos), para outras cidades do Brasil, que, junto ao movimento
Nossa São Paulo, também se consolida como um nova rede, desta vez entre Estados do
Brasil.
Tem como missão mobilizar diversos segmentos da sociedade para, em parceria
com instituições públicas e privadas, construir e se comprometer com uma agenda e um
conjunto de metas, articular e promover ações, visando a uma cidade de São Paulo justa
e sustentável. Busca uma cidade mais justa, próspera, bonita, saudável, eficiente,
democrática e solidária.
Dentre outros, recusa o desrespeito à Constituição brasileira, todas as formas de
violência, desemprego estrutural, falta de transparência e informação por parte de
instituições públicas, ausência de civilidade e cordialidade na dimensão do cotidiano
vivido na cidade, indiferença perante o sofrimento alheio, desrespeito aos Direitos
Humanos, ausência de compromisso social e ambiental, habitações sub-normais,
ausência de áreas de esporte e lazer, educação e saúde de baixa qualidade, trânsito e
transporte caóticos.
Possui 4 eixos de movimentos:
o
Indicadores e Metas: que tem como objetivo subsidiar as subprefeituras,
sociedade civil, partidos políticos e governos para uma gestão pautada nos
principais indicadores de qualidade em uma agenda de programas e metas para
São Paulo, além de possuir um banco de dados sobre iniciativas de
sustentabilidade urbana.
o
Acompanhamento Cidadão: comunicar e acompanhar os indicadores de
qualidade de vida e monitorar os trabalhos da Câmara Municipal, mobilizar a
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população para o acompanhamento do Orçamento Municipal, realizar pesquisas
anuais de opinião pública
o
Educação Cidadã: tem como objetivo realizar ações e campanhas a fim de
alcançar mudanças no comportamento da população , revalorizar o espaço
público e estimular o sentimento de pertença à cidade
o
Mobilização Cidadã: tem como objetivos incentivar a incorporação de novas
lideranças, empresas e organizações sociais no movimento e constituir fóruns nas
regiões
de
todas
as
subprefeituras
de
São
Paulo,
manter
o
portal
www.nossasaopaulo.org.br como um canal de comunicação efetivo entre redes,
imprensa e sociedade civil como um todo e gerar exemplaridade para outras
cidades, Estados e regiões do Brasil.
Possui 15 grupos de trabalho, abertos a qualquer cidadão que queira participar. Os
grupos de trabalho se concentram nas áreas de Acompanhamento da Câmara Municipal,
Acompanhamento do Orçamento Municipal, Ciência e Tecnologia, Comunicação, Criança
e Adolescente, Cultura, Democracia Participativa, Educação, Empresa, Esporte e Lazer,
Habitação, Indicadores, Juventude, Meio Ambiente e Mobilidade Urbana, Mobilização,
Saúde, Segurança Cidadã e Trabalho e Renda.
Efetivamente está mobilizado com as seguintes ações:
o
Indicadores: Lançamento do Observatório Cidadão Nossa São Paulo
o
Aprovação da Emenda à Lei Orgânica do Município
o
Orçamento per capita e indicadores socioeconômicos por subprefeituras
o
Pesquisas IBOPE
o
Dia Mundial sem Carro
o
Redução da taxa de enxofre no diesel vendido no País
o
Lançamento de movimentos semelhantes no País
o
Série de debates pré-Fórum Nossa São Paulo
o
1º Fórum Nossa São Paulo – Propostas para uma Cidade Justa e Sustentável
o
Série de encontros com candidatos
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Inspirada no Movimento Bogotá Como Vamos, possui os seguintes eixos: Pobreza e
Equidade, Finanças Públicas, Educação, Saúde, Serviços Públicos, Cultura, Participação,
Mobilidade Social, Espaço Público, Meio Ambiente, Descentralização, Responsabilidade
e Cidadania, Seguridade e Cidadania, Gestão Pública, Desenvolvimento Econômico e
Habitação.
Apresenta, também, à disposição do cidadão paulistano, uma expressiva
quantidade de informações obtidas dos bancos de dados públicos, entendendo que é
fundamental o uso de dados oriundos de fontes oficiais e que são elementos para análise
da situação em que a cidade se encontra. A crença do Movimento Nossa São Paulo é de
que o cidadão paulistano, com as informações precisas sobre a cidade é capaz de intervir
em políticas públicas, exercendo seu papel na construção da cidade em que ele deseja
habitar. Os dados,
Este estudo visa contribuir para elucidar esta questão e, se possível, apontar
caminhos para a articulação da sociedade civil em sua nova dinâmica de atuação.
Considerações finais
Incontáveis autores questionam taxativamente a efetividade de tais movimentos,
por uma série de motivos, donde se podem destacar os seguintes: fragmentam a
sociedade, numa visão multifacetada de suas demandas; desresponsabilizam o Estado
em seu papel de gerador de políticas assistenciais universalizadas; despolitizam a
sociedade, na medida em que os movimentos da sociedade civil organizada não
conseguem ter a visão de conjunto da sociedade para o atendimento de suas
necessidades; negam o necessário confronto na arena do enfrentamento das questões
sociais, articulamdo-se em parceria com o Estado e buscando alternativas harmônicas
para a resolução das questões historicamente dicotomizadas entre Estado e sociedade
civil. Em suma, não existe rompimento, confronto e ruptura com a estrutura capitalista
vigente, cruel e destrutiva em suas bases, para a consolidação de uma sociedade mais
justa e igualitária.
Por outro lado, não é desprezível a força de mobilização da sociedade civil e o
potencial que alguns movimentos têm de intervir na realidade sócio-político-cultural de
nossa cidade, a exemplo do Movimento Nossa São Paulo. O Movimento Nossa São
Paulo tem conseguido conquistas importantes junto ao poder público, sendo que a
principal delas é a apresentação do plano de metas, fruto de audiências públicas com os
cidadãos da cidade e que deverão ser apresentadas e debatidas publicamente. As
audiências públicas visam o envolvimento e o comprometimento dos cidadãos na
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construção coletiva da cidade que melhor represente os interesses de seus cidadãos,
logo, de políticas públicas integradas e que estejam à serviço do bem-estar da
comunidade paulistana.
Suas ações, formas de mobilização, interlocução entre diferentes atores e com o
poder público, a forma com que conduz suas ações, pautada em diálogo e parcerias, sem
contudo perder a isenção, fazem com que surja uma importante questão: estamos diante
de um movimento que, a despeito do senso comum da militância recrudescida, se projeta
como uma nova forma de interagir com o poder público, com enfrentamento baseado em
difusão de informação e organização da sociedade civil para a sua efetiva participação na
gestão de política públicas integradas, considerando a participação da sociedade civil
representada em seus mais diferentes atores? Há uma mudança ou nova forma de crítica
ao poder público se desenhando na figura concreta do Movimento Nossa São Paulo?
Referências
MONTAÑO, Carlos
Terceiro Setor e Questão Social- Crítica ao padrão emergente de intervenção social
Cortez Editora- 4ª Edição
VOLTOLINI, Ricardo (organizador)
Terceiro Setor Planejamento e Gestão- Editora Senac São Paulo - 2004
FISCHER , Rosa Maria, FALCONER Andrés Pablo
"Desafios da Parceria Governo Terceiro Setor", Artigo selecionado para apresentação
no Primeiro Encontro da Rede de Pesquisas sobre o Terceiro Setor na América Latina e
Caribe –
ISTR
RICO, Elizabeth de Melo, RAICHELIS, Raquel (organizadoras);
WANDERLEY, Luiz Eduardo, CASTEL Robert, WANDERLEY, Mariângela Belfiore
Questão Social em Debate, Desafios Da Sociedade Civil Brasileira em Seu
Relacionamento Dialético com o Estado e o Mercado, Educ Editora- 2ª Edição
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58
GOHN, Maria da Glória (org.)
História dos Movimentos e Lutas Sociais – A construção da Cidadania dos
Brasileiros- Edições Loyola- 1995
Fóruns e Movimentos Sociais na cidade de São Paulo- Observatório dos Direitos do
Cidadão- acompanhamento e análise das políticas públicas da cidade de São PauloInstituto Polis / PUC/SP, 2006
MELUCCI, Alberto
A Invenção do Presente- Movimentos Sociais nas Sociedades Complexas- Editora
Vozes, 2001
GOHN, Maria da Glória (org.)
Movimentos Sociais do Século XXI- Antigos e Novos Atores Sociais, Editora Vozes2003
GOHN, Maria da Glória
Novas Teorias dos Movimentos Sociais- Edições Loyola, 2008-12-03
NOSSA SÃO PAULO
Indicadores da Cidade 2008- Observatório Cidadão
Sites:
http://www.meridiano47 Meridiano 47-Boletim de Análise de Conjuntura em Relações
Internacionais- Márcio Pereira Basílio- acessado em 30.07.08
http://www.nossasaopaulo.org.br-
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Gestão de Políticas para a Criança e o Adolescente: Controle social e participação8
Anderson Rafael Nascimento
Judith Zuquim
Dagmar Silva Pinto de Castro
Resumo
Como trajeto teórico-reflexivo, propõe-se neste trabalho uma discussão sobre o contexto
histórico que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) herda resultando em práticas
e políticas públicas assistencialistas e criminilizadoras. Situação que começou a ser
enfrentada, com a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Essa
mudança de olhar é relatada e serve de referencial para uma reflexão sobre o impacto na
gestão das políticas públicas para essa área. Sustenta-se que a tecnicidade impõe um
formato de gestão a ser superado, pois se baseia em princípios institucionais. O modelo
teórico traduzido de Ripley (1995) auxilia pela visualização que o cidadão não tem no
processo. Por sua vez, uma nova discussão para o campo da gestão pública, a gestão
pública societal (PAULA, 2001, 2005, 2008) possibilita uma maior aderência aos
princípios trazidos pelo ECA, pois tenta encontrar meios da gestão da política pública ser
influenciada pelas pessoas passando pelos filtros burocráticos do Estado e suas
instituições. Essa corrente ainda se circunscreve em experiências locais e fragmentadas.
Frente às duas correntes teóricas apresentadas, societal e institucional, e como resultado
desse estudo, argumenta-se que o ECA somente poderia se realizar por meio dos
princípios encontrados na primeira, já que reconhece e cria a participação das crianças e
adolescentes. Estabelece-se assim um diálogo com o princípio da proteção integral, pilar
de sustentação do ECA, já que cabe a eles decidir sobre seus destinos e ao Estado,
Sociedade e Família a articulação de um arranjo institucional em busca de uma política
pública integrada. Com essa constatação propõe-se um modelo teórico para a gestão de
uma política pública que contemple aspectos essenciais do Estatuto da Criança e do
Adolescente, mas principalmente traga a dimensão do controle social e da participação
no contexto da gestão das políticas públicas, especialmente para essa população.
8
A primeira versão desse estudo com o título “Gestão das Políticas de Promoção e Defesa dos
Direitos da Criança e do Adolescente: da Tecnicidade à Gestão Social Compartilhada” foi
apresentada ao Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação em Administração
– ENANPAD de autoria de NASCIMENTO, Anderson Rafael e ZUQUIM, Judith. Propõe-se, com
esse texto, uma revisita aos conteúdos trabalhados naquele momento com a colaboração de
outros pesquisadores.
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Introdução
A cidadania plena de crianças e adolescentes configura um campo destacado
para as análises que são realizadas no contexto da gestão das políticas públicas, pois
exige a integração de diferentes ângulos de visão – jurídico, institucional e cultural.
Algumas vertentes teórico-políticas criam a perspectiva de contemplar todas essas
abordagens, a partir do interesse superior da criança e do adolescente, como tentativa de
uma política pública integrada. Para essas correntes, a representação social da criança
está associada ao imaginário de futuro da nação. Por sua vez, outra linha política
problematiza o trato da questão da infância na realidade contemporânea. Isso decorre de
uma visão negativa tendo sua gênese na visão da criança como ameaça à ordem pública
(FALEIROS, 1995). Essa dupla convivência instaura um campo de disputas, concreta e
simbólica (DANIEL, 1988), para a gestão de políticas sociais, especialmente para a
infância e adolescência.
Para o primeiro campo político, a gestão da política pública está pautada no
protagonismo infanto-juvenil, partindo do reconhecimento da criança e do adolescente
como sujeito de direito e, como tal, capaz de definir suas próprias necessidades e visão
do mundo social. Nessa perspectiva, a gestão da política pública ocorre frente a uma
inter-relação contínua entre o funcionamento das instituições e as qualidades e atitudes
dos indivíduos que interagem com ela (ROUSSEAU, 2004; MILL, 1964). Fundamentado
nessa visão, as ações interorganizacionais são pautadas por dimensões como controle,
participação, paridade e transparência. Nessa forma de gestão, a dimensão da
administração é colocada a cargo da política, o Estado fica a serviço da sociedade.
Aproxima-se esse conceito a uma visão de uma administração pública societal (PAULA,
2001, 2005, 2008), fundamentado no gerenciamento como um processo participativo e
dialógico entre difentes sujeitos sociais (TENORIO, 2002).
O segundo campo valoriza, por sua vez, a tecnicidade - principalmente pelo
discurso da economicidade e da racionalidade associada a esse aspecto, como elemento
principal e estratégico para o Estado. Nessa perspectiva, a administração é a esfera mais
valorizada, diminuindo o poder de interferência da política (BRESSER-PEREIRA, 1998).
Ou seja, valorizam-se na discussão da gestão das políticas públicas as dimensões
jurídico-institucional e econômico-financeira. Nessa visão, a gestão pública é pautada por
um grupo de especialistas, núcleo estratégico do Estado, que determinam o caminho
estratégico a ser seguido, ou seja, instaurado uma lógica única onde os fins determinam
a organização dos meios.
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61
A agenda na definição da política pública, ou seja, o estabelecimento dos trajetos
de realização da ação do Estado, enquadra-se nessa disputa teórica em bases distintas.
Para a administração pública gerencial, portanto institucional, cabe ao núcleo estratégico
do Estado, e suas organizações, a definição dos caminhos e instituições que a política
seguirá na sua execução. Por sua vez, a administração societal encaminha-se para uma
concepção participativa da gestão pública e de instâncias deliberativas de decisão. Essa
visão pode ser transposta para os outros estágios de realização de uma política pública
como, por exemplo, a implementação, a avaliação e o re-planejamento.
Daí o objeto e o método deste texto. Como trajeto teórico-reflexivo, propõe-se
neste trabalho uma primeira parte sob o contexto histórico que o Estatuto da Criança e do
Adolescente herda como reflexo da sociedade brasileira, resultando em práticas para
esse campo e uma política pública assistencialista e criminilizadora. Situação que
somente começou a ser alterada, no caso da política da infância e adolescência, com a
instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Essa mudança de olhar é
relatada na segunda parte do texto, trazendo uma reflexão sobre o Estatuto e o impacto
de sua implementação na gestão das políticas públicas.
A terceira parte do texto expõe as duas correntes teóricas: societal e gerencial. A
corrente gerencial, por sua visão institucionalista, é apresentada a partir de um modelo
teórico traduzido de Ripley (1995) e de críticas realizadas por estudiosos brasileiros a
partir da reforma gerencial do Estado de 1995. Por sua vez, a corrente societal ganha
força prática a partir da vitória da aliança popular-nacional nas eleições majoritárias de
2002. Contudo, na teoria e como crítica dessa prática, a administração pública societal
ainda se circunscreve a experiências locais e fragmentadas (PAULA, 2008).
Frente às duas correntes teóricas apresentadas e como resultado desse estudo,
argumenta-se que o ECA somente poderia se realizar por meio do princípio da gestão
pública societal, reconhecendo a participação das crianças e adolescentes como
portadores de direito e colocando a dimensão da política na frente da administração.
Estabelece-se assim o princípio da proteção integral, pilar de sustentação do Estatuto da
Criança e do Adolescente, já que cabe a eles - crianças e adolescentes - decidir seus
destinos. Com essa constatação propõe-se um modelo teórico, como crítica a visão
institucional de Ripley (1995), para a realização de uma política pública que contemple
aspectos essenciais do Estatuto da Criança e do Adolescente.
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Contexto histórico: a herança do ECA
Ao analisar o trato da infância como categoria social, Rizzini (1997) aponta que no
final do século XIX houve uma substituição da atenção de cunho caritativo para uma
assistência com características filantrópicas. Francischini (2006), apoiada em Kuhlmann
Jr. (2002), discorre sobre a imagem de uma criança pobre, delinqüente, oriunda de lares
sem alimentação adequada e com casos de alcoolismo, como determinante para as
práticas de institucionalização como medida de protegê-la daquele ambiente, evitando
dessa forma que aquela criança se tornasse “criminosa”. No caso brasileiro se tem como
pano de fundo a necessidade de reservar ao “menor”, considerado perturbador da ordem
social, espaços que pudessem “curá-lo”. Esse processo de reestruturação do “menor”
passa pela política do internamento. As crianças e adolescentes, nessa política, eram
“separados” e enviados aos locais responsáveis por sua recuperação e restituição dentro
dos padrões aceitáveis e normais para o convívio social. No Brasil, as condições de
emergência histórica desse discurso apontam para a recém-criada República e sua
diversidade de projetos em disputa para o país após gerações de escravidão. O núcleo
constituidor central estava na idéia de "infância moralmente abandonada", da qual partia
uma série de "tipos infantis" que tentava apreender aquilo que a ordem pública chamava
de "infância em perigo". Na base deste programa, houve uma reconceitualização da
relação entre criança, família e Estado, demarcando-se novas fronteiras para o território
da "ineducabilidade social" (ZUQUIM, 2001).
Representando esse pensamento, no intervalo entre os Códigos de menores de
1927 e 1979, a infância e a adolescência foram objeto de várias iniciativas do poder
público. Dentre essas, o exemplo mais conhecido foi a criação do Serviço de Assistência
a Menores (SAM), em 1941, cujas ações e internações eram justificadas com os
argumentos de proteção da sociedade contra o perigo da delinqüência infantil-juvenil.
Contudo, a falta de precisão na delimitação do que o código denominava como
irregularidade fez com que a rede de atendimento assumisse diferentes funções, como
por exemplo, casa, escola, hospital e prisão (RIZZINI, 1995). O objeto "infância irregular"
não foi unívoco ao ser delineado em sentenças jurídicas, classificações de saúde mental
ou projetos pedagógicos racialistas, o que demonstra que essa dispersão de sentidos foi
radicalmente atravessada por práticas políticas que passaram a incluir esse numeroso
grupo de crianças e adolescentes em políticas públicas que tinham como foco,
simultaneamente, sua exclusão da escola e da família. Categorias como moralidade,
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impulsividade, precocidade, anormalidade, caráter e ineducabilidade regulavam essa
polissemia (ZUQUIM, 2001).
Com a extinção do SAM, em 1964 – do serviço e não da política de proteção à
criança nos moldes até então apontados –, criou-se a Fundação Nacional do Bem-Estar
do Menor (Funabem) e seus respectivos correspondentes nos Estados, as Fundações
Estaduais do Bem-Estar do Menor (Febem). Ao primeiro, com a formulação e
implantação de programas, coube centralizar a política nacional do bem-estar do menor;
aos correspondentes estaduais, a execução dessas políticas (CASTRO e NASCIMENTO;
In: ALVES & CARVALHO, 2009).
Em 1979, promulgou-se o segundo Código de Menores. Permaneciam, no
entanto, a cisão criança/menor e a associação deste último a marginalidade, a
delinqüência e a mendicância. Porém, esses e outros denominativos associados à
criança pobre foram substituídos por um único – criança em situação irregular –, e foi
mantida a prevalência de um modelo correcional-repressivo (FRANCISCHINI, 2006;
CASTRO, D., 2002).
A ausência de uma definição precisa de "situação irregular" representa, assim, a
permanência de uma trajetória histórica. Segundo Faleiros (1995, p. 172):
Por situação irregular compreendia-se a privação das condições
de subsistência, de saúde e de instrução, por omissão dos pais
ou responsáveis, além da situação de maus-tratos e castigos, de
perigo moral, de falta de assistência legal, de desvio de conduta
por desadaptação familiar ou comunitária, e de autoria de
infração penal. A pobreza era, assim, situação irregular, ou seja,
uma exceção.
Uma discussão fundamentada dessa condição começou a ser formulada em
1975, a partir dos indicadores levantados na CPI do Menor. Em seu diagnóstico, a CPI
apontava para “as excepcionais dimensões e periculosidade imanentes da realidade do
menor desamparado, num país predominantemente jovem, em cuja população global de
110 milhões de habitantes compreende-se o impressionante segmento de 52,6% desse
total na faixa etária de 0 a 19 anos” (Câmara dos Deputados, 1976, p. 17). A CPI também
reconheceu a incapacidade do modelo da Funabem em enfrentar a problemática nacional
da criança e do adolescente dado o crescimento demográfico e a magnitude do
problema. Os dados da época demonstravam que um terço da população infanto-juvenil
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estavam em estado real ou virtual de marginalização, com previsão de agravamento do
quadro de miserabilidade concentrando-se principalmente nos centros urbanos,
resultante do processo migratório.
Em 1986, a Funabem realizou um debate sobre a Política Nacional do Bem-Estar
do Menor (PNBEM). Discutiu-se então a necessidade de uma avaliação da política e de
novas linhas de atuação. Elaborou-se o documento “Diagnóstico Integrado para uma
Nova Política de Bem-Estar do Menor”, resultante de discussões em seminários
estaduais internos e nas fundações (Febem), com a participação de órgãos públicos de
assistência social, educação e de entidades sociais convidadas. Esse documento
apresentava uma avaliação das políticas sociais e baseava-se em reflexão quanto a
forma de atendimento oferecida; o foco principal da política (se ele estava na criança
empobrecida
ou
em
intervenção
nos
“casos-problema”);
centralização
ou
descentralização na forma de gerenciamento (CASTRO e NASCIMENTO; In: ALVES &
CARVALHO, 2009). Esse impasse somente foi resolvido com a institucionalização do
Estatuto da Criança e Adolescente, a partir da influência de acordos internacionais e pela
mobilização da sociedade brasileira.
O Estatuto da Criança e do Adolescente: uma mudança no olhar para a criança e o
adolescente
A reflexão sobre os equívocos históricos de uma política pública criminalizadora
de crianças e adolescentes só adquiriu novo patamar com o cenário trazido pela
constituição de 1988, quando entraram em cena atores até então sem visibilidade social
e como resultado da forte pressão de movimentos sociais, crianças e adolescentes
mobilizados, técnicos e juristas inconformados com as políticas de defesa da infância,
empresários e sindicatos das mais diversas categorias.
Como resultado de uma
militância mobilizada nos anos anteriores, foi possível a inclusão do artigo 227 na
Constituição Federal (BRASIL, 1988). Esse artigo gerou a Lei 8.069/90 nomeada como o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O ECA (1991), em diálogo com o artigo 227
da Constituição Federal, estabelece em seu Art. 4 que:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação
dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
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dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária.
O ECA instaura um novo modo de construção das políticas para a área da
infância e adolescência, pois surgiu a partir da realidade concreta e das especificades
próprias de um sujeito em desenvolvimento. Reflete assim em seu texto a tentativa de
propor uma visão integradora das ações (pedagógica, jurídica, psicológica, do
voluntariado etc). Em sua gênese, o ECA rompeu com o saber hegemônico até então;
aquele que, em vez de buscar ancoragem na experiência, era fruto de uma produção
teórica com forte viés tecnicista e anti-democratizante.
O Estatuto da Criança e do Adolescente não diz respeito apenas à implementação
de uma nova lei, mas também a um novo direito que surge no panorama nacional e ao
reconhecimento da condição de cidadão em desenvolvimento. Essa conquista é
reveladora de uma trajetória histórica mundial que remonta ao ano de 1959, com a
Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente, pela Organização das
Nações Unidas (ONU), a partir da qual a infância e a adolescência começam a ser vistas
como períodos peculiares do desenvolvimento humano que exigem atenção singular. A
visibilidade das situações de violência física, psíquica e moral a que crianças e
adolescentes eram submetidos, independentemente da situação econômica dos países,
provoca a necessidade de enfrentamento da situação. Quebra-se o aparato sustentador
da "situação irregular" e caminha-se para um novo estado de direito, passando a ser
dever da família, do Estado e da sociedade o cuidado da criança e do adolescente. A
criação do ECA possibilita as condições de exigibilidade para os Direitos da Criança e do
Adolescente que estão na Constituição Brasileira e na Convenção Internacional dos
Direitos da Criança. Contrariamente ao que fundamentava o Código de Menores, a
“situação irregular” sai de cena para a entrada de um novo momento histórico,
contextualizado pela redemocratização e pela nova constelação de relações entre
sociedade, família-criança-adolescente e estado estabelecida pela Constituição.
Para a efetivação e implementação de políticas voltadas para a proteção integral
da criança e adolescente, o ECA determina em seu Art. 86 que a política de atendimento
dos direitos da criança e do adolescente deverá ser efetivada por meio de um conjunto
articulado e controlado de ações, governamentais e não-governamentais, de todas as
instâncias do Poder Público (União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios).
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) possui duas vertentes de políticas:
as sociais, que partem do compromisso político e da convocação da sociedade, da
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família e do poder público para, em conjunto, buscarem medidas de proteção integral à
criança e ao adolescente; e a da justiça, com os procedimentos jurídicos destinados aos
adolescentes em situações específicas (medidas socioeducativas) ou as crianças em
situação efetiva de abandono (COSTA, 1995; MIRAGLIA, 2005). O Estatuto atribui à
sociedade e ao município a responsabilidade de criar mecanismos que atendam ao que
nele se dispõe, reservando ao Estado a complementaridade dessas ações; e à esfera
federal, a normatização e o financiamento das políticas sociais.
Para atender ao Estatuto, são criadas instâncias operacionais e instâncias de
garantia da cidadania das crianças e adolescentes, entre as quais os Conselhos de
Direito e os Conselhos Tutelares. São mecanismos políticos de democracia participativa
que permitem dar visibilidade ao gasto social público, instituindo a transparência e a
publicidade das intervenções. Os conselhos ocupam lugar de instrumentos para uma
política desencadeadora de transformações na quebra da Doutrina da Situação Irregular,
vigente no período anterior. Também podem cumprir o papel de chamamento à
responsabilidade na formulação de políticas sociais voltadas para a criança e o
adolescente, bem como no acompanhamento quanto à sua efetivação.
O Estatuto da Criança e Adolescente permite que cada município adeque às suas
demandas e características regionais a elaboração da Lei Municipal que determinará a
criação do Conselho de Direito da Criança e do Adolescente. A partir de julho de 1990,
quando da legalização do ECA, iniciou-se um movimento nacional para que os
municípios implementassem com urgência os Conselhos de Direito da Infância e
Adolescência (CMDCA) e os Conselhos Tutelares.
O Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescentes (CMDCA) é um
espaço público institucional paritário entre governo e sociedade civil, com poder
deliberativo e controlador das ações em todos os níveis, em especial no que tange à
política de atendimento e de defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Sua
implantação requer: a elaboração de um anteprojeto pelo Executivo; trâmite e aprovação
pela Câmara Municipal, pela Assembléia Legislativa ou pelo Congresso Nacional,
conforme a esfera de poder em que está situado; sanção do Executivo; eleição de
membros da sociedade civil; indicação dos representantes governamentais; decreto de
nomeação no Diário Oficial; ato de posse; elaboração e aprovação de um regimento
interno; e decreto de regulamentação do Fundo da Infância. O Conselho de Direitos pode
atuar na formulação, na articulação e no acompanhamento das políticas sociais,
promovendo um reordenamento institucional dentro da perspectiva da co-gestão entre
sociedade civil e governo.
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Outro espaço para a garantia do direito das crianças e do adolescente é o
Conselho Tutelar. Esse conselho congrega os três eixos de sustentação do ECA:
promoção, controle e defesa da criança e do adolescente. Em outras palavras, constitui a
instância privilegiada para a visibilidade da atuação do Estatuto. O Conselho Tutelar é um
espaço fundamental de reordenação da estrutura social, da política social e das
instituições, pois é a instância que legalmente pode intervir na privacidade das famílias e,
ao mesmo tempo, nas instâncias de poder, para garantir o atendimento da lei.
Pelo que dispõe o Estatuto, o Conselho Tutelar possui amplitude e alcance no
âmbito municipal para exercer seu papel de operacionalizar o ECA. Tem o poder de fazer
valer as políticas públicas no que diz respeito à infância e a adolescência, não só
assessorando sua elaboração, mas também assegurando seu cumprimento.
A criação dos conselhos de direitos, tutelares e dos fundos dos direitos da criança
e do adolescente impõe uma nova perspectiva na relação Estado-sociedade, pois as
políticas e ações públicas passam a ser gestadas e controladas em um fórum
participativo. Contudo, tal premissa pode não se realizar, caso a vitalidade do ECA percase nos entraves do aparato burocrático de sua implementação.
A garantia da proteção integral passa necessariamente por duas vias: pelas
políticas públicas que possam diminuir a desigualdade social; e pela mobilização da
sociedade civil. É necessário a participação da sociedade civil no processo de elaboração
das políticas públicas, seu acompanhamento e avaliação. As novas formas de governo
incluem o poder local, onde a população é convidada a exercer sua cidadania, o que
implica a participação nas discussões da gestão das cidades e dos caminhos para
solucionar as demandas do município.
O Sistema de Garantia de Direito previsto no ECA é, portanto, um conjunto
articulado e controlado de ações governamentais e não governamentais (art. 86, Lei
9093/90) apoiado em três grandes eixos: promoção, defesa e controle social. No eixo da
promoção estão atribuídos os serviços de caráter universal, respeitando a prioridade para
a criança e o adolescente. Por sua vez, o eixo da defesa diz respeito aos aspectos
relacionados a responsabilização das esferas do Estado, da sociedade e da família pela
violação do direito da criança e do adolescente. Por fim, o eixo do controle diz respeito ao
cumprimento dos preceitos legais e a articulação da sociedade civil.
Propomos agora uma discussão sobre o desafio da garantia da proteção integral
para as crianças e adolescentes, 18 anos após a criação do ECA, colocando em questão
a implementação de seus aspectos doutrinários, fundamento político, modelo decisório e
modo de atuação. A discussão está construída a partir de dois modelos complementares.
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Participação e gestão: Conceitos para as políticas públicas
Com o surgimento dos aparatos institucionais do denominado Estado de BemEstar Social, após a segunda guerra mundial, as políticas públicas concretizaram-se
como campo de estudo, principalmente pela consecução de um novo contrato social.
Contudo, trava-se um debate entre correntes teóricas e a forma como compreendem o
processo participativo na gestão pública. Os pluralistas (ROUSSEAU, 2004; MILL, 1964)
compreendem a participação como necessária pelos efeitos que gera nos participantes.
Em contraponto, a vertente elitista burocrática entende a ampla participação como
irrealizável (SCHUMPETER, 1984; MOSCA, 1966). O embate entre essas correntes é
analisado por Marques (2003, p. 44):
A polaridade mais ampla presente no debate é entre estrutura e
ação, que se desdobra em determinação versus contingência e
em estabilidade versus dinâmica. As duas primeiras literaturas
[teoria das elites e marxismo] destacam elementos presentes na
estrutura da sociedade para descrever e analisar como o mundo
político funciona. Ao fazê-lo, por vezes perdem a dinâmica social e
não deixam muito espaço para a contingência. Os pluralistas, ao
contrário, enfatizam os atores, suas estratégias e a dinâmica
política. Entretanto, ao fazê-lo, muitas vezes deixam de lado as
estabilidades, o contexto e os constrangimentos, dando a
impressão que todos os resultados políticos são igualmente
possíveis e que todos os atores têm iguais chances de vitória.
A tendência pluralista, portanto contratualista, encontrou terreno fértil e
sustentação na época dourada do capitalismo mundial (Hobsbawn, 2002), mas começou
a enfrentar barreiras para sua ampla realização, quando o sistema baseado na
solidariedade demonstrou suas primeiras baixas. Isso decorre da impossibilidade de
sustentar a lucratividade das grandes empresas condicionando um novo desenho para as
políticas econômicas e, consequentemente, para as políticas públicas. Para superar esse
modelo emergiu um novo modo de produção denominado flexível, que combina taxas
variadas de emprego, produção e consumo maximizando os ganhos e investimentos do
capital (PAULA, 2005).
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Além da visão flexível, ganha destaque também a visão empreendedora de
sociedade. Nessa visão, ao analisar os principais documentos de apoio ao período
gerencialista, Paula (2005, p. 45) salienta que:
a cultura empreendedorista é definida como o conjunto de
condições que promovem altos níveis de realização nas atividades
econômicas do país, no campo da política e do governo, nas áreas
de artes e ciências e também na vida privada.
Com base nessas duas visões, acumulação flexível e empreendedorismo, iniciase um movimento nomeado “reinventando o governo”. Nessa visão, o Estado abriria mão
do poder de intervenção econômica, cabendo funções regulatórias somente em espaços
públicos, porém não-estatais (BRESSER-PEREIRA, 1998). Ou seja, o privado é
valorizado em detrimento da vontade pública. Em busca da eficiência, a esfera política
deveria manter-se afastada do núcleo estratégico das políticas públicas, cabendo as
funções decisórias ao núcleo estratégico do Estado, ou seja, os técnicos. Aqui, na
dicotomia entre técnica e política, a primeira prevalece. Nessa época, as políticas
públicas viraram campo de disputa concreta e simbólica e as visões liberalizantes
ganharam força na definição das agendas governamentais e na discussão da eficiência
estatal.
Nessa visão, a sociedade influencia, por meio da opinião pública e de grupos de
pressão, o poder público para a denominada formação da agenda. O modelo
apresentado na figura 1 apresenta uma leitura para o processo de formação de uma
política pública, que propomos para discussão. Esse modelo tem o mérito de demonstrar
a realidade da formação de uma política pública para além da influência ou escrita de
uma lei. Entende o processo de pressão política, mas desconsidera dimensões como
transparência e controle social. Além disso, esse modelo negativamente considera a
formação de uma política pública como um processo linear.
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Figura 1 – Processo de formação de uma política pública
Fonte: Ripley (1995), apud NOGUEIRA (2006)
Nogueira (2006), usando esse modelo para o estudo das continuidades das ações
administrativas públicas, descreve cada uma das etapas de formação de uma política
pública. Importante destacar que essa análise apresenta um viés institucionalista, ficando
a cargo do governo e da gestão pública a responsabilidade de toda ação.
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A formação da agenda, etapa inicial, é um processo instável, pois depende de
uma disputa entre os interesses colocados na arena política e mesmo o rompimento com
os filtros burocráticos que podem ser determinantes e isoladores da esfera social.
Conforme Nogueira (2006, p. 34) aponta: “além disso, uma agenda pública dificilmente
representará de forma satisfatória e equânime todas as questões consideradas
relevantes por todos os diferentes grupos sociais”. Essa conceituação demonstra o limite
da discussão da agenda sem o controle de todo o processo na execução das políticas
públicas.
O Estado, no contexto institucionalista, deve ser considerado como o centro de
todo o processo de decisões que interpretam e materializam a intervenção das
instituições. Nesse modelo, faz-se opção pelo fortalecimento do papel do Estado,
inclusive por meio da realização de processos horizontalizados, que propõem caminhos
para a reforma urbana, busca da eqüidade, justiça e cidadania.
A fase de formulação e legitimação é quando a agenda, ou demanda política,
começa a ser incorporada dentro dos filtros institucionais e burocráticos. Nessa fase, por
esse modelo, perde-se de vista a dimensão do controle social, inclusive exercida por
Conselhos e Fóruns da sociedade civil. Ou seja, considera o Estado como um ente opaco
às demandas sociais e a burocracia como instrumento de proteção frente a uma nova
demanda. A objetividade que os métodos administrativos demandam impõem uma ação
de racionalização dos processos para alcançar a resultados pré-definidos. Isso dialoga
com constatações trazidas por TENÓRIO e STORINO (2000) que, analisando os projetos
apresentados ao PGPC, concluem que a participação se dá mais para os “resultados” do
que para o “processo” de definição das políticas públicas.
Nogueira (2006, p. 35), seguindo na explicação do modelo, aponta que
essa etapa do ciclo se dá num processo complexo, difuso, que
envolve diversos atores estatais e não-estatais, e que tem, como
resultado, a seleção de uma ou de poucas alternativas que
possam responder a um problema ou uma questão que tenha se
destacado na agenda pública. Há dois pontos básicos que
emergem: como se dá o processo de apresentação e seleção de
alternativas e quem participa dele.
A terceira etapa, implementação, é vista como a realização das etapas anteriores,
ou o momento em que todo o planejamento passa a ser executado. Essa etapa é a
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tradução realizada pela gestão pública que coloca na balança a esfera da economia, já
que lida com os aspectos materiais e contingências do aparelho do Estado e a política,
pois transmite as demandas sociais para o campo da gestão.
Nogueira (2006) levanta algumas críticas para essa etapa do processo, segundo
ele são dois pontos em xeque:
(1) a discricionalidade que os implementadores na ponta do
processo
têm
e
sua importância no
desenvolvimento
da
implementação, e (2) o fato de que os programas, inseridos num
ambiente dinâmico, sempre enfrentam situações não previstas –
tanto de obstáculos a evitar como de oportunidades a aproveitar –
e que demandarão revisões de objetivos e estratégias.
Por fim, encontra-se avaliação e re-planejamento, fases que compõe o referencial
e a validação dos efeitos realizados inicialmente e as conseqüências da trajetória
realizada. Esse fluxo representa uma boa esquematização para sustentar as sequências
e etapas do processo de uma gestão de política em geral. Contudo, tal fluxo demanda
uma maior contextualização a partir de cada especificidade das políticas sociais.
Gestão de Políticas públicas para a área da Infância e Adolescência: campo para o
embate entre a visão societal e gerencial
A gestão das políticas públicas para a área da infância e adolescência sustentada
pelos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente se torna um desafio para todos
os atores sociais envolvidos. Sob a perspectiva única da tecnicidade, essas políticas
correm o risco de serem pautadas apenas por parâmetros técnicos e econômicos, fato
que pode impedir uma convergência entre os resultados das políticas e as necessidades
reais das crianças e adolescentes na medida em que o funcionamento das instituições
estão relacionadas às qualidades e atitudes dos indivíduos que interagem com ela
(ROUSSEAU, 2004; MILL, 1964), deslegitimando assim a doutrina de proteção integral.
Nesse ponto, instituições como conselhos municipais, governo e mesmo
organizações da sociedade civil alteram a dinâmica de gestão da política, pensada a
partir das etapas de formação da agenda, legitimação, implementação, avaliação e
replanejamento. Essas são etapas que devem priorizar a criança e o adolescente, sendo
esses entes centrais para a gestão das políticas. Essa centralidade permite compreender
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que na essência da atenção do sistema de garantia de direito se encontra o adolescente
e a criança e que o sistema só existe em função destes. Portanto, para garantir o direito é
necessária a articulação entre as instituições e atores do sistema de garantia, chegando
às políticas públicas integradas.
O fluxo apresentado na figura 2 permite uma visão de conjunto e integrada do
processo (visão sistêmica). Permite também a identificação das etapas do processo,
possibilitando que os atores do sistema de garantia de direito se vejam nele. Com isso o
fluxo possibilita a visualização dos pontos de controle e demonstra qual instituição tem
por função legal àquela atividade.
O fluxo, sendo o passo a passo para a garantia do direito, uma vez não se
realizando, permite identificar as incoerências e pontos fracos do processo possibilitando
inclusive compreender onde a criança e o adolescente não encontra respaldo e ações
institucionais. É importante destacar a dinâmica de controle social valorizada nessa
leitura. A crítica institucionalista se dá justamente por dificultar o controle social nas fases
de implementação das políticas sociais (Rezende, 2008; Schmidt, 2008).
A primeira etapa do fluxo nomeia os atores responsáveis pela formação da
agenda para a gestão das políticas públicas. Nesse caso, são nomeados o governo, a
sociedade civil os conselhos (municipal, estadual e nacional) e mesmo a sociedade civil
em suas articulações como fóruns temáticos e articulações sociais. O resultado, ou o que
ela produz, é a agenda para a garantia do direito à convivência familiar e comunitária de
crianças e adolescentes. Com o foco na convivência familiar o fluxo elege como áreas
prioritárias a moradia, a geração de renda, a garantia da pessoa com deficiência, o
desenvolvimento infantil e os direitos socioeconômicos.
A visão societal dialoga com a segunda etapa do fluxo na medida em que permite
a presença dos Conselhos como figura presente na formulação e legitimação de metas e
programas. Outra instância de controle social é a justiça (políticas de justiça) com um
olhar responsabilizador das instâncias de formulação das políticas. Por outro lado, essas
instâncias não excluem a participação e o controle cidadão ao longo das atividades, essa
atividade cria demanda por uma maior eficiência na exigência de políticas públicas para a
área.
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Figura 2 - Processo de Gestão da Política Pública para a Criança e Adolescentes
nos princípios do ECA e da visão societal
Fonte: Autores a partir do modelo de Ripley (1995)
O fluxo permite visualizar a realização das etapas de acordo os três eixos do ECA.
No eixo da promoção estão atribuídos os serviços de caráter universal, respeitando a
prioridade para a criança e o adolescente. Por sua vez, o eixo da defesa diz respeito aos
aspectos relacionados a responsabilização das esferas do Estado, da sociedade e da
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família pela violação do direito da criança e do adolescente. Por fim, o eixo do controle
diz respeito ao cumprimento dos preceitos legais e a articulação da sociedade civil.
Conclusões
O Estatuto da Criança e do Adolescente não diz respeito apenas à implementação
de uma nova lei, mas também a um novo direito que surge no panorama nacional com o
vigor dessa lei, gestada a partir da experiência vivida por diferentes movimentos sociais,
crianças e adolescentes e suas famílias. Nasce marcada pela participação e no seu texto
reforça essa preocupação como princípio central. O modelo proposto incorpora esse
processo na medida em que coloca o exercício da participação como algo contínuo, em
todas etapas. A participação não se dá ocasionalmente e como procura de um resultado.
Acontece no processo e serve para a educatividade de crianças e adolescentes
envolvidas, na medida em que o funcionamento das instituições estão relacionadas às
qualidades e atitudes dos indivíduos que interagem com ela (ROUSSEAU, 2004; MILL,
1964). Nesse princípio a gestão da política nasce estimulada e influenciada pelas ações
participativas, mas a dimensão do controle da sociedade civil, e mesmo do judiciário,
enquadra o Estado dentro do interesse social. A institucionalidade e a tecnicidade servem
ao interesse superior da criança e do adolescente. A crítica se dá pela visibilidade das
instâncias de controle social, processo que rompe com a razão instrumental na execução
da política pública e condiciona o exercício da gestão aos interesses e demandas sociais,
especialmente de crianças e adolescentes. Nessa passagem, da tecnicidade para a a
gestão compartilhada, saem as decisões contigenciadas mas ganha-se a riqueza da
experiência da participação e a educatividade para um mundo a ser construído de acordo
as memória sociais compartilhadas. Habermas acredita que os homens são capazes de
agir e atingir os seus objetivos através da linguagem, comunicando-se com seus pares.
Assim, surge o conceito da teoria da ação comunicativa de Habermas (1997, p. 418):
Chamo ação comunicativa àquela forma de interação social em
que os planos de ação dos diversos atores ficam coordenados
pelo intercâmbio de atos comunicativos, fazendo, para isso, uma
utilização da linguagem (ou das correspondentes manifestações
extraverbais) orientada ao entendimento. Na medida em que a
comunicação serve ao entendimento (e não só ao exercício das
influências recíprocas) pode adotar para as interações o papel de
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um mecanismo de coordenação da ação e com isso fazer possível
a ação comunicativa
Habermas busca superar o conceito de racionalidade instrumental, ampliando o
conceito de razão, para o de uma razão que contém em si as possibilidades de
reconciliação consigo mesma: a razão comunicativa. Essa razão e reformulada pela
relação intersubjetiva, a partir da interação entre sujeitos, que buscam entender
conceitos, formular argumentos e estipular a ética do grupo. Aqui está a base de toda
argumentação proposta nesse artigo.
Ao quebrar o esquema meio-fim essa razão, proposta por Habermas, dá bases
para uma mudança paradigmática (cf. Kuhn, 1978). Orientada para uma finalidade, a
razão se modifica para uma outra em um constante processo de estabelecimento dos
significados comuns ao grupo. Aqui encontra-se o sentido de gestão social que segundo
definição de Tenório (2002, p. 126)
contrapõe-se a gestão estratégica à medida que tenta substituir a
gestão tecnoburocrática, monológica, por um gerenciamento mais
participativo, dialógico, no qual o processo decisório é exercido por
meio de diferentes sujeitos sociais
Nas palavras de Paula (2005, p. 15) “esta gestão social é entendida como uma
ação política deliberativa, na qual o indivíduo participa decidindo seu destino como
pessoa, eleitor, trabalhador ou consumidor”. Assim, “O adjetivo social qualificando o
substantivo gestão é percebido como o espaço privilegiado de relações sociais onde
todos têm direito à fala, sem nenhum tipo de coação” (Tenório, 2006, p. 1146).
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Políticas Públicas: participação, transparência e inclusão social
SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1984;
TENORIO, Fernando Guilherme & STORINO, Gylcilene Ribeiro, A Sociedade é
Protagonista na Relação com o Estado? São Paulo: FGV, Cadernos do Programa
Gestão
Pública
e
Cidadania,
Vol.
15,
2000.
Disponível
em
http://www.eaesp.fgvsp.br/subportais/ceapg/Acervo%20Virtual/Cadernos/Cadernos/Cad1
5.pdf
ZUQUIM, J. Infância e crime na história da psicologia no Brasil. Um estudo de
categorias psicológicas na construção histórica da infância criminalizada na Primeira
República. Tese (Doutorado), Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade.
São Paulo, 2001.
Apresentações realizadas dia 23 de maio de 2009
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“Um novo direito à cidade - Políticas Públicas Integradas: um estudo de caso de
Escolas Municipais em função da experiência com a Metodologia NEPSO”
Dagmar Silva Pinto de Castro
Resumo
A cidade é um espaço de diferentes culturas e a superação das antigas administrações
públicas somente é possível a partir de estratégias envolvendo ação direta, avaliação
contínua e métodos participativos envolvendo os diferentes setores da sociedade.
Considera-se, pois, que a experiência só se faz cultural quando se concretiza na
educatividade das pessoas e instituições (FREIRE) e, nesse fazer, organizando-se como
símbolo aceito e pactuado coletivamente. Deste modo, ela ocorre continuamente por
meio de novas interlocuções, leituras de mundo e abordagens. A Cátedra Celso Daniel
de Gestão de Cidades, em parceria com a Ação Educativa e Secretaria de Educação e
Cultura de Mauá, EM Cora Coralina e EMEJA Clarice Lispector, propõe uma pesquisa
para construir conhecimentos em
relação aos processos de planejamento e
monitoramento das Políticas Públicas Integradas, a partir das experiências educacionais
e culturais, com base na história concreta de homens, mulheres, crianças e jovens da
cidade de Mauá. Para isso, a Cátedra opta por analisar os materiais produzidos nos três
anos de experiência do Projeto NEPSO nas escolas citadas como fonte documental
(escrita e oral) da primeira Fase da pesquisa. Os resultados dessa análise serão
confrontados com o acúmulo da Cátedra. A partir disso propõe-se a elaboração da
metodologia visando o processo de apropriação do jovem estudante enquanto ator social
com direito à cidade.
Equipe responsável pela pesquisa:
Coordenadora da pesquisa

Profa. Dra. Dagmar Silva Pinto de Castro
Equipe de pesquisadores da Cátedra Gestão de Cidades

Dr. Luiz Roberto Alves

Dr. Fábio Josgrilberg

Ms. Suze Piza

Ms. Anderson Rafael Barros do Nascimento
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
Ms. Cristiane Gandolfi

Ms. Márcia Barbosa Velasques

Ms. Angela Soares Louzada dos Santos

Sibelly Resch

Daniel Luz Mendes
82
Equipe de Professores Pesquisadores

Deise Delgato

Roseli Aparecida Soares Felisberto

Sandra Gonçalves da Silva

Antônio Coelho de Souza Nascimento

José Luiz Ferreira da Silva
Equipe Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação

Marilse Araújo

Thaís Bernardes Nogueira

Renato Nascimento

Fernanda Cury
Palavras-chave: NEPSO; cidade; protagonismo; políticas públicas integradas.
Introdução
A Metodologia NEPSO9 surgiu através da parceria entre a Ação Educativa10 e o
Instituto Paulo Montenegro11. Esse instituto foi criado pelo grupo IBOPE no ano 2000 com
o objetivo de contribuir com o desenvolvimento sustentável através de ações sociais. O
foco para atuação escolhido pelo Grupo IBOPE e pelo Instituto Paulo Montenegro é a
educação. Essa escolha partiu do pressuposto de que a educação é uma prioridade na
ação social e pode ser considerada um fator decisivo para a redução das disparidades
sociais presentes no Brasil e em muitos outros países nos quais a organização está
presente.
O Instituto Paulo Montenegro prioriza a criação de novas alternativas pedagógicas
para o ensino no Brasil. Suas atividades concentram-se em dois programas: o Indicador
de Alfabetismo Funcional (INAF), que tem como objetivo medir o alfabetismo funcional da
9
Informações sobre os Projetos realizados com a Metodologia NEPSO disponíveis em:
http://www.ipm.org.br/ipmb_painel.php?mpg=3.04.00.00.00&ver=por
10
Informações disponíveis em: www.acaoeducativa.org.br
11
Informações disponíveis em: www.ipm.org.br.
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população adulta brasileira, avaliando a capacidade que as pessoas têm de ler, escrever
e realizar cálculos aplicados ao seu cotidiano e o Nossa Escola Pesquisa Sua Opinião
(NEPSO), que consiste na proposta de uso da pesquisa de opinião como instrumento
pedagógico, em escolas públicas de ensino fundamental, médio e educação de jovens e
adultos.
A parceria com a ONG Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação foi
principalmente motivada pela atuação pioneira desta organização na educação. A ONG
foi fundada em 1994 e tem como missão a igualdade social, a democracia participativa e
o desenvolvimento sustentável através da educação.
O projeto-piloto referente à utilização da Metodologia NEPSO foi desenvolvido em
São Paulo e no Rio de Janeiro no ano 2000. Os resultados positivos do projeto
permitiram sua expansão e atualmente a metodologia está presente em diversas escolas
de sete estados brasileiros, no Distrito Federal, na Argentina, Chile, Colômbia e México, e
também em Portugal.
De acordo com Montenegro e Ribeiro (2002) essa metodologia baseia-se na idéia
de que a pesquisa de opinião pode ter alto valor pedagógico, principalmente porque
permite a elaboração de projetos de trabalho, que podem ter caráter interdisciplinar,
também cria oportunidades para a escola pesquisar aspectos importantes da sua
realidade e de seu entorno e ainda possibilita a integração da escola com a comunidade,
pois a realização dos projetos de pesquisa promove a relação entre a escola e as
organizações locais.
Montenegro e Ribeiro (2002) apresentam no Manual do Professor as etapas
necessárias para a realização do trabalho e as orientações pertinentes a cada fase da
metodologia NEPSO a serem desenvolvidas pelos alunos, sob orientação do professor,
como segue: Definição do objetivo da pesquisa; Definição do tema e do foco; Definição
da população a ser pesquisada e da amostra; Elaboração dos questionários; Pré-teste
(para verificação da eficiência do questionário); Coleta de dados (Entrevistas, aplicação
dos questionários); Processamento dos dados (tabulação e gráficos); Análise dos
resultados (discussão e reflexão sobre eles); Apresentação e divulgação dos resultados;
Avaliação e Plano de Ação a partir dos resultados.
A implantação da metodologia NEPSO em Mauá, um dos municípios integrantes do
grande ABC se iniciou em 2003. A parceria entre a Secretaria de Educação e Cultura e a
Ação Educativa foi possível pela construção coletiva do Plano Municipal de Educação,
sob a coordenação do Conselho Municipal de Educação. Esta ação permitiu expressar as
propostas da comunidade, das escolas, dos educadores, dos agentes políticos e das
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instituições cidadãs abrindo caminho para uma gestão participativa. Vale sublinhar que
naquele momento o Plano pensava a gestão da cidade em sua complexidade com o
compromisso da realização da equidade social. O que se vislumbrava era a construção
de uma cidade que se organizava a partir de sua memória social. A educação se aliou a
cultura no propósito de tecer as redes sociais fortalecidas pela memória cidadã-local. Isto
foi possível pela visão das lideranças políticas daquele momento que projetaram uma
cidade democrática.
O cenário democrático da gestão municipal contribuiu para parcerias entre a
Secretaria de Educação e Cultura de Mauá e diversos projetos que se instalaram no
município entre 2003 e 2005, dentre eles o NEPSO. A implantação do NEPSO no
município de Mauá teve a participação ativa da equipe técnica pedagógica das escolas
que optaram por utilizar a metodologia, professores, coordenadores, diretores com a
assessoria da Ação Educativa. Uma das estratégias de suporte aos professores é a
participação na rede da Ação Educativa. Esta permite a todos a troca de experiências,
participação em congressos, capacitação e fomenta o diálogo contínuo.
Em 2006 surgiu a possibilidade de realizar uma pesquisa da trajetória do NEPSO
12
em Mauá. A Cátedra Prefeito Celso Daniel Gestão de Cidades , espaço criado em
2003 pela Universidade Metodista de São Paulo, voltado para o conhecimento e
estudo das cidades contemporâneas propôs a sistematização da experiência com a
13
metodologia NEPSO em Mauá atendendo ao edital de políticas públicas da FAPESP .
Um dos objetivos da FAPESP é apoiar projetos de pesquisa aplicada que visem a
produção e a sistematização de conhecimentos diretamente relevantes para a formulação
e a implementação de políticas públicas de significativa importância social, desenvolvidos
em parceria com as instituições responsáveis pela sua implementação, cujos resultados
tenham impacto no Estado de São Paulo (FAPESP, 2009)
Uma das exigências da FAPESP é o estabelecimento de parcerias. A Universidade
Metodista de São Paulo, a Secretaria de Educação e Cultura de Mauá e a Ação
Educativa, Assessoria, Pesquisa e Informação unem-se na construção coletiva da
pesquisa “Um Novo Direito à Cidade – Políticas Públicas Integradas: um estudo de caso
em função da experiência com a Metodologia NEPSO” aprovada na linha de Políticas
Públicas.
12.
Informações disponíveis em: www.metodista.br/catedracidades
13
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Informações disponíveis em:
www.fapesp.br
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No mês de março de 2008 foi oficializada pela FAPESP a aprovação da Fase II
dessa pesquisa. As atividades relativas à Fase II tiveram continuidade com o
compromisso firmado junto aos parceiros seguindo o Plano de Ação acordado entre os
pares apresentado no Projeto aprovado pela agência financiadora. A sistematização da
experiência dos três anos com a Metodologia NEPSO foi retomada objetivando a
construção dos conhecimentos e metodologia em
relação aos processos de
planejamento e monitoramento das Políticas Públicas Integradas, como novo direito à
cidade.
Posicionamento Metodológico
A Cátedra Pref. Celso Daniel de Gestão de Cidades da Universidade Metodista
entende que a ruptura advinda da construção de Políticas Públicas Integradas só é
possível a partir de uma nova ordenação social. Para que isso ocorra, um dos caminhos
é o rompimento da alocação do saber verticalizado, aqui entendido como aquele restrito
aos modelos clássicos legitimados na academia, para um outro aproximado da memória
e cultura social.
A Cátedra Gestão de Cidades entende que a memória exerce papel fundamental
ao propiciar lugares de reflexão14 – onde se dão as relações sociais - na construção
coletiva de novos saberes. Tais lugares e tais reflexões permitem rever posturas teóricas
dedutivas em que se evidencia a análise verticalizada que parte da leitura de
pressupostos já dados. Desse lugar tradicional, pleno de estereotipia, o suposto saber
parte de processos não participativos e passa a ser dirigido por uma razão instrumental
apresentando o risco de se constituir no saber de uma elite.
Essa nova/outra relação referida e desejada retorna ao cotidiano vivido pelos
diferentes atores da cidade como fonte segura da produção de um conhecimento que
permite a saída do engessamento dos manuais. Nessa perspectiva, se põe a pesquisa
qualitativa como caminho para construir e produzir conhecimento de forma tal que
permita a análise de aspectos subjetivos ao acolher a fala de diferentes atores envolvidos
na experiência, quais sejam: ‘Ação Educativa’, Secretaria Municipal de Educação e
Cultura de Mauá, da EM Cora Coralina e EMEJA Clarice Lispector (professores e
alunos).
Dada à singularidade da experiência, é possível aos sujeitos da pesquisa, em
determinado momento, se colocarem como equipe de pesquisadores uma vez que é ativa
14
Aqui empregado no sentido marxista de ‘lugar’.
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a sua participação no curso dos processos investigativos. Para isso, seus representantes
foram capacitados para lidarem com aspectos e elementos relativos à metodologia da
pesquisa científica. A riqueza que daí emerge mantém coerência com a experiência do
NEPSO - ‘Ação Educativa’, nas instituições escolares EM Cora Coralina e EMEJA Clarice
Lispector.
A metodologia utilizada nas escolas referidas possibilita espaço para exposição
dos anseios dos estudantes ao buscar entender a realidade e encontrar respostas para
os dilemas da vida cotidiana na cidade. Além disso, essa metodologia permite iniciativa
diversa ao possibilitar questionamentos e buscas autônomas por respostas, pois
assegura participação efetiva na construção da pergunta que norteará a elaboração do
instrumento da pesquisa de opinião. Essa experiência metodológica, já desenvolvida em
outro contexto, possibilita novas relações do saber e do poder quebrando a tradição da
verticalidade das relações da sociedade brasileira (CHAUÍ, 2002b). Aí se colocam
justamente a exigência de criação de uma metodologia capaz de acolher a novidade, de
trabalhar com conceitos, concepções e memória a fim de inverter prioridades e construir
modos efetivos e duráveis de sistematizar experiências que estão dando certo.
Assume-se, pois, uma trajetória teórico-metodológica passível de trazer à luz a
experiência vivida pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Mauá, EM Cora
Coralina e EMEJA Clarice Lispector na parceria com o NEPSO da ‘Ação Educativa’ ao
implementarem a metodologia participativa sob enfoque nos anos de 2003 a 2005.
Os materiais produzidos nos três anos de experiência das escolas - relatórios,
memória de participação em seminários de capacitação da Ação Educativa, textos em
revistas, participação em congressos, história oral dos diferentes atores - se constituem
em fonte documental, escrita e oral, da primeira fase da pesquisa aqui denominada de
“da ordem da evolução histórica do NEPSO”. O rigor que o procedimento exige recebe o
crivo de avaliação externa que juntamente com os sujeitos da pesquisa validaram os
resultados dos temas levantados e a pergunta norteadora da pesquisa aqui proposta.
Os resultados da análise vieram ao encontro com a produção científica acumulada
pela Cátedra Gestão de Cidades em torno das linhas Culturas da Cidadania na CidadeRegião e Qualidade e Sustentação das Gestões alimentadas pelos GTs de Ética Pública,
Serviços Prestados ao Público e Ação Cultural.
Dois teóricos dão suporte a utilização do Método Fenomenológico na primeira fase
da pesquisa, E. Husserl e Merleau-Ponty. O primeiro, considerado pai da fenomenologia
nos dá acesso a uma discussão sobre a produção do conhecimento para além da empiria
ao criar pressupostos básicos que permitem uma atitude fenomenológica na pesquisa
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científica. O segundo desenvolveu a fenomenologia da existência corpórea. Sua proposta
é que compreendamos a trama do comportamento não na situação artificial do
laboratório, mas na experiência vivida. Ao desenvolver a noção de estrutura (junção de
uma idéia e de uma existência inseparáveis), nos mostra que cada parte do corpo e das
dimensões do vivido só tem sentido atuando em conjunto com as demais. Entende o
organismo e o comportamento humano a partir de três níveis: o físico, o biológico e o
mental, enquanto graus de compreensão, mas numa relação de interdependência entre
eles e não de hierarquização.
A fenomenologia trata da descrição, e não da explicação ou análise (um tipo
específico de análise oriunda de Descartes que Merleau-Ponty opõe-se e faz severas
críticas). Ela é fundamentalmente uma metodologia da compreensão, no sentido de
abranger, englobar, conter facetas diversas de um fenômeno. A descrição não é um
retorno ao imediato, mas a sua compreensão. Embora o termo “descrição” seja utilizado
pelas várias ciências, aqui é utilizada com a conotação fenomenológica de desvelamento.
Tem-se como pressuposta uma disciplina no pensamento que proíbe a inclusão de
elementos explicativos, ou dedução rápida, que liguem aspectos do fenômeno em termos
causais. Para Merleau-Ponty (1971),
Esta primeira conotação que Husserl dava à fenomenologia
nascente, de ser uma “psicologia descritiva”, ou de retornar “às
coisas mesmas”, foi primeiramente o desmentido da ciência. Não
sou o resultado ou o entrecruzamento das múltiplas causalidades
que determinam meu corpo ou meu “psiquismo”(...) Tudo o que
sei do mundo, mesmo devido à ciência, o sei a partir de minha
visão pessoal ou de uma experiência do mundo sem a qual os
símbolos da ciência nada significariam (p.6).
Para Merleau-Ponty, não somos o resultado ou objeto das várias áreas, tais como
a sociologia, a biologia, a psicologia, mas somos o resultado da nossa experiência de
mundo. O mundo percebido é sempre um pensar que fundamenta toda a racionalidade,
todos os valores e toda a existência. Ainda que haja um mundo cultural que constitui um
segundo nível sobre a experiência perceptual, a percepção é a base fundamental que
não pode ser ignorada. Todo o produto da ciência é construído sobre o mundo vivido e,
para pensarmos a própria ciência, precisamos retornar a essa experiência de mundo.
Experiência de mundo que acontece por meio de um corpo pensante. É o corpo que se
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abre para as distintas dimensões da experiência em harmonia ou desarmonia com os
ritmos do acontecer cotidiano. Nesse acontecer, o corpo enquanto existência corpórea,
amplia a coexistência no ser-com-o outro em direção ao mundo.
Merleau-Ponty estuda o papel da expressão na constituição da realidade
interpessoal. O corpo expressa significados de várias formas além da escrita ou emissão
de sons – é o discurso gestual que já atribui sentido ao mundo.
Para ele, o empirismo reduziu nosso corpo a um simples mecanismo; o corpo
deixou de ser a expressão visível do nosso ser ao mundo e tornou-se máquina; a
subjetividade perdeu sua âncora e tornou-se consciência sem corpo, observando o
mundo. Nessa dimensão, o mundo deixa de colocar-se enquanto possibilidade de ser
interrogado. Não se abre o campo fenomenal, abertura para novas dimensões de mundo.
É, portanto, essencial que se rompa com a percepção não crítica e com os pressupostos
clássicos de determinado ser; é preciso voltar à experiência real do mundo e redescobrir
a dialética da experiência vivida mediante a qual nós mesmos, outras pessoas e coisas
passam a ser.
Podemos perceber a influência, no pensamento de Merleau-Ponty do clima
vivenciado no período da guerra e da resistência francesa. Ele relata que “a guerra e a
ocupação nos ensinou que os valores e os conceitos continuam sendo abstratos e que
eles não têm nenhum peso se não fizerem parte da infra-estrutura econômica e política
que possa recolocá-los no plano da existência” (1948, p.308). A solicitação do momento
histórico impôs o engajamento da fenomenologia francesa com a preocupação sóciopolítica (influenciada pela esquerda) que não havia com os fenomenólogos alemães. As
atenções voltaram-se para o pensamento marxista. A história assume um papel de
destaque em sua produção filosófica como mediadora da existência individual que passa
a ser vista como “coexistência”.
A preocupação de Husserl, ao propor o Método Fenomenológico, estava voltada
aos fundamentos, centrada na relação do sujeito consciente. Por isso é comum
encontrarmos a expressão “filosofia da consciência” em obras que analisam a
fenomenologia de Husserl. Ele propõe em seus escritos a intencionalidade do corpo. Este
é um dos temas mais importantes da filosofia do último Husserl.
Merleau-Ponty retoma os estudos de Husserl, em torno da obra e dos textos
inéditos que farão mais tarde parte da publicação Krisis, centralizando sua discussão no
corpo próprio. Alarga a compreensão afirmando que a intencionalidade é corporal,
perpassa o todo da existência concreta. Para ele, a intencionalidade não é só consciente
mas também pode ser latente, atuando mesmo que não a tenhamos tematizado. O
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nosso corpo não é massa, é um corpo carnal. A carne é o próprio do ser humano e
reveste-se de espírito (força viva que anima a carne fazendo-a humana). Daí a expressão
o corpo “encarnado”. O humano diferencia-se dos animais, pois a carne humana possui o
espírito. A dinâmica da carne é criadora e capaz de instaurar o novo a cada gesto
humano. O nosso corpo nos situa na relação espaço-temporal.
O que caracteriza a riqueza humana é a abertura para o horizonte de
possibilidades que se abre por meio do corpo encarnado. Corpo que traz intencionalidade
e significações e realiza a síntese do corpo próprio: espaço, tempo, movimento, conjunto
de sensações, numa indissociabilidade dessas dimensões. Síntese não como soma das
partes, mas a expressão de uma unidade que se dá no corpo próprio.
O corpo fala “silenciosamente”, mostrando-se nas situações cotidianas. A
compreensão do corpo próprio significa entender que estamos numa situação existencial
e ao mesmo tempo em relação com o mundo (a época em que vivemos, os espaços de
localização...). O corpo é limitado pelo tempo, pelo espaço, pelos limites do próprio corpo.
É o limite da condição existencial do ser humano.
Aproximando a discussão acima com o tema dessa pesquisa, pode-se dizer que a
investigação de uma experiência como a utilização da Metodologia NEPSO nas escolas
EM Cora Coralina e EMEJA Clarice Lispector passa pela apropriação de um humano que
se percebe como “corpo encarnado”. A transformação da aprendizagem de nova
metodologia como “letra”, para o concreto, passa pela possibilidade de viver a cidadania
e o direito à cidade. Não há como falar em cidadania, direito à cidade, sem ter a clareza
de que ela só vai deixar de ser um conceito, uma idéia, a partir do sentido e significado
encontrado no cotidiano por meio de um corpo que, na singularidade e pluralidade
humana, vivencia suas possibilidades e limites pelas condições do tempo histórico. Uma
das dimensões do corpo encarnado é a possibilidade do movimento, “a liberdade de
movimento é também condição indispensável para a ação, e é na ação que os homens
primeiramente experimentam a liberdade no mundo” (ARENDT, 1999, p.18). Pode
ocorrer que em momentos históricos o corpo encarnado se vê impedido de movimentarse. Podemos nos indagar, até que ponto a geografia da fome e da miséria não deixa o
ser humano na humilhante falta de liberdade que a pobreza impõe? Podemos citar como
exemplo, as situações presentes na guerra, em catástrofes etc. No caso brasileiro não há
como fugirmos da dura realidade que a má distribuição de renda impõe à maioria da
população. O corpo encarnado confronta-se com o limite da exclusão social e na maioria
das vezes com uma educação imposta de cima para baixo em que o indivíduo é passivo
no processo de sua própria formação e tem sua autonomia negada.
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Tentando romper com a pedagogia tradicional, em que alunos recebem conteúdos
sem relação com sua realidade e participam de um processo alienante assistimos a
capacidade de ação promovida tanto em alunos quanto professores na experiência
desenvolvida pela Ação Educativa nas escolas de Mauá. Toda a conquista dos diversos
segmentos envolvidos nesse processo não pode perder-se na ossificação de algo que
nasceu com a vitalidade do retorno ao concreto vivido, ou seja, a realidade do aluno, do
professor, passa a ser considerada no processo de formação de ambos.
O modo como esse processo ocorre exige o tempo do esclarecimento para
mostrar-se e, com isso, desvelar até que ponto a autonomia dos atores sociais podem ser
construídos com essa experiência. Diante desse desafio, empreendemos a tecitura deste
trabalho reflexivo que se entrelaça a própria experiência existencial dos pesquisadores
com essa questão.
Para organizar a explicitação da feitura da pesquisa se elucidam algumas questões
no que se refere à aplicação do Método Fenomenológico que se desdobra em
procedimentos que permitem a aproximação do fenômeno. São elas: método
fenomenológico, pesquisa participativa (ou pesquisa-ação), história oral de vida e diário
de campo. Por ter como horizonte três níveis de articulação quais sejam:
a) apropriação da Metodologia NEPSO como ponto de partida para a investigação
b) apropriação pelos auxiliares de pesquisa do Método Fenomenológico como
caminho escolhido na sistematização da experiência dos três anos da utilização da
Metodologia NEPSO nas escolas EMEI Cora Coralina e EMEJA Clarice Lispector.
c) a construção coletiva de análise qualitativa que permita a criação de uma nova
metodologia de transferência da tecnologia social com vistas a elaboração de políticas
públicas integradas e formação de quadros capazes de gestar esse processo junto as
escolas e municípios do Grande ABC.
O detalhamento de cada passo é fundamental à compreensão da pesquisa.
Inicialmente se coloca como é compreendido o Método Fenomenológico no contexto
desse estudo.
Sobre o método fenomenológico
O Método Fenomenológico propõe um retorno à “coisa mesma” como um caminho
que permite a compreensão da realidade em sua dinamicidade e a existência de um ser
humano que é atribuidor de significados. Pelo método e pelo referencial teórico adotado,
fenomenólogos (como Merleau-Ponty, por exemplo) serão utilizados como base para a
trajetória da pesquisa: a trama existencial deve ser estudada (e compreendida) na
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situação vivida sem, porém, buscar relacionar fatos em termos causais, mas sim desvelálos.
Merleau-Ponty ao retomar alguns estudos de Husserl, centraliza sua discussão no
corpo próprio. Afirma que muito mais que a consciência, o corpo também é intencional,
passando assim à se referir a experiência concreta. A carne significa que o corpo-próprio
humano é revestido de espírito, isto é, a força viva que anima a carne. Assim somos
entendidos como corpos “encarnados” e tal visão do ser humano propicia uma dinâmica
criadora e capaz de instaurar o novo a cada gesto humano.
Mas
este
corpo
encarnado confronta-se com o limite da exclusão, e apenas rompendo esse limite que
podemos nos mobilizar a conseguir mudanças significativas em nosso entorno.
O Método Fenomenológico é um convite ao exercício reflexivo que permite abarcar
o novo saber conforme produzido a partir da experiência e pode participar da construção
de novos paradigmas de produção de conhecimento. Para que uma análise
fenomenológica seja efetuada, os dados serão coletados com base na pesquisa-ação,
que parte do princípio de que pesquisa e intervenção ocorrem concomitantemente como
forma diferenciada de abordar um fenômeno; e com a técnica de história oral de vida, que
permite buscar na fala dos sujeitos elementos que possibilitem colher por meio da
narrativa a experiência vivida por aqueles que participaram em seu cotidiano da utilização
da Metodologia NEPSO nas escolas.
Analisando a construção da memória dos sujeitos, busca-se a raiz do fenômeno
estudado, sendo que a atuação dos atores sociais doa na forma de experiência concreta
da cidadania, novos horizontes para a elaboração de metodologias facilitadoras para a
gestão das cidades.
Pesquisa participativa e pesquisa-ação
A pesquisa participativa permite uma aproximação da complexidade das situações
sociais que se pretende estudar (THIOLLENT, 2000). Partindo de uma posição ética de
abordar um determinado fenômeno, a participação, o auxílio não-impositivo e a
devolução das informações ao interessados, compõem uma forma de emancipação. Esta
por sua vez, diz respeito à discussão e autonomia dos participantes. As pessoas não são
vistas como público-alvo, mas como atores em sua situação de vida e protagonistas de
sua história (THIOLLENT, 2000). Desta forma, a pesquisa é orientada em função de
princípios metodológicos participativos, no intuito de estimular a cooperação, o
comprometimento e a solidariedades entre as partes interessadas.
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Capacitar os atores sociais implica em permitir que eles participem da construção
do projeto de pesquisa e em seu desenrolar, buscando uma maior efetividade na
apropriação dos conhecimentos produzidos e formulações de possíveis soluções para os
problemas detectados (THIOLLENT, 2000; BRANDÃO, 1981). Logo, o propósito do
projeto, antes de tudo, deve ser significativo para os interessados.
A pesquisa participativa possui um lado mais instrumental, com procedimentos
sistematizados; e um lado ético, o qual não está em segundo plano, já que tal
metodologia visa à emancipação dos sujeitos (THIOLLENT, 2000). Este tipo de pesquisa
tem princípios semelhantes ao da pesquisa-ação e da pesquisa-cooperativa.
A pesquisa-ação é organizada de modo participativo, logo, também caminham
juntos neste tipo de pesquisa, o pesquisador e os membros do grupo implicados em uma
determinada situação prática ou social (THIOLLENT, 2000). Buscam-se com isso,
possíveis soluções e implementações de ações coletivas deliberadas. Diz respeito a uma
intenção de pesquisa e uma vontade de mudar; tem como objetivo resolver o problema
dos sujeitos da pesquisa, assim como o desejo de progredir no que diz respeito aos
conhecimentos fundamentais da pesquisa. É uma situação onde, pesquisadores e
pesquisados são sujeitos de um trabalho comum; ainda que com tarefas diferentes
(BRANDÃO, 1981). Pretende ser um instrumento a mais de reconquista popular já que se
assume o pressuposto de que nenhum conhecimento é neutro e de que nenhuma
pesquisa serve a todas as pessoas dentro de mundos sociais concretamente desiguais.
Os possíveis resultados obtidos com as pesquisas de cunho participativo se
referem a modos de resolução de problemas concretos encontrados no decorrer da
realização do projeto de pesquisa; conhecimentos validados pela experimentação
durante a realização da pesquisa; formação de uma comunidade capacitada, com
competências individuais e coletivas; e novos questionamentos para pesquisas e estudos
posteriores. (THIOLLENT, 2000).
Esse tipo de metodologia recebe influência da Fenomenologia no que diz respeito
à interpretação do sentido das ações e da intercompreensão entre atores e pesquisador
(THIOLLENT, 2000). Está voltada para os problemas da sociedade e reúnem as
seguintes condições: conhecer as demandas de um dado grupo social; conhecer quem
são os atores implicados, assim como seus interesses, situações, necessidades e visões
da transformação por eles desejada; conhecer as teorias vigentes relacionadas ao
assunto que se deseja pesquisar; e conhecer as mudanças que estão ocorrendo no
contexto onde a pesquisa se dá.
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A pesquisa-participante tem como um de seus objetivos questionar os princípios
ideológicos que sustentam a produção de conhecimento. Os autores citam o exemplo do
princípio de neutralidade que é negado pelos que praticam esse tipo de pesquisa.
Quando o pesquisador participa dos grupos que pesquisa, não deve considerar como
alguém que sabe mais; afinal, não há senão saberes diferentes (BORGES et al, 1986).
História oral
Segundo Meihy (2005), história oral é uma prática de apreensão de narrativas
feitas por meio do uso de meios eletrônicos e destinada a recolher testemunhos,
promover análise de processos sociais do presente e facilitar o conhecimento do meio
imediato. Constitui um conjunto de procedimentos que se iniciam com a elaboração de
um projeto e continuam com a definição de um grupo de pessoas a serem entrevistadas.
Segundo Meihy (2005), o uso sistemático do testemunho oral possibilita à história
oral esclarecer trajetórias individuais, eventos ou processos que às vezes não têm como
ser entendidos ou elucidados de outra forma: são depoimentos de analfabetos, rebeldes,
mulheres, crianças, miseráveis, prisioneiros, loucos. São histórias de movimentos sociais
populares, de lutas cotidianas encobertas ou esquecidas, de versões menosprezadas;
essa característica permitiu inclusive que uma vertente da história oral se tenha
constituído ligada à história dos excluídos. A história do tempo presente é a perspectiva
por excelência da história oral, legitimada como objeto de pesquisa e de reflexão. O
pesquisador recupera seu objeto de estudo por intermédio da memória dos informantes;
a instância da memória passa, necessariamente, a nortear as reflexões a cerca do
fenômeno estudado.
A história oral tem como pressuposto uma percepção do passado como algo que
tem continuidade hoje e cujo processo histórico não está acabado.
A presença do passado no presente imediato das pessoas é a
razão de ser da história oral. Nessa medida, ela não só oferece
uma mudança do conceito de história, mas, mais do que isso,
garante sentido social à vida de depoentes e leitores, que passam
a entender a seqüência histórica e se sentem parte do contexto
em que vivem. (MEIHY, 2005, p. 15)
A necessidade da história oral se fundamenta, segundo Meihy (2005) no direito de
participação social, e nesse sentido está ligada ao direito de cidadania. Como uma
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convocação para tudo e para todos, a história oral respeita as diferenças e facilita a
compreensão das identidades e dos processos de suas construções narrativas. Todos
são personagens históricos, e o cotidiano e os grandes fatos ganham equiparação na
medida em que se traçam para garantir a lógica da vida coletiva.
Meihy (2005) ressalta o caráter positivo, politicamente correto da história oral que,
por sua vez, promove a subjetividade humana, a inclusão social e a reavaliação de
pressupostos muitas vezes legitimados por repetições historiográficas.
A crescente busca de fundamentos para se pensar a sociedade tem suscitado
investigações em torno do passado imediato ou remoto dos indivíduos, o que propõe a
organização de projetos que reflitam sobre a trajetória de pessoas nas diversas
instituições ou grupos que integram. Assim como a necessidade de se entender as
histórias institucionais, onde os indivíduos isoladamente, se colocam como narradores de
suas histórias, garantindo significado tanto pela singularidade como pelo coletivo que
representam.
Algumas histórias pessoais ganham relevo na medida em que expressam
situações comuns aos grupos ou sugerem aspectos importantes para o entendimento da
sociedade mais ampla. Essas histórias, contudo, não podem ser generalizadas ou
consideradas típicas. Por suas características narrativas, elas são mais completas e
abrangentes pela capacidade narrativa ou pela coleção de fatos arrolados. (MEIHY,
2005).
História oral de vida
História oral de vida, para Meihy (2005), trata-se de uma narrativa do conjunto de
experiências de vida de uma pessoa, assim, o sujeito primordial dessa espécie de história
oral é o colaborador que tem uma maior liberdade para dissertar, o mais livremente
possível, sobre sua experiência pessoal.
Quando optamos por utilizar o relato de história de vida, nos vemos diante da
disputa de prioridades entre “texto” e “vida”, a qual já existe desde os primórdios das
pesquisas que envolvem esse tipo de relato. Tal noção resulta na falácia de que a
realidade social independe da experiência e da estrutura simbólica, implicando numa
busca unilateral pela realidade à qual supostamente o texto se refere. A função auxiliar
do texto desvaloriza a realidade deste como textura social primordial, ou seja, deixamos
de aproveitar o texto ou história de vida como realidade em si mesma. Segundo
Rosenthal (2002), a história de vida não é uma cadeia atomística de experiências, cujo
significado se cria no momento de sua articulação, mas sim um processo que ocorre
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simultaneamente contra o pano de fundo de uma estrutura de significado biográfica. Essa
textura de significado se transforma constantemente no “fluxo da vida”.
A ordem que se pode descobrir numa história de vida não é uma construção
subjetiva do indivíduo, nem um simples produto de modelos sociais prefigurados
objetivos, nem decorre de idéias ou fatos, mas é ocasionada pela “vida de experiência do
mundo”, ou seja, é a ordem da inter-relação primordial do “mundo” e do “eu”
(ROSENTHAL, 2002).
A História oral, identidade e dinâmica social
Em história oral, o “grupal”, o “social” ou o “coletivo” não corresponde à soma dos
particulares. A observância em relação à pessoa em sua unidade é condição básica para
se formular o respeito à experiência individual que justifica o trabalho com o depoimento.
Nesse sentido, a história oral é sempre social. Social, sobretudo, porque o indivíduo só se
explica na vida comunitária. Daí a necessidade de definição dos ajustes identitários e
culturais. (MEIHY, 2005)
Modernamente todos estamos submetidos, segundo Meihy (2002), a uma
“multiplicidade de pólos possivelmente identitários, que por sua vez sofrem alterações
devidas às influências das variações da cultura e das situações a que se submetem as
pessoas”. Os estudos que envolvem a utilização da história oral, inevitavelmente se
depararam com a questão da identidade, já que esta é um fator original, redefinido
mediante uma herança cultural ao qual é submetida à situações desafiadoras e que
sempre estará em constante processo de constituição.
Segundo Meihy (2005) as formas tradicionais de aferição de identidade remetiam a
pressupostos ligados à origem da pessoa ou do grupo. Há uma solidariedade mais ou
menos natural entre pares ou há alianças constituídas entre grupos afins. Nesse sentido,
a identidade dependeria sempre de um agente histórico e tem um núcleo imutável.
No mundo globalizado, surge a necessidade de se discutir o conceito de uma
identidade que se reorganiza conforme as necessidades situacionais vigentes na vida de
um indivíduo. A análise dos processos de reorganização de identidades ou identificação
em face das culturas de origem surge então como desafio. Meihy (2005) afirma que, a
história oral se mostra como mecanismo possibilitador desse estudo, pois permite a
intimidade e particularização dos processos de aceitação ou recusa dos novos valores a
serem apropriados pelos indivíduos.
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História oral e memória
O passado contido na memória é dinâmico como a própria memória individual ou
grupal. Enquanto a narrativa da memória não se consubstancia em um documento
escrito, ela é mutável e sofre variações que vão da ênfase e da entonação a silêncios e
disfarces. (MEIHY, 2005)
Segundo Meihy (2005), memória, imaginação e representação são bases que
sustentam qualquer narrativa sobre o passado e o presente. Neste sentido, a história oral
mantém um vinculo importante com a questão da memória, e vice-versa. A transposição
das narrativas da memória para qualquer disciplina acadêmica, no entanto, se dá na
capacidade de diálogo entre memória, a mediação da história oral e suas correlatas
irmãs. É a dinâmica da oralidade afirma Meihy (2005), que separa a história da memória.
É aí que se dá o papel da história oral como mediadora entre uma solução que se baseia
em documentos escritos (história) e outra (memória) que se estrutura, quase que
exclusivamente, apoiada na fluidez das transmissões orais.
Análise
A análise compreensiva busca fazer o diálogo entre as evidências encontradas na
releitura do relatório da fase I, leitura da literatura especializada, colóquios e seminários
realizados no âmbito da Cátedra Gestão de Cidades da Universidade Metodista de São
Paulo. A Cátedra é um espaço transdisciplinar que visa contribuir para o desenvolvimento
de uma cidade/região melhor para se viver. O trabalho coletivo de produção do
conhecimento proporciona reflexão e caminhos de ação para sustentar os projetos e as
políticas de gestão dos municípios. Nesse sentido, a pesquisa com a metodologia
NEPSO lança novos questionamentos na agenda de discussão dos pesquisadores e
gestores envolvidos na Cátedra.
A título de recuperação histórica, cabe destacar que a partir de seu lugar e sua
missão, a Cátedra Gestão de Cidades estabeleceu parcerias para a consecução do
Projeto de Políticas Públicas edital 06/52182-1. Na proposta aprovada pela FAPESP já
constava o desafio de trabalhar o tema das Políticas Públicas Integradas (PPIs) como
conceito, valor social e alvo de gestões capazes de se realizarem no interior das
diferentes realidades urbanas do Brasil e da sociedade em processo de globalização.
Dentro do projeto junto à FAPESP, um dos objetivos foi o de pensar a possível
contribuição da metodologia NEPSO (Nossa Escola Pesquisa Sua Opinião) para a
construção de uma cultura participativa e cidadã na escola. O lócus da pesquisa foi o
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município de Mauá, na região do Grande ABC paulista. Historicamente a cidade teve o
seu desenvolvimento e crescimento vinculado à expansão da capital paulista e,
particularmente, da expansão ferroviária e industrial promovido em seu espaço
metropolitano de São Paulo. Na última década tem-se verificado uma diversificação
econômica no setor de serviços na cidade, que conseqüentemente promove a atração de
trabalhadores para a região. Caracterizada como “cidade-dormitório”, Mauá tem mudado
sua “fisionomia” em razão desse impulso econômico causado por forças exógenas.
Nesse contexto, de economia mundializada, em que todas as formas de
informações chegam ao munícipe, as políticas públicas exigem cada vez mais espaços
no atendimento ao morador mauaense. À política de educação coube acompanhar esse
processo. Assim, a Secretaria de Educação e Cultura, articulada com a discussão localregional do Grande ABC, inicia o debate coletivo de construção do Plano de Educação
de Mauá, no ano de 2000.
É por meio da Secretaria Municipal de Educação e Cultura que chega à rede
municipal de educação de Mauá o Projeto NEPSO. Esse projeto foi direcionado para
duas escolas da rede: a Escola Municipal Cora Coralina, que atende ao ensino
fundamental regular, com algumas salas da Educação de Jovens e Adultos - EJA no
período noturno; e a Escola Municipal de Educação de Jovens e Adultos Clarice
Lispector, que atende ao ensino fundamental e ensino médio na modalidade EJA no
modelo semi-presencial nos três períodos.
O projeto chega em 2003 aos docentes dessas duas escolas da rede com as
oficinas realizadas pela Ação Educativa. A adesão dos professores é livre e voluntária,
assim como, a aplicação da metodologia NEPSO. Em resumo, buscava-se permitir
reflexões em torno do protagonismo social, ao potencializar novas experiências na
relação saber-poder. Recolocam-se, por exemplo, outras formas de dialogar com a
comunidade, com o terceiro setor, com a gestão pública e com a universidade, bem
como garantem a memória cultural da cidadania na construção das políticas públicas
(FREY, 2007; RIBEIRO, 2008), todos elementos fundamentais para PPIs.
Nas discussões sobre as PPI, a pesquisa que é apresentada neste estudo
dialoga com vários elementos importantes para a construção de uma nova relação com
a cidade. Em relação à governança, por exemplo, um dos temas que se destaca no
presente debate sobre uma nova administração pública e gestão das políticas, a
pesquisa se aproxima da discussão da estrutura de rede como princípio básico de
organização (FREY, 2007, p. 138). A respeito dessa relação entre governança e rede,
Frey expressa “o reconhecimento da necessidade de ampliação do número de atores a
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serem envolvidos na gestão pública impulsionou novas formas de articulação políticoadministrativa”. Continua dizendo que ocorreu uma mudança substancial com a
abordagem da governança pela ênfase que se dá “à gestão compartilhada e
interinstitucional que envolve o setor público, o setor produtivo e o crescente terceiro
setor” (FREY, 2007, p. 7). Para o autor a questão da governança pode ser abordada a
partir da lógica das necessidades administrativas promovida pela retração do Estado em
decorrência das políticas neoliberais ou “sob a bandeira da emancipação social e
política” (op.cit., p. 138).
Os modelos de governança podem ser baseados em redes de atores com novos
canais de participação capazes de fazer frente à abordagem do “Banco Mundial ou a
OECD da good governance, em que a ênfase está na criação de condições de
governabilidade e na garantia do funcionamento do livre jogo das forças do mercado.”
(op.cit. 2007, p.139).
Ribeiro (2008, p. 6) apresenta um debate sobre o papel das
universidades, sindicatos e ONGs na implementação das políticas educacionais em que
expressa que “é tão importante que um gestor invista na construção de alianças amplas
entre agentes da própria rede e de seu entorno, de modo a construir a sustentabilidade
da política”. Destaca que os diferentes atores precisam chegar a consensos,
transformando-os em metas a serem alcançadas e monitorar os resultados da gestão
pública. O papel da sociedade civil deve ser de cobrança sobre os aspectos mais
estruturais da política.
No contexto dessa pesquisa o conceito de governança é entendido como
compartilhamento governamental dos poderes públicos associados aos arranjos
produtivos e aos movimentos sociais. Suas disputas, suas buscas de consenso e suas
tomadas de decisão instituem na governança tanto a transformação do estado
local/regional quanto a efetiva contiguidade entre habitantes e cidadania, contrapondo-se
às forças do mercado. A Academia, ao fazer a parceria para a pesquisa, tanto aprende
com as novas experiências quanto se constitui suporte dos desejos e aspirações sociais.
Para isso, as culturas da cidadania são incorporadas pelos diferentes atores sociais e
suas expressões culturais. As disputas e enfrentamentos decorrentes constroem um
acúmulo simbólico capaz de provocar mudanças na qualidade de vida em uma
perspectiva integradora. Na sociedade fragmentadora da vida pública e, portanto,
inclinada aos favores e clientes, a construção e a manutenção de Políticas Públicas
Integradas implicam um novo direito à cidade.
Os organismos regionais de governança compostos por representantes dos
poderes político, econômico e social têm como objetivo definir critérios comuns para a
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governança das cidades que representam e desta forma fortalecer seu processo de
desenvolvimento e sustentabilidade que, por sua vez, estão associados às culturas de
cidadania. No caso brasileiro, o Consórcio Intermunicipal Grande ABC, em São Paulo, é
um exemplo de governança regional, fruto da vontade de representantes dos poderes
existentes nas sete cidades que compõem a região do ABC, entre elas a cidade de Mauá
local desta pesquisa.
O Consórcio surge na década de 90 em reação à crise decorrente da fuga das
montadoras de automóveis que sustentavam a economia da região. A materialidade do
Consórcio se constitui de um documento diagnóstico discutido como planejamento
regional para 10 anos, procurando nortear o cenário futuro, o cenário desejado para a
região, definindo eixos estruturantes: educação e tecnologia; sustentabilidade das áreas
de mananciais; acessibilidade e infra-estrutura; diversificação e fortalecimento das
cadeias produtivas; ambiente urbano de qualidade; identidades regionais e estruturas
institucionais e, por último, inclusão social.
O eixo educação e tecnologia é o que estabelece de forma mais direta diálogo
com a pesquisa realizada com a metodologia NEPSO em escolas públicas de Mauá. Ele
contempla a garantia de uma educação básica de qualidade (infantil, fundamental e
média), regular e supletivo; acessibilidade do ensino profissionalizante e superior;
caracterização do Grande ABC como pólo tecnológico; garantia e intensificação de
políticas públicas relacionadas à oportunidade do ensino básico infantil, fundamental e
médio. A educação vista como caminho à formação de capital social.
O Banco Mundial em suas análises apresenta quatro formas básicas de capital,
são elas: o natural, o construído, o humano e o social. Nas palavras de Kliksberg (2003,
p. 116ss) “o capital natural é constituído pela dotação de recursos; o capital construído é
gerado pelo ser humano que inclui infra-estrutura, bens de capital, financeiro, comercial;
o capital humano é determinado pelos graus de nutrição, saúde e educação de sua
população, e o social é descoberta recente das ciências do desenvolvimento”.
Há uma relação intrínseca entre os diferentes capitais. Para que o humano seja
visto em sua totalidade, é necessária a articulação entre os aspectos da infra-estrutura,
bens de capital financeiro, saúde, habitação entre outras necessidades para uma vida
digna. A opção por destacar o social se dá pela exigência de articular novos aspectos
não contemplados anteriormente no tema desenvolvimento, pois o foco hegemônico foi o
econômico (KLIKSBERG, 2003, 2007). Restringe-se assim a ênfase ao capital natural,
construído e humano. Ater-se ao capital humano, e mais precisamente ao social, é
novidade nas análises sobre o desenvolvimento local-regional.
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Temos em Putnam (2002) um dos iniciadores no estudo do capital social. Seus
estudos na Itália apontaram para o papel que o capital social possui para o desempenho
institucional. A obra de Putnam é referência no campo por trazer uma análise com dados
empíricos, apontando para algumas características presentes na Itália do Norte que
permitiram a construção de um desenvolvimento diferenciado da Itália do Sul. Entre eles,
a qualidade do desempenho institucional do Norte foi garantida pela participação
qualificada dos diferentes atores sociais. Há um aspecto que se destaca nesse processo
da comunidade, pois se verificou que ela é retroalimentada pelo comportamento cívico
dos cidadãos. O grau de confiança, a reciprocidade, o respeito permeiam o tecido social
fortalecendo a auto-estima coletiva. A experiência do associativismo foi fundamental por
solicitar a capacidade de ouvir o outro nos processos de participação social, na busca de
consensos e na articulação dos poderes social, político e econômico às decisões que
levaram a Itália do Norte à qualidade do governo e ao seu desenvolvimento diferenciado.
Kliksberg (2003) apresenta vários autores (PUTNAM, 1994; COLEMAN, 1990;
NEWTON, 1997; BULLEN & ONYX, entre outros) que têm construído conceitualmente a
compreensão do que se entende por capital social. Para Kliksberg, “capital social” ainda é
um conceito que não possui uma definição consensualmente aceita. Nessa linha, Bridger
e Luloff (2001) concordam com Kliksberg ao estudarem a construção de comunidades
sustentáveis. Esses autores estudaram a participação nos processos de decisão
apontando as numerosas barreiras a serem vencidas. Destacaram a importância do
diálogo entre pesquisadores e políticos para criar mais comunidades sustentadas pelo
crescimento do estoque local do capital social. Concluíram que antes do capital social ser
endossado como componente central da política pública, muito trabalho precisa ser feito
em termos de desenvolvimento de uma definição mais precisa do conceito “capital
social”.
Kliksberg elabora um exercício reflexivo onde apresenta as convergências,
divergências e limites dos diferentes autores que estão trabalhando na delimitação do
conceito de “capital social”. Em sua revisão, retoma a interpretação de Kenneth Newton
que define “capital social como um fenômeno subjetivo, composto de valores e atitudes
que influenciam as pessoas a transcender relações conflituosas e competitivas para
conformar relações de cooperação e ajuda mútua” (KLIKSBERG, 2003, p. 117).
De certa forma, em todos os autores se evidenciam características pessoais,
grupais e coletivas que se circunscrevem ao desenvolvimento de uma subjetividade
construída na experiência objetiva em processos de participação social. Nessa
experiência desenvolvem-se capacidades como a de ouvir, respeitar, buscar consensos
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com vistas à construção do bem comum. Características distintas do discurso
hegemônico das competências necessárias à competitividade do mercado, onde as
relações são demarcadas pelo interesse privado em detrimento da coletividade. Ao
contrário, nos estudos em torno do tema do capital social aparecem a solidariedade, as
relações horizontalizadas, a identidade social e coletiva fortalecida pelos laços de
pertença evidentes nas expressões culturais e na coesão social. Como observa Dowbor,
“no espaço adensado urbano, as dinâmicas da colaboração passam a predominar... as
pessoas passam a se identificar como comunidade, a administrar conjuntamente
problemas que são comuns... aprender a colaborar se tornou suficientemente importante
para ser classificado como um capital, uma riqueza de cada comunidade, sob forma de
capital social” (2006, p. 4).
A releitura dos resultados da fase I apontam para a proximidade com o tema
“capital social” e para construção de uma delimitação conceitual que se abre à melhor
análise da experiência. Na análise, apesar das contradições acarretadas pela
desigualdade, pela precarização das relações de trabalho e pelas novas crises da
alimentação e da ecologia mundial, há sinais de resistência aos modelos tecnocráticos
por meio da apropriação das experiências associadas à participação social, de que
podem resultar novas proposições políticas e administrativas como se vê nos relatos:
(...) Ele resolveu investigar por conta própria, fora da escola,
“deixa eu ver lá onde eu trabalho a opinião deles”. R3.
A partir do momento em que o professor e o aluno saem pela
comunidade e pela própria escola, na hora em que deixamos as
quatro paredes da sala, [o ensino] toma outra dimensão. R11.
Foi uma coisa que envolveu bastante os alunos. Nós tivemos
visitas do prefeito que assumiu naquela época. Ele foi questionado
pelos alunos sobre o acervo da biblioteca, porque depois que eles
conheceram
a
biblioteca
municipal,
ficaram
um
pouco
decepcionados, porque eles esperavam encontrar “aquela”
biblioteca.R3
A experiência com a metodologia NEPSO mostra-se facilitadora à participação
social, entre outros aspectos, contribui para o protagonismo necessário a um
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desenvolvimento que supera aspectos estritamente econômicos; aponta para superação
de um tipo de planejamento focado unicamente na qualidade e sustentação da cidade
região e se esquece das diferentes culturas cidadãs.
O caso brasileiro da formação das denominadas regiões metropolitanas é um
exemplo da prática de planejamento citada. Esse processo de formação teve início
durante o período da ditadura militar brasileira (1964-1984).15 Os enfrentamentos dos
problemas regionais associados ao discurso da prosperidade surgem como tentativas de
solução por meio da criação das Regiões Metropolitanas. Esse processo ganha corpo no
texto da Constituição de 1967 que traz em seu artigo 164: A União, mediante Lei
complementar, poderá, para realização de serviços comuns, estabelecer Regiões
Metropolitanas constituídas por municípios que, independentemente de sua vinculação
administrativa, façam parte de uma mesma comunidade sócio-econômica.
Por essa lei, estava estabelecido que a União detinha a competência de
determinar a criação das Regiões Metropolitanas. Em 1973, a primeira regra específica
foi aprovada (Lei complementar n° 14) para normatizar essas regiões. Por essa lei, a
participação dos municípios nas chamadas Regiões Metropolitanas foi compulsória. Essa
obrigação desconsiderou quaisquer movimentos existentes e anteriores de articulação e
gestão regional. Como exemplo dessas iniciativas, Cardoso e Zveibil (1996) apontam as
iniciativas do Estado de São Paulo que criou, em 1967, o Grupo Executivo da Grande
São Paulo (GEGRAM) para estudar o tema da metropolização.
A gênese da metropolização ocorre a partir de marcos regulatórios, os quais
prescindem da participação dos diferentes atores de forma democrática. Esse início se
desdobra no distanciamento da vida cotidiana e das reais necessidades da população,
que podem ser apreendidas por meio da participação. Os métodos do planejamento
regional responsáveis pelo desenvolvimento levaram em conta a demarcação do Banco
Mundial na década de 70, que tinha a regionalidade como um dos critérios para financiar
projetos de desenvolvimento. Nessa época, o Banco Mundial assumiu em seu discurso o
desenvolvimento apenas em seu aspecto econômico. Posicionamento revisto na
atualidade, visto que acompanha o novo debate no campo do desenvolvimento, o qual
supera o pensamento econômico convencional ao propor o reexame das relações entre
cultura e desenvolvimento (KLIKSBERG, 2002).
A experiência da organização das Regiões Metropolitanas demandadas por uma
pauta externa à realidade local de São Paulo e do Brasil traduz a negação das
15
Neste passo, o texto recupera a reflexão feita em conjunto por Dagmar Castro, Anderson
Nascimento e Luiz Roberto Alves em trabalho acolhido para apresentação no encontro nacional da
ANPAD, setembro de 2008.
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experiências vividas pelos diferentes atores com suas histórias pessoais e coletivas. Com
isso, perdem-se os potenciais que as comunidades oferecem para favorecer o
desenvolvimento econômico e social. Desgarrada da vida sócio-comunitária, a proposta
original da metropolização de São Paulo se desdobra hoje, a duras penas, em
articulações que vitalizam as regiões a partir de um planejamento que busca integrar
governo e comunidade. Esse movimento surge em busca da superação das ações
anteriormente desarticuladas.
Diferentemente da região metropolitana, coloca-se como um dos resultados da
pesquisa com a metodologia NEPSO nas escolas de Mauá as experiências pela visão da
“concertação social, que incluem as culturas da cidadania juntamente com os laços da
qualidade e sustentação da cidade-região. Nas palavras de Dowbor (2002, p.2), “o
essencial é essa atitude de considerar que as crianças podem e devem se apropriar,
através de conhecimento organizado, do território onde são chamadas a viver, e que a
educação tem um papel central a desempenhar neste plano”.
A educatividade que inicia-se no processo e construção da pesquisa de opinião na
sala de aula vai constituindo aos atores a experiência objetiva da negociação, da
reciprocidade, do respeito ao diferente e diverso. A metodologia NEPSO exige que todos
participem da escolha do tema, aproxima cada um da sua realidade e pauta a mesma
como figura em torno do qual construir-se-á o conhecimento pessoal e coletivo nas
diferentes matérias. A experiência de buscar o consenso em sala de aula leva à visão da
“concertação social” como necessária à construção do espaço comum. Pode-se ilustrar a
experiência com a metodologia NEPSO, que leva ao protagonismo social com as
seguintes pesquisas: Desvelando o Universo Africano; Nosso futuro, Nossos Sonhos; O
atendimento do hospital Nardini está assim! E a sua saúde como está?; Tesouros do
Brasil – Tamanduateí, patrimônio cultural de Mauá; Cartas: é coisa do passado?
Essas pesquisas foram escolhidas para aprofundamento dos pesquisadores
acerca da experiência com a metodologia NEPSO com vistas ao diálogo com o acúmulo
da Cátedra Gestão de Cidades. A partir do estudo do processo desencadeado por essas
pesquisas, foram levantadas as categorias que estabelecem diálogo com o tema das
políticas públicas integradas como novo direito à cidade. Por exemplo, a pesquisa do
Hospital Nardini, que é uma referência em Mauá, resultou em processo judicial. Já a
pesquisa sobre biblioteca resultou no diálogo com o prefeito acerca das precárias
condições da mesma e entrega de documento solicitando a intervenção do governo.
Foram enviadas cartas à população, realizadas atividades fora da escola e abaixoassinado.
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Em todos os trabalhos, foram descobertos condicionantes de gênero/diversidade
etária dos envolvidos nas pesquisas e seus resultados. Os alunos-pesquisadores
aprenderam o modo como se olha uma pesquisa de opinião; tomaram consciência do uso
dos meios de comunicação de massa nos jogos de poder; ampliaram a consciência
ambiental muito além do que apenas preservar o rio. Essas descobertas cotejadas no
dia-a-dia da escola vão alimentando o sentimento de pertença à cidade. De moradores
passam a ser cidadãos pela leitura de mundo enraizada na realidade de Mauá, agora
vista pela carência de políticas públicas de saúde, educação, lazer, transporte.
Demandas que partem do cotidiano vivido na cidade dividida entre os que têm acesso
aos bens e serviços e aqueles que vivem na precariedade.
Rememorando, as políticas públicas são compreendidas como conceito, valor
social e alvo de gestões capazes de se realizarem no interior das diferentes realidades
urbanas do Brasil e da sociedade em processo de globalização. A governança requer a
efetiva contiguidade entre habitantes e cidadania com vistas ao compartilhamento
governamental dos poderes públicos associados aos poderes econômico e social. A
experiência de Mauá imbrica no repensar o conceito de PPIs ao trazer a história das
mulheres, crianças, jovens e demais atores que descobrem seu lugar na cidade possível
e desejada. Envolvem-se nos processos participativos que visam a construção das
políticas. A vitalidade da experiência propõe que não basta a inversão de prioridades
para garantia que as Políticas Publicas sejam Integradas. Os diferentes atores precisam
qualificar sua participação nos processos por meio da aprendizagem dos jogos
democráticos, da escuta e da fala competente.
A releitura dos resultados da fase I, agora aprofundados pela reflexão dos projetos
citados, mostra o caráter formador de nova cultura cidadã, em parte promovido pela
utilização da metodologia NEPSO, estabelecendo uma relação com aquilo que os autores
têm pesquisado acerca do capital social como elemento necessário ao fortalecimento da
democracia participativa. Especialmente após a Constituição de 1988, que abre espaço
no artigo 29, incisos XII e XIII:
O Município reger-se-á por lei orgânica (...) atendidos os
princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição
do respectivo estado e os seguintes preceitos: (...)
cooperação
das
associações
representativas
no
planejamento municipal [e] iniciativa popular de projetos de
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lei de interesse específico do município, da cidade ou de
bairros...16
A ação dos alunos, professores e demais partícipes do processo de pesquisa de
opinião NEPSO os coloca como atores sociais da cidade produzindo experiências
cumulativas de novos sentidos que agregam valor às culturas da cidadania, articulando
elementos fundamentais para políticas integradas e integradoras necessárias ao
desenvolvimento sustentável. Tais políticas, a despeito das várias tendências políticas e
metodologias científicas pelas quais são analisadas, quando vividas no universo concreto
da cidade, potencializam ações compartilhadas, abrangentes, com visão de futuro,
desdobradas em processos de controle e avaliação social que levam a necessários
aperfeiçoamentos como é possível ver na análise das pesquisas.
A constatação de que quando se apresenta uma fala embasada em dados – o
instrumento pode ser refinado (no caso anterior era a pesquisa feita pelos jovens), se
mostra objetivamente com números o que se conhece, mas não havia sido medido ainda.
Essa é a linguagem que o poder público e outros atores acolhem por dar visibilidade
objetiva a realidade circundante. Essa é uma contribuição do NEPSO que vai além da
proposta inicial, pois a preocupação maior é o processo e não o instrumento. Ainda
assim, isso pode ser olhado mais atentamente como contribuição para dar espaço à
construção do conceito das PPI.
Exemplo de Capão Bonito – apresentação dos seminários resultado da
participação com a metodologia NEPSO. Os temas: jovem e saúde, jovem e trabalho etc.
Na apresentação da pesquisa avaliando o serviço de saúde (o resultado deu que era
muito ruim; os equipamentos foram considerados bons, a parte tecnológica etc; o que era
ruim era o atendimento, as pessoas atendiam mal). No dia da apresentação estava a
secretaria da educação. Quando ela viu os resultados ligou para o seu filho que era da
secretaria da saúde (não sabíamos disso). Ela ligou para o filho e o chamou – chefe da
pasta não sabia da situação da saúde no lugar.
Dessa forma, como indica Comparato (1987), assume-se que a educação não é
neutra e terá de revelar princípios e valores que a direcionam. Tal pressuposto se torna
central dentro de um quadro econômico e político que se estabeleceu com a hegemonia
do mercado (ALVES, 2008), em meio à ampliação dos discursos sociais rumo a novos
modos de exercício da economia, ao implemento da ação educativa, à defesa ecológica e
à participação nos projetos de reestruturação urbana (FREY, 2007). Note-se, porém,
16
MELO, C.Ranulfo e SÁEZ, Manuel A. (orgs.) A Democracia Brasileira. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2007, p.407.
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que esses projetos de reestruturação, em muitos casos, se aliam aos jogos do mercado
interferindo nos rumos que a educação poderá tomar. Comparato (1987) já apontava
para o predomínio “da tecnologia... o saber para o fazer” (p. 89). Continua o autor
chamando a atenção para a responsabilidade da tarefa educacional no sentido político de
formar os cidadãos para a vida democrática; democracia tendo a igualdade (política,
econômica e social) como valor e elemento fundamental para a dignidade da pessoa
humana.
A produção de novos sentidos, resultante das discussões iniciadas em sala de
aula, a partir das pesquisas com a metodologia NEPSO, aproxima os diferentes atores da
realidade local-regional do Grande ABC, que é o próprio retrato do Brasil e do mundo
nessa configuração tensionada pelas mudanças no mundo do trabalho. Esse mundo do
trabalho que se revela nas preocupações dos alunos na pesquisa Nosso futuro: nossos
sonhos que traz como central a questão profissional, a colocação no mercado e a
educação com o caminho para essa realização.
Para melhor situar o resultado da pesquisa cabe notar que Mauá é uma das sete
cidades que compõem o Consórcio do Grande ABC e participa com as demais dos
dramas vividos agudamente nos anos 90 que são intensificados pela atual crise mundial.
A retomada do relatório da Fase I alarga a compreensão da metodologia NEPSO como
criadora de novo sentido ao trazer para a sala de aula a confluência da relação trabalhoeducação-cidadania.
A partir das pesquisas de opinião estimulou o intercâmbio entre as escolas, das
escolas com o entorno, do entorno com a cidade de Mauá, integrante do Grande ABC
como micro-região formada nas culturas do trabalho com memória e experiência forjadas
no enfrentamento da relação trabalho-capital.
Há no conteúdo das pesquisas desenvolvidas pelos alunos o resgate de questões
e preocupações de culturas do trabalho particulares. O Grande ABC paulista, uma
microrregião sudeste do espaço metropolitano de São Paulo de 742 km2, com cerca de
dois milhões e quatrocentos mil habitantes por sete cidades, coloca-se na rota de
passagem entre o litoral e o planalto. A região somente é descoberta como lugar auxiliar
ao projeto de desenvolvimento de São Paulo a partir do fluxo de imigrantes iniciado em
1877 e do estabelecimento da linha ferroviária pelos ingleses, na mesma época, ligando
São Paulo ao porto marítimo de Santos.
Pela ótica de sua história cultural, a região cruzou três ciclos e se encontra, hoje,
no quarto período histórico-cultural. O primeiro ciclo pode ser entendido como o das
passagens, pois foi caminho das mercadorias e produtos naturais para o primeiro ciclo de
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intercâmbio comercial dos séculos XVIII e XIX (ALVES, 2008). Nesse período se
materializa a importância estratégica da região, que começa a atrair imigrantes. O
segundo ciclo encarna a construção da identidade industrial, associada à autonomia
política das diversas "urbes", concluída nos anos 50 do século XX. Consolida-se nesse
ciclo a simbolização do espaço inquieto, reivindicador, berço de movimentos sociais e
políticos, que ajudariam sobremaneira a garantir a redemocratização do Brasil nos anos
70 e 80. O terceiro ciclo foi o do conflito agudo entre capital e trabalho, concluído no início
dos anos 90, que sinalizou intensas perdas sócio-urbanas enquanto ajudou o Brasil a
construir sentidos para a cidadania e a participação social, acumulando valores para a
criação dos novos consensos da sociedade micro-regional, inserida já no quarto ciclo, em
processo acelerado de globalização e suas conhecidas consequências.
A despeito da difícil situação do trabalho e da empregabilidade, dos riscos de
perda das identidades urbanas das sete cidades em mudança, dos lentos progressos da
educação da juventude e sua profissionalização e das crises dos antigos “clusters”
regionais, os acordos atingidos já saíram do papel, a sociedade organizada mantém-se
vigilante, novos instrumentos para apoio ao trabalho, ao micro-empreendimento e à renda
familiar já foram implementados (exemplo: os denominados Bancos do Povo e os postos
avançados do BNDES), algumas cidades descobrem sua vocação turística, como
Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, outras reorganizam seus espaços por meio de
eixos de urbanização de vocação múltipla (Santo André e São Bernardo do Campo) e
aceleram-se projetos de renda mínima das famílias. É possível, inclusive, ao construir
uma espécie de resumo da história recente do Grande ABC, pensar em outras
identidades, que passam necessariamente por outra "hora da verdade" regional, diversa
da vivida nos anos 90, tempo de impasses e decisões.
A hora da verdade das pessoas e instituições é sempre um ponto de encontro
diante dos desafios. Certamente não se trata do encontro entre o verdadeiro e o falso,
mas de um momento de consciência da história e talvez de reconstrução de projetos,
quer pessoais, quer coletivos. Por essa razão, a metodologia proposta propicia
aprendizagens significativas a partir do desenvolvimento das etapas de uma pesquisa de
opinião. Graças ao trabalho conjunto de educadores e educandos na pesquisa os sonhos
do possível e desejado saem da tabulação dos resultados em sala de aula e trazem o
enfrentamento da cidade-região na dimensão do trabalho, da empregabilidade, na
profissionalização e exigência da educação.
Os
resultados
tomados
como
elucidadores
dos
anseios
da
juventude,
reconhecidos por meio de expressões reveladoras de que o mais importante para o futuro
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é o trabalho, ter uma profissão e uma boa educação, apontam para a tensão constante
entre o possível e o desejado no dia-a-dia de uma população que sofre as agruras do
processo perverso da globalização. Portanto, a escola se torna uma das possibilidades
para alcançar colocação profissional.
Para resumir esta análise preliminar, vale destacar que, desde o início do
trabalho, a pesquisa é realizada juntamente por professores e alunos passando por todas
as etapas. Propicia-se, dessa forma, condições para que o aluno, com o auxilio do
professor, seja autor de seu próprio aprendizado, possibilitando também a utilização do
universo e conhecimento prévio como base para a contextualização do processo ensinoaprendizagem.
No decorrer desses anos de projeto, observa-se que o NEPSO, além que ajudar
na contextualização dos conteúdos escolares, auxilia no desenvolvimento de habilidades
linguísticas e matemáticas, permite o desenvolvimento de trabalhos colaborativos em
grupo, promove o exercício de diálogo, escuta e consenso, e facilita a maior integração
entre a escola e seu entorno.
A pesquisa educativa de opinião é instrumento para os educadores que querem
trabalhar na perspectiva da inovação e enfrentar o desafio de construir uma escola que
produz conhecimentos sobre si mesma, sobre a sua comunidade, sobre como interferir
nos fenômenos educativos. Esse tipo de pesquisa envolve a diversidade de pontos de
vista e a busca de explicações através de uma série de procedimentos de investigação,
realizados por meio de trabalho coletivo, propondo atividades pedagógicas centradas nos
professores e alunos, como sujeitos do processo educativo. Possibilita, assim, a
construção de experiências de prática escolar que concretizam os princípios da
contextualização de conteúdos, integração de disciplinas, valorização da iniciativa e
autonomia dos jovens, cidadania e participação, afirmados nessas orientações, criando
possibilidades de inovação do trabalho pedagógico que ultrapassa os muros escolares,
criando nova cultura cidadã.
As necessidades, desafios e ações da ação pedagógica devem considerar que o
principal objetivo da ação apareçam na reflexão e na práxis das propostas pedagógicas
que efetivamente estejam voltadas ao desenvolvimento das crianças, dos jovens e
adultos, a fim de concretizá-la.
O grande desafio a ser superado é o enfrentamento da resistência ideológica em
relação às mudanças fundamentadas no individualismo. É preciso, dessa forma, superar
o corporativismo ainda existente e, sobretudo, na transformação interna que cada um
dos atores necessita realizar.
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A superação desses entraves significa, mudar os rumos para uma relação
profissional; superar as posições individuais; superar as conveniências e introduzir novas
formas de ação, ou seja, uma Educação Social Transformadora como parte integrante do
Projeto Político Pedagógico das escolas estudadas.
Para estabelecer uma práxis transformadora, isto é, a articulação de teoria e
prática que direcionem para a contribuição na formação de um cidadão ético
comprometido com o desenvolvimento humano e solidário, exige-se maior ousadia e
maior competência técnica, como também daqueles que dispõem de alguma ação para a
mudança de comportamentos ou hábitos atrasados.
Dessa forma, Paulo Freire (2005), destaca a postura do educador e da formação
do cidadão, essenciais em qualquer processo educativo. Assinala o autor que “sem uma
forte convicção política, sem discurso democrático cada vez mais próximo da prática
democrática, sem competência científica nada disto é possível” (p. 127)
A Secretaria Municipal da Educação de Mauá, ao fazer parceria com a ‘Ação
Educativa’ para a utilização da metodologia do Projeto NEPSO – Nossa Escola Pesquisa
Sua Opinião, constitui espaços educadores e formadores de subjetividades, garantindo a
memória cultural da cidadania na construção das políticas públicas. Recolocam-se
outras formas de dialogar com a comunidade, com o terceiro setor, com a Universidade
e a gestão pública. As parcerias são apontadas por Ribeiro (2008) como necessárias ao
enfrentamento atual e asseguramento da construção participativa das políticas públicas.
Na discussão sobre esse tema a ênfase dada circunscreve-se na necessidade que o
gestor invista na construção de parcerias entre agentes da própria rede e do entorno,
para garantir a sustentabilidade da política que visa a melhoria da educação. Karl
Manheim em seu estudo da sociedade contemporânea (1967) apresenta uma leitura
crítica da estrutura da crise e aponta para a necessidade de abrir-se ao novo mantendose o que há de bom nas experiências passadas. Em sua análise aponta para o que é
mais estrutural e fundante para o modo que a sociedade se encontra. Faz uma distinção
entre mudança social e desintegração. Elucida que há equívocos em se alocar processo
de mudança social como desintegração. Essa última entendida como o enfraquecimento
gradual da estrutura social vigente e das forças que a sustentam. Ilustra com o exemplo
do desemprego ocasional que seria etapa de um ajustamento ao desemprego crônico
como sintoma de desintegração. Para o autor o processo educativo fundamenta a
sociedade democrática. Pensador à frente de seu tempo já apontava nesse estudo o
tema da diversidade, da sociedade cooperativa como nova ordem social, para o
planejamento visto como construção “comum”.
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A releitura dos resultados da primeira fase da pesquisa (são três fases)
estabelecem diálogo com o pensamento de Manheim ao apontar que os alunos destas
escolas adquiriram por meio da metodologia NEPSO, auto-reconhecimento para o
protagonismo social. Eles, na posição de agentes motivadores de seu próprio
conhecimento, passam a criar outra relação com a cidade, tornando-se ator capaz de
articular seu conhecimento como forma de monitorar políticas públicas (DOWBOR, 2006).
Nesta perspectiva, a cidade é um espaço de diferentes culturas e a superação das
antigas administrações públicas somente é possível a partir de estratégias envolvendo
ação direta, avaliação contínua e métodos participativos que articulam os diferentes
setores e atores da sociedade (DANIEL, 2002). A releitura dos resultados da fase I da
pesquisa aponta para o NEPSO como uma das estratégias possíveis para a superação
das antigas administrações públicas. A educação coloca-se como processo fundante à
democracia participativa capaz de sustentar projetos com vistas ao bem comum.
Considera-se, pois que a experiência só se faz cultural quando se concretiza na
educatividade das pessoas e instituições e, nesse fazer, organiza-se como símbolo aceito
e pactuado coletivamente. Deste modo, ela ocorre continuamente por meio de novas
interlocuções, leituras de mundo e abordagens.
Destaca-se na pesquisa realizada a importância do Plano Municipal de Educação
da cidade de Mauá - 2003. Especialmente, no item referente a “Gestão Democrática da
Educação”, que tem como eixo central a educação inserida no processo de relação da
instituição educacional com a sociedade de tal forma a possibilitar aos seus agentes a
utilização de mecanismos de construção e de conquista da qualidade social na educação
– 2002). Um plano que pensou a gestão da cidade em sua complexidade e com o
compromisso da equidade social. O documento propôs a construção de uma cidade que
se projeta sem quebrar os laços com a memória. Não enxergando a educação com visão
pragmática ou clientelista, riscos tão presentes na história brasileira.
O Plano Municipal de Educação (2003) desenvolvido sob a coordenação do
Conselho Municipal de Educação expressa propostas da comunidade, das escolas,
educadores, agentes políticos e outras instituições. Este Plano, ao acolher a
multiplicidade das diferenças locais, reconhece as convergências de necessidades
comuns que solicitam a construção de nova cultura cidadã vivida no Grande ABC. Esta
região é o próprio retrato do Brasil contemporâneo, predominantemente urbano,
industrializado, desigual socialmente, rico em experiências sociais e com patrimônio
ambiental e histórico a preservar. A participação coletiva na construção do Plano
Municipal de Educação de Mauá em 2003 garantiu seu enraizamento na prática cotidiana
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das escolas estudadas. Isso fez com que mesmo no período de enfrentamento da
mudança governamental as escolas continuassem a utilizar a metodologia NEPSO.
Houve um refluxo significativo das ações participativas no município e diminuição das
escolas que utilizavam a metodologia NEPSO como analisado no SIPPI. O Governo local
contratou uma consultoria aderindo a exigência da qualidade e competência aos moldes
das empresas privadas transplantadas ao serviço público de forma acrítica. A consultoria
traçou um plano verticalizado para ser implementando nas escolas sem ouvir a memória
das experiências anteriores. Isso dificultou as iniciativas de execução de distintos projetos
que eram implementados. O projeto que resistiu as mudanças e perdurou foi o NEPSO. A
análise da experiência dos três anos revisitada aponta para algumas características
estruturais que permitiram o enfrentamento as mudanças, como narrados no colóquio e
SIPPI:
A experiência do NEPSO passa três administrações – está
enraizado nos professores, nos alunos, nos diferentes atores. Um
enraizamento da experiência que permite os enfrentamentos e
perpassa os governos.
Garantia de que as políticas públicas sejam de estado e não de
governo – ultrapassando os interesses dos partidos políticos –
quebra do clientelismo e da descontinuidade. A experiência com a
metodologia NEPSO perpassou três governos distintos em Mauá.
– o que garantiu isso? Foi a apropriação por parte dos diferentes
atores (alunos/as, escolas, professores/as), as parcerias com a
Ação Educativa e a Universidade.
Análise da experiência em Mauá de 2003-2005 – análise do
momento atual (2007). A sistematização da experiência alimentou
a todos os envolvidos. Contribuiu para o fortalecimento do grupo.
A experiência com a Metodista deu poder de enfrentamento na
nova gestão. Se não fortaleceram a experiência, a nova gestão
não atrapalhou o processo. A parceria com a Universidade
contribuiu também para o fortalecimento do grupo. O poder
público não consegue esfacelar essa experiência.
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Pensar a rede. Você tem um local de participação que é a rede
NEPSO. Você tem o pertencimento a uma rede. Você muda de
escola, mas não sai da rede do NEPSO.
A metodologia NEPSO perpassa três governos em Mauá. Como entender essa
durabilidade da experiência? Uma das leituras refere-se ao enraizamento da experiência
que ocorre por meio da ação cotidiana dos diferentes atores. Entre eles, os alunos que
solicitam a utilização em sala de aula, pelos professores que superaram as adversidades
comuns nas mudanças de governo (mudança na direção da escola, realocamente de
aulas, mudança no plano municipal de educação) a parceria para a pesquisa que é
repactuada anualmente, a rede NEPSO são os elementos que mais se evidenciaram.
Assim, superaram o engessamento do conteúdo a ser dado em sala de aula. No caso de
Mauá a consultoria contratada propôs mudanças que causaram o desmantelamento de
processos coletivos no campo educacional. O discurso da qualidade e da competência
provocou mudanças estruturais no interior das escolas municipais. Por ser construído
similar ao modelo empresarial recusou estabelecer diálogo com o acúmulo produzido
pela inteligência mauense.
A releitura dos resultados da primeira fase da pesquisa permitem dizer que essa
experiência com a metodologia NEPSO tem demarcado um novo lugar com vistas ao
fortalecimento de uma comunidade cívica ao permitir nova linguagem democrática frente
as adversidades local-regional com o impacto da globalização.
Neste sentido, o processo educacional constitui o espaço de aparição da
liberdade criadora e transformadora, permitindo que as instituições de ensino saiam da
posição tradicional de transmissoras de informação para gestoras de conhecimento.
Assim, podem gerar mais capital social e fortalecer as pessoas da cidade-região. Essa
experiência é fundamental como um dos caminhos ao fortalecimento da comunidade
cívica e a melhoria da auto-estima coletiva da cidade e região do Grande ABC.
A experiência que ocorre é inovadora não porque é novidade, como se coloca na
necessidade do novo e refutação do velho na sociedade do consumo. Inovadora posto
que retoma a origem mais fundante da produção de um saber-fazer que é a vida, a
ancoragem da produção de um pensar enraizado na vida e no entorno. Não é algo
abstrato ou registro histórico de um sonho. Parte da vida como fonte segura e confiável
para a ela voltar com proposições viáveis de operacionalizações no espaço público que
apontam sua ação e influência à construção de políticas públicas integradas.
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A partir daí, se vislumbra a produção de conhecimento que permite o pensar
Políticas Públicas Integradas no âmbito de significação da concepção da Cátedra (2008),
qual seja:
...Uma instituição social que se organiza a partir da história
comunitária, fundamenta-se num conjunto de saberes sociais e
políticos e é capaz de produzir experiências objetivas e subjetivas
a favor da inversão de prioridades de gestão, do desenvolvimento
equitativo da cidade e seus protagonistas e, enfim, da construção
de nova cultura política local-regional.
A Cátedra delimita como Política Integrada de Distribuição e Construção de
Equidade Social que inclui ações nas áreas de educação, assistência social, cultura,
turismo, lazer, esporte e saúde. Política Integrada de Gestão e Mediação de Recursos e
Talentos, de que participam ações de planejamento, finanças e orçamento, administração
de pessoas e implementação de serviços de saneamento, reparo e construção da
estrutura urbana; Política Integrada de Informação e Comunicação, na qual se organiza
os serviços de diálogo intergovernamental, interlocução comunitária, de combate às
exclusões de conhecimento e intensificação da transparência sobre as ações de governo.
O critério metodológico do NEPSO tem o entorno como questão essencial e
radical para a construção coletiva do conceito de Políticas Públicas Integradas. Nesse
fazer se revela que é no cotidiano das pessoas, movimentos e organizações que se
produzem novas linguagens, novas práticas, ou seja, novas culturas como alternativas de
habitação do mundo. É um retorno ao sentido mais originário da Ética como ethos não
dado, mas construído (VAZ, 2000). É o reconhecimento de que a existência humana se
dá por meio de um corpo na sua totalidade, que vivencia seu pertencimento na coexistência.
Nas palavras de I.O.S. (ex-aluna do EMEJA Clarice Lispector): “Todos estavam
empenhados em mostrar seus trabalhos e esperando, com isso, poder transformar o
pensamento das pessoas que era a sociedade ou mesmo o meio ambiente... E também
em fazer que houvesse uma integração com todo mundo para melhorar o nosso mundo,
nosso país, nossa cidade. E às vezes isso se reflete na nossa vida familiar também”
(2007).
Nesse depoimento percebe-se uma nova ordenação da relação consigo, com o
outro e com o mundo. O discurso da ex-aluna evidencia um movimento que transcende a
sala de aula, especialmente quando atentamos para as prioridades reveladas em
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palavras, tais como “mostrar”, “integração”, “mundo”, “país”, “cidade” e “família”.
“Mostrar”, por exemplo, permite inferir o reconhecimento de que as pessoas humanas
necessitam de um espaço de aparição ao outro que possibilite, por meio de acordos,
chegar-se a algo comum. O respeito às diferenças, a partir do critério da
responsabilidade pelo cuidado do mundo, produz o consenso e integra. O espaço público
se instaura quando as pessoas são capazes de alargar o olhar e, dessa forma, se
perceber como habitante de um mundo, pertencente a um país e localizado no espaço
geográfico e humano de uma cidade consubstanciando o cidadão-habitante (SANTOS,
2002, DOWBOR, 2006). Recuperando Castro (2008) “todas as experiências de
comparecimento e adesão dos jovens a um espaço de disputas em torno do que vai mal
no seu entorno e na sociedade em geral, que os leva, conseqüentemente a assumir
ações junto com os outros em prol da igualdade, da justiça e da emancipação” (p.254). A
experiência
de
participação
na
metodologia
NEPSO
mostrou-se
geradora
do
pertencimento dos sujeitos ao grupo, à comunidade e à cidade carregando as “marcas
singulares de sua história e as dificuldades de seu presente” (CASTRO, 2008, p. 253).
Hannah Arendt nos ensina que a singularidade se revela na pluralidade humana.
Essa forma de ser e habitar o mundo objetivado na experiência da aluna I.O.S.
mencionada anteriormente se contrapõe ao projeto de sociedade disponibilizada no
contemporâneo. Sociedade marcada pela fragmentação da realidade desagregadora com
a perda do sentido humano da vida num mundo comum. Em decorrência disso, cada
cidadão que cede assim à tentação de se desincumbir de sua responsabilidade face ao
futuro do mundo engendra “uma perda em mundo quase calculável” (1998). Ao se
desincumbir dos negócios humanos, se reduz o mundo humano à ordem da
sobrevivência ligada ao ciclo da vida biológica. Essa modalidade da existência não
convoca à ação, pois se ocupa da ordem das coisas privadas.
Conseqüentemente há a naturalização dos processos humanos de forma
automatizada. A convivência com a tirania da intimidade, que se encarcera na
subjetividade privada, passa a ser a medida para as escolhas e decisões no espaço
público. Como desdobramento desse modo de ser ocorre o desenraizamento do humano
e, de forma mais fundante, do seu próprio ser. Isso se objetiva nas relações consigo, com
o outro e com o mundo, presentes nos processos de construção de políticas públicas
fragmentadas, e também nos projetos de governo que não se consubstanciam em
políticas de estado. A geração de políticas públicas que não nascem do diálogo com as
comunidades implica no distanciamento dos interesses coletivos, nega o sentido básico
da cidadania como o direito a ter direitos. A cidadania deixa de ser um direito e passa a
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ser adereço, penduricalho que atende ao calendário político em nível municipal, estadual
ou federal.
A inversão de prioridades de gestão só é possível a partir da relação de
reciprocidade instaurada em processos horizontais na gestão da cidade que, mesmo em
meio às suas contradições e complexidades, deve ser marcada pelo compromisso com a
equidade social, pois não há processo democrático na desigualdade (DANIEL, 2002,
COMPARATO, 1987, FREIRE, 2005, SANTOS, 1998). A projeção de cidades mais justas
e inclusivas deve acontecer sem quebrar os laços com a memória coletiva da nossa
história de exclusão social, política, econômica e cultural. O processo participativo na
construção de políticas públicas permite a construção, a socialização e o fortalecimento
das relações sociais à medida que integra e constrói valores.
Na experiência que compõem a pesquisa Um Novo direito à Cidade: Políticas
Públicas Integradas há um aprofundamento do conceito de PPI e também memórias que
permitem perceber as Políticas Públicas Integradas como um modo efetivo e durável de
participação das pessoas e das instituições na construção da cidade como um lugar bom
para se viver. É o reconhecimento de que o ser humano habita um mundo comum que
está em risco de não ter o que oferecer às gerações futuras se continuar à deriva na
privatização do público.
É a possibilidade do “milagre” no sentido arendtiano de interrupção dos
movimentos automatizados e instauração do absolutamente novo. Pensar nas Políticas
Públicas Integradas é acreditar na gestação de pequenos e grandes milagres no
cotidiano de nossas cidades. Como a experiência de utilização da metodologia NEPSO
nas escolas em Mauá aqui relatada que têm o “bem comum” instituído como princípio
ordenador da vida humana. Pesquisa que produz massa crítica para pensar gestões
capazes de se realizar no interior das diferentes realidades urbanas do Brasil e da
sociedade em processo de globalização. Apoiando projetos e políticas das cidades dentro
de uma lógica sustentável, portanto participativa e solidária capaz de provocar mudanças
na qualidade de vida em uma perspectiva integradora.
Nesse sentido, somos convocados e convocadas a sermos “servidores do mundo”
e militantes de uma ética da preservação do amor mundi como garantia da
transcendência da duração da vida como direito às próximas gerações. Isso só será
possível a partir da educatividade em processos democráticos que permitam à
construção de Políticas Públicas Integradas e Integradoras. Na sociedade fragmentadora
da vida pública e, portanto, inclinada a favores e clientelas, a construção e a manutenção
de Políticas Públicas Integradas implica um novo direito à cidade (CÁTEDRA, 2008).
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Plano de Trabalho
Et
ap
a
Fase
FAP
ESP
Plano de trabalho
1
FAS
EI
Projeto encaminhado
CEP-Metodista
FAS
EI
Capacitar os professores da
EM Cora Coralina, EMEJA
Clarice
Lispector,
educadores
da
Ação
Educativa em metodologia
científica
(doravante
nomeados de equipe de
pesquisadores)
2
3
FAS
EI
FAS
EI
4
FAS
EI
5
FAS
EI
Equipe
Projeto
ao
Apresentação da proposta
de pesquisa e TCPLPH aos
sujeitos
Coletar dados e informações
a respeito do projeto na EM
Cora Coralina e EMEJA
Clarice Lispector
do
Cátedra
Cátedra
Cátedra
8
Reunião com os
diferentes atores
EM
Cora Pesquisa
Coralina,
documental
EMEJA Clarice
Lispector, Ação
Educativa
e
Cátedra
Coletar relatos orais dos Equipe
de
diferentes atores sociais pesquisadores
(aluno, professor, direção, e Cátedra
comunidade,
Ação
Educativa)
Leitura dos documentos e
materiais coletados
Cátedra
6
FAS
EI
Levantamento de categorias Equipe
de
analíticas a partir dos relatos pesquisadores
literalizados
e
dos e Cátedra
documentos
FAS
EI
Sistematizar os resultados
do projeto NEPSO, Ação
Educativa em parceria com
a Secretaria da Educação
de Mauá, EM Cora Coralina
e EMEJA Clarice Lispector
7
Material
e
Metodologia
de
pesquisa
Encaminhamento
da
proposta
e
modelo
de
TCPLPH
Capacitação dentro
de
metodologia
qualitativa
e
quantitativa
(Material:
Laboratório
de
informática)
Cátedra
oral,
História
literalização
dos
relatos
(Material:
Gravador de voz)
Leitura
compreensiva
(Material:
Microcomputador)
Resultados
esperados
Aprovação
Equipe
de
Professores
Pesquisadores
e educadores
do
NEPSO,
Ação Educativa
capacitados
para o processo
de construção
da pesquisa
e
Aprovação
assinatura
do
TCPLPH
Documentos
referente aos 3
(três) anos do
projeto NEPSO,
Ação Educativa
e Secretaria de
Educação
de
Mauá coletados
Relatos
coletados,
transcritos
e
literalizados
Relatório
parcial
e
indicativo para
o levantamento
das categorias
analíticas
Análise
Concepção das
compreensiva.
categorias
(Material:
analíticas
e
Seminário
para validação.
avaliação externa)
Apresentação dos Relatório
resultados
aos Científico Final
sujeitos
da da Fase I e
pesquisa
para socialização
validação
dos (produção
de
resultados
artigo científico,
Apresentações realizadas dia 23 de maio de 2009
SIPPI 2009
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Políticas Públicas: participação, transparência e inclusão social
FAS
EI
9
FAS
E II
10
Fase
II
11
Levantamento
dos
desdobramento
das
experiências e resultados
das pesquisas onde a
“cidade” foi tema principal
ou secundário, a partir do
Relatório Científico Final
Analisar as experiências que
extrapolaram os limites da
escola para criação de
indicadores que avaliem o
protagonismo social
Fase
II
Diálogo das convergências,
divergências
e/ou
idiossincrasias
dos
resultados parciais com o
acúmulo da Cátedra na
avaliação das Culturas da
Cidadania
na
CidadeRegião e Qualidade e
Sustentação das Gestões
Urbanas e experiências
internacionais
Fase
II
Metodologia facilitadora à
apropriação do direito à
cidade
a
partir
da
experiência do NEPSO,
Ação Educativa na EM Cora
Coralina e EMEJA Clarice
Lispector
Capacitação da equipe de
pesquisadores
na
metodologia criada
12
13
Fase
II
14
15
Completar
equipe
de
pesquisadores para a Fase
II
Fase
II
Cátedra
(Material:
Seminário
para
avaliação
dos
participantes
na
pesquisa)
de
Avaliação
currículos
e
participação
no
seminário
de
validação
dos
resultados
Análise
compreensiva do
Relatório Científico
Final para verificar
os temas e as
experiências
117
apresentação
em congressos,
entre outros)
Formação
equipe
de
Mapeamento
das
experiências
Cátedra
para
planejamento
da pesquisa de
campo
dos Indicadores
Equipes
de Criação
indicadores
da criados;
pesquisadores
(Fase
I
e análise a partir do Relatório
selecionados
relatório final
Parcial
para participar
da Fase II) e
Cátedra
do
Relatório
Equipes
de Seminário
e seminário
e
pesquisadores, Internacional
para parâmetros
Cátedra - GT´s debates
criação
para
de para
elaboração de metodologia
elaboração de
indicadores nos facilitadora
metodologia
fundamentos da
facilitadora
à
ética
pública,
apropriação do
ação cultural e
direito à cidade
serviços
prestados
ao
público
de Estabeleciment
Concepção
metodologia
o
de
Metodologia
Cátedra
exploratória
de Pesquisadores
capacitados;
Criação
de
instrumento
para pesquisa
de campo
Pesquisa de campo Relatório
parcial
Oficina
capacitação
Cátedra
Aplicação de metodologia Equipes
de
sócio-educativa
e
do pesquisadores
instrumento
criado
na
Apresentações realizadas dia 23 de maio de 2009
118
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Políticas Públicas: participação, transparência e inclusão social
Fase
II
16
17
Fase
II
Re-formulação
metodologia
Fase
II
Formação e capacitação
dos quadros das secretarias
da Prefeitura de Mauá para
sensibilização
das
demandas em torno de novo
saber acerca das Políticas
Públicas Integradas
Formação e capacitação de
agentes da Organização
Não
Governamental da
Ação
Educativa
para
sensibilização
das
demandas em torno de novo
saber acerca das Políticas
Públicas Integradas
Socialização dos resultados
da pesquisa e metodologia
facilitadora criada em torno
de novo saber acerca das
Políticas
Públicas
Integradas
18
Fase
II
19
Fase
II
20
da
Cátedra
Oficina
capacitação
Cátedra
Cátedra
Socialização dos resultados Ação Educativa
da
pesquisa
e
da
metodologia
facilitadora
criada em torno de novo
saber acerca das Políticas
Públicas Integradas
Fase
III
Aplicação da metodologia E.M.
Cora
criada em torno de novo Coralina
e
saber acerca das Políticas EMEJA Clarice
Públicas Integradas para Lispector
definição de parâmetros da
Gestão Escolar
Fase
Multiplicação
22
da E.M.
e
Apresentação
diálogo
com
diferentes
atores
dos
resultados
parciais.
(Material:
Seminário)
de
Concepção
metodologia
facilitadora
Oficina
de
capacitação
Cátedra
Fase
III
21
23
cidade de Mauá
Avaliação da metodologia Cátedra,
facilitadora e instrumento à Instituições
luz dos resultados parciais
Parceiras
e
equipes
de
pesquisadores
Avaliação
resultados
validação
instrumento
pesquisa
campo
de
e
do
de
de
da
Definição
metodologia
Servidores da
Prefeitura
Municipal
de
Mauá
capacitados
de Educadores da
Ação Educativa
capacitados
do
Elaboração
relatório
final,
diálogo
com
Instituições
Parceiras
e
participantes
da
pesquisa
para
validação.
(Material:
Seminário)
Apresentação nos
Seminários
regionais
do
NEPSO
e
Congresso
Internacional
IBOPE UNESCO
Relatório
Científico Final,
elaboração de
artigo científico
e participação
em congressos
científicos
da
Utilização
metodologia
nos
demais
pólos
do
NEPSO:
PE,
RS, MG, PR,
AR e CL
à
Direito
Metodologia para O
aplicação no Plano Cidade
apropriado
Político
como
Pedagógico
transversalidad
e
pelos
diferentes
atores
Cora Oficinas
Transferência
Apresentações realizadas dia 23 de maio de 2009
119
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Políticas Públicas: participação, transparência e inclusão social
III
Fase
III
24
metodologia criada em torno
de novo saber acerca das
Políticas
Públicas
Integradas
para
outras
escolas da Região do
ABCDMRR
Incorporação dos resultados
da
pesquisa
no
planejamento da Política
Educacional da Cidade de
Mauá e estabelecimento de
diálogo com as demais
secretarias para elaboração
de
Políticas
Públicas
Integradas
Coralina
e
EMEJA Clarice
Lispector
Secretaria
Municipal
Educação
Mauá
da tecnologia
Metodologia para Políticas
no Públicas
de aplicação
de planejamento
de Integradas
Políticas Públicas
Integradas
Considerações finais
Este trabalho foi desenvolvido num no momento de transição entre a pesquisa
apresentada na fase I e a concepção dos projetos pilotos a serem desenvolvidos em
pesquisa exploratória. Assim, até o momento foram alcançados parcialmente os objetivos
da pesquisa. Um dos procedimentos fundamentais para atingir-se os objetivos propostos
ocorrerá no ano de 2009 como previsto no plano de ação. Os objetivos alcançados com
relação aos gerais foram realizados parcialmente, mas já há acúmulo que permite
apontar que a experiência com a metodologia NEPSO é capaz de produzir saber em
relação aos processos de planejamento e monitoramento das Políticas Públicas
Integradas, a partir das experiências educacionais e culturais, com base na história
concreta de homens, mulheres, crianças e jovens da cidade de Mauá. A criação de
metodologia específicas a partir da experiência de participação dos alunos na pesquisa
de opinião – NEPSO, da ‘Ação Educativa’ e da Secretaria de Educação de Mauá, será
implementada em pesquisa exploratória prevista no calendário das ações para 2009.
Com relação aos objetivos específicos pode-se apontar que:
- A construção de metodologia em que o tema da cidade será norteador será
validada em pesquisa exploratória. Relembrando que a pesquisa de indicadores de
qualidade de vida na cidade já está sendo implementada (Anexo n 33).
- A partir da pesquisa piloto se configuram a educação e a cultura como valores
transversais na construção de políticas públicas integradas.
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120
- Há a proposta de ampliar essa pesquisa para as demais experiências da
metodlogia NEPSO no Brasil, América Latina e Portugal. A socialização dos dados já
analisados são compartilhados anualmente nos congressos da Ação Educativa/IBOPE.
- A sistematização das experiências do Projeto NEPSO da ‘Ação Educativa’ e da
Secretaria de Educação de Mauá, desenvolvidas na EM Cora Coralina e EMEJA Clarice
Lispector, em termos de construção da memória de experiências educativas e culturais
foi organizado na fase I da pesquisa.
- Criaram-se espaços de reflexão em torno de temas relativos a ‘cidadania em diálogo
com políticas para a cidade’ nos seminários da Cátedra Gestão de Cidades, Colóquios e
na disciplina Gestão de Cidades.
- Estabeleceu-se diálogos (a) com as experiências da EM Cora Coralina e EMEJA
Clarice Lispector, e (b) com a metodologia NEPSO da ‘Ação Educativa’, em função da
produção crítica acumulada pela Cátedra em torno das Culturas da Cidadania na CidadeRegião, e da Qualidade e Sustentação das Gestões Urbanas.
- Com relação à formação de quadros administrativos pessoais para a Secretaria de
Educação de Mauá, para as escolas parceiras e para a organização não governamental
‘Ação Educativa’, capazes de desenvolver e usar a metodologia participativa, elaborada a
partir da sistematização da experiência que se abre em horizonte à apropriação da
cidade como espaço de vivência democrática está previsto ocorrer a partir da parceria
estabelecida com a Universidade aguardando os resultados finais desta pesquisa.
Ao finalizar-se a pesquisa a projeção é que os objetivos específicos atingidos
permitirão a realização dos gerais.
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Apresentações realizadas dia 23 de maio de 2009
e
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Políticas Públicas: participação, transparência e inclusão social
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SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÂO, CULTURA E ESPORTES DE MAUÁ.
Projeto Político Pedagógico: Escola Municipal de Educação de Jovens e Adultos
“Clarice Lispector”. Mauá, SMECE, 2003.
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÂO, CULTURA E ESPORTES DE MAUÁ.
Projeto Político Pedagógico: Escola Municipal Cora Coralina. Mauá, SMECE, 2003
THIOLLENT, M. A metodologia participativa e sua aplicação em projetos de
extensão universitária. In: FILHO, T.A.; SOARES, R. L. S.; THIOLLENT, M. (org.)
Metodologia e experiências em projetos de extensão.Niterói: EduFF, 2000.
VAZ, Henrique C. L. Escritos de filosofia - ética e cultura. S. Paulo: Loyola, 3º ed.,
2000.
Apresentações realizadas dia 23 de maio de 2009
SIPPI 2009
Seminário Internacional de Políticas Públicas Integradas
Políticas Públicas: participação, transparência e inclusão social
127
Área temática 03
Metodologia para construção de políticas públicas integradas. Releitura de
esperiências e novas proposições.
Coordenador: Prof. Dr. Luiz Roberto Alves
Objetivo:
Debater modos de construção, uso de instrumentos e a sustentação de nova linguagem
para a concepção de políticas públicas em uma perspectiva integrada. Serão agregados
elementos como a necessidade da inversão de prioridades, disputas de projetos sociais,
construção de valores simbólicos e formatação de indicadores para a avaliação e as
reproposições de aperfeiçoamento da gestão. Serão contempladas nessa discussão
metodologias qualitativas e quantitativas.
Trabalhos apresentados:
Notas sobre o conceito de Cidadania a partir do debate entre Marx e Marshall:
os direitos sociais no Brasil
Notes on the concept of citizenship from the debate between Marx and Marshall:
social rights in Brazil
Márcio Fernandes Maurício17
Resumo
Propõe uma reflexão sobre a relação entre Políticas Públicas e Direitos Sociais. Dada a
estreita relação entre políticas públicas e direitos sociais, é possível conciliar, num estudo
sobre políticas públicas sociais, o método histórico-estrutural com a concepção clássica
de Marshall sobre a cidadania?
Procura-se entender como se dá a formulação de
17
Mestrando em Política Social, do Departamento de Serviço Social, da Universidade de Brasília –
UnB.
Apresentações realizadas dia 23 de maio de 2009
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Políticas Públicas: participação, transparência e inclusão social
políticas públicas sociais num contexto de busca de equilíbrio entre os elementos que
compõem a tríade: Estado, sociedade e mercado. Por fim, tenta-se mostrar que a política
pública social tem como uma de suas principais funções a concretização de direitos de
cidadania conquistados pela sociedade e constata-se que as políticas públicas sociais,
nas sociedades contemporâneas, passam por profundas transformações – noção
importante para poder se empreender uma pesquisa com referencial teórico centrado nos
dois grandes clássicos: Marx e Marshall.
Palavras-chave: cidadania, políticas públicas sociais, direitos sociais
É bem provável que Marx não tenha se referido especificamente sobre o conceito
de cidadania, mas será que seu raciocínio histórico-estrutural não pode ser aplicado ao
estudo de políticas e instituições envolvidas na prestação de serviços e benefícios na
área de combate à pobreza e à desigualdade social, que viabilizam o exercício da
cidadania? Marx (2007) fala em emancipação. Por trás deste conceito, pode-se conceber
que está latente uma arena de conflitos entre Estado e sociedade, num contexto
capitalista excludente.
Deste ponto de partida, tem-se que a relação das políticas públicas com os
direitos sociais está vinculada ao conceito de sociedade civil, que é definido por Urry
(1982) como um “conjunto de relações sociais que se coloca entre estrutura econômica e
o Estado” (p. 19). Concorda-se com o autor quando afirma que Marx demonstra que é
essencial relacionar o Estado ao caráter geral da sociedade civil. “É dentro da sociedade
civil que várias limitações são colocadas para o Estado, que é substancialmente
impotente para agir de várias formas (...) A sociedade civil engloba ao mesmo tempo as
relações entre os sujeitos individuais, sua ‘fragmentação’ e as relações entre ‘grupos da
vida social’ em luta.” (p. 102).
Diante deste posicionamento, deve-se levar em consideração a discussão
proposta também por Ianni (1986) sobre a noção de Estado e sociedade. É interessante
observar que o Estado consiste num desdobramento da sociedade, que se configura na
verdadeira fonte, o verdadeiro cenário de toda a história.
Os dois se constituem
reciprocamente, realizam-se em uma totalidade aberta, em movimento.
Por isso, é fundamental, como afirmam Behring e Boschetti (2007), “identificar as
forças políticas que se organizam no âmbito da sociedade civil e interferem na
conformação da política social.” (p. 45). Ora, o estudo da política social é o estudo do
Apresentações realizadas dia 23 de maio de 2009
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Políticas Públicas: participação, transparência e inclusão social
129
Estado em ação, nas permanentes relações de antagonismo e reciprocidade com a
sociedade, a qual constitui o espaço privilegiado das classes sociais (Pereira, 2001).
Os direitos com os quais as políticas públicas se identificam e visam concretizalos são os direitos sociais, que são mais comprometidos com o princípio da igualdade,
embora tenham no seu horizonte os direitos individuais – que são mais comprometidos
com o princípio da liberdade do indivíduo perante o Estado.
Com isso, julga-se prudente considerar o processo histórico de transformação
social, tão caro à perspectiva marxista; e, ao mesmo tempo, identificar não apenas os
elementos presentes na arena de conflitos, assim como descobrir o que está por trás da
aparência superficial das coisas (Fine e Harris, 1981).
O objetivo do método histórico-estrutural é descobrir a essência do fenômeno, ou
seja, sua determinação fundamental, privilegiando o seu processo de transformação, sua
historicidade.
Cada forma de sociedade possui suas peculiaridades, e uma vez
concretizado o processo de transformação, a sociedade passa a ter outras
determinações. Por isso, a necessidade de se compreender o processo histórico de
transformação social.
Segundo Richardson (1999), o materialismo dialético significou um avanço importante na
interpretação dos fenômenos sociais e, além do mais, considera a história. “Para Marx, a
realidade social não é tanto um conjunto específico de relações e ainda menos um
conglomerado de coisas. É antes um processo de transformação inerente a um
determinado conjunto de relações” (Sweezy, 1983, p. 29).
Neste sentido, Carnoy (1986) chama a atenção para o conceito de democracia
ampliada, fundamental para a teoria marxista. Há uma mudança do conceito tradicional
de luta de classes. “Uma vez que o local do conflito é ampliado a ponto de incluir o
Estado e mesmo a família, o conflito se transforma para incluir não somente os
trabalhadores contra os capitalistas, mas também os cidadãos contra o governo” (p. 329).
Esse conflito leva à consciência de direitos e a uma demanda por políticas públicas.
Segundo Pereira (2005), a identificação das políticas públicas com os direitos
sociais decorre do fato de esses direitos terem como perspectiva a equidade, a justiça
social, e permitirem à sociedade exigir atitudes ativas do Estado para transformar esses
valores em realidade. Daí porque, no campo de atuação das políticas públicas, a
participação do Estado, seja como regulador, provedor ou garantir de bens públicos como
direito, é considerada fundamental.
A perspectiva de Marx busca ser a perspectiva de classe e apresenta os recursos
metodológicos mais adequados à compreensão do modo de produção capitalista. De
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130
acordo com Gough (1982), o curso da acumulação do capital gera continuamente novas
necessidades para a própria lógica e dinâmica do processo de produção.
Para Marx (1983), é necessário ir além da aparência superficial das coisas, buscar
a essência dos fenômenos. O que, neste caso, julga-se estar no estudo apurado das
políticas e as instituições envolvidas na prestação de serviços e benefícios na área de
combate à pobreza e à desigualdade social. O processo de abstração levará à
necessidade de identificar as “questões de fundo” que levam a determinadas escolhas,
estratégias, decisões. Esse material informativo retirado da realidade (“dados empíricos”)
servirá de base para alcançar a realidade social como ela é: um concreto-determinado
(Viana, 2007).
Neste contexto, como concretizadoras de direitos sociais, as políticas públicas não
podem estar voltadas para o atendimento de necessidades meramente biológicas. “O ser
humano, seja ele quem for, é um ser social e, como tal, dotado de dimensões
emocionais, cognitivas e de capacidade de aprendizagem que devem ser consideradas
pelas políticas públicas. Isso explica porque as políticas públicas, além de se
preocuparem com a provisão de bens materiais (“dar o peixe”) têm de contribuir para a
efetiva concretização do direito do ser humano à autonomia, à informação, à convivência
familiar e comunitária saudável, ao desenvolvimento intelectual, às oportunidades de
participação e ao usufruto do progresso (“ensinar a pescar”).” (Pereira, 2005).
Existe uma unidade entre método histórico-estrutural e perspectiva do
proletariado. O verdadeiro método dialético só se manifesta quando se parte da
perspectiva do proletariado, e tal perspectiva exige o método dialético, pois é esse o
método, conforme Korsch (1977) que permite o desenvolvimento de uma consciência
correta da realidade, que é do interesse do proletariado, e que permite reconhecer a
historicidade do modo de produção capitalista com suas contradições e tendência de
decomposição e transformação em outra forma de sociedade.
Dessa forma, a investigação marxista de políticas e instituições envolvidas na
prestação de serviços e benefícios na área de combate à pobreza, na perspectiva de
Marx, deverá ser situada a partir do que Behring e Boschetti (2007) recomendam: a
expressão contraditória da realidade, que é a unidade dialética do fenômeno e da
essência.
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Teoria da Cidadania em Marshall
A discussão sobre direitos não é nova, mas ganhou sistematização e tratamento
inovador na obra do inglês T.H. Marshall, publicada no final dos anos 1940, a qual serviu
de ponto de partida para as produções intelectuais subseqüentes sobre este tema.
Na perspectiva de Marshall (1988), a cidadania foi sempre uma luta histórica pela
conquista de direitos. Primeiramente, os civis; depois, os políticos e, por último, os
sociais. Segundo Barbalet (1989), há uma teoria de mudança social implícita na
construção histórica de Marshall. A cidadania social reduz determinadas desigualdades
sociais. O crescimento da cidadania é estimulado tanto pela luta por obter direitos sociais
como pela sua fruição depois de obtidos. A classe e a cidadania introduzem uma certa
forma de relacionamento antagônico na evolução capitalista.
Para Somers (1999), Marshall deu uma contribuição transcendental às teorias da
cidadania ao incluir os direitos sociais na definição da cidadania moderna. Marshall
expressa a consciência de uma classe num determinado momento histórico. Os
conceitos com os quais trabalha, ao serem relacionados, mostram as respostas que o
Estado de Bem-Estar Social procura oferecer aos ataques que a sociedade capitalista
recebia e que lhe ameaçavam. Diante desse cenário, a reconceituação da cidadania
constitui-se numa necessidade urgente.
Segundo a análise de Barbalet (1989) sobre a cidadania em Marshall, o sistema
de direitos é formado por componentes relativamente independentes, apresenta
constituições e bases diferentes e mantém uma relação complexa entre si. A importância
política dos direitos deriva da natureza social do status: indica o que cada um pode fazer;
“dá ênfase ao fato de as expectativas existirem em grupos sociais relevantes” (p. 32-33);
não é obtido somente pela luta; publicamente reconhecido como legítimo. O autor adverte
que nem todos os direitos e nem sequer todos os direitos legais são direitos de cidadania.
Certos direitos são para compensar os que estão excluídos do status de cidadania. “Os
direitos de cidadania impõem limitações à autoridade soberana do Estado (...) podem ser
chamados com mais propriedade deveres do Estado para com seus membros” (p. 36).
Direitos civis e sociais fazem isso de maneira diferente: os primeiros são direitos contra o
Estado e os segundos são reivindicações de benefícios sociais garantidos pelo Estado.
Entre as tensões, algumas incoerências podem ser detectadas: os direitos civis
são compatíveis com as desigualdades capitalistas e necessários à sua manutenção; os
políticos, repletos de perigo potencial para o sistema capitalista; e os sociais, uma
ameaça às desigualdades de mercado e de classe. (Marshall, Bottomore, 1998).
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132
Com isso, alguns questionamentos não podem ser deixados de lado. Por
exemplo: como captar as características da cidadania do Estado de Bem-Estar Social
para chegar à compreensão da visão atual da cidadania neoliberal? Ao se compreender
as características da cidadania a partir de sua explicação na realidade material, é
possível captar o que muda no conceito de cidadania atual, em função do novo momento
de desenvolvimento do capital, permeado pela lógica neoliberal? Nos próximos itens,
tenta-se desenvolver estas idéias.
Políticas sociais e cidadania: Estado, sociedade e mercado
Estudar as políticas sociais e a organização dos sistemas de serviços setoriais
(assistência social, educação e saúde, por exemplo) que configuram o perfil estrutural da
cidadania, incluindo o mix público/privado das responsabilidades e da prestação de
serviços de distintas instituições e diferentes programas que os compõem, não é tarefa
pouco complexa. Isso porque se qualquer política setorial envolve um conjunto de
variáveis dinâmicas, com pesos relativos distintos no conjunto do jogo de quebra cabeças
que caracteriza qualquer sociedade, no caso das políticas e programas sociais que lidam
com dimensões amplas e complexas da condição concreta de vida dos indivíduos, como
é o caso da pobreza, esse conjunto de variáveis se torna mais difícil de apreender, tanto
pela sua complexidade como pela abrangência de um universo muito mais amplo no que
diz respeito às dimensões da vida social que envolve, e que ademais se caracteriza por
estar em constante mutação.
Assim, ao mesmo tempo em que as políticas e as instituições envolvidas na
prestação de serviços e benefícios na área de combate à pobreza e à desigualdade
social apresentam uma lógica intrínseca, fazendo-se necessário descobrir qual venha a
ser ela, é próprio da gestão governamental o movimento constante de definições dos
objetivos imediatos e a médio prazo a serem perseguidos pelas suas políticas e
programas, assumindo-se sempre o risco de com isso simplificar inadequadamente essa
realidade.
De acordo com a visão de Peláez (1994), as políticas sociais nas sociedades
contemporâneas passam por profundas transformações, não só do ponto de vista
organizacional como também institucional. Mas, sobretudo sofrem transformações no que
diz respeito a suas novas significações do ponto de vista da regulação e reprodução
sociais.
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133
Somers (1999) afirma que as sociedades contemporâneas identificam como o locus por
excelência dos processos políticos nas sociedades o Estado, com suas instituições,
embora não seja este o espaço exclusivo do exercício da política. No caso brasileiro, é
esta a instância da sociedade – em suas distintas unidades federadas - a federal, a
estadual e a municipal – que detém o monopólio dos instrumentos necessários para a
formulação e implementação das políticas, seja no que diz respeito à definição de
prioridades a serem contempladas pelo Estado na área social, seja no que diz respeito à
definição das formas de como implementá-las – de que mecanismos e de quais
instrumentos lançar mão, que público alvo priorizar, a que fontes de financiamento
recorrer.
De fato, o século XX, no que diz respeito à cidadania, foi marcado pela
emergência de políticas estatais que configuraram modelos de sistemas de proteção
social conhecidos hoje como Estados de Bem Estar Social (Welfare States).
No caso brasileiro, a extensão dos direitos e dos serviços sociais, dá-se a partir da
situação dos indivíduos no mercado de trabalho. Segundo Carvalho (2007), em sua
análise sobre a construção da cidadania no Brasil, ele chega à conclusão de que a
cronologia e a lógica da seqüência descrita por Marshall foram invertidas. Quando os
direitos sociais passam a ser a base da pirâmide, quais podem ser as conseqüências,
sobretudo para o problema da eficácia da democracia?
A inversão parece ter favorecido uma cultura política estatista, com uma excessiva
valorização do Poder Executivo, impaciência popular com o funcionamento geralmente
mais lento do mecanismo democrático de decisão, desvalorização do Legislativo, visão
corporativista dos interesses coletivos, e ausência de ampla organização autônoma da
sociedade. Talvez a democracia brasileira precise de tempo. “Quanto mais tempo ela
sobreviver, maior será a probabilidade de fazer as correções necessárias nos
mecanismos políticos e de se consolidar.” (p. 224).
A presença do Estado se faz sentir e, independentemente do tamanho dessa
presença e do público alvo a que ela se destina, ela sempre está imbuída de um caráter
redistributivo, que varia de gradação. No entanto, na atual conjuntura dos países
periféricos, é necessário registrar a existência de casos em que o conjunto de ações de
proteção social acaba por reproduzir as desigualdades e diferenças sociais, como no
caso extremo do modelo residual. Daí porque se afirmar que, embora todo sistema de
proteção social envolva um pacto de solidariedade social, na medida em que envolve
distribuição direta e/ou indireta de recursos e riquezas da sociedade entre os diferentes
segmentos sociais, esse pacto de solidariedade nem sempre é virtuoso: ele pode
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redistribuir de forma perversa os recursos, seja pelo padrão de financiamento das
distintas políticas na área social, seja pelo acesso aos serviços sociais que o Estado
produz ou provê para a sociedade.
Assim é que as distintas sociedades, ao implementarem esses distintos modelos,
que nelas hoje em dia não se verificam de forma pura, mas combinada comportando
distintos padrões de mix da relação público/privado na produção dos serviços sociais,
com pesos maiores ou menores dos traços que compõem cada um deles, revelam na sua
particularidade uma específica relação entre as funções do Estado, da sociedade e do
mercado na área social. De fato, como afirma Crouch (1999), nos dias atuais, a grande
discussão sobre sistemas e modelos de proteção social recai sobre quais devam ser o
papel e as funções do Estado, o que cabe à sociedade e o que cabe ao mercado na
garantia do acesso à satisfação das necessidades sociais básicas, sobretudo das
pessoas pobres. E esse debate, no geral, traduz-se numa equação “mais mercado e
menos Estado” ou “mais Estado e menos mercado”, e a depender da escolha realizada,
mudando o papel da sociedade nessa equação.
Da mesma forma que não se pode esperar do mercado que ele supra o papel do
Estado, uma vez que este sempre tem, por definição, sua ação voltada para a promoção
do bem público, no sentido da atender às necessidades gerais da sociedade, enquanto é
da essência do mercado a lógica da satisfação das necessidades privadas dos
detentores do capital e/ou dos consumidores individualmente, à sociedade sempre é
preservado um papel específico.
Dessa forma, a depender do tamanho, da posição e das funções que cada
sociedade em cada momento atribui ao Estado, ao mercado e à sociedade, estes terão
seus papéis, funções e magnitude de ação articulados com aquela concepção central
sobre qual o papel do Estado na área da proteção social definido por cada sociedade
específica em momentos históricos específicos. Embora no caso brasileiro, ao longo da
história, possa se verificar uma certa constância na definição desse papel, como mostra
Carvalho (2007), o perfil de atuação do Estado na área social mude em distintas
conjunturas históricas e políticas ao longo do século XX, e início deste. Daí porque
quando se fala de cidadania, de políticas sociais e de políticas de combate à pobreza se
remeter as três das dimensões básicas da sociedade: o Estado, a sociedade e o
mercado.
Neste sentido, as políticas sociais surgem como políticas que compensem de
certo modo as desigualdades sociais geradas pelo processo de acumulação capitalista,
vale dizer, pelo mercado, conforme Esping-Andersen (1991).
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Relacionado com esse aspecto, Santos (1997) frisa que, nas sociedades modernas, o
paradigma capitalista de regulação social caracterizava-se pela contradição entre os
princípios da emancipação (dos direitos da cidadania), apontando assim para a igualdade
e a integração social, e o da regulação, apontando para o seu oposto, exatamente para a
desigualdade e a subordinação/dominação. E mostra como ambos, por serem então
contraditórios entre si, faziam da emergência dessa contradição exatamente a tensão
necessária para que a emancipação das classes subalternas e dominadas ocorresse - o
que remete novamente à teoria marxista.
É nesse sentido que as políticas sociais estão comprometidas com promover,
quando geridas pelo Estado, a justiça social. É por meio delas que o Estado lança mão
dos instrumentos, segundo critérios e parâmetros negociados socialmente, as riquezas
da sociedade entre os distintos segmentos e classes sociais acentuadamente desiguais
entre si, conforme mostra Pisón (1998). No entanto, deve-se ressaltar que o parâmetro
da justiça social definido por cada sociedade (ou, seu inverso, qual o grau de
desigualdade social que se pode suportar conviver, segundo cada sociedade) está em
constante processo de redefinição. Redefinição esta que traduz a composição do jogo de
forças políticas e sociais em distintas conjunturas econômicas - umas mais, outras menos
favoráveis a gastos do Estado na área social.
Mas, na atualidade, o que está no centro da discussão é de como se buscar
exatamente o equilíbrio entre os elementos que compõem essa tríade de dimensões do
processo de decisão política – a técnica, a política e a social – buscando-se ainda
articular esse equilíbrio a processos que permitam mecanismos fundamentais para que
essas políticas e programas sociais se tornem efetivamente em políticas de Estado e de
promoção da justiça social, garantidoras de cidadania.
O caso brasileiro: a Constituição “cidadã”
De acordo com Carvalho (2007), não há somente um caminho para a
cidadania. E, no Brasil, pode-se constatar que a cidadania veio a ser consolidada com
a Constituição Federal de 1988. Ela pode ser entendida como o marco da garantia de
direitos de cidadania e da construção da rede de proteção social. Essa Constituição,
que materializa o processo de redemocratização vivido pelo país, resultou de um
amplo processo de discussão e de mobilização política, como destaca Carvalho
(2007). Dentre seus conteúdos mais expressivos, merecem destaque: o forte
componente
de
garantia
de
direitos
de
cidadania
e
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de
correspondente
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responsabilização do Estado; de afirmação do compromisso com a democracia direta,
por meio da institucionalização de canais de participação da população no controle da
gestão pública; e, ainda, de construção de um novo pacto federativo, com ênfase na
descentralização e no fortalecimento dos municípios.
No art. 3º da Constituição, são definidos os princípios fundamentais da República
Federativa do Brasil, dentre eles o de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais. Este, portanto, deve ser um dos compromissos de
cada esfera de governo (Campos, Pochmann, Amorim, Silva, 2003). No campo das
políticas públicas, a Constituição garante o direito universal (independentemente de
qualquer pagamento direto ou indireto) à saúde e à educação e, ainda, define que a
Seguridade Social é constituída pelas políticas de previdência social, de saúde e de
assistência social.
Portanto, julga-se que qualquer análise de política pública no país deve considerar,
dentre
outros,
os
seguintes
parâmetros:
o
caráter
federativo
do
Estado,
o
compartilhamento de responsabilidades dos entes federados em relação à redução da
pobreza e da desigualdade, a garantia de direitos de cidadania, com a correspondente
obrigação do Estado, em especial nas áreas de saúde e de educação. (Mesquita, 2007).
No que se refere à assistência social, o art. 203 da Constituição, define que essa
deve ser prestada “a quem dela necessitar, independente de contribuição à seguridade
social”. No processo recente de implementação das novas concepções de assistência,
que incluem a proteção da família, a habilitação e reabilitação das pessoas com
deficiência, a promoção da integração com o mercado de trabalho, dentre outros, merece
destaque a implementação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS.
É importante lembrar também que as condicionalidades (dos programas de
transferência de renda), no caso brasileiro, estão associadas a políticas definidas na
Constituição Federal como universais e de responsabilidade do Poder Público. Nesse
sentido, essas condicionalidades podem ser entendidas como um reforço de direitos de
cidadania, um reforço do direito de acesso já previsto na Constituição Federal.
Dessa forma, é a própria Constituição Federal quem cria as bases para a
responsabilidade conjunta e para a cooperação entre a União, estados e municípios no
combate à pobreza, à desigualdade e à exclusão social e à construção coletiva da
cidadania. Dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, está o
compromisso com a erradicação da pobreza e da marginalização, assim como com a
redução das desigualdades sociais e regionais (CF/88, art. 3º, inc III).
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As políticas sociais hoje no Brasil
Para Carvalho (2007), a desigualdade é a escravidão de hoje, o novo câncer que
impede a constituição de uma sociedade democrática. Há uma incapacidade de se
produzir resultados que impliquem a redução da desigualdade e o fim da divisão dos
brasileiros em castas separadas pela educação, pela renda, pela cor.
No caso do Brasil, vem sendo apontado um crescente distanciamento na esfera
política entre representados e seus representantes devido ao crescente peso que vem
sendo atribuído à presença da dimensão burocrático-técnico-administrativa do Estado em
detrimento da dimensão política propriamente dita nos processos de tomada de decisões,
e em conseqüência, no processo de sua implementação, traduzindo-se assim no que
Nogueira (2001) aponta quando distingue a “política dos técnicos” da “política dos
cidadãos”.
Pode-se dizer então que o debate atual sobre a questão da pobreza, no Brasil,
contempla dois surpreendentes consensos, após longo período de debates entre os
especialistas da área social, e mesmo da área econômica: a) que ela é um fenômeno
estrutural de nossa sociedade; e b) que o principal fator de sua persistência está na
desigualdade social, que uma vez não combatida tende a reproduzir essa desigualdade.
Mas também é consenso que a pobreza no Brasil segue uma trajetória particular
enquanto problema social a ser enfrentado pelo Estado, independentemente das formas
como aparece e se manifesta na sociedade. Assim, conhecer seus traços essenciais
torna-se importante para que se entendam as complexas questões enfrentadas pela
sociedade brasileira nesse período mais recente para a necessária busca de uma estreita
associação entre políticas de combate à pobreza e políticas de promoção da cidadania.
As políticas sociais são importantes porque elas protegem os indivíduos que
vivem em sociedades contra os riscos próprios da vida humana e assistem às
necessidades desses indivíduos; necessidades estas que surgem em diferentes
momentos e situações concretas, e em situações de dependência. O conjunto dessas
políticas sociais, denominadas de políticas de proteção social, tem por objetivo, portanto,
que a sociedade se torne responsável por reduzir ou neutralizar o impacto de
determinados riscos sobre o indivíduo e a própria sociedade. E como responsabilidade da
sociedade, é papel do Estado ser o provedor dos serviços e benefícios que respondam à
satisfação das necessidades sociais básicas dos cidadãos brasileiros, para, como prefere
Marx, alcançarem sua emancipação. E esse sistema de proteção social visa exatamente
criar um sistema para proteger os indivíduos daquela sociedade de determinados riscos
clássicos a que seus membros estão expostos, embora sempre de forma desigual:
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doença, velhice, invalidez, desemprego, exclusão (por renda, raça, gênero, etnia, cultura,
etc.).
No caso brasileiro, como visto no item V., o sistema de proteção social está
organizado, desde 1988, sob a lógica da seguridade social. Isso significa que previdência
social, assistência social e saúde, os três elementos que compõem o capítulo da
seguridade social da Constituição, se constituem em direitos sociais. E, nessa condição
de direitos sociais, eles são universais, e não podem se constituir num favor dos
governantes ou dos gestores, nem numa caridade.
E isso é um fato muito novo no Brasil. Porque como a pobreza é muito grande, e
como a oferta dos serviços sociais é muito inferior à demanda, ou à necessidade da
população, e em conseqüência como o acesso aos serviços sociais - como saúde,
assistência social e educação - ou aos benefícios sociais - como aposentadorias e
pensões, ou benefícios de prestação continuada - ainda é muito precário e difícil, apesar
do significativo aumento da sua oferta dos mesmos nos últimos anos, a tentação do
“favorecimento”, da “carta de recomendação”, enfim, da utilização de meios que ferem a
cidadania e o direito por lançarem mão de recursos da rede de influências e de
conhecimento das pessoas, forçam a voltam ao velho esquema do clientelismo e do
assistencialismo, negando com isso os avanços da conquista de 1988.
No âmbito da cidadania, os direitos sociais são os mais dinâmicos e,
consequentemente, os que têm se multiplicado e se especializado, conforme indica
Bobbio (1992). É possível identificar, nos últimos anos, o aparecimento de novos sujeitos
ou titulares de direitos, cujas garantias legais se especificaram guiadas pelo critério das
diferenças concretas que distinguem esses sujeitos entre si, tais como: idosos, crianças,
mulheres, pessoas com deficiência, gerações futuras. Esta não é a tendência da garantia
dos direitos individuais, pois estes concebem o cidadão como sujeito genérico e abstrato,
isto é, sem particularidades e especificações.
Portanto, é possível identificar, nas reflexões sobre o conceito de cidadania e nos
debates que são gerados a partir dele (políticas sociais de enfrentamento da pobreza e
da desigualdade social, para emancipação dos cidadãos), a noção de transformação
social, embutida tanto no raciocínio marxista, como também na própria concepção da
cidadania em Marshall. Assim, uma pesquisa que busca aprofundar o estudo sobre a
relação entre políticas públicas e direitos sociais há de levar em consideração estes dois
clássicos. Um, pela proposta de método que considera o aspecto dialético históricoestrutural da sociedade e Estado (constituintes de uma arena de conflitos e consensos) e
o outro, pela capacidade de contrapor a cidadania aos ditames do capitalismo. Julga-se
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que, dessa forma, é na garantia dos direitos sociais, como enfrentamento das mazelas
originárias do capitalismo, que as duas teorias são convergentes e podem constituir num
importante ponto de intersecção para o referencial teórico de uma pesquisa de fôlego
sobre políticas sociais no Brasil.
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O Programa Bolsa Família
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Reflections on citizenship, institutions and social rights –
The Bolsa Familia Program
Márcio Fernandes Maurício18
Resumo
Este artigo propõe uma reflexão teórica sobre temas recorrentes na formulação e
implementação de políticas públicas sociais, como: os direitos sociais, a “questão
social”19, a cidadania e as próprias instituições que são responsáveis por essas políticas.
Para tanto, a partir de um breve resgate histórico do argumento da coesão social para a
construção de políticas públicas sociais num Estado capitalista, discute-se o papel da
rede
intergovernamental
do
Programa
Bolsa
Família
(PBF),
que
envolve
a
responsabilidade conjunta entre União, estados e municípios no combate à pobreza, bem
como sobre sua legitimação como um direito de cidadania. É possível identificar, nas
reflexões sobre cidadania e nos debates que são gerados a partir dela, a noção de
transformação social? Em que medida o PBF produz resultados para reduzir a
desigualdade social e, dessa forma, transformar pessoas pobres e marginalizadas em
cidadãos?
Palavras-chave: rede intergovernamental, questão social, cidadania
Estudar as políticas públicas sociais e a organização dos sistemas de serviços
sociais (assistência social, educação e saúde, por exemplo) que configuram o perfil
18
Mestrando em Política Social, do Departamento de Serviço Social, da Universidade de Brasília –
UnB.
19
Uma certa dificuldade em definir tal terminologia é sentida, apesar de tão recorrente nos
discursos políticos, nas discussões acadêmicas e na mídia em geral. “Questão social” pode
englobar, ao mesmo tempo, as causas da pobreza e da miséria (como algo que está fora do
“padrão” e precisa de intervenção), como remeter a uma gama de problemas relacionados à
desigualdade e injustiça sociais, problematizados por um ou mais grupos. Sem adentrar neste
debate, vale ressaltar que a terminologia parece ainda sofrer de uma adequação semântica. E, por
isso, não se pretende, com este estudo, chegar à compreensão mais adequada (muito menos
classificar as “expressões” da questão social). Para efeitos de análise, adota-se a concepção de
Gomes (1979, p.31): “um conjunto de problemas vinculados às modernas condições de trabalho
urbano e dos direitos sociais que daí adviriam”, originário da situação européia do séc.XIX, pósRevolução Industrial. Tal visão pode ser complementada com a de Cerqueira Filho (1982, p. 21):
“conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos que o surgimento da classe operária impôs
no mundo no curso da constituição da sociedade capitalista”.
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estrutural da cidadania, incluindo o mix público/privado das responsabilidades e da
prestação de serviços de distintas instituições e diferentes programas que os compõem,
não é tarefa pouco complexa. Isso porque qualquer política setorial envolve um conjunto
de variáveis dinâmicas, com pesos relativos distintos no conjunto do jogo de conflitos e
consensos que caracteriza qualquer sociedade. Esse conjunto se torna mais difícil de ser
apreendido se lidar com dimensões amplas e complexas da condição concreta de vida
dos indivíduos (a pobreza, por exemplo), como no caso das políticas e programas
sociais. Além da sua complexidade e da abrangência de um universo muito mais amplo
no que diz respeito às dimensões da vida social que envolve, caracteriza-se por estar
também em constante mutação.
Considera-se que as políticas sociais ou padrões de proteção social se
desenvolveram como respostas à questão social20, ou seja, à mobilização operária do
final do séc. XIX em resistência à exploração do capital, e seus desenvolvimentos no séc.
XX. A partir daí, como mostra Hobsbawn (2007), as reformas sociais civilizatórias foram
impulsionadas pelo movimento operário forte na Europa Ocidental, que levaram ao
seguro social bismarckiano, à seguridade social beveridgiana, com direitos universais e
não contributivos. Importante observar, neste ponto, que a Revolução Industrial não foi
somente sucedida pela insensibilidade e ganância dos capitalistas em busca do lucro,
como também pela devastação social de um sistema incontrolado: a economia de
mercado (Polanyi, 2000).
Já no séc. XX, com o objetivo de reverter a crise de 1929 (Grande Depressão),
são criadas políticas que respaldaram a intervenção do Estado na economia. Ao defender
essas políticas implantadas por Roosevelt nos EUA, Keynes não objetivava destruir o
sistema capitalista de produção, mas complementar o mercado, que sozinho não era
capaz de resolver todos os problemas. Caberia ao Estado garantir serviços públicos e
proteção à população.
O keynesianismo/fordismo surgiu como resposta à crise de 1929/1932, com
direitos sociais e emprego e, com base nesse pensamento, a concepção do Welfare
State21, um tipo de organização política e econômica que coloca o Estado como uma
instituição agente da promoção social e organizadora da economia. Pelos princípios do
20
Não é pretendido que esta análise se detenha na discussão sobre a equivalência históricoinstitucional entre Welfare State e política social, discutida por Mishra (1995), mas parte do
pressuposto da existência de uma particularidade ampla, variável, complexa e longeva da política
social, comparada à instituição Welfare State, como um regime de Bem Estar, num específico
momento histórico, como defendido pela professora Potyara Pereira-Pereira (2008a).
21
Também denominado como Estado de Bem-Estar Social ou Estado Providência.
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Welfare State, todo o indivíduo teria o direito, desde seu nascimento até sua morte, a um
conjunto de bens e serviços que deveriam ter seu fornecimento garantido. Esses direitos
incluiriam a educação em todos os níveis, a assistência médica gratuita, o auxílio ao
desempregado, a garantia de uma renda mínima, recursos adicionais para a criação dos
filhos etc.
Assim, logo após a II Guerra Mundial, com princípios defendidos pela socialdemocracia, o Welfare State inicia seu “período de ouro”, que duraria até a década de
1970. Na Europa, significou um esforço de reconstrução econômica, moral e política,
sobre o qual bem disserta Esping-Andersen (1991).
Imediatamente após a II Guerra Mundial, conforme Pereira-Pereira (2004), nasceu
também, contrária a esse intervencionismo do Estado, a reação teórica e política que se
convencionou a chamar, mais tarde, de “neoliberalismo”. As idéias de Hayek (com a
publicação de “Os caminhos da servidão”) e, posteriormente, defendidas pela vertente
norte-americana (Milton Friedman, na Escola de Chicago, que era contra qualquer
regulamentação que inibisse a ação das empresas) identificavam o intervencionismo
estatal como uma ameaça à liberdade não só econômica, mas também política (como um
perigo semelhante ao nazismo).
Para os neoliberais, os verdadeiros agentes possibilitadores do bem-estar são o
mercado, a família, o próprio indivíduo e as organizações não-governamentais. Isso
porque o bem-estar está associado ao: mérito individual (e não aos direitos da cidadania);
produtividade capitalista livre de controles (e não à redistribuição de bens e serviços
coletivos) e igualdade de oportunidades (e não igualdade de resultados), conforme
Pereira-Pereira (2004, p.146).
Assim, a política social consistiu num elemento importante no pós-guerra, mas
teve que subsistir à reação da burguesia, que conseguiu flexibilizar as relações de
trabalho e os direitos sociais e, junto com economistas adeptos do laissez-faire e do
fundamentalismo de livre mercado, propunham a redução gradativa do poder do Estado,
diminuição generalizada de tributos, privatização das empresas estatais, entre outros.
A partir de 1970, no bojo da reestruturação produtiva (e da revolução tecnológica)
dos países centrais, houve a necessidade também que o Estado fosse reestruturado,
para que se adaptasse às novas mudanças socioeconômicas e políticas, de acordo com
os ditames do neoliberalismo em ascensão. A reestruturação produtiva, conforme Cattani
(2002),
consiste
num
processo
que
compatibiliza
mudanças
internacionais
e
organizacionais nas relações de trabalho e de produção, bem como redefinição de papéis
dos Estados nacionais e das instituições financeiras. Instalou-se uma crise da
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organização científica do trabalho enquanto estratégia social, como técnica de dominação
do capital sobre o processo de trabalho.
Marx e Keynes já haviam previsto que a tecnologia desempregaria. Ao mesmo
tempo, fugir dela seria manter a produção a custos crescentes. São características dessa
revolução tecnológica: oligopolização da atividade econômica, predomínio do capital
financeiro sobre o produtivo e o enfraquecimento dos Estados nacionais.
Com
tudo
isso,
pode-se
constatar
a
substituição
do
modelo
keynesiano/beveridgiano de bem-estar (no qual o ator central era o Estado) para outro
modelo que visa quebrar a centralidade do Estado e prevê a participação do mercado e
de setores não mercantis e não governamentais (terceiro setor) nas tomadas de decisão
e na prática da política social. Segundo Peter Abrahamson (2004), com a aproximação
flexível entre Estado, mercado e terceiro setor, nenhuma instância tem primazia, mas “coresponsabilidade variável” no trato de novos riscos sociais. É o que pode se chamar de
Welfare mix22. Nesta lógica, para operacionalizarem as políticas com eficiência, o Estado
entra com seu recurso de poder; o mercado, com o dinheiro; e o terceiro setor, com a
solidariedade, numa coalizão de forças capazes de enfrentar dois principais problemas:
crescentes níveis de pobreza e a ameaça que isso representa para a coesão social.23
A arquitetura do Welfare mix está na descentralização e participação (sinônimo de
privatização das políticas públicas), na ênfase nas redes de solidariedade informais e no
trabalho voluntário, na criação de cooperativas de consumidores e no estabelecimento de
serviços civis de apoio aos cidadãos. Behring (2004) afirma que seus processos são
determinações que tensionam, atualmente, a política social, a qual se encontra na
condição de um profundo mal-estar: ajuste neoliberal (financiamento e aumento de
demanda),
particularidades
da
proteção
social
nas
formações
nacionais
e
recrudescimento da miséria e da violência.
No entanto, a política social produzida pelo Estado, mesmo depois de esgotado o
padrão keynesiano/beveridgiano que lhe servia de paradigma, não perdeu status como
estratégia de preservação da economia capitalista e não deixou de fazer parte do atual
22
Ou “Pluralismo de Bem-Estar” ou “economia mista de bem-estar”, definido por Pereira-Pereira
(2004) como o processo de transição do padrão de proteção social que vigorou entre 1945-1975;
um “eufemismo de política social de corte neoliberal” que difere tanto do Estado de Bem-Estar
Social quanto do Estado Liberal.
23
É o principal argumento a favor da política social, que não deve ser encarada como um ônus
para a sociedade, mas como uma precondição à eficiência econômica e à competitividade, como
um mecanismo capaz de congregar esforços do setor público, dos atores coletivos e dos
indivíduos, além de procurar articular-se com políticas econômicas. Visa à criação de políticas
ativas de mercado de trabalho e um esforço integrado de “inclusão” social.
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ciclo de expansão do capitalismo (Pereira-Pereira, 2004).
Isso confirma que o
capitalismo tem dificuldade de conviver com o Estado Social, mas não pode existir sem
ele (Offe, 1988).24
A partir dos anos 1990, a política social passou a ser discutida no âmbito de
instituições supra-nacionais, com três grandes objetivos: incremento do emprego;
redução da pobreza e integração social. A grande preocupação consiste em criar
consensos favoráveis ao estabelecimento da coesão ou da paz social.
No Brasil, de acordo com Pereira-Pereira (2004), as políticas sociais sempre
foram periféricas, tiveram sua maior expressividade nos períodos ditatoriais, e surgiram
na contramão dos direitos da cidadania (Carvalho, 2007). Elas se depararam com a
prevalência dos interesses das elites alinhadas com a burguesia internacional, em
detrimento da priorização das necessidades da maioria da população. Nos anos 1990,
houve o estabelecimento de um neoliberalismo tardio com os governos de Collor de Mello
e FHC. Com isso, e como a “liberalização” de fluxos financeiros é muito assimétrica, os
avanços sociais previstos na Constituição Federal de 1988 parecem ter sido,
gradativamente, esvaziados.
O governo Lula não marcou uma ruptura com os governos neoliberais anteriores,
mas, pelo contrário, conforme a professora Potyara Pereira-Pereira25, as políticas sociais
continuaram a sofrer limitações, com o processo de globalização, despolitização e
privatização geral da vida: políticas de estabilização monetária, endividamento externo e
financeirização econômica. A sociedade age como a “garantidora de direitos”, numa
cidadania atrelada à ajuda voluntária. O voluntariado é incentivado, consistindo num
parceiro privilegiado do Estado em quase todas as áreas sociais, até como subsídio aos
programas de transferência de renda.
Neste cenário, novos movimentos sociais surgem com importante papel na
expressão de demandas dos contingentes vulnerabilizados, conforme José Paulo Netto26,
pela reestruturação do Estado. Dessa forma, torna-se necessário que o Estado e a
24
Vale observar que, com o advento do pluralismo, o Estado teve sua importância minimizada,
mas nunca deixou de exercer papel estratégico. O que sofre restrição é sua intransferível função
de garantir direitos de cidadania social, que apontam para um grande desafio para aqueles que
concebem a política social como satisfação de necessidades sociais (Pereira-Pereira, 2006).
25
Professora da Universidade de Brasília, na palestra “Dimensões conceituais da Política Social”,
proferida durante o Seminário 20 anos do NEPPOS – Núcleo de Estudos e Pesquisas em Política
Social, da Universidade de Brasília, em 19/10/2007.
26
Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ), na palestra “Desafios para a
Política Social no combate à pobreza”, realizada durante o Seminário 20 anos do NEPPOS –
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Política Social, da Universidade de Brasília, em 19/10/2007.
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sociedade civil estejam comprometidos com a política social. Se a sociedade civil quer
ver melhorias, ela tem que se organizar, procurar aliados no campo conflituoso da política
de negociação, persuasão e consensos, pois política consiste em acordos e, conforme
Faleiros (1992), “participação é decisão coletiva”.
Com relação à democracia, contudo, alguns autores como Boaventura de Sousa
Santos (1998) demonstram pessimismo, sob a alegação de que novos processos de
tomada de decisão não têm atendido à demanda dos grupos sociais. Neste ponto,
concorda-se com Eloísa Höfling (2001), que, para melhor compreensão e análise de
políticas públicas sociais implementados por um governo, é fundamental a compreensão
da concepção de Estado e de política social que sustentam tais ações e programas de
intervenção. Mais do que oferecer serviços sociais, as ações públicas, articuladas com as
demandas da sociedade, devem se voltar para a construção de direitos sociais.
A compreensão de que a cidadania não pode conviver com a “exclusão”27 e que,
para tanto, é indispensável retomar a solidariedade como princípio fundamental de
coesão social permeia o debate político contemporâneo, como advoga Lavinas e Varsano
(1997). Numa sociedade extremamente desigual e heterogênea como a brasileira, a
interação entre os atores estatais e privados no processo de produção das políticas
públicas, como afirma Faria (2003), precisa sofrer significativas reformulações e, tendo
em vista o surgimento de novos atores, movimentos sociais e ações coletivas, cabe aos
pesquisadores da política social lidarem com o que Klaus Frey (2000) chama de “uma
realidade caracterizada pela crescente diversidade, complexidade e dinâmica”.
Políticas de promoção da justiça social, garantidoras de cidadania: breve
discussão sobre instituições – menor ou maior presença do Estado?
Ao mesmo tempo em que as políticas e as instituições envolvidas na prestação de
serviços e benefícios na área de combate à pobreza e à desigualdade social apresentam
uma lógica intrínseca, é próprio da gestão governamental o movimento constante de
definições dos objetivos a serem perseguidos pelas suas políticas e programas.
De acordo com a visão de Peláez (1994), as políticas sociais nas sociedades
contemporâneas passam por profundas transformações, não só do ponto de vista
27
Outro termo que, assim como “questão social”, carece de definição precisa. Alguns autores
como Reis e Schwartzman (2002, p.5-6), discutem que o conceito traz implícita a problemática da
desigualdade, “já que os excluídos só o são pelo fato de estarem privados de algo que outros (os
incluídos) usufruem”, o que o torna, portanto, oposto ao conceito de cidadania, que, por sua vez,
refere-se “aos direitos que as pessoas têm de participar da sociedade e usufruir certos benefícios
considerados essenciais”.
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organizacional como também institucional. Mas, sobretudo sofrem transformações no que
diz respeito a suas novas significações do ponto de vista da regulação e reprodução
sociais.
As sociedades contemporâneas identificam como o locus por excelência dos
processos políticos o Estado, com suas instituições, embora não seja este o espaço
exclusivo do exercício da política (Somers,1999). No caso brasileiro, é esta a instância da
sociedade – em suas distintas unidades federadas - a federal, a estadual e a municipal –
que detém o monopólio dos instrumentos necessários para a formulação e
implementação das políticas, seja no que diz respeito à definição de prioridades a serem
contempladas pelo Estado na área social, seja no que diz respeito à definição das formas
de como implementá-las – de que mecanismos e de quais instrumentos lançar mão, que
público alvo priorizar, a que fontes de financiamento recorrer.
No caso brasileiro, a extensão dos direitos e dos serviços sociais dá-se a partir da
situação dos indivíduos no mercado de trabalho. Segundo Carvalho (2007), em sua
análise sobre a construção da cidadania no Brasil, ele chega à conclusão de que a
cronologia e a lógica da seqüência descrita por Marshall (1967) foram invertidas.
A presença do Estado se faz sentir e, independentemente do tamanho dessa
presença e do público alvo a que ela se destina, ela sempre está imbuída de um caráter
redistributivo, que varia de gradação. No entanto, na atual conjuntura dos países
periféricos, é necessário registrar a existência de casos em que o conjunto de ações de
proteção social acaba por reproduzir as desigualdades e diferenças sociais, como no
caso extremo do modelo residual. Daí porque se afirmar que, embora todo sistema de
proteção social envolva um pacto de solidariedade social, na medida em que envolve
distribuição direta e/ou indireta de recursos e riquezas da sociedade entre os diferentes
segmentos sociais, esse pacto de solidariedade nem sempre é virtuoso: ele pode
redistribuir de forma perversa os recursos, seja pelo padrão de financiamento das
distintas políticas na área social, seja pelo acesso aos serviços sociais que o Estado
produz ou provê para a sociedade.
Assim é que as distintas sociedades, ao implementarem esses distintos modelos,
que nelas hoje em dia não se verificam de forma pura, mas combinada comportando
distintos padrões de mix da relação público/privado na produção dos serviços sociais,
com pesos maiores ou menores dos traços que compõem cada um deles, revelam na sua
particularidade uma específica relação entre as funções do Estado, da sociedade e do
mercado na área social. De fato, como afirma Crouch (1999), nos dias atuais, a grande
discussão sobre sistemas e modelos de proteção social recai sobre quais devam ser o
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papel e as funções do Estado, o que cabe à sociedade e o que cabe ao mercado na
garantia do acesso à satisfação das necessidades sociais básicas, sobretudo das
pessoas pobres. E esse debate, no geral, traduz-se numa equação “mais mercado e
menos Estado” ou “mais Estado e menos mercado”, e a depender da escolha realizada,
mudando o papel da sociedade nessa equação.
Da mesma forma que não se pode esperar do mercado que ele supra o papel do
Estado, uma vez que este sempre tem, por definição, sua ação voltada para a promoção
do bem público, no sentido da atender às necessidades gerais da sociedade, enquanto é
da essência do mercado a lógica da satisfação das necessidades privadas dos
detentores do capital e/ou dos consumidores individualmente, à sociedade sempre é
preservado um papel específico.
Dessa forma, a depender do tamanho, da posição e das funções que cada
sociedade em cada momento atribui ao Estado, ao mercado e à sociedade, estes terão
seus papéis, funções e magnitude de ação articulados com aquela concepção central
sobre qual o papel do Estado na área da proteção social definido por cada sociedade
específica em momentos históricos específicos.28
Neste sentido, as políticas sociais surgem como compensatórias, de certo modo,
das desigualdades sociais geradas pelo processo de acumulação capitalista, vale dizer,
pelo mercado, conforme Esping-Andersen (1991).
Relacionado com esse aspecto, Santos (1997) frisa que, nas sociedades modernas,
o paradigma capitalista de regulação social caracterizava-se pela contradição entre os
princípios da emancipação (dos direitos da cidadania), apontando assim para a igualdade
e a integração social, e o da regulação, apontando para o seu oposto, exatamente para a
desigualdade e a subordinação/dominação. E mostra como ambos, por serem então
contraditórios entre si, faziam da emergência dessa contradição exatamente a tensão
necessária para que a emancipação das classes subalternas e dominadas ocorresse.
É nesse sentido que as políticas sociais estão comprometidas com promover,
quando geridas pelo Estado, a justiça social e a “concretização de direitos de cidadania
conquistados pela sociedade e amparados pela lei” (Pereira-Pereira, 2008b, p.101). É por
meio delas que o Estado lança mão dos instrumentos, segundo critérios e parâmetros
negociados socialmente, as riquezas da sociedade entre os distintos segmentos e
28
Embora no caso brasileiro, ao longo da história, possa se verificar uma certa constância na
definição desse papel, como mostra Carvalho (2007), o perfil de atuação do Estado na área social
muda em distintas conjunturas históricas e políticas ao longo do século XX, e início deste. Daí
porque quando se fala de cidadania, de políticas sociais e de políticas de combate à pobreza se
remeter as três das dimensões básicas da sociedade: o Estado, a sociedade e o mercado.
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classes sociais acentuadamente desiguais entre si, conforme mostra Pisón (1998). No
entanto, deve-se ressaltar que o parâmetro da justiça social definido por cada sociedade
(ou, seu inverso, qual o grau de desigualdade social que se pode suportar conviver,
segundo cada sociedade) está em constante processo de redefinição. Redefinição esta
que traduz a composição do jogo de forças políticas e sociais em distintas conjunturas
econômicas - umas mais, outras menos favoráveis a gastos do Estado na área social.
A Constituição “cidadã”
De acordo com Carvalho (2007), não há somente um caminho para a cidadania. E,
no Brasil, pode-se constatar que a cidadania começou a ser consolidada com a
Constituição Federal de 1988. Ela pode ser entendida como o marco inicial da garantia
de direitos de cidadania e da construção da rede de proteção social. Essa Constituição,
que materializa o processo de redemocratização vivido pelo país, resultou de um amplo
processo de discussão e de mobilização política. Dentre seus conteúdos mais
expressivos, merecem destaque: o forte componente de garantia de direitos de cidadania
e de correspondente responsabilização do Estado; de afirmação do compromisso com a
democracia direta, por meio da institucionalização de canais de participação da
população no controle da gestão pública; e, ainda, de construção de um novo pacto
federativo, com ênfase na descentralização e no fortalecimento dos municípios.
No art. 3º da Constituição, são definidos os princípios fundamentais da República
Federativa do Brasil, dentre eles o de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais. Este, portanto, deve ser um dos compromissos de
cada esfera de governo (Campos, Pochmann, Amorim, Silva, 2003). No campo das
políticas públicas, a Constituição garante o direito universal (independentemente de
qualquer pagamento direto ou indireto) à saúde e à educação e, ainda, define que a
Seguridade Social é constituída pelas políticas de previdência social, de saúde e de
assistência social.
Portanto, julga-se que qualquer análise de política pública no país deve considerar,
dentre
outros,
os
seguintes
parâmetros:
o
caráter
federativo
do
Estado,
o
compartilhamento de responsabilidades dos entes federados em relação à redução da
pobreza e da desigualdade, a garantia de direitos de cidadania, com a correspondente
obrigação do Estado, em especial nas áreas de saúde e de educação, como bem lembra
Mesquita, 2007.
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É importante lembrar também que as condicionalidades (dos programas de
transferência de renda), no caso brasileiro, estão associadas a políticas definidas na
Constituição Federal como universais e de responsabilidade do Poder Público. Nesse
sentido, essas condicionalidades podem ser entendidas como um reforço de direitos de
cidadania (do direito de acesso à saúde, educação e assistência social).
Dessa forma, é a própria CF/88 quem cria as bases para a responsabilidade
conjunta e para a cooperação entre a União, estados e municípios no combate à
pobreza, à desigualdade social e à construção coletiva da cidadania.
O Programa Bolsa Família: de conquista em conquista, rumo a um direito de
cidadania
Para Carvalho (2007), a desigualdade é a escravidão de hoje, o novo câncer que
impede a constituição de uma sociedade democrática. Como visto, com menor ou maior
presença do Estado, há uma dificuldade histórica de se produzir resultados que
impliquem a redução da desigualdade e o fim da divisão dos brasileiros em castas
separadas pela educação, pela renda, pela cor. É por isso que uma iniciativa da
dimensão do Programa Bolsa Família (PBF) deve ser analisada sob o prisma das
conquistas sociais, num momento que grandes desafios estão postos para as políticas
sociais. De acordo com Fonseca e Viana (2006), elas devem enfrentar os novos riscos
criados pelas mudanças econômicas, sociais, demográficas e epidemiológicas e
desenhar novos modelos de gestão e parcerias para a provisão e o acesso aos serviços
sociais, cumprindo com os princípios da equidade e da justiça social. Saúde, educação e
assistência social, nessa condição de direitos sociais, são universais, e não podem se
constituir num favor dos governantes ou dos gestores, nem numa caridade. Deve-se
buscar erradicar, além da pobreza, a tentação do “favorecimento” e da utilização de
meios que ferem a cidadania e o direito, por lançarem mão de recursos da rede de
influências e de conhecimento das pessoas, alimentando o velho esquema do
clientelismo, e, negando, com isso, os avanços das conquistas de 1988.
Dessa forma, pode-se dizer que o debate atual sobre a “nova questão social”
(Castel, 1998), no Brasil, contempla dois surpreendentes consensos, após longo período
de debates entre os especialistas da área social, e mesmo da área econômica: a) que a
pobreza é um fenômeno estrutural de nossa sociedade; e b) que o principal fator de sua
persistência está na desigualdade social, que uma vez não combatida tende a reproduzir
essa desigualdade. Mas também é consenso que a pobreza no Brasil segue uma
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trajetória particular, como um problema social a ser enfrentado pelo Estado,
independentemente das formas como aparece e se manifesta na sociedade. Assim,
conhecer seus traços essenciais torna-se importante para que se entendam as
complexas questões enfrentadas pela sociedade brasileira nesse período mais recente
para a necessária busca de uma estreita associação entre políticas de combate à
pobreza e políticas de promoção da cidadania.
O enfrentamento da pobreza, fenômeno complexo cujas causas vão desde a
insuficiência de renda à falta de acesso aos direitos sociais básicos, requer esforços
coordenados das três esferas de governo e da sociedade civil. O PBF procurar conjugar
tais esforços por meio da criação de uma rede intergovernamental responsável pela sua
implementação, buscando criar uma estrutura de coordenação que respeite a autonomia
dos entes federados e reduza os graus de incerteza para cada um dos atores envolvidos.
Fonseca e Viana (2006) destacam que a falta de uma ação pactuada entre os entes
governamentais na assistência social contribuiu para deixar uma herança muito pesada
de questões não resolvidas para o PBF. Afirmam que foi somente “com sua
implementação que a necessidade de pactos federativos entrou na agenda de decisão do
governo” (p.464).
Ora, as políticas sociais são importantes porque elas protegem os indivíduos que
vivem em sociedades contra os riscos próprios da vida humana e assistem às
necessidades desses indivíduos; que surgem em diferentes momentos e em situações
concretas de dependência. É papel do Estado ser o provedor dos serviços e benefícios
que respondam à satisfação das necessidades sociais básicas dos cidadãos brasileiros,
para, como prefere Marx (1983), alcançarem sua “emancipação”.
Nesta perspectiva, a finalidade do PBF, no curto prazo, é aliviar os problemas
decorrentes da situação de pobreza e, no longo prazo, investir no capital humano,
quebrando o ciclo da pobreza entre gerações. Vários trabalhos têm sido realizados para
avaliar os impactos do PBF sobre variáveis como freqüência escolar, trabalho infantil,
gastos com alimentação, entre outros. Tais estudos mostram que o Programa já
apresenta resultados importantes como a contribuição significativa para redução da
pobreza e da desigualdade e para a melhoria da situação alimentar e nutricional das
famílias beneficiárias.
Soares et al (2007) mostra que o PBF foi o segundo fator que mais contribuiu para
a redução da desigualdade de renda no país, ainda que essas transferências
representem apenas 0,5% da renda total das famílias brasileiras. Entre 1995 e 2004, o
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Índice de Gini29 no Brasil caiu 4,7%, tendo sido o PBF responsável por 21% dessa queda.
O Programa também teve impactos significativos sobre os índices de pobreza e,
sobretudo, de extrema pobreza no Brasil, sendo responsável por 12% da redução da
pobreza e 19% da extrema pobreza no país neste período. As transferências realizadas
pelo Programa representaram mais de 10% do total da renda percebida pelos 5% mais
pobres da população brasileira. A pesquisa também mostra que o PBF teve impacto
significativo sobre o consumo das famílias assistidas com gêneros alimentícios, educação
e vestuário infantil.
O PBF também teve impacto positivo sobre os índices de freqüência e de evasão
escolar. A falta injustificada de crianças assistidas pelo programa é 3,6% menor que o de
crianças não atendidas. A probabilidade de deixar a escola também é menor entre as
crianças assistidas pelo Programa (1,6%). A redução dos índices de evasão escolar,
entretanto, foi acompanhada do aumento do número de reprovações, o que confirma que
o Programa, ao intervir apenas na demanda, não é capaz, por si só, de impactar
positivamente em todos os aspectos educacionais.
Outro resultado apresentado por Soares et al (2007) foi o impacto positivo na
participação da força de trabalho, sobretudo entre as mulheres. Adultos assistidos pelo
Programa tiveram participação no mercado de trabalho 2,6% maior do que aqueles não
assistidos, sendo a participação das mulheres beneficiadas pelo programa 4,3% maior
que a de homens assistidos. Tal fato contraria as críticas feitas aos programas de
transferência de renda segundo as quais tais iniciativas estimulariam as pessoas
assistidas a parar de trabalhar.
Sob o ponto de vista da sua gestão, também a avaliação pode ser considerada
boa. Nos cinco anos de existência, construiu um denso e complexo arcabouço legal no
sentido de institucionalizar uma estrutura de coordenação intra e intergovernamental que,
não sem alguns percalços, vem administrando os conflitos e permitindo a construção de
sistemas de informação e procedimentos seguidos pelos diversos atores envolvidos no
seu processo de implementação.
É sabido que todos estes avanços foram obtidos a partir da indução e
coordenação da União, no sentido de estabelecer uma dinâmica produtiva de
funcionamento da rede intergovernamental que informa o modelo de gestão do PBF,
buscando reduzir incertezas, respeitar a autonomia e não estabelecer relações de
subordinação em relação aos demais entes federativos. Todavia, este processo é
29
Indicador que mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos, segundo a
renda domiciliar per capita.
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Políticas Públicas: participação, transparência e inclusão social
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naturalmente conflitivo e o fato de a União estar em posição de vantagem em relação aos
recursos disponíveis para desempenhar seu papel tem, por vezes, resultado em um
protagonismo equivocado, desequilibrando o funcionamento da rede e prejudicando sua
consolidação. A coordenação de uma rede com alto grau de interdependência entre seus
atores demanda sabedoria e discernimento sobre momentos de avançar, induzir e
propor, tanto quanto sobre momentos de aguardar, orientar e ouvir.
A gestão de conflitos pela via negociada, utilizando, moderadamente, os recursos
de poder, pode ser mais custosa e demorada, mas quem ganha é a estrutura de gestão
do PBF, que assim acelera seu caminho rumo a uma política pública consolidada,
reduzindo os riscos de ser afetada por descontinuidades administrativas decorrentes de
eventuais mudanças de orientação político-ideológica em todas as esferas de governo,
sobretudo a federal.
Portanto, é possível identificar, nas reflexões sobre o conceito de cidadania e nos
debates que são gerados a partir dele (políticas sociais de enfrentamento da pobreza e
da desigualdade social, para emancipação dos cidadãos), a noção de transformação
social. No âmbito da cidadania, os direitos sociais são os mais dinâmicos e,
consequentemente, os que têm se multiplicado e se especializado, conforme indica
Bobbio (1992).
Nesse sentido, vale ressaltar que há um relativo consenso de que o PBF impede
que milhões de famílias caiam na mais extrema miséria, revestindo-se de inegável
importância social. Todavia, há outras questões que ainda estão por serem resolvidas.
Uma delas é a discussão sobre transformação ou não do Programa em um direito de
cidadania. Existem atualmente mais de dois milhões de famílias no CadÚnico30 com perfil
compatível para serem incluídas no PBF, e somente não o são por conta da limitação das
metas municipais (quotas de beneficiários) previstas a partir dos dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tendo em vista os critérios de elegibilidade
do Programa31. Cabe, então, rever até que ponto a fixação de tais metas corresponde à
realidade atual, para que o Programa alcance efetivamente a população mais vulnerável
do país, contribuindo para aboli-la da escravidão da desigualdade. A legitimação legal e
real do PBF como um direito de cidadania contribuiria para a superação de barreiras que
impedem a constituição de uma sociedade verdadeiramente democrática e, além do
mais, coroaria sua trajetória no aperfeiçoamento do sistema de proteção social brasileiro.
30
Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal.
31
Sobre isso, ver a Portaria GM/MDS Nº 341, de 07 de outubro de 2008.
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Anotações sobre políticas de ações afirmativas e a problematica do
desenvolvimento no Brasil
Remarks about affirmative action policies and the problematic of development in Brazil
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Bas´Ilele Malomalo1
Resumo
O meu objetivo nesse trabalho é apresentar o estado da questão dos programas de
ações no Brasil. Não almejo me aprofundar no debate teórico, mas me apoiando na
abordagem avaliativa, faço uma reflexão sobre os objetivos reais das políticas de ações
afirmativas na sua relação com a temática do desenvolvimento humano. Para tanto,
busco responder na pergunta seguinte: a política de ação afirmativa é um projeto de
alienação ou de emancipação da população negra?
Palavras-chave: Ações afirmativas, Desenvolvimento, Alienação, Emancipação
Brief
My objective in this work is to present the state of affirmative action programs in Brazil. I
do not intent to carry out a deep theoretical debate, however, throughout an analytical
perspective I develop a reflection about the real objectives of the affirmative action
policies and their relation with human development. To do so, I seek to answer the
following question: the affirmative action policies is a project of alienation or emancipation
of the black population ?
Keywords: Affirmative Actions, Development, Alienation, Emancipation
Introdução
O meu objetivo nesse trabalho é apresentar o estado da questão dos programas
de ações no Brasil. Não almejo me aprofundar no debate teórico, mas me apoiando na
abordagem avaliativa, faço uma reflexão sobre os objetivos reais das políticas de ações
1
Doutorando em Sociologia na Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Faculdade de
Ciências e Letras – Campus Araraquara, Pesquisador do NUPE - Núcleo Negro de Extensão e
Pesquisa da UNESP, Centro dos Estudos das Línguas e Culturas Africanas e da Diáspora Negra
(CLADIN-UNESP); membro fundador do Instituto do Desenvolvimento da Diáspora Africana no
Brasil – IDDAB e professor da UNICASTELO. Contato: [email protected]
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afirmativas na sua relação com a temática do desenvolvimento humano (PNUD, 2005).
Dessa forma, estarei respondendo na pergunta seguinte: a política de ação afirmativa é
um projeto de alienação ou de emancipação da população negra?
Divido esse trabalho em duas seções. Na primeira, apresento a problemática da
política de ações afirmativas no Brasil. Na segunda, identifico os programas escolhidos
para a avaliação na minha pesquisa de doutorado considerando o período histórico dos
dois governos de Fernando Henrique Cardoso (1o de janeiro de 1995 a 31 de dezembro
de 2002) e do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (1o de janeiro de 2003 a 31
de dezembro de 2006). Enfim, faço minhas considerações finais respondendo a pergunta
feita acima e apontando novos caminhos metodológicos.
A problemática da política de ações afirmativas no Brasil
O debate sobre ações afirmativas no Brasil gira em torno de duas posições: a dos
que defendem a sua implementação, e a daqueles que estão contra elas2. Esse debate
trouxe várias conseqüências dentro da sociedade brasileira. Limito-me em evocar
somente algumas. O questionamento do mito da democracia racial que levou Sergio
Costa (2001) em falar de sua agonia ocorrida a partir da “etnicização” das relações
sociais da parte dos movimentos anti-racistas ligados ao movimento negro. Com isso, o
que se tem visto é a construção de uma “democracia plural” à brasileira, apropriando-me
da expressão de Benoît Lévesque (2004). Novos atores, sobretudo, do segmento negro
começaram a ter acesso aos espaços, que até então, eram reservados aos brancos. É
dessa forma que uma camada dos intelectuais brasileiros tem encarado o debate sobre
ações afirmativas como a efetivação da democracia no Brasil (GUIMARÃES, 1999;
PAIXÃO, 2007).
Apesar de suas limitações, que fazem parte da incompletude de toda ação
humana, invenção cultural (MORIN, 1999; SANTOS; NUNES, 2003), as políticas de
ações afirmativas começaram a ter efeitos em toda sociedade e, sobretudo, a trazer seus
benefícios para seus beneficiários. A impressão que se tem, na atualidade, é que os
benefícios simbólicos são mais visíveis do que os materiais. A notícia trazida na capa da
Folha S. Paulo (2008) segundo a qual o “País terá mais negros que brancos neste ano”
tende a confirmar essa impressão.
2
Seus atores podem ser identificados nas assinaturas dos manifestos que retratam a guerra
simbólica presente no Brasil na atualidade: MANIFESTO EM FAVOR DA LEI DE COTAS E DO ESTATUTO
DA IGUALDADE (2006); MANIFESTO ANTICOTAS: Cidadãos anti-racistas contra as leis raciais (2008);
MANIFESTO PRÓ-COTAS (2008); MANIFESTO EM DEFESA DA JUSTIÇA E CONSTITUCIONALIDADE
DAS COTAS (2008).
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Sobre essa estimativa, o IPEA pondera: ‘Se as tendências de fecundidade
continuarem como estão nos últimos anos, a partir de 2010 o Brasil será um país de
maioria absoluta de negros. Como as taxas de fecundidade estão caindo também entre
as mulheres negras, haverá uma proporção de negros, talvez em torno de 50% da
população (FOLHA S.PAULO, 2008).
Prosseguindo, a mesma Folha S.Paulo (2008) relata: “Segundo a Pnad de 1976, a
população brasileira era formada por 57,2% de brancos e 40,1% de negros (soma de
pretos e pardos). Trinta anos depois [2006] passaram a representar 49,5% da população,
contra 49,7% dos brancos”. Essa notícia não é novidade no meio negro. Seus
intelectuais, como Guerreiro Ramos (1995) e Abdias Nascimento (2002), já nos anos de
1940-1970 vinham defendendo que o povo negro não era uma “minoria étnica”, pelo
contrário “maioria” no Brasil. As gerações atuais, defensoras das políticas de cotas e de
ações afirmativas, interpretaram essa notícia como uma das vitórias dessas políticas de
reconhecimento de igualdade racial reivindicadas pelos movimentos negros e sociais há
anos. Pois, no seu entendimento, os negros que se escondiam atrás de uma identidade
“branca virtual” estariam assumindo a sua “verdadeira identidade”, a sua negritude.
Do lado oposto, os benefícios materiais continuam sendo desiguais do ponto de
vista sua distribuição étnico-racial. Apesar do crescimento econômico e do debate sobre
ações afirmativas no campo da economia, o que se verifica ainda é a distribuição
desigual dos bens produzidos no país (PAIXÃO, 2006, 2007). O campo da economia
continua sendo o núcleo duro da penetração das políticas de ações afirmativas. Nesse
campo a “raça” continua sendo ainda um tabu. “Atualmente, segundo dados do IBGE
reunidos no estudo do IPEA, a média salarial dos negros representa 53% da média entre
os brancos”, escreve a Folha S. Paulo (2008). Prossegue o jornal paulista: “De acordo
com o instituto, uma equiparação de renda somente ocorrerá em 2040, isso diante da
manutenção do atual ritmo de aquecimento social, provocado entre outros pelo programa
Bolsa Família e pelo aumento do poder de compra do salário mínimo”. Mario Theodoro,
ativista negro e diretor de Cooperação e Desenvolvimento do IPEA, que fez essa
afirmação nesse jornal, sabe que o desenvolvimento social e econômico da população
negra só será alcançado havendo uma combinação inteligente das políticas universais
com as focais, isto é, àquelas que visam os grupos sociais tradicionalmente
discriminados pela razão da sua cor/raça, sexo, opção sexual ou religiosa. O governo
atual mais do que as empresas capitalistas brasileiras tem tentado atuar nessa
perspectiva. O que defendo é que tais políticas fundamentadas na lógica conjuntiva, isto
é, combinação das duas modalidades de políticas públicas mencionadas, devem ser
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implementadas a partir de uma concepção etica e politicamente condizentes com a visão
e as necessidades das populações beneficiadas.
Enfim, na atualidade, o que se observa é que algumas questões ligadas à
implementação de políticas de ações afirmativas e cotas para populações negras
parecem estar em fase de superação. O tempo e as avaliações feitas sobre elas estão se
estabelecendo em seus únicos juízes. Assim, apesar da posição contrária da mídia
dominante (a Globo, por exemplo) e de seus intelectuais, “profetas do ódio racial”3, e a
manipulação das informações da sua parte, muitos cidadãos brasileiros não só estão a
favor de políticas de cotas (SANT´ANNA, 2006), e porque não dizer também a favor de
políticas de ações afirmativas para negros e indígenas, mas estão se conscientizando
igualmente sobre esse debate relegado até então aos especialistas.
O tempo e as avaliações em curso têm corroborado os argumentos dos
defensores dessas políticas, mostrando que os argumentos dos “profetas do ódio racial”
são simplesmente puras falácias como bem indicou Antonio Sérgio Guimarães (1999).
Entre essas falácias, podemos citar só algumas idéias veiculadas pelos opositores. No
que diz respeito às relações sociais, eles continuam afirmando que o Brasil é um paraíso
racial, uma democracia racial; seria difícil de saber quem é negro no Brasil, pois o povo
brasileiro é mestiço, misturado, “vira lata” como se diz no senso comum. Sobre as
desigualdades entre brancos e não-brancos, argumentam que seu fundamento é social e
não racial. No tocante às formas de intervenções para a superação das desigualdades,
eles entendem que as ações afirmativas e cotas destroem o princípio meritocrático; são,
para eles, um tipo de racismo invertido. Em relação às cotas nas universidades públicas
afirmam que seus beneficiários não iam acompanhar os estudos; a sua entrada nas
universidades ia baixar o nível. Portanto, a verdadeira solução, para eles, estaria numa
política de cunho universalista. Enfim, contrários as evidências históricas, afirmam que
essas políticas seriam uma copia de políticas dos Estados Unidos.
Contra esses argumentos, quem defende as políticas de cotas e ações afirmativas
tem afirmado que a democracia racial é um mito de dominação da elite branca contra a
população negra seguindo a perspectiva teórica de Florestan Fernandes (1965); é um
genocídio étnico conforme Abdias Nascimento (2002); inviabiliza a emergência de uma
identidade negra afirmativa, politicamente articulada. O Brasil não é um país democrático,
3
Bastaria o leitor ler as obras que a seguir cito para se dar conta da manifestação da sua
“profecia do ódio racial”, “profecia de má-sorte”: Não somos racistas: Uma reação aos que querem
nos transformar numa nação bicolor (KAMEL, 2006); Divisões perigosas: Políticas raciais no Brasil
contemporâneo (FRY et al.., 2007); A revolução quilobola : Guerra racial, consisco agrário e
urbano, coletivismo (BARRETO, 2007).
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pois é socio-racial e economicamente desigual. Para esse grupo, a identidade nacional
brasileira é plural. Portanto, não é “mestiça” como quer o pensamento dominante, pois,
essa perspectiva da mestiçagem é uma celebração da brancura (RAMOS, 1995) e a
negação da diversidade, isto é, das identidades não-brancas européias, indígenas,
africanas e asiáticas presentes no nosso país.
Nesse sentido, entendo que a construção de uma identidade negra, na atualidade,
é e deve ser um posicionamento político que reivindica a pluralidade da identidade
nacional e não a sua bipolarização como alegam os opositores (KAMEL, 2006; FRY et
ali., 2007). Situar a origem das políticas de cotas e ações afirmativas nos Estados Unidos
é uma falácia histórica e geográfica, pois, elas começaram na Índia nos anos de 1940
(MOORE, 2007). Além disso, como invenções culturais dos povos, o Brasil pode
aprender com os outros e aperfeiçoá-las.
Enfim, outras respostas às críticas dos
opositores, que deixamos de abordar, estão sendo dadas pelas avaliações de programas
de cotas e de ações afirmativas que estão em curso no país. Todas elas apontam para o
sucesso
dessas políticas contrariando os discursos da “profecia da má-sorte”
(MANIFESTO EM DEFESA DA JUSTIÇA, 2008; MARQUES, 2008).
Programas de ações afirmativas: um projeto de alienação ou emancipação?
O meu projeto de doutorado é uma reflexão sobre as relações existentes entre
políticas de ações afirmativas e a temática do desenvolvimento sendo feita através da
avaliação de certos programas selecionados que apresento nessa seção. Fundamentome a partir desses para responder a essa pergunta: as políticas de ações afirmativas são
um projeto de alienação ou de emancipação?
Do ponto de vista de produção teórica, a maioria das publicações concentra-se
sobre o tema de cotas e ações afirmativas no ensino superior. Há uma razão históricopolítica para tal opção. O movimento negro, como ator principal, reivindicador dessas
políticas apostou todas suas energias no ensino superior pelo fato de ser a chave de
abertura das portas para a mobilidade social na sociedade capitalista moderna. No
balanço que fiz em meu exame de qualificação, em agosto de 2008, esse fato se
confirmou.
Para não reduzir o debate de ações afirmativas à questão de cotas, estou
sugerindo o direcionamento das investigações no sentido de se refletir sobre as relações
entre políticas públicas de ações afirmativas e o tema do desenvolvimento social e
econômico. Ao lado da minha reivindicação em relação à escolha e construção do objeto,
reclamo também por uma nova abordagem metodológica. A minha inspira-se das
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propostas epistemológicas bourdieusianas (BOURDIEU, 2001) que defendem o
pluralismo teórico-metodológico. Na minha investigação combino a pesquisa teórica,
documental com a pesquisa de campo e de avaliação de programas de “quinta geração”
(FONTAN; LACHANCE, 2005)4. Com essa abordagem pluralista, pretendo analisar
alguns programas que visam ao “desenvolvimento humano”, conforme a concepção do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), da população negra no
campo da educação, cultura, da saúde e saneamento básico, dos direitos, do mercado de
trabalho, levando-se em conta também a dimensão geográfica: os territórios ocupados
pelas populações negras urbanas e rurais, os quilombolas, no Estado de São Paulo.
Para cumprir com essa agenda de investigação, elaborei um instrumento de
análise que denomino de “quadro temático de um desenho de análise para programas de
ações afirmativas”.
1. Identificação do (s) informante (s)
2. Identificação da instituição/organização
3. Identificação do programa
4. Parcerias e financiamento
5. Metodologia: Participação e estratégias
6. Relações do programa com a questão do desenvolvimento da
comunidade/população negra
7. Impactos sociais e econômicos
8. Avaliação da avaliação do programa
Com esse instrumento de avaliação de programas, pretendo recolher as principais
informações dos programas de algumas ações afirmativas em curso no Brasil. Este
instrumento foi construído para servir como um questionário/ formulário flexível às
realidades dos informantes. Por exemplo, para os quilombolas, ficaria mais maleável o
uso do questionário do que do formulário pelo fato de encontrar um grande número de
analfabetos; já para os gestores e beneficiários negros urbanos, o formulário é o
instrumento apropriado para a coleta de dados. Pois, a maioria é alfabetizada e tem
acesso às novas tecnologias de informação. Combino essas técnicas de coleta de dados
com a de entrevista para complementar as informações que o instrumento de avaliação e
as fontes documentárias não me possibilitarão de ter acesso.
Selecionei nove (9) programas da área urbana do Estado de São Paulo. Pretendo
aplicar as entrevistas coletivas ou individuais. A elaboração da minha agenda de
4
É um modelo de avaliação ligado ao pensamento do desenvolvimento alternativo dos
anos de 1990: a nova sociologia econômica, economia popular e solidária ou social, o
desenvolvimento local, desenvolvimento econômico comunitário, o desenvolvimento humano da
PNUD.
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pesquisa, depende das negociações que farei com meus informantes. Além disso, farei
um teste-piloto para verificar a validade do instrumento de avaliação que construí.
Tabela 1: programas de ações afirmativas para a população negra urbana
CAMPO DO DESENVOLVIMENTO SÓCIO-CULTURAL (A1)
Ações afirmativas no campo da educação
(A1) Projeto Vestibular da Educafro de Santa Isabel5
(A2) Projeto da inclusão do negro da AfroBras: Universidade Cidadania Zumbi de
Palmares (UniPalmares)6
Ações afirmativas no campo da saúde e saneamento
(A3) Ações da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo: Introdução do quesito
cor nas informações de saúde e treinamento de profissionais para análise desse
dado7.
Ações afirmativas no campo da cultura e mídia
(A4) Centro de referência Afro do Município de Araraquara : Oficina de História e
Cultura Africana e Afro-Brasileira (Aepir/Nupe Unesp)8
(A5) Oficina de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira (Assaoc; assessoria de
gênero e etnia da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo e Nupe/UNESP)9.
5
Denomina-se como Rede de Vestibulares Comunitários - Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro). Organiza-se a partir de Núcleos locais. Além de cursos de
vestibulares, desenvolve também programas de bolsas para garantir a permanência dos
estudantes nas universidades públicas e privadas.
6
Associação Afro-Brasileira de Desenvolvimento Sócio-cultural (AfroBras) é uma
organização da sociedade civil fundada em 1997 em São Paulo. Em 2002, funda o Instituto AfroBrasileiro do Ensino Superior, mantenedor da UniPalmares, como um projeto de inclusão de
negros.
7
Em 2006, foi feito uma pesquisa piloto. Entrevistamos o responsável da Coordenadoria
Estadual da Saúde da População negra. Dessa conversa tivemos uma idéia clara sobre as ações
em andamento e decidimos nos concentrar em dois programas, um na cidade e outro nos
quilombos, presentes na Tabela 1.
8
Esse projeto nasceu do diálogo estabelecido entre os integrantes do movimento negro
local, os pesquisadores do Núcleo Negro da UNESP Para Pesquisa e Extensão (NUPE) com a
Prefeitura do Município de Araraquara. Assessoria Especial de Promoção de Igualdade Racial
(Aepir) é a sua reposta política no primeiro mandato do prefeito do PT. Ver anexos 9 e 10.
9
A Associação Amigos das Oficinas Culturais do Estado de São Paulo (Assaoc) é a
Organização Social de cultura responsável, desde abril de 2005, pela gestão das oficinas culturais
implantadas no Estado de São Paulo — sete delas na capital e quinze no interior do Estado — e
pela gestão de programas associados, projetos desenvolvidos em pólos irradiadores, além
daqueles desenvolvidos por entidades parceiras da Secretaria de Estado da Cultura, como a Casa
de Solidariedade (Cf. http://www.assaoc.org.br/).
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Ações afirmativas no campo da cidadania e direitos
(A6) Atendimento jurídico do INPB10
(A7) SOS Racismo da Assembléia legislativa de São Paulo.
CAMPO DO DESENVOLVIMENTO SÓCIO-ECONÔMICO (A.2)
Ações afirmativas no campo da economia capitalista
(A8) Programa de Capacitação G11 Dow11
(A9) Programa de Capacitação de Afro-descendentes do Banco Itaú em parceria com
Unipalmares e EducAfro.
Dentro das populações negras rurais quilombolas, aplicarei as entrevistas aos
membros de duas comunidades quilombolas: Ivaporanduva (B) e Cafundó (C). Na
primeira comunidade selecionei sete programas/projetos, e na segunda também. São no
total quatorze programas/projetos. As entrevistas serão grupais, isto é, respeitando os
valores e a organização das comunidades, elas serão feitas, de um lado, com o grupo de
liderança comunitária e, de outro lado, com um pequeno grupo de membros das
comunidades que participaram ou foram beneficiados pelos programas de ações
afirmativas selecionadas.
Tabela 2 : Comunidades quilombola Ivaporanduva (B)
CAMPO DO DESENVOLVIMENTO SÓCIO-CULTURAL (B1)
Ações afirmativas no campo da educação
(1) Projeto Vestibular da Educafro
(2) Escola da comunidade
Ações afirmativas no campo da saúde e saneamento
(3) Ações da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo: Investimento nos
Programas de Saúde da Família (Qualis/PSF) em municípios com comunidades
remanescentes de quilombos
(4) Projeto de construções de casas
Ações afirmativas no campo da cultura e mídia
(5) Projeto Quilombos Vivos: Oficina de História e Cultura Africana e AfroBrasileira (Assaoc; Assessoria de Cultura para Gênero e Etnias da Secretaria de
Estado da Cultura de São Paulo e Nupe/Unesp.
Ações afirmativas no campo da cidadania e direitos
(6) Atendimento jurídico feito pelo ITESP ou outro agente
CAMPO DO DESENVOLVIMENTO SÓCIO-ECONÔMICO (B2)
Ações afirmativas no campo da economia social e solidária
(7) Projeto de plantação de bananas orgânicas
1
0
Organização da sociedade civil do movimento negro paulista fundada em 1987
com o nome do Instituto do Negro (IN). Em homenagem ao seu fundador falecido em 1992, leva o
nome do Instituto do Negro Padre Batista I(INPB).
1
1
É um programa de capacidade profissional e de oferta de bolsas de estudos para
onze jovens afro-descendentes que têm um desempenho escolar melhor nas universidades e que
moram perto da empresa Dow AgroSciences no Brasil. Esta é uma empresa norte-americana do
setor agro-químico.
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Tabela 3 : Comunidades quilombola Cafundó (C)
CAMPO DO DESENVOLVIMENTO SÓCIO-CULTURAL (C1.)
Ações afirmativas no campo da educação
(1) Projeto de Alfabetização dos adultos (Sebrai)
Ações afirmativas no campo da saúde e saneamento
(2) Ações da Secretaria da Saúde de São Paulo : Investimento nos Programas
de Saúde da Família (Qualis/PSF) em municípios com comunidades
remanescentes de quilombos
(3) Projeto de construções de casas
Ações afirmativas no campo da cultura e mídia
(4) Projeto Quilombos Vivos : Oficina de História e Cultura Africana e AfroBrasileira (Assaoc; Assessoria de Cultura para Gênero e Etnias da Secretaria
do Estado de São Paulo e Nupe/UNESP
(5) Projeto de capoeira
Ações afirmativas no campo da cidadania e direitos
(6) Atendimento jurídico feito pelo ITESP ou outro agente.
CAMPO DO DESENVOLVIMENTO SÓCIO-ECONÔMICO (C2)
Ações afirmativas no campo da economia social e solidária
(7) Projeto de horta comunitária
Tenho hoje a plena consciência que a minha investigação abre um novo caminho
para a realização de pesquisa que buscam relacionar a questão do multiculturalismo, ou
seja, políticas públicas de ações afirmativas e cotas, e o desenvolvimento das
populações negras. Além disso, sei que trata-se de um projeto de pesquisa que exige
uma ação-investigação coletiva do que individual. Para tanto, após o meu o exame de
qualificação, reduzi os números de programas para investigação, e me concentrarei
somente àqueles ligados ao espaço urbano. Além disso, estou privilegiando os
programas/projetos que têm publicado total ou parcialmente seus relatórios. Pois, estes
são fontes de informações indispensáveis para a realização de qualquer investigação
científica.
É a partir do material a minha disposição que tentarei de responder à pergunta
feita acima: política de ação afirmativa é um projeto de alienação ou de emancipação da
população negra? Concentrar-me-ei somente na descrição de alguns programas e seus
indicadores de avaliação tais como: objetivos e os agentes envolvidos, executores,
financiadores e as suas parcerias. Por uma questão de limite de espaço, escolhi
apresentar só três programas/projetos.
O primeiro é o Projeto de Rede de Pré-Vestibulares Comunitários da Educação e
Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro)12. O seu objetivo geral é esse:
12
Todas as informações sobre esse Programa foram retiradas do seu site oficial: Fonte:
http://www.educafro.org.br/index.asp. Acessado em 28 jun. 2007.
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[...] reunir pessoas voluntárias, solidárias e beneficiárias desta
causa, que lutam pela inclusão de negros, em especial, e pobres
em geral, nas universidades públicas, prioritariamente, ou em uma
universidade particular com bolsa de estudos, com a finalidade de
possibilitar empoderamento e mobilidade social para população
pobre e afro-brasileira.
Os objetivos específicos da Educafro, conforme o seu portal, que contribuem para
o cumprimento da sua missão são:
• Proporcionar surgimento de novas lideranças e cidadãos
conscientes
nas
comunidades
e
nas
universidades.
• Formação cidadã e acadêmica através das aulas de professores
voluntários
nos
cursinhos
comunitários.
• Apresentar propostas de políticas públicas e ações afirmativas
aos
poderes
executivos,
legislativo
e
judiciário.
• Despertar nas pessoas a responsabilidade e autonomia na
superação de dificuldades tornando-as protagonistas de suas
histórias;
• Valorizar radicalmente, a organização de grupos sociais na
periferia como instrumento de transformação social e pressão junto
ao Estado.
Até o momento não consegui os dados quantitativos para traduzir o ativismo
social dessa organização social do movimento negro brasileiro. Para superar essa
carência, no dia 24 de abril, fiz uma visita etnográfica no seu espaço anotando no meu
caderno alguns dados publicados nos cartazes colocados no mural da sede de São
Paulo. O que chama atenção é a consciência que essa organização tem em relação à
sua atuação nas últimas mudanças que houve no campo educacional brasileiros.
Ademais, todos os cartazes são legitimados pelo logomarca da Educafro e do SEFRAS –
Serviço Franciscano de Solidariedade.
No que posso chamar de “primeiro cartaz”, aparece a foto de São Francisco com
o menino Jesus no colo e está escrito: “OS FRANCISCANOS E O POVO ORGANIZAM
255 NÚCLEOS DE PRÉ-VESTIBULARES PARA NEGROS E POBRES”. No “segundo
cartaz” ilustado pelo um casal de jovens negros, o menino abraçando a menina, lê-se:
“UERJ REVELA: 65% DOS PROFESSORES QUE DÃO AULA PARA COTISTAS, SÃO A
FAVOR DAS COTAS!”. No “terceiro cartaz” que se relaciona à ProUni aparece essa
observação: “MAIS DE 500 MIL NEGROS E POBRES REALIZAM O SONHO DE
ENTRAR NAS UNIVERSIDADES PARTICULARES”. O último cartaz ilustrado com uma
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foto de militantes negros e alunos da Educafro, em maioria negros, assegurando na mão
uma faixa com essa mensagem: “ O NEGRO VAI A LUTA: O NEGRO VAI A GUERRA;
NEGRO AJUDOU A CONSTRUIR A NOSSA TERRA” aponta a lógica de contradições
das organizações sociais contemporâneas. Esses discursos “militantes” visíveis nos
cartazes da Educafro soam ainda as vozes das lutas libertárias dos movimentos sociais
dos anos de setenta e oitenta. Porém, não se tratam de “discursos radicais” daquela
época. Hoje, o “realismo político” leva as organizações sociais como a Educafro a
negociar com seus “adversários”. Estes têm se tornados até um certo ponto “parceiros”
na implementação de suas ações. Os ativistas da Educafro do quarto cartaz estavam na
frente do UNIBANCO fazendo suas reivindicações, “mas” ao mesmo tempo havia essa
mensagem naquele cartaz: “INCLUSÃO DE AFROS NA FEBRABAN (EXEMPLO:
BANCO ITAÚ) EM 2003: 155 CONTRATAÇÕES; EM 2007: 1269 CONTRATAÇÕES”.
Por que sitiar o UNIBANCO? A explicação é que ele até esse momento não teria aderido
ao novo pacto que vem se construindo entre as organizações do movimento negro e as
organizações financeiras.
O segundo é o Projeto de Inclusão social da Universidade da Cidadania Zumbi
dos Palmares ou a Unipalmares13. Ao entrar no seu portal logo se lê numa de suas
páginas: a “Primeira Faculdade de Inclusão do Negro já está em funcionamento”, e logo
descreve a sua missão:
Numa atitude de vanguarda e com a missão de proporcionar um novo enfoque e
condução da temática do negro no país, a ONG Afrobras - Sociedade Afro-Brasileira de
Desenvolvimento Sócio Cultural, através do Instituto Afro-Brasileiro de Ensino Superior,
colocou em operação em 2004, em São Paulo, a Faculdade de Administração Zumbi dos
Palmares, primeira fase do Projeto da Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares.
A Zumbi dos Palmares é a primeira faculdade do Brasil e, com este
perfil, uma das poucas no mundo, que visa a inclusão do negro e
do afro-descendente no ensino superior do país. É uma proposta
inédita e consistente para minimizar a questão da dificuldade de
inclusão das classes menos favorecidas no ensino superior.
13
Todas as informações sobre esse Programa foram retiradas do seu site oficial: Fonte:
http://www.unipalmares.edu.br/index.php?option=content&task=view&id=24. Acessado em 28 jun. de 2007.
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Autorizada a funcionar pelo MEC- Ministério da Educação, a Zumbi
dos Palmares pretende consolidar o acesso e a permanência da
população negra no ensino superior, com total subsídio das
iniciativas pública e privada, mediante parcerias, assim como,
viabilizar a integração de negros e não-negros em ambiente
favorável à discussão da diversidade racial, no contexto da
realidade nacional e internacional.
Na definição da sua identidade, ressalta o que lhe distingue de outras
universidades existentes no país:
O grande diferencial da Zumbi dos Palmares é a constituição de
uma faculdade de excelência, com formação humanística do
Administrador - Administração é o primeiro curso da faculdade distanciando-se da visão meramente tecnocrática. Além disso, a
Faculdade oferece apoio ao estudante em diversas áreas. Conta
com um Laboratório de reforço extracurricular nas matérias:
Português, matemática, inglês e informática; um Centro de Apoio
Pessoal com Psicólogo, assistente social, orientadores educacional
e profissional.
Essa diferença se firma também no seu currículo:
No currículo, outro diferencial - a transversalidade, com a
centralização de foco nas matérias básicas, como por exemplo, nas
matérias Comunicação e Expressão, serão tratadas a Língua e a
Cultura. Na Sociologia, a relação racial e não só de classe; no
Direito, a Justiça e Igualdade e na Filosofia, a Ética, a Isonomia e a
Equidade.
O aluno da Faculdade Zumbi dos Palmares também terá a
oportunidade de um treinamento prático através dos intercâmbios
internacionais firmados entre a Faculdade e outras instituições;
cursos de Extensão Strito e Latu Sensu; cursos de Capacitação e
Qualificação pessoal.
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A inserção de seus alunos negros, para seus gestores, traz outro diferencial
identitário:
Outro diferencial para o aluno é a fonte de garantia mínima de
empregabilidade, uma vez que a Afrobras firmou diversos
convênios para trainees e estágios com as iniciativas pública e
privada. Dentre os convênios Internacionais, destaca-se a
Fundação Coca-Cola (Atlanta, EUA). Outra parceria de peso, com
a finalidade de promover o intercâmbio de capacitação e
qualificação de professores e alunos é com o Consórcio de
Mississipi para o Desenvolvimento Internacional, que reúne quatro
universidades negras norte-americanas e, no Brasil, além da Zumbi
dos Palmares, engloba a Unesp - Universidade Estadual Paulista e
a Uneb - Universidade Estadual da Bahia.
No Brasil, um convênio inédito com a Associação Cultural Alumni
pretende proporcionar um upgrade na formação dos alunos.
Reconhecido como um dos mais conceituados e renomados cursos
de inglês do mundo, os alunos contarão com aula de inglês desde
o primeiro ano na própria faculdade, adequada ao projeto
pedagógico, com a metodologia e a qualidade Alumni.
Como funciona o projeto de inclusão de Unipalmares? “O acesso é universal,
entretanto, dada a ação preferencial aos negros, estarão garantidos até 50% das vagas
para estes, para cada habilitação”. Em relação à polêmica de saber quem é negro e
quem não é, o recado que os gestores da Unipalmares dão aos defensores da
mestiçagem encantada é esse: “O critério é o de autodeclaração, lista paralela com nota
de corte, cumprimento de requisitos gerais, mais vocacionalidade, investigação social por
meio de entrevista e o grau de consciência temática, além de responsabilidade e
obrigatoriedade de prestação de serviço à comunidade”.
A UniPalmares começou a funcionar, em 2004, com o curso de Administração,
com duas habilitações: Administração Geral e Financeira, somando 200 vagas noturnas.
Nesta primeira turma, todos os alunos tinham 50% de bolsa. Com isso, o custo da
mensalidade ficava em apenas R$ 240,00, abaixo do valor do Salário Mínimo vigente no
País.
Este valor tão abaixo do mercado é possível em função do formato
operacional que é o pool de parcerias públicas e privadas. A
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Faculdade tem caráter comunitário e, por conseguinte, não tem fins
lucrativos. Por conta disso, as mensalidades estão abaixo daquelas
que as instituições congêneres praticam e poderão ter diminuição
em função da efetivação de parcerias governamentais e
empresariais.
Enfim para seus gestores:
A meta da Faculdade é despertar nos alunos a consciência do direito à vida em sua
plenitude. Para tal, não importa a cor ou a raça, vale o ser humano. Nesta direção, a
Faculdade Zumbi dos Palmares tratará abertamente, através de projetos e do elenco das
disciplinas da grade curricular, a cidadania, a ética, os direitos e deveres do homem
brasileiro. "Abordaremos não somente a história social do brasileiro, mas também os
reflexos da pobreza e de suas causas que incidem sobre toda a população;
privilegiaremos sim o homem negro enquanto marcado historicamente por este percurso
sustentado por um modelo de exclusão político-social", afirma José Vicente,
Superintendente do Instituto Afrobrasleiro de Ensino Superior, mantenedor da Faculdade.
Como se poder ver as alianças com as instituições financeiras vêm se consolidando
como uma prática histórica no meio das organizações sociais negras contemporâneas. O
terceiro projeto que analiso traz algumas informações da realização dessas parcerias do
ponto de vista do setor privado. Vou tratar do Programa de capacitação de Afrodescendentes do Banco Itaú, que chamo também de Programa Itaú.
Esse programa faz parte de um macro-projeto de inclusão dessa empresa capitalista:
“O nome do projeto [é] ‘Programa de Diversidade Corporativa’ [...] criado em julho de
2000 com objetivo de contratar as pessoas com deficiência”14. “A contratação de pessoas
com deficiência já era praticada no Itaú, mas em 2000 foi implementado oficialmente o
Programa de Contratação de Pessoas com Necessidades Especiais, sendo esta a
primeira iniciativa do que passaria a ser o Programa de Diversidade Corporativa”.
Por que motivos o projeto foi criado? A resposta a essa pergunta é dada levandose em conta as questões tanto internas como externas. Em relação às internas: “Cultivar
a diversidade como valor humano, respeitar as diferenças entre os colaboradores e
possibilitar à organização uma visão global e integrada da sociedade” parece ser o seu
14
Todas as informações desse Programa foram retiradas do documento recebido via e-mail: da responsável
principal: Adriana Sabrina via email: [email protected] enviado em 18 dez. 2006.
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motivo principal. Em relação às questões externas da organização, pode-se notar esse
discurso das parte dos gestores:
Alinhamento à sociedade que, cada vez mais, espera que as
empresas sejam socialmente responsáveis, contribuindo para o
processo de participação da comunidade. O Programa de
Diversidade Corporativa está alicerçado nos valores éticos
fundamentais que direcionam o relacionamento do Banco com
seus profissionais, clientes, investidores e com a sociedade.
Os objetivos e as metas do projeto são esses: i) assegurar a justa competitividade
diante das diferenças; ii) garantir a heterogeneidade dentro da organização; iii) construir
metodologias visando à implantação de políticas específicas de valorização e promoção
da diversidade.
Em relação ao desenvolvimento do Programa de Diversidade, há três pilares de
sustentação. Primeiro, a inclusão social e econômica feita através da atração de
profissionais com aderência aos valores do Itaú: o potencial e a vontade de crescer.
Segundo, o desenvolvimento da oportunidade de carreira e a capacitação de
profissionais, e terceiro, a sensibilização dos líderes e “equipes conscientes”:
As ações de diversidade desenvolvidas pela organização baseiamse na crença de que uma empresa com aproximadamente 55 mil
colaboradores é um terreno fértil para práticas de inclusão e
conscientização. À medida que os profissionais sensibilizam-se
com o tema, deixam de agir com indiferença diante de situações de
exclusão e discriminação. A sensibilização desenvolvida dentro da
empresa, portanto, tem um alcance maior, ultrapassa o âmbito
profissional e favorece a atitude cidadã frente à sociedade e gera
mudança de comportamento.
Programa de Capacitação de Afrodescendentes do Itaú
[v]isa a contribuir para a capacitação profissional e
desenvolvimento da cidadania de jovens afrodescendentes por
meio de políticas e ações específicas de incentivo a contratação e
desenvolvimento. O programa tem duração de três anos e
contempla estágio nas áreas executivas do Banco e uma completa
grade de treinamento. Ao final do 1o ano, é concedido o certificado
de Formação de Executivo Financeiro Jr. emitido pelo CPDEC –
Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Educação Continuada da
UNICAMP.
Para sensibilizar o público interno em relação a esse Programa, são
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desenvolvidas
diversas
ações,
atividades
como:
i)
seminário
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Executivo sobre
Diversidade, voltado ao corpo gerencial (Superintendentes, Diretores Gerentes e
Diretores Executivos), e palestras de Cida Bento e Zezé Motta, profissionais envolvidas
com o tema; ii) treinamento Gerencial para todos os gestores da Organização, no qual o
tema Diversidade é amplamente discutido, aumentando seu grau de conscientização e
capacitando-os como multiplicadores dessa consciência junto a sua equipe na Rede de
Agências; iii) distribuição do livro Ações Afirmativas em Educação (organizado por
Cidinha da Silva, com programas que visam a garantir o acesso, a permanência e o
sucesso de negros na universidade) aos profissionais da área de recursos humanos e
para todo o corpo gerencial da organização; iv) distribuição de um Kit de Diversidade aos
gestores, contendo cartilhas com informações sobre os programas do Banco, como forma
de disseminar os conceitos e fortalecer a atuação dos gestores no sentido da inclusão; v)
comitê de Diversidade, composto por executivos de diferentes áreas do Banco,
bimestralmente se reúne e discute ações e políticas de promoção da diversidade e
analisa, ainda, a configuração do público interno em relação à população geral do Brasil.
“Os temas da inclusão social e da diversidade foram incorporados ao calendário anual de
eventos da organização, e outras atividades específicas foram criadas para aumentar a
conscientização e manter o público interno atualizado sobre as iniciativas e os resultados
alcançados pelo programa”.
Gráfico 1: Percentual em relação aos admitidos afro-descendentes por ano do Programa
do Itaú
O Programa de capacitação de Afrodescendentes estabeleceu parcerias com as
ONGs Educafro e Sociedade AfroBrasileira de Desenvolvimento Sócio-Cultural e com a
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Universidade Cidadania Zumbi dos Palmares, que disponibilizam candidatos às vagas de
estágio. Outra parceria importante foi feita com o Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e
Educação Continuada da UNICAMP para a capacitação dos jovens profissionais
selecionados, com o objetivo de complementar a formação dos estagiários por meio de
um curso de extensão universitária.
Na avaliação do Programa de capacitação de Afrodescendentes, o Itaú ficou
constatou o seguinte: “Contratação de afrodescendentes: como resultado do investimento
nos processos seletivos realizados e da parceria com consultorias externas, o número de
afrodescendentes contratados pelo Banco aumentou significativamente nos últimos
anos”.
Levando em conta o impacto do Programa diversidade, os gestores afirmam que
além dos ganhos diretos, o Itaú pode se beneficiar de resultados indiretos gerados pelo
Programa. Entre eles, destacam-se:
Fortalecimento da Marca
Maior valorização da marca, já que consumidor e mercado vêem,
cada vez mais, a necessidade de intervenção da iniciativa privada
na construção de uma realidade social mais justa.
Crescimento de receitas e acesso ao mercado
A diversidade corporativa é vista como uma questão estratégica
para o Banco. Ela aprimora a criatividade e estimula a inovação,
fortalecendo o desempenho geral da organização e resultando no
aprimoramento dos serviços prestados.
Economia de custos e aumento de produtividade
Numa organização onde o tema é tratado com respeito e
comprometimento, o colaborador percebe que há espaço para
expressar idéias, sentindo-se parte da equipe. Com isso, torna-se
mais participativo, identifica-se com o trabalho e gera mais
resultados.
O que fica como dilema, para o pesquisar, é essa equação: as práticas de
políticas públicas produzidas pelas organizações negras em parceria ou não com as do
setor privado e/ou do esfera estatal/gorvenemental são alienantes o libertadoras. Tento
trazer a minha opinião nas linhas que seguem.
Considerações finais
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Entre os que criticam as políticas de ações afirmativas encontram-se desde os
liberais até os marxistas radicais. O ponto comum entre os dois grupos ideologicamente
“antagônicos”geralmente se dá na opção unilateral pelas políticas universais. Contra essa
visão, defendemos a opção pela combinação das políticas focais e universalistas
(SANTOS; NUNES, 2003; PAIXÃO, 2006). Portanto, impera nessa visão uma
epistemologia conjuntiva ou da complexidade (MORIN, 1999) contra a epistemologia
disjuntiva e reducionista de nossos opositores. Nesse sentido, faço minha, na busca de
uma ligação sustentável e emancipatória das políticas públicas de ações afirmativas e o
desenvolvimento da população negra brasileira, a quarta tese sobre o multiculturalismo
de Santos e Nunes (2003, p. 63): “As políticas emancipatórias e a invenção de novas
cidadanias jogam-se no terreno da tensão entre igualdade e diferença, entre a exigência
de reconhecimento e o imperativo da redistribuição”.
Além disso, reconheço que, na busca da realização dessas políticas, o que
encontramos geralmente são as contradições e tensões históricas. “A resposta que
Boaventura de Sousa Santos propõe para estas tensões e dilemas é a de defender a
igualdade sempre que a diferença gerar inferioridade, e defender a diferença sempre que
a igualdade implicar descaracterização” (SANTOS; NUNES, 2003, p. 64; SANTOS,
2004). Por isso, defendemos a combinação das políticas focais e universalistas no
processo de desenvolvimento do negro brasileiro.
Pois, apesar de suas limitações, algumas das críticas liberais como de Amartya
Sen (2000) e dos marxistas como de Estván Mészáros (2002) trazem algo de
interessante para quem defende as políticas de cotas e de ações afirmativas: todos são
concordes de que a finalidade está na emancipação da sociedade e dos beneficiários.
Assim, para Sen as verdadeiras políticas públicas são aquelas que se baseiam nos
princípios do desenvolvimento visto como expansão das liberdades sociais, políticas e
econômicas. Do seu lado, Mészáros (2002, p. 267) é contra o imediatismo e defende uma
política de igualdade substantiva para as mulheres, e que nós também reivindicamos
para as minorias brasileiras não-brancas: populações negras e indígenas.
Quando se olha para os programas de ações afirmativas identificados e descritos
acima, o que se nota é a tensão entre o projeto de alienação e o de liberdade. Para
estabelecer uma distinção entre cada um, do ponto de vista analítico, o pesquisador não
deve se deixar levar pela retórica presente na a apresentação dos objetivos desses
programas. A sua vocação pelo pensamento crítico exige dele, de um lado, investigar
outros indicadores dos programas como as parcerias, a metodologia e outros. De outro
lado, deve recorrer às técnicas alternativas de coletas de dados, como as entrevistas
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confrontando as representações de gestores de programas e dos beneficiários diretos e
indiretos.
No que foi apresentado nas seções anteriores certamente não tivemos espaço
suficiente para levar a cabo todas estas estratégias de pesquisa, mas estão presentes
nas suas entrelinhas e no nosso projeto de pesquisa de doutoramento. Entre tantos
outros erros epistemológicos que devem ser evitados, quando se quer falar das
experiências de cotas e ações afirmativas em curso no país, estão
o reducionismo
teórico e a apologia ao seu respeito. Pois, a única certeza que se tem em relação a elas é
que têm trabalhado no sentido de inclusão de negros nos espaços que lhes foram
historicamente negados, na efetivação da sua cidadania plena. Porém, deve ser dito que
esse processo opera a partir das tensões e contradições históricas que exigem de seus
agentes, executores e beneficiários, certo posicionamento político e ético: opor-se aos
encantos do capital para não se deixar alienar por esse.
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A experiência NEPSO em duas escolas públicas do município de Mauá: a vivência
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Cristiane Gandolfi
Thais Bernardes
Antonio Coelho de Souza do Nascimento
Daniel Mendes
Dagmar P. S. Castro
A reflexão do processo experienciado com a metodologia NEPSO (Nossa escola
pesquisa sua opinião) nas Escolas Municipais do município de Mauá da Região
Metropolitana de São Paulo e sua sistematização por meio do projeto O novo direito à
cidade: políticas públicas integradas32 têm nos permitido analisar as possibilidades
concretas de implementação de uma metodologia educacional progressista ainda que
numa realidade educacional institucionalizada por práticas sistêmicas, muitas vezes
emergidas de um projeto societário conservador. O desenvolvimento da cidadania é uma
marca desta metodologia, visto que alunos, professores, coordenadores, diretores e
comunidade são partícipes da constituição da aprendizagem escolar.
O espaço escolar é posto à disposição da comunidade, isso porque a trajetória de
aprendizagem se faz pela negociação constante entre todos os sujeitos do processo a fim
de se definir o que se pretende estudar, como desenvolver o tema, a quem
obrigatoriamente deve-se escutar. Muito dessa vivência se origina das experiências
educativas da educação não formal uma vez que a metodologia foi elaborada pela
organização não governamental Ação Educativa e IBOPE/Instituto Paulo Montenegro a
fim de contribuir com a constituição de aprendizagens democráticas na educação formal.
Pode-se dizer que a metodologia NEPSO foi elaborada com o propósito de aproximar a
aprendizagem da educação não-formal a formal, na perspectiva de trazer para o centro
da escolarização básica as vivências de educabilidade e de democratização do
ensino(ARROYO, 2000,2002, FREIRE, 2000 ).
Os relatos literalizados33 de professores participantes da pesquisa revelam o quanto é
possível e significativo para os sujeitos que conduzem o processo de ensinoaprendizagem nas modalidades ensino fundamental e educação de jovens e adultos
realizar um trabalho pedagógico balizado pela pedagogia da pergunta e fundamentado
32
Trata-se de um projeto financiado pela Fapesp, realizado em parceria pela UMESP-Catedra
Gestão de Cidades Celso Daniel, Ação Educativa e Secretaria Municipal de Mauá através das
escolas públicas: Cora Coralina e Clarice Lispector.
33
A pesquisa O novo direito á cidade é realizada por meio do método fenomenológico, desse
modo na primeira etapa da pesquisa foram recolhidos depoimentos sobre o significado do Nepso
para os envolvidos a fim de se realizar a descrição do fenômeno, a redução e a interpretação dos
sentidos do NEPSO para a comunidade participe dessa experiência.
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pelo exercício da escuta e exploração do meio social com vistas ao fortalecimento do
pertencimento dos indivíduos à localidade, como se vê nos relatos a seguir:
“O NEPSO para mim é tudo. Para mim foi a melhor bússola que eu
encontrei na vida. Mudou totalmente “a minha mente, a minha visão e a
minha pessoa” (aluno do EJA)
“ O NEPSO desperta a curiosidade para que o aluno busque não
só concluir aquele ensino médio ou fundamental, mas também abre e
desperta o aluno para que ele aprenda a conservar aquilo que aprendeu
e a progredir” (Professor)
“O NEPSO foi um projeto que me auxiliou muito. Ajudou-me a
desenvolver o meu modo de me relacionar com as pessoas. Pude
aprender como questioná-las e saber sua opinião sem ofendê-las”.
“Antes eu tinha medo e um pouco de receio de me aproximar das
pessoas, mas aí os professores foram me ajudando e eu fui fazendo as
perguntas do questionário. E eu fui me sentindo muito bem porque eu
pude conversar com as pessoas acerca de um assunto que eu gosto,
sem forçá-las a nada”.
“Eu gostei de tudo que foi apresentado; enxerguei ai uma
nova forma de trabalhar, um olhar novo para o dia a dia na sala de
aula, onde você utilizaria uma ferramenta diferente..”.
“ E a questão dos conteúdos, quando você via, você já estava
trabalhando aqueles conteúdos que você coloca no seu planejamento,
mas de uma forma criativa, de uma forma significativa para o aluno e
para a própria sala. Partindo e trazendo as vivências de tudo que eles
trazem para a sala de aula; principalmente os adultos.
“(...) passamos a aprender a aprender.. O professor também tem que
aprender, e não só o aluno. O docente de certa forma também aprende
a ensinar, porque ensinar também é aprender com o outro.
“As ações que ele proporciona pro aluno não só no âmbito de sala de
aula, mas também na formação de cidadão, na formação política, na
formação ética”.
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Essas referências revelam a razão pela qual se vê no cotidiano escolar o sucesso dos
alunos e alunas participes do projeto bem como a alegria dos professores em conduzir
um processo democrático de aprendizagem. Esse valor nos chama a atenção pelo fato de
que o nosso tempo social e histórico tem sido marcado pela proeminência do mercado na
educação fato que tem produzido a persistência das práticas individualistas,
conservadoras, propositoras do espraiar do medo e da competição. Essas nos afastam de
um tempo de esperança, de progresso humano, de realização da individualidade na
afirmação de uma subjetividade política progressista que se constroem com o tecer do
bem-comum a partir da localidade.
Através dos relatos de professores, alunos e pesquisadores em educação
envolvidos com a implementação da metodologia NEPSO nas escolas de Mauá tem sido
possível inferir que a comunidade escolar tem vivenciado um encontro consigo e com o
outro na medida em que o mundo ao redor é objeto de aprendizagem. Alunos,
professores, familiares se envolvem na pesquisa de opinião sobre os diversos temas do
cotidiano, essa dinâmica possibilita o conhecimento de si e do outro, o desenvolvimento
da tolerância, a consciência da opressão sobre a precária cidadania oferecida às
camadas populares, o desejo de mudança através da consciência do direito e
principalmente a construção da identidade individual e social dos sujeitos. Pode-se dizer
que através da radicalidade da adoção de uma pedagogia da pergunta os indivíduos
desenvolvem a leitura de mundo, passo essencial no desenvolvimento da consciência e
do letramento no platô em que se tem no horizonte a história como possibilidade e
construção humana.
Como dizia Paulo Freire(1985, p. 135)
a leitura da palavra é precedida pela
leitura do mundo. É partindo desse pressuposto que afirmamos estar diante de uma
metodologia contemporânea progressista. Entendemos que a pesquisa de opinião é uma
prática
educativa
estimuladora
da
curiosidade,
desafiadora
da
aprendizagem,
propiciadora de liberdade, criação, aventura e risco, tal como as vivências de escolas
espanholas na Suíça da década de setenta relatadas por Freire na Pedagogia da
esperança. Lá, o desafio que se punha aos espanhóis estrangeiros era o de construir uma
escola problematizadora que pudesse inventar o futuro, que não se restringisse a trilhar o
caminho já feito, isto porque o mais importante não é o acumulo de conhecimento
adquirido, mas a sua utilização como instrumento para indagar e atuar sobre a realidade
(Bleger, 2003, p.64). Aqui, o que vemos na experiência NEPSO é, o desejo de realização
de uma cidadania ativa, consciente das lutas sociais, dos limites de classe e sobretudo
das conquistas travadas na compreensão de que cidadania é o direito a ter direito.
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Os sujeitos envolvidos nesta situação de aprendizagem se utilizam do Método de
investigação, este se põe como o elemento instigador da construção do conhecimento e
essa ação investigativa fortalece os vínculos sociais na escola e em seu entorno.
Professores e alunos são os protagonistas do próprio projeto e seu encontro com a
aprendizagem traz o aluno para o centro do processo pedagógico, uma vez que se
considera o que ele pensa, o que de fato lhe importa e faz sentido a coletividade. Talvez,
por esse motivo, o NEPSO(Nossa escola pesquisa sua opinião) já tenha ultrapassado as
fronteiras do país, ele está presente em Portugal, Argentina, Chile, Colômbia e México.
No Brasil várias escolas dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco e
Rio Grande do Sul utilizam a metodologia.
Está na essência desta
metodologia a disseminação do uso da pesquisa de
opinião como instrumento pedagógico a favor da consolidação da democracia em nosso
país. Sua adoção propõe a participação livre e voluntária de alunos e professores,
protagonistas de um processo vivenciado pelo compromisso destes atores, os quais
formam uma comunidade cívica que é simbolizada pela formação de um grupo que se
intitula os NEPSEIROS. O desenvolvimento de projetos
próprios dos alunos tem se
revelado um meio propiciador de aprendizagens significativas. Essas são construídas nas
experiências em que os alunos vivenciam várias etapas da aprendizagem: definição e
pesquisa sobre o tema, público a entrevistar, elaboração de questionário, entrevistas,
tabulação, elaboração de gráficos e análise dos resultados. Junto a essa apropriação dos
conteúdos curriculares que fundamentam a análise das opiniões sobre os diversos temas
estudados, há no programa
NEPSO a cultura de devolver para a comunidade o
conhecimento construído nas leituras de mundo acerca dos temas debatidos in locco com
vistas aos significados produzidos historicamente pelo grupo social para que se possa
adquirir, no âmbito do indivíduo, um sentido pessoal, ou seja; a palavra se relaciona com
a realidade, com a própria vida e com os motivos de cada indivíduo. (Lane, 1984b, p. 3233).
Por isso, entendemos que essa metodologia é inovadora. Apesar de estarmos no
terceiro milênio, ainda se pode considerar que a prática educativa na escola, de maneira
geral, está carregada de uma cultura tradicional e “bancária”(Freire, 1987). A adoção em
lei de propostas como a Progressão Continuada, avaliação processual e formativa, a
introdução de novas tecnologias no cotidiano pedagógico, não garantem a sua
aplicabilidade: vivemos um período de transição educacional. È como o filósofo Antonio
Gramsci se referia, o velho está morrendo e o novo está por nascer. Nesse sentido, a
metodologia NEPSO ocupa um espaço de aprendizagem educacional e política bastante
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peculiar e positiva ao se integrar ao espaço antigo da escola, já que se adequa aos
parâmetros curriculares nacionais, e ao mesmo tempo aqueles que se dispõe a realizá-la
rompem com a estrutura estática do velho grupo escolar uma vez que o novo cotidiano
educacional se faz com as forças vivas da escola materializadas pelo diálogo, escuta,
desejo de conhecer a realidade local e buscar sua transformação. Por dentro da prática
educativa o indivíduo descobre a si, ao outro e essencialmente a si no mundo, já que a
cidadania se apresenta como uma conquista coletiva na medida em que se realiza “com o
outro”.
Gramsci na obra Os intelectuais e a organização da cultura alerta-nos sobre os
limites da implementação de projetos educacionais modernos pelos sistemas de ensino
numa sociedade de classe. O autor pensa a educação a partir da coletividade, sua
preocupação é a de preparar as classes instrumentais para o exercício de direção da
sociedade, portanto não há autonomia sem a mediação da heteronomia. Seu olhar não se
volta para o desenvolvimento da singularidade dos indivíduos como faz, por exemplo,
Neill, contudo Gramsci reconhece a beleza e a pertinência de uma escola que forja a
subjetividade dos indivíduos preparando-os para a disputa de projeto no jogo político
entre Sociedade Política e Sociedade Civil. No entanto, a radicalidade teórica de Gramsci
em sua concepção dialética da história, sua compreensão de classe e olhar marxista
sobre a realidade traduz seu descrédito com relação á universalização de um método
educativo libertário/democrático numa sociedade de classe.
Gramsci nos faz pensar, se a metodologia NEPSO fosse institucionalizada ela
germinaria a alegria, autonomia, os resultados positivos e humanizantes como tem
demonstrado os relatos literalizados dos sujeitos do processo de Mauá? Será possível a
generalização de uma prática de ensino a qual garanta às classes instrumentais e
subordinadas uma educação que contemple a efetivação da cidadania com relação ao
país e ao mesmo tempo a liberdade do indivíduo com a garantia de respeito à sua
subjetividade? Como já dissemos a liberdade é condição sine qua nom de participação no
projeto, até o momento nenhuma rede de ensino obrigou os professores a realizarem
esse trabalho pedagógico, aliás, se isso ocorresse certamente a metodologia estaria
fadada ao fim. As impressões de Gramsci sobre a pedagogia ativa, moderna, com vistas
às determinações sistêmicas reforçam nossa percepção de que a metodologia NEPSO é
autentica uma vez que ela consegue entrelaçar autores progressistas de campos de
pensamento próprios, em certa particularidade até mesmo opostos como Neill, Freinet,
Freire e Gramsci. Como se vê em Os intelectuais e a organização da cultura, nosso
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filósofo italiano reconhece a boniteza das experiências de ensino(recorrendo a uma
expressão freiriana) na qual a liberdade está no cerne da prática educativa.
“os meninos se apaixonam de tal modo pelas lições, que por vezes permanecem na
escola até de noite, afeiçoam-se aos seus professores, que são para eles camaradas e
não autocratas pedagogos e sofrem sua influência moral: mesmo intelectualmente, seu
progresso é bastante superior ao dos alunos das escolas comuns(1985, p.150)”
A assertiva de Gramsci sobre os limites de implementação da educação moderna
ainda encontra chão fértil entre nós. O que ainda se vê em muitas escolas é a ênfase
dada à informação em detrimento do projeto de escola como espaço privilegiado de
construção do conhecimento, desenvolvimento da personalidade e, de apropriação e
reflexão por parte do aluno de sua realidade local. Os impedimentos a essa proposta de
educação para as massas afastam o aluno da possibilidade de apropriar-se dos
instrumentos significativos de aprendizagem, impossibilitando a elaboração de sua
personalidade no que concerne ao desenvolvimento da autonomia e compreensão da
realidade social, principalmente quando nos referimos às escolas de camadas populares
das redes públicas de ensino.
É importante chamar atenção para o fato de que embora vivamos sob o regime
democrático desde a década de noventa do século passado temos assistido o avançar
das políticas neoliberais de privatização do público e mercadorização da vida social. Esse
fenômeno se difunde na escola através do fortalecimento da cultura de massa, da
pasteurização de temas relevantes da vida social, do aprofundamento da violência
escolar bem como suas repercussões referentes às constantes denúncias acerca da
incapacidade da escola em ensinar e da intensificação de processos burocráticos
maximizando as práticas de controle sob o indivíduo. É interessante destacar que esse
quadro de referência de crise da instituição escola não incide sobre as escolas que
vivenciam a metodologia NEPSO.
O relato de professores, alunos e ex-alunos
participantes da metodologia mostra-nos que é possível conceber a escola como agente
de protagonismo social, de desenvolvimento da individualidade do ser que pertence a um
grupo, a uma classe e essencialmente a uma localidade, como se vê nos relatos dos
professores:
E este projeto tem feito algumas mudanças em todos os comportamentos
e nas dinâmicas das aulas de modo que faz com que o aluno saia um pouco do
espaço da sala de aula interagindo com a direção, com os funcionários, com as
famílias e muitas vezes com a comunidade.
Foi uma coisa que envolveu bastante os alunos. Nós tivemos visitas do
prefeito que assumiu naquela época. Ele foi questionado pelos alunos sobre o
acervo da biblioteca, porque depois que eles conheceram a biblioteca municipal,
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ficaram um pouco decepcionados, porque eles esperavam encontrar “aquela”
biblioteca.
A partir do momento em que o professor e o aluno saem pela comunidade
e pela própria escola, na hora em que deixamos as quatro paredes da sala, [o
ensino] toma outra dimensão.
No ano de 2005 estes alunos fizeram um NEPSO sobre a
Administração Escolar; eles estavam descontentes porque estavam na escola no
período noturno e havia muito barulho, muita bagunça; as portas ficavam muito
abertas, qualquer pessoa entrava na escola; então eles questionaram muito a
parte administrativa da escola quanto a segurança, quanta a disciplina e uma
série de outros fatores; houve muita briga em sala de aula por causa da direção.
Os alunos achavam que a direção estava questionando o trabalho que eles
estavam realizando, mas no fim acabou tudo certo. Os alunos se tornaram mais
amigos. Mas, eles brigaram comigo também; Houve entre nós uma discussão
feia sobre o andamento da escola porque eu queria defender a Administração
que eles não aprovavam; então. E com esse trabalho da Administração Escolar
em 2005 ocorreu uma melhora muito grande na segurança da escola. O motivo
da melhora deu-se pelo fato de que os próprios alunos se comprometeram a
fechar o portão e trancar a escola no período de aula, além disso, permitiram a
utilização da escadaria como passagem durante o período de aula. Então, foi um
trabalho muito bonito que teve um resultado satisfatório não só para o NEPSO,
mas para todos.
A experiência NEPSO tem demonstrado que as escolas participantes do projeto
têm se reconhecido como lugar privilegiado de diálogo e de desenvolvimento crítico das
consciências. Os relatos dos participantes e a maneira como enxergam a vida nos leva a
concluir que mesmo numa sociedade de classe tensionada pelo limite da esfera
econômica, da individualização da vida social, da hegemonia do poder legitimado pela
força enfraquecendo a cultura da palavra, é possível se contrapor e realizar uma
educação democrática. Essa não é ingênua, linear, ela é uma construção efetivada a
partir de suas imperfeições, portanto o conflito é imprescindível em sua realização. A
gestão democrática é entendida aqui como um vir a ser vivenciado por meio da real
consciência de si que se realiza e se expande na medida em que se abre para o outro,
desta construção coletiva uma nova história se faz.
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É sempre bom lembrar que a escola faz parte de um sistema aberto, como
mostrava-nos Dewey ela recebe todas as influências da sociedade. Logo, as tensões e
limites impostos pela hegemonia da ideologia neoliberal afetam este espaço coletivo,
cotidiano, perene, que foi idealizado para sedimentar as bases da alma republicana do
século XIX e no entanto neste início de século tem sido relido, uma nova alma é forjada,
agora com a responsabilidade de credenciar o sujeito a uma sociedade originariamente
excludente. Após um século podemos vislumbrar um novo projeto de república este deve
consolidar os acúmulos teoricizados por Marshall na discussão sobre cidadania, já que no
século XX
ela é reconhecida pelas lutas ao redor do direito social, portanto a vida
humana, com qualidade e progresso humano, é um direito de todos.
Nesse sentido, é fundamental que a escola prepare as novas gerações para o
exercício da democracia. Vitor Paro(2001) atualiza o projeto republicano e adverte
ensinar para a democracia é uma função da escola moderna. É preciso proporcionar às
novas gerações valores e conhecimentos, estes devem capacitar e encorajar os alunos e
alunas a exercerem ativamente sua cidadania na construção de uma sociedade melhor. O
autor chama a atenção para o fato de que é função primordial da escola realizar a
democracia a partir de suas práticas e de seus limites institucionais, logo seu papel é o de
estimular à assimilação de valores, gostos, preferências, incorporar comportamentos,
hábitos, posturas, desenvolvimento de habilidades e adoção de crenças bem como
estimular convicções e expectativas com vistas à realização de uma cidadania ativa na
qual se possa
alargar o projeto republicano incluindo a
conquista de garantia de
cidadania para todos. Durante pelo menos um século educação foi lida como cidadania e
a escola contemporânea ainda não se desprendeu do projeto do velho grupo escolar, nas
mentalidades ele ainda se mantém como alicerce do projeto republicano. É por dentro
desta escola, agora lida com as cores da contemporaneidade, que deve se realizar um
novo projeto de res publikus(coisa de todos). Cotidianamente, deve haver uma
organização e participação pela base no intuito de que os cidadãos partilhem os
processos decisórios em várias instâncias a fim de se romper com a verticalidade
absoluta dos poderes autoritários.
Mais uma vez a metodologia NEPSO coaduna com os hábitos democráticos e se
põe como luz de farol para aqueles que não aceitam a educação como prática de
reprodução social(Bourdieu). A análise dos discursos dos sujeitos entrevistados nos
remete à constituição de valores anunciados por Vitor Paro na medida em que a
realização dos projetos de pesquisa no curso da escolarização básica ao longo dos anos
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de 2003-2005 indica a consolidação de novos sujeitos políticos, cientes de direitos e de
deveres na sociedade.
A implementação da metodologia Nepso em Mauá: um encontro com a educação
democrática na cidade.
Como temos mostrado a experiência NEPSO se institucionalizou no município de
Mauá nos anos de 2003-2005, nestes anos a Secretaria Municipal de Educação através
da o.n.g. Ação Educativa assumiu a proposta de capacitar os professores que quisessem
participar desta experiência. O programa de formação teve o objetivo de fazer dos
educadores professores referência, ou seja, multiplicadores da metodologia. Desta forma,
o sujeito que se integrava a pesquisa se assumia como nepseiro.
O Nepso foi contemplado no Plano Municipal de Educação do município de Mauá.
Vale sublinhar que naquele momento o Plano pensava a gestão da cidade em sua
complexidade com o compromisso da realização da equidade social. O que se
vislumbrava era a construção de uma cidade que se organizava a partir de sua memória
social. A educação se aliou a cultura no propósito de tecer as redes sociais fortalecidas
pela memória cidadã-local. É nesse contexto que vem a baila a possibilidade de executar
uma metodologia de educação participativa como essa, isso porque as lideranças
políticas, intelectuais, de movimentos sociais daquele momento não enxergavam a
educação numa visão pragmática, clientelista, restrita a concepção sistêmica. Ao
contrário, educação e cultura projetavam uma cidade democrática com as forças vivas
que buscam encarnar os desejos da cidadania local de Mauá através da projeção de
uma cidade que queremos viver.
O Plano Municipal de Educação desenvolvido sob a coordenação do Conselho
Municipal de Educação expressava propostas da comunidade, das escolas, de
educadores, agentes políticos e instituições cidadãs. Um Plano que refletia a trajetória da
região do ABC com memória coletiva a preservar pela experiência já dada de se pensar
eixos estruturantes do cenário desejado para o ABC com o princípio irrestrito de uma
produção coletiva. Ao acolher a multiplicidade das diferenças locais se reconhecia as
convergências de necessidades comuns que solicitam a construção de nova cultura
cidadã. Essa memória da experiência vivida no ABC que é o próprio retrato do Brasil
contemporâneo, predominantemente urbano, industrializado, desigual socialmente, rico
em experiências sociais e com patrimônio ambiental e histórico a preservar. Com a
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experiência NEPSO o plano projetava a cidade de Mauá como cidade educadora uma
vez que trazia para si a diversidade local na intenção de aproximar a premissa de se
pensar a cidade possível e desejada a partir dos fundamentos educacionais
desenvolvidos na pesquisa de opinião realizada nas escolas.
Por se projetar como cidade educadora vale a pena nos debruçar sobre as
características, natureza deste espaço urbano sui generis encravado numa região
complexa, altamente moderna, que ousou realizar uma proposta pedagógica diferenciada,
incluindo-a inclusive em seu plano municipal de educação.
A cidade de Mauá conta com 412.753 habitantes (fonte: estimativa IBGE para
2008) está localizada na Região do Grande ABC que totaliza 2.584.015 habitantes (fonte:
estimativa IBGE para 2008) e, é parte integrante da Região Metropolitana de São Paulo
que abriga 19.616.060 habitantes (fonte: estimativa IBGE para 2008). O desenvolvimento
do município de Mauá se vinculou à expansão da capital paulista, particularmente, pela
expansão ferroviária e industrial. Na última década tem-se verificado uma diversificação
econômica no setor de serviços da cidade, que conseqüentemente promove a atração de
trabalhadores para a região.
Diante do fenômeno de globalização ou mundialização da economia, as
necessidades e imposições dessa nova forma de pensar a vida social alcançam este
município. Desse modo a necessidade de se fazer uma política pública eqüitativa trouxe
os moradores para o centro do debate sobre a realização de uma administração pública
democrática ainda que sob a égide da economia de mercado.
No plano é visível que a Secretaria de Educação acompanhou esse processo e
pensou a experiência NEPSO como uma política educacional participativa, decidiu-se que
a metodologia seria direcionada para duas escolas da rede: a escola 1 atendia ao ensino
fundamental regular, com algumas salas da Educação de Jovens e Adultos – EJA - no
período noturno e a escola 2 atendia ao ensino fundamental e ensino médio na
modalidade EJA no modelo semi-presencial.
O desenvolvimento da Metodologia NEPSO nas escolas públicas do município de
Mauá.
A escola 1 está situada na periferia do município de Mauá, na região próxima à
divisa com o município de Ribeirão Pires. Faz parte do Jardim Bom Recanto, seu perfil
resulta da expansão urbana e do processo de industrialização pelo qual passou a cidade
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de Mauá como conseqüência do crescimento da área metropolitana de São Paulo (esse
processo se desenvolveu particularmente no período compreendido pelas décadas de
60/70). Neste bairro, a ocupação dos fundos de vales, no caso a bacia do rio
Tamanduateí, e das encostas dos morros não obedeceu a nenhum ordenamento urbano.
A atividade econômica local, exploração das pedreiras (granito) foi pouco a pouco sendo
substituída pelo pequeno comércio local e as chácaras existentes foram substituídas por
loteamentos populares.
Hoje a região conta com aproximadamente 23 mil moradores e moradoras, dos
quais quatro mil encontram-se na faixa etária entre 7 a 14 anos e 1,7 mil entre os 14 e 18
anos; isto é, 25,6% dos moradores (as) entre 7 aos 18 anos vivem nessa área. Esse
grupo de moradores e moradoras preenche a maior parte das vagas oferecidas pela
escola. Como a metodologia NEPSO emerge da realidade político e social dos sujeitos
envolvidos e ao mesmo tempo a traduz, e, propõe elementos de reflexão com diálogo e
tomada de decisão apresentamos alguns dados dessa população e da localidade(cf.
projeto político pedagógico da escola 1 realizado em 2000):

Com relação ao local de nascimento dos pais 47,7% deles é da região sudeste, a
maioria paulista; entretanto dos 52,3% procedentes de outras regiões encontramos um
percentual significativo de 41,9% de nordestinos;

A maioria (74%) são pais na faixa etária dos 30 aos 50 anos (nesse caso os pais
mais jovens são dos alunos de 1ª / 4ª série);

Quanto ao número de filhos (as) prevalecem às famílias com dois e três filhos
(54%); as famílias mais numerosas aparecem entre os/as alunos (as) de 5ª à 8ª séries,
particularmente no período noturno;

Quanto à escolaridade dos pais, a maioria (52,7%), não completou o primeiro grau;
sendo que 8,2% nunca estudaram;

Com relação à religião, declaram-se cristãos 96,7%, sendo 66% católicos e 30%
evangélicos;

48 % dos pais trabalham no setor terciário (serviços e comércio). Há um número
considerável de mães que trabalham no lar (23,3%), no universo que inclui pais e mães;

Transporte mais utilizado pelas famílias é o ônibus (50,3%);

Já, com relação ao lazer, chama a atenção que 31% declaram não ter lazer algum e
51% realizam passeios e visitam parentes/ amigos como forma de lazer;

Finalmente, em relação à expectativa quanto ao que a escola deve oferecer: 56%
demonstram preocupação em relação à qualidade de ensino.
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A importância deste retrato é a de que o Projeto Político Pedagógico da Escola
considerou na implementação da metodologia NEPSO os modos de ser da população
local, e realizou a proposta freiriana de partir da leitura histórica e concreta do aluno a fim
de que ele leia o mundo ao redor. O Projeto Político Pedagógico em consonância com as
experiências educativas de definição de temas selecionadas por alunos/professores
valorizou as características apresentadas no perfil das famílias e dos alunos matriculados.
Assim, foram desenvolvidos os seguintes projetos com o uso da metodologia de pesquisa
de opinião: Nosso futuro, nossos sonhos. Qualidade de vida, convivência. Administração
da escola. Acabou o curso. E agora? Não quero dar tchau. Tamanduateí: um outro olhar
para o rio. Quero trabalhar... Voltei a estudar. Afetividade – Idoso. Migrações.
Meio
Ambiente – Conservação, escola e convivência.
Já a Escola 2 atende ao ensino fundamental e ensino médio na modalidade EJA no
modelo semi-presencial, em 1992 iniciou seu funcionamento e desde 24 de setembro de
2001 é supervisionada pelo Sistema Municipal de Ensino Autônomo. A escola está
localizada na parte central da cidade de Mauá, situada na entrada do bairro da Vila
Magini, sua edificação circunda a várzea ocupada do Rio Tamanduateí que ladeia a
unidade escolar. Entre os temas de projetos desenvolvidos destacam-se: Hospital Nardini.
Carta é coisa do passado. Tamanduateí, Patrimônio Cultural de Mauá (trabalho premiado
entre os 26 melhores do país no Concurso Tesouros do Brasil).Desvelando o universo
africano. Para que Biblioteca? Os novos idosos e seus direitos. Por que voltei a estudar?
Música:Eu canto? Eu ouço? Eu vivo?. Desemprego! O caminho é a droga.
Ao longo dos anos de 2003-2005 a equipe técnica pedagógica das escolas
participou ativamente da implantação da metodologia nas escolas em parceria com a
assessoria da Ação Educativa. Em 2004 e anos posteriores, os professores envolvidos
mantiveram o monitoramento de sua prática com a metodologia acompanhando as
reuniões mensais na Ação Educativa. Essa ação desenvolveu o empoderamento dos
educadores com relação a suas práticas, favoreceu os vínculos educativos com demais
educadores e partícipes do projeto visto que se fortaleceu o compromisso dos sujeitos
sociais envolvidos no processo com o aperfeiçoamento da experiência NEPSO na
localidade.
Aqui cabe destacar o fortalecimento do sujeito-coletivo com a prática de educação
contínua que se apanha nos Encontros Regionais, Estaduais e Nacional/Internacional
onde a comunidade NEPSO se encontra, elabora e reelabora suas vivências por meio da
exposição dos trabalhos realizados ao longo do ano letivo dos diferentes núcleos e pólos
de desenvolvimento dos projetos de pesquisa de opinião.
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Como se viu, a adesão do professor à metodologia é livre. Chama atenção à sua
difusão no município de Mauá já que vários professores levaram sua experiência para
outras redes de ensino. À medida que os professores se envolviam com este trabalho, um
novo habitus profissional era formulado e, tornou-se natural a expansão da metodologia
para outros locais de trabalho, principalmente na rede pública estadual no município.
Esse processo repercute diretamente na reelaboração deste habitus já estruturado
nos esquemas mentais do que se refere ao universo professoral da ação docente. Pierre
Bourdieu( 1975 ) nos ensinou que na relação educação e sistema de ensino o habitus
professoral se apresenta para o professor como um esquema de pensamento, uma
estrutura regular e sistemática, por isso alcança as mentalidades dos indivíduos
favorecendo a incorporação de tradições sociais relacionadas à prática cotidiana.
Pode-se dizer que o habitus é a interiorização de um princípio capaz de se
perpetuar. A metodologia produz a materialização de uma nova forma de conduzir o
processo de aprendizagem, o professor se obriga a superar o velho habitus professoral e
se abrir para uma nova proposição de autoridade pedagógica. Esse trabalho pedagógico
lhe exige o exercício de se ver como aluno e compreender que o outro também ensina.
Nota-se que a superação da postura passiva dos alunos faz parte da metodologia: agora
eles são chamados a interrogar-se sobre os temas da vida, contextualiza-los
cientificamente e descobrir o que sua comunidade pensa sobre o mundo a que pertence,
conscientizando-se sobre o mundo ao redor. É comum ouvirmos relatos de elevação da
auto-estima, de valorização a escola, pois essa possibilita a eles seu reconhecimento na
comunidade e inclusive em outras esferas da vida pública. O que se vê é ao conhecer as
diversas opiniões sobre um determinado tema o aluno se apropria da realidade local,
essa descoberta
fortalece seus laços sociais com a comunidade e este processo
desencadeia a mudança do ser social, agora “o aluno solicita que quer fazer a pesquisa e
não espera o professor sugerir”.
A experiência da metodologia NEPSO no município de Mauá avançou na medida
em que acrescentou ao cotidiano escolar experiências que superou sua prática. Os
relatos literalizados
revelam que as escolas em questão têm realizado os objetivos
democráticos tanto os alunos atribuem significado à sua escolarização quanto os
professores ao seu trabalho pedagógico. A experiência NEPSO coaduna com as práticas
mais autênticas, modernas e democráticas em educação, isso se registra com os
resultados obtidos com a iniciativa dos alunos com o monitoramento da qualidade da
água do rio Tamanduateí, a tematização da qualidade da sexualidade na adolescência e
da vida adulta na contemporaneidade, cujos resultados apontaram a perspectiva de
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trabalhos conjuntos com diferentes segmentos das escolas: a partir destes projetos
alunos do ensino fundamental e do médio tiveram momentos de trabalho conjunto,
inclusive integrando as duas escolas.
Outro trabalho relevante é a pesquisa de opinião sobre os catadores na
perspectiva de analisar seu papel na dimensão sócio-cultural e ambiental.
Como
desdobramento deste trabalho foi incluído na pesquisa o antigo curtume de Mauá, foi
sugerido que a antiga chaminé do antigo curtume, ainda existente junto ao shopping da
cidade e instalada ao fundo da FATEC – Mauá fosse reconhecida como Patrimônio
Cultural da cidade. Nesse projeto a metodologia NEPSO se articulou à pesquisa
documental e oral como parte integrante do resgate da memória cultural da cidade.
Neste trabalho temos a intenção de mostrar que, embora sejam recorrentes os
dados sobre a persistência da escola que não ensina, o aumento da violência escolar, o
fracasso da instituição escola na contemporaneidade, particularmente com relação ao
enfraquecimento de sua função social, vemos que apesar disso: a escola pode muito. A
célebre frase de Paulo Freire sobre as possibilidades de transformação da realidade
social é de extrema atualidade e a metodologia NEPSO encarna isso: A escola sozinha
não transforma o mundo, mas sem ela o mundo não se transforma. Paulo Freire, na obra
Pedagogia da esperança interrogava-se sobre como trabalhar a relação linguagem e
cidadania?Como entender, mas sobretudo viver, a relação prática-teoria sem que a frase
vire frase feita? Como superar a tentação basista, voluntarista, e como superar também a
tentação intelectualista, verbalista, blablante? (Freire, 2000, p.137)”.
O estudo sobre a ordem histórica da vivência da experiência NEPSO no município
de Mauá nos anos de 2003-2005 tem nos mostrado um caminho. A positividade dos
relatos remete-nos a possibilidade concreta de se realizar um projeto progressista de
educação no qual se tenha educação formal com qualidade e essa se espraie na
transformação do lugar em que se vive em cidades educadoras. A parceria entre
educação formal e não formal, o exercício da gestão democrática, a tomada de decisão
em prol da educação como processo cultural e político por parte da coletividade, a
vivência de processos de educabilidade, a desconstrução do velho habitus professoral e
invenção de um habitus democrático tem reafirmado o compromisso ético e moral dos
sujeitos da pesquisa com a vida humana. Numa atitude de resistência ao pensamento
hegemônico de nosso tempo, esses educadores (alunos e professores) se diferem e temnos mostrado que é possível realizar a autonomia, constituir sua individualidade e trazer
para seu vocabulário palavras-chave como cidadania, bem-comum, amor ao próximo e à
cidade.
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SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÂO, CULTURA E ESPORTES DE MAUÁ
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Políticas de incentivo à prática de leitura
Polices of reading practice incentive
Rosemari Fagá Viégas
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Terezinha Aparecida Savio
José Américo Martelli Tristão
Resumo
O presente estudo consiste em revisão da prática de leitura como construção da cultura
dentro e fora da escola. Retoma a história da escrita no Brasil, as influências dos
processos político e social para o ato de ler, o estímulo dos setores público e privado,
visando implementar ações e espaços para a leitura no período de 1998 a 2006;
Palavras-Chaves: leitor; políticas; suportes de comunicação.
Abstract
The present study consists of a revision of the culture inside and outside the school. It
retakes the history of the writing in Brazil, the influences of the political an social
processes for the act of reading, the simulation of the public an private sectors, in order to
implement actions and spaces for the reading from 1998 until 2006.
Key Words: reader; politicals; communication supports.
O Ministério da Educação incentiva à leitura e ao acesso à cultura desde 1997,
com o Plano Nacional de Biblioteca na Escola. Em 28 de abril do mesmo ano, entrou em
vigor a Portaria nº 584, do então ministro da Educação e do Desporto, Paulo Renato
Souza. O programa contou com as verbas garantidas pelo próprio Ministério, e consistia
em apoiar o processo de ensino-aprendizagem dos alunos com um amplo acervo na
escola. O artigo 1° apresentava os seguintes objetivos: adquirir obras da literatura
brasileira, textos sobre as formações históricas, econômicas e culturais do Brasil, atlas,
enciclopédias e outros materiais de apoio e referência; produzir e difundir material para
apoiar os projetos para a capacitação docente; elaborar material audiovisual para a
educação e pesquisa científica; apoiar os programas destinados a incentivar o hábito da
leitura.
Em virtude desse programa a partir de 1998, ampliou-se o patrimônio de material
para leitura nas escolas, com a compra de livros didáticos pelo governo e instalação de
bibliotecas em algumas comunidades e nos grandes centros. No intuito de universalizar
um esforço contínuo da sociedade para os educandos do ensino fundamental, em 1998 o
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MEC publicou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a fim de oferecer ao
professor um novo referencial que trata também da função social da leitura.
Segundo os PCNs, a fonte principal para ter contato com textos escritos de
qualidade vem dos gêneros que aparecem com maior freqüência na realidade social e no
universo escolar. Além de considerar um trabalho com a inclusão da heterogeneidade
textual, o tratamento didático é diferenciado em função da finalidade da leitura. 34 Um ano
antes da implementação dos PCNs, o governo federal já passava as primeiras pistas
sobre os investimentos em políticas públicas na cultura do livro, com obras que foram
enviadas para composição da biblioteca da escola, como se viu na Portaria nº 584.
Um conjunto de medidas dos governos federal, estadual e municipal voltado às
questões de incentivo à leitura no Brasil, tem como objetivo combater o analfabetismo
que, na sua maioria, apresenta características de vulnerabilidade social causada por
desemprego ou subemprego, salários baixos, condições precárias de moradia, entre
outros fatores. E ainda democratizar os saberes, proporcionando cultura e educação
permanente para as classes média e alta.
Os mecanismos para implantação ou ampliação de leitura são relevantes dentro
da unidade escolar. Vale salientar que o ponto de vista cultural, que freqüentemente
define que “cultura é tudo”, no entanto não consegue viabilizar as políticas públicas numa
prática efetiva. Por isso mesmo torna-se imprescindível identificar os limites do campo de
atuação de tais intenções. Ademais, verificam-se alguns exemplos de bens e produtos
culturais pertencentes ao universo do suporte impresso, que são os materiais para leitura
e os espaços para concretizar a prática social.
No intuito de incentivar a leitura com a produção de livros e periódicos, a
realização de eventos literários, a ampliação e modernização de bibliotecas, há um
destaque para a Lei Federal n° 8.313/91, denominada Lei Rouanet que foi criada por
meio do PRONAC. Receberam o incentivo Rouanet livros ilustrados, iconográficos ou de
arte que possuíam alto custo. Acrescentem-se ainda os gastos com tradução, publicação
bilíngüe, pesquisador, produtor, gráfica de primeira linha e projeto sofisticado. O produto
final bem elaborado deve atender às demanda nacional e internacional.
A Secretaria do Livro e Leitura operacionalizou o maior programa de
direcionamento das verbas públicas para as propostas editoriais ou de pró-leitura do
País, produzindo centenas de publicações para a identidade e memória nacional. Desde
1993 até 2002, foram apresentados 4.763 projetos e aprovados 3.668, mas apenas 809
projetos conseguiram captar recursos no mercado, sendo que 82% dos recursos
34
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro e
Quarto Ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília: MEC / SEF, 1998, pp. 24-28.
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correspondem à edição de livros. As grandes demandas da produção por meio da Lei
Rouanet foram para os Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, pois ali se localizam as
grandes empresas, patrocinadores e a maioria das editoras 35.
A pesquisa Retrato da Leitura no Brasil, encomendada pela Câmara Brasileira
do Livro - CBL - apontou em 2002, que apenas 17 milhões de brasileiros com mais de 14
anos compravam um livro por ano. Em cada 100 brasileiros alfabetizados, o hábito de
leitura era comum em apenas 30, o restante tinha pouco ou nenhum contato com livros.
O indicador sinalizou que 47% das pessoas adultas alfabetizadas disseram possuir 10
livros em casa, e metade das obras lidas no período do levantamento não foram
adquiridas no comércio. Os 6,5 milhões mais pobres afirmaram não ter condições de
comprar um único exemplar 36.
Em 2003, o Congresso Nacional decretou e o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva instituiu a Lei nº 10.753 da Política Nacional do Livro cujo artigo 1º apresentava as
seguintes metas: garantir ao cidadão o pleno direito de acesso ao livro; apoiar a
produção, a edição e a distribuição comercial de obras; propiciar condições para fazer do
Brasil um grande centro editorial; incentivar o hábito da leitura; ampliar a exportação de
livros e apoiar sua livre circulação no País; instalar e ampliar as livrarias, os pontos de
venda e bibliotecas; assegurar o cumprimento da lei para autores, livreiros, distribuidores
e editores; assegurar o acesso à leitura às pessoas portadoras de deficiência visual.
O Ministério da Cultura, com base no INAF, apontava que 67% dos brasileiros
demonstravam gosto pela leitura, e iniciou com a Lei nº 10.753/2003 o “Programa Fome
de Livro”, com apoio da UNESCO e do MEC. A nova política também buscava atender,
além das reivindicações de escritores e intelectuais, as maiores indústrias da produção
gráfica, do papel e editorial da América Latina que se encontram no País. Os
representantes da proposta alegavam que um cidadão brasileiro não lê em razão do
escasso número de bibliotecas e livrarias. Ainda demonstraram que 73% dos livros estão
com apenas 16% da população; e que aproximadamente mil municípios com 14 milhões
de pessoas não possuem biblioteca pública, e outros 89% não têm livraria.
O setor privado obteve com a Lei 10.753/2003 a desoneração, no comércio de
importação de livros, do pagamento do PIS/Pasep e Cofins, reduzindo 10% das taxas do
35
RAMALHO, Cristina. O livro e a leitura. São Paulo: Metalivros, 2002 pp. 18-19.
ROSA, Cida Capo. Um país com fome de leitura. Pátio, revista pedagógica. Porto Alegre, n° 33,
pp. 25-27, fev./abril, 2005.
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valor estimado. O favorecimento aparece no artigo 4° do Capítulo II, que isenta
independentemente da licença alfandegária prévia37.
Os representantes dos setores públicos e privados apresentaram critérios para a
produção de um livro nos aspectos da editoração, comercialização, difusão e distribuição.
Apesar da Portaria nº 584 de 1997 do “Programa Nacional de Biblioteca na Escola”, e
estranhamente da Lei 10.753 de 2003 da “Política Nacional do Livro”, que citou em inciso
a diretriz para ampliação de livrarias, bibliotecas e pontos de venda de livros, a palavra
biblioteca passou quase despercebida no texto ao aparecer entre duas palavras que
trazem um sentido comercial.
Em abril de 2003, o governo do Estado de São Paulo sancionou o Decreto nº
47.784 através da Secretaria da Cultura, para iniciar o programa “São Paulo: um Estado
de Leitores”. O objetivo era a realização de ações voltadas à expansão da leitura para
crianças e jovens, e à democratização do acesso à informação como instrumento de
inclusão e desenvolvimento social. Para dinamizar a concepção e ação do projeto
formou-se o “Conselho Paulista de Leitura”, com escritores e representantes dos setores
público e privado; e também uma Coordenadoria junto à Divisão de Bibliotecas 38.
A Divisão de Bibliotecas e a Coordenadoria da Secretaria de Cultura do Estado
de São Paulo realizaram um levantamento para saber se todos os municípios possuíam
bibliotecas para elaborar os objetivos do Programa Leia Mais; os resultados apontaram
que 84 cidades não dispunham de oferta pública. Então procuraram instalar novos
espaços, fornecendo também os acervos iniciais para as salas de leitura a serem
abertas, ou para as já existentes. Outra meta era a revitalização das bibliotecas em
condições precárias, inaugurando-as em municípios que não dispunham de nenhuma.
Quanto às bibliotecas, as medidas legais deveriam atender à exigência de um
acervo mínimo para as escolas com a garantia de material diversificado: livros, revistas
ou literatura de cordel, clássicos, contemporâneos, romance, aventura, história e ficção; e
os
“e-livros”,
ou
livros
eletrônicos
disponíveis
em
CD-ROM
ou
na
Internet.
Estabeleceram-se horas de leitura diária com os educandos, e a capacitação de
professores para a formação da leitura e da inclusão digital, segundo eles, de forma
democrática para o acesso à informação.
O “Programa Leia Mais” contou com a doação de várias empresas: Abrigraf,
Abm/Bank, Abropost, Banco do Brasil, Banco Merrill Lynch, Ceetep, Concórdia Bradesco,
37
Disponível em: < http://www.educacao.sp.gov.br/> . Acesso em: 7 out. 2006.
A Divisão de Bibliotecas da Secretaria de Cultura foi criada pelo Decreto nº 22.766, de 9 de
outubro de 1984, para supervisionar as Bibliotecas Públicas do Estado de São Paulo.
38
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Cosipa, EDS, Santander Banespa, Banco de Bóston, Instituto Itaú Cultural, Grupo Sílvio
Santos, Bovespa, Rhodia, ESPN, Essep, Fundação Sinhá Junqueira, Fundação Victor
Civita, Fundação Visconde de Porto Seguro, Heldging Griffo, Fundação Educar, Tim,
Fundação Armando Álvares Penteado e as Fundações Nestlé, Camargo Correia, Instituto
Eco Futuro, Itaú BBA, Itaú Cultural, Magliano, Sempe Toshiba, Sociedade HebraicoBrasileira Renascença, Unimed Paulistana e Telefônica que doaram um computador e
um acervo básico de seiscentos a mil títulos definidos pelas Secretarias. Na periferia de
São Paulo, abriram 64 salas de leitura, sendo 24 no CDHU, 20 em hospitais públicos, 5
em “Centros de Integração da Cidadania”, 3 em quadras de escola de samba, 1 no
“Centro Esportivo Baby Barone” e 1 no “Centro Cultural de Heliópolis”39.
De certa forma, o incentivo com a colaboração do setor privado estava no artigo
13 do Capítulo IV da Lei 10.753/2003, que tratava da Difusão do Livro e determinava as
seguintes ações do Poder Executivo em âmbito nacional: criar parcerias privadas ou
públicas para o desenvolvimento de programa de leitura; estimular e criar projetos para
textos literários na escola, mediante a revisão do processo de alfabetização; introduzir a
hora de leitura diária nas escolas; exigir um acervo mínimo de livros para as bibliotecas
escolares.
O “Prêmio Leitura na Escola”, em dezembro de 2003, teve o objetivo de valorizar
ações que desenvolvessem o interesse e a competência de leitura dos alunos do ensino
médio, dinamizando o uso da biblioteca, e de
materiais e equipamentos didáticos
40
presentes na escola pública da rede estadual . O público-alvo para criar e produzir o
projeto eram os professores, coordenadores e diretores que trabalhassem diretamente
com os educandos. Houve cinqüenta e oito projetos selecionados, dos quais se destacam
alguns pelo título e município: Ler, saber e sentir em Franca; Leitura e prevenção formam
o cidadão em São Paulo; Qualidade de vida e sexualidade em Franca; Jornal suporte de
aprendizagem em Catanduva; Musiterapia em Mauá, Realidade x ficção em Piraju. Notase uma diversidade de temas pelos nomes dos projetos. Os recursos vieram do MEC e
39
Segundo o DARC, desde 2003 até o primeiro semestre de 2006, foram inauguradas 84
bibliotecas nas seguintes regiões, com o número de cidades atendidas: Leste Paulista – 3;
Sorocaba – 12; Campinas – 7; Ribeirão Preto – 6; Bauru – 8; Presidente Prudente – 12; São José
do Rio Preto – 21; Araçatuba - 7; e Central 4. Na Avenida Paulista, em dezembro de 2004, a
“Casa das Rosas” foi reaberta com uma biblioteca circulante especializada em poesia, uma
livraria da Imprensa Oficial, sala de leitura, e com uma nova designação: “Espaço Haroldo de
Campos de Poesia e Literatura”. Em dezembro de 2005, havia também a proposta para a criação
de espaços de leitura para o “Projeto Quilombos Vivos”, porém não se sabe se já está concluído.
Disponível em: <http://www.cultura.sp.gov.br/sec >.
Acesso em: 12/ set./ 2006.
40
Disponível em: <http://info.edunet.sp.gov.br/concursoleitura/subpages/inicial.htm>. Acesso em:
17/ ago./ 2006.
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BID para os professores, coordenadores e diretores que desenvolvessem bons projetos
ou experiências de leitura com alunos do ensino médio. Uma comissão julgadora da SEE
selecionou 58 projetos, e do conjunto dois receberam uma viagem a Porto Seguro, Ouro
Preto e Portugal em maio de 200441.
O Portal Leia Livro foi um site lançado em 2003 para que os internautas
tivessem acesso aos lançamentos literários, cursos e saraus; e ainda foram publicadas
criações ou resenhas sobre obras e houve contatos com profissionais do mercado
editorial. Em maio de 2004, foi criada a edição “Prefeito Amigo da Leitura”, com o
patrocínio de Portugal Brasil Telecom para premiar anualmente as cidades interessadas
em participar dos projetos em andamento. Houve 78 inscrições e a cidade que se
destacou na área recebeu um computador, um scanner e uma impressora para a
biblioteca municipal. E a Fundação Padre Anchieta cedeu espaços ao Portal Leia Livros
nas estações da Cultura AM e FM com dois boletins diários de um minuto para colocar no
ar as resenhas com crédito do autor do texto. Das segundas às sextas-feiras às 9h30´,
Memórias da Literatura, outro projeto do Museu da Pessoa com o apoio da Secretaria da
Cultura do Estado de São Paulo, registra a literatura do País com seus autores e leitores
também na Rádio Cultura AM e FM.
A Secretaria de Educação do governo do Estado de São Paulo criou também o
selo “Iniciativa Amiga da Leitura” para destacar as pessoas, entidades, empresas, ONGs
e órgãos públicos que investiam em ações disseminadoras dos projetos a partir de 2003.
Receberam o reconhecimento: Prefeitura Municipal de Barueri, COSIPA, Grupo Sílvio
Santos, Núcleo Cultural Força Ativa, Instituto Fernand Braudel, Editora Moderna, entre
outros.
Em novembro de 2004, intelectuais e escritores, preocupados com a falta de
leitura no País, encaminharam ao ministro da Cultura Gilberto Gil um manifesto cujo
nome era Temos fome de leitura. Nessa carta, lamentavam as precárias condições para
a circulação da produção e das escassas contribuições dos setores públicos para a
leitura e a produção escrita. Afirmavam que o Brasil tem fome de livros, e os escritores
têm fome de políticas públicas para a literatura. Reivindicavam a inclusão do termo
Literatura nos programas, leis, conselhos, e nos setores relacionados ao livro, leitura e
biblioteca.
A época do lançamento do Projeto Fome de Livro, em janeiro de 2005, passou a
ser considerada o “Ano Ibero-Americano para a Leitura” pela OEI. Os países de todo o
41
A relação dos 58 projetos selecionados para a final
<http://edunet.sp.br/concursoleitura/subpages/esc_selecionadas.htm >.
/2006.
está disponível em:
Acesso em: 17/ ago.
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202
continente tentariam aumentar a média de livros lidos com eventos, e no Brasil a
UNESCO e a CEF fizeram parceria para apoiar o Ministério da Cultura no VivaLeitura. O
objetivo do Ministério da Cultura é prestar assessoria às bibliotecas públicas já
implantadas, bem como as que vierem a serem criadas, voltadas para organização e
implantação técnicas, ações e políticas de fortalecimento dos serviços ofertados;
capacitar e requalificar recursos humanos e profissionais para o desenvolvimento de
atividades do livro e da leitura, além de educadores, mediadores de leitura e
bibliotecários como estratégia de fomento à leitura.
As Secretarias Estaduais da Cultura e da Educação da cidade de São Paulo
programaram campanhas e oficinas para o incentivo à leitura e o acesso à biblioteca,
com o objetivo de ler a obra de arte. A organização não-governamental Enlaces-Brasil42 e
a Fundação Telefônica apoiaram as Secretarias Estaduais de Cultura e Educação de São
Paulo a fim de capacitar alunos e professores dos ensinos fundamental e médio para um
projeto de letramento em 2005. As atividades foram a leitura e a interpretação de obra de
arte do Museu de Arte de São Paulo, na linguagem on-line, vídeo e TV.
Em 2005, a SEESP institui o Projeto Hora da Leitura com a finalidade de realizar
um trabalho para a formação de leitores, com textos desde os do cotidiano até os mais
complexos da literatura. A proposta, que era apenas um projeto iniciado em 2003
somente nos ciclos um e dois, passou a ser incluído na grade curricular semanal com
uma aula de 50 minutos para os alunos do ensino fundamental da Rede do Estado de
São Paulo. Outra meta era a capacitação de 9.200 professores através de cursos
presenciais e on-line, para que pudessem estimular os alunos a produzir resenhas das
obras, e caso as criações fossem selecionadas, receberiam livros das editoras como
prêmios.43
O Ministério da Cultura formou a Câmara Setorial do Livro e Leitura para
participação da sociedade civil na elaboração de metas e ações que envolvam as
políticas públicas para o Livro, a Leitura, a Criação e as Bibliotecas Públicas no Brasil. As
propostas consolidadas do Plano Nacional do Livro e Leitura / Fome de Livro, segundo o
ministro da Cultura, Gilberto Gil, são avaliadas por escritores, editores, livreiros,
42
De 1997 a 2000, o Enlaces ou World Link era um programa do World Bank Institute de
aprendizagem interativa e comunidade cooperativa, aplicando a rede de telecomunicação às
escolas. Atualmente é uma ONG com ações em 35 países: África do Sul, Brasil, Botsuana,
Burquina, Camboja, Chile, China, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Filipinas, Gâmbia, Gana,
Guatemala, Índia, Indonésia, Jordânia, Laos, Líbano, Macedônia, Mali, Mauritânia, Moçambique,
Paraguai, Peru, República Dominicana, Ruanda, Senegal, Sri Lanka, Síria, Turquia, Uganda,
Vietnã, Iêmen e Zimbábue. No Brasil, tornou-se a Associação Enlaces Brasil Comunidades
Educacionais em 8 de abril de 2005. Disponível em: <http://www.artepalavra.pro >. Acesso em: 14/
set./ 2006.
43
Disponível em: < http://www.cultura.sp.gov.br/portal/httm > . Acesso em: 14 /set. / 2006.
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203
bibliotecários, educadores, pesquisadores, críticos, representantes da indústria gráfica e
do papel, organizações não governamentais e o governo.
A Constituição é a base para a viabilidade dos programas, projetos e ações,
como a Lei da Desoneração Fiscal da Lei Federal 11.030 de 21/12/2004, combinada com
a Lei Federal n°10.865, de 30/4/2004, e os decretos que instituíram e atribuíram
responsabilidades aos Ministérios da Educação e da Cultura, e as Leis números 10.758
de 30/10/2003 e 9.610 de 19/2/1998, atualizando todos os decretos e a consolidação da
legislação sobre os direitos autorais a fim de gerar portarias e instruções para os Estados
e municípios44. O PNLL tem uma política pública voltada à leitura, ao livro, à formação de
leitor e à biblioteca. A ação abrange quatro campos com Estados, municípios, empresas
e instituições do terceiro setor para a efetivação dos objetivos nos seguintes eixos:
1 – Democratização do acesso: implantação de novas bibliotecas, fortalecimento da
rede já existente, conquista de novos espaços para leitura, distribuição gratuita de
livros, melhoria do acesso aos acervos e a outras formas de leitura, incorporação e
uso de tecnologias de informação e comunicação.
2 – Fomento à leitura e à formação de mediadores: capacitação e formação dos
mediadores de leitura, projetos sociais de leitura, estudos e apoio à pesquisa nas
áreas dos livros de leitura, sistemas de informação de bibliotecas, de bibliografia e do
mercado editorial, prêmios e reconhecimento às ações para promover as práticas
sociais de leitura.
3 – Valorização da leitura e da comunicação: ações para criar consciência sobre o
valor social do livro e da leitura, atuações concretas para converter o fomento em
práticas sociais da leitura em política do Estado, publicações impressas e outras
mídias dedicadas à valorização do livro e da leitura.
4 – Desenvolvimento da economia do livro: desenvolvimento da cadeia produtiva do
livro, estímulo à distribuição e consumo de bens de leitura em circulação, apoio à
cadeia criativa do livro e maior presença da produção nacional literária, científica e
cultural editada.
O PNLL tem também a meta de buscar e conferir os recursos da eficácia das
políticas públicas para transformar a leitura e o livro em Política de Estado. Em abril de
2006, a Secretaria de Cultura de São Paulo fez o I Concurso Literário destinado às salas
de leitura e bibliotecas municipais, com os temas História do meu bairro ou História do
meu município. O objetivo era premiar os textos originais que resgatassem a história do
local ou de interessados em geral. As produções eram de pessoas de diversos níveis de
44
BRASIL. Ministérios da Cultura e da Educação. Plano Nacional da Leitura e do Livro. Brasília:
Conselho Diretivo e Coordenação Executiva, 2006, p. 4.
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204
escolaridade, idade e condição socioeconômica, segundo as palavras do então secretário
estadual da cultura João Batista de Andrade.
Em agosto de 2006, a campanha “Universitários semeando a leitura” promovida
pela Secretaria de Educação de São Paulo junto com as diretorias de ensino, visava a
arrecadar livros de jovens que ingressassem nas faculdades. Nesse mesmo período, com
o slogan: Ajude a escrever o futuro dos jovens de nosso Estado, a doação de livros de
literatura infanto-juvenil destinava-se às salas de leitura das escolas públicas estaduais
de tempo integral
45
. Em setembro de 2006, representantes do governo e da iniciativa
privada pretenderam dobrar o número de leitores no Brasil até 2010, com ações e
incentivos através do PNLL. Atualmente, a freqüência para a prática da leitura é a
seguinte em alguns países. A Fundação de Cultura da Nestlé, que para estimular a leitura
apoiou o PNLL, faz anualmente doações de kits com material sobre literatura brasileira às
escolas do ensino fundamental e médio de todo o país. A proposta é desenvolver oficinas
lúdicas na sala de aula. Os alunos da 8ª série e ensino médio elaboram textos para
concorrer a prêmios por categoria e por região do Brasil. Os 50 melhores trabalhos
ganham livros, e os 10 melhores uma viagem.
As políticas de incentivo à leitura têm também favorecido o mercado com o
crescimento da produção e venda do setor editorial do Brasil. Uma pesquisa mostra o
panorama desde 1990 a 2005 foi encomendada pela CBL – Câmara Brasileira do Livro e
pelo SNEL – Sindicato Nacional dos Editores de Livros46.
De 1998 a 2006, foram implementadas significativas políticas públicas para o
incentivo à leitura, envolvendo o governo e o setor privado. Não foi por acaso que a
implantação dos PCNs e os objetivos voltados para a leitura apareceram com maior
ênfase depois desse período. Tais políticas de caráter social obtiveram estratégias, por
parte do poder público, para socializar a dinâmica dessa cultura. Salienta-se a
argumentação de Meksenas, ao afirmar que as intenções e as ações trouxeram a marca
do Estado nos mais diversos campos da vida social, porém não garantiram o acesso à
maioria da população
45
46
47
47
. Espera-se que as políticas públicas sejam de fato para cultura e
Disponível em: <http://www.semeandoaleitura.sp.gov.br./ .html>. Acesso em: 18/ ago./ 2006.
Disponível em: < http: //www. cbl.org.br/htm >. Acesso em: 6/ abr./ 2007.
MEKSENAS, op. cit., p. 106.
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educação da população, e não como afirmara Lins um disfarce exclusivamente para
aumentar os lucros da indústria editorial.
Referências
BAJARD, Elie. Ler e dizer. São Paulo: Cortez, 1994.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 2ª ed. São Paulo: Martin Fontes,
1997.
__________. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 9ªed. São Paulo: Hucitec, 1999.
BOSI, Alfredo. Literatura e resistência. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
CÂNDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira. 8ª ed. Rio de Janeiro: Itatiaia,
1975.
__________.Literatura e sociedade. 3ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1973.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. 21ªed. São Paulo: Cortez, 1988.
MEKSENAS, Paulo. Cidadania, poder e comunicação. São Paulo: Cortez, 2002.
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Conhecendo o Jovem: uma Nova Proposta Metodológica de Pesquisa para
Intervenção Social 48
Knowing the youngster: only one new proposal procedural of research about to
intervention social
“A juventude é o presente. É um eterno agora”.
Maria Rita Kehl
Resumo
Os jovens são sujeito de seus atos, mas também objetos do pensamento dos adultos.
Pensamos que um novo paradigma se impõe e que os jovens precisam ser ouvidos, mais
que isso, eles reivindicam o protagonismo e necessitam de políticas públicas em
consonância
com
suas
realidades
e
necessidades.
Necessitam
de
cursos
profissionalizante em consonância com as oficinas que qualifiquem em cursos de ponta e
de prestígio social. Exige-se que os aspectos positivos sejam também ressaltados para
essa parcela da população jovem, que também é possuidora de subjetividade, de
angustias e medos. O paradoxo apontado é um indício de que políticas públicas ainda
operam no registro de 1930. Nesse sentido, propomos um diagnóstico baseado numa
nova metodologia de pesquisa para intervenção social no âmbito das políticas públicas
voltadas para o enfrentamento da criminalidade e violência.
Palavras-chave: Juventude, Violência, protagonismo, políticas públicas.
48
Autor principal: Márcia Barros F. Rodrigues - Pós-Doutora em Ciência Política pela UFF,
Doutora em História Social pela USP - Universidade de São Paulo. Graduação, em Ciências
Sociais, pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente exerce o cargo de Professora Adjunta
da Universidade Federal do Espírito Santo. Exerce, ainda, a função de Coordenadora Geral do
NEI - Núcleo de Estudos Indiciários da UFES. Está vinculada, como docente, no PPGHIS Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas, também na UFES, onde
exerce o cargo de vice-coordenadora daquele Programa de Pós-Graduação.
Co-autor - Claudio Marcio é Graduado em Ciências Sociais e Mestre em História Social das
relações Políticas pela UFES - Universidade Federal do Espírito Santo. É Professor Substituto do
Departamento de Ciências Sociais, membro da Diretoria Executiva e coordenador Administrativo
do NEI – Núcleo de Estudos Indiciários da UFES; membro do Conselho Editorial da "Revista
Eletrônica Sinais" do NEI.
Co- autora - Rachel Franzan é Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do
Espírito Santo. Especialista em Marketing pela Universidade de Vila Velha. Pesquisadora do
Núcleo de Estudos e Pesquisas Indiciárias da UFES. Aluna Especial do PPGHIS – Programa de
Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas – UFES.
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Os jovens, ainda que vivam numa cultura empenhada em fazer deles eternos
adolescentes, são aqueles de quem melhor se pode dizer que estão dentro da vida. Tão
dentro que não lhes interessa a memória do que foi tão dentro que a idéia de futuro,
ainda que angustiante, não passa disso: uma fantasia. Tão dentro que, na urgência de
viver seus dias, não lhes ocorre pensar em si mesmos. Os jovens são sujeito de seus
atos, mas também objetos do pensamento do outro – os adultos.
Nesse sentido, concordamos com a hipótese levantada por Maria Rita Kehl49, de
que os jovens desempenham o papel de “caixa de ressonância dos sintomas da cultura”.
Dessa forma, se a sociedade perde referências tradicionais, culturais e morais essa
perda se manifesta na ação e nas escolhas dos jovens; se a sociedade teme o aumento
da violência, os jovens são, diretamente, os principais autores e vítimas dessa situação;
se a cultura se torna predominantemente consumista, os jovens são o “público-alvo” do
mercado, a imagem por excelência dos prazeres do consumo; se a sociedade erotizou-se
de alto a baixo, os jovens emprestam seus corpos aos delírios luxuriantes.
Seguindo essa linha de raciocínio, os jovens também são depositários da
virtualidade contida no presente. Tanto na esperança, por mais sensata ou estapafúrdia,
quanto na desesperança e na descrença que expressam seus impulsos autodestrutivos e
suas tendências depressivas.
Radicalizando a hipótese de Khel temos a tese de que os jovens são a mais
completa tradução do estado das coisas: do “mal estar na civilização”. Portanto, pensar a
juventude é fundamental para entender os efeitos alienantes da sociedade do espetáculo.
A manifestação mais pungente do “mal estar da civilização”, se situa entre os jovens, que
sofrem sem saber e sem dispor de linguagem para expressar suas dores, num mundo
que os confinou no lugar do prazer e da alegria. Ou seja, na modernidade e na sua
radicalização atual, o jovem não pode sofrer. “O sofrimento dos jovens faz ruído, mas não
fala de si mesmo; exibe-se em atos extremos (como o suicídio), mas não se enxerga”.
Essa tese levanta a pergunta: Por quê? A resposta é que na dimensão imaginária
(da fantasia), a indústria do espetáculo se encarrega de retratar a juventude como
perfeita transposição do real para o domínio da imagem: A fantasia da perfeição. Na
dimensão simbólica (organização estrutural da vida em sociedade que se expressa pela
linguagem), que abarca o inconsciente, os tropeços e os desacertos da juventude
expressam o avesso daquela imagem triunfal. Por isso, bem mais que os adultos
supõem, os jovens sofrem e se angustiam com a falta de consistência e sentido em suas
vidas. Daí a equação espírito Jovem = disponibilidade = inconsistência.
49
A fratria órfã. Conversas sobre a juventude / Maria Rita kehl São Paulo: Olho d’Água, 2008.
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Paradoxalmente, a condição para embarcar na vida adulta é essa disponibilidade
inconsistente. Entretanto, na modernidade, diz Walter Benjamin, “a velocidade das
inovações desmoralizou a possibilidade de transmissão da experiência entre as
gerações”. Por quê? Na modernidade a matéria simbólica de que se dispõe para
confeccionar o destino se desfaz entre os dedos, no ritmo da obsolescência das
mercadorias. A perspectiva de inventar a própria vida cobra seu preço em desamparo.
Entretanto, podemos relativizar destacando que não necessariamente o desamparo é o
“destino” inexorável dos jovens. Concordamos, com a autora que para preencher esse
vazio da angústia temos que buscar caminhos, nesse sentido, o pensamento e diálogo
pode ser uma forma de ajuda no sentido de auxiliar os jovens a enfrentar esse
inquietante vazio.
Isto posto é preciso ressaltar que o paradigma operante desde 1930 em relação à
juventude no Brasil, opera na ótica do controle. Em relação aos jovens de origem social
popular é reforçado aspectos negativos, tais como a marginalidade, a delinqüência, a
indolência e irresponsabilidade.
Por outro lado, as políticas públicas voltadas para o controle, além de não
consultar os jovens, separam oficinas de cursos profissionalizantes, sendo estes últimos
sempre voltados para cursos de menor qualificação e voltados para o mundo do trabalho
numa clara separação entre trabalho intelectual e técnico ou na área de serviço.
Pensamos que um novo paradigma se impõe e que os jovens precisam ser
ouvidos, mais que isso, eles reivindicam o protagonismo. Necessitam de cursos
profissionalizante em consonância com as oficinas que qualifiquem em cursos de ponta e
de prestígio social. Exige-se que os aspectos positivos sejam também ressaltados para
essa parcela da população jovem, que também é possuidora de subjetividade, de
angustias e medos.
O paradoxo apontado é um indício de que políticas públicas ainda operam no
registro de 1930. Há um descompasso entre as oficinas e os cursos profissionalizantes,
os jovens continuam não sendo protagonistas de suas vidas.
Diante desse quadro e com a nova dinâmica familiar, onde a função de autoridade
está em crise, independente de classe social. É muito fácil o jovem ser aliciado pelo
tráfico, que se apresenta como uma primeira oportunidade de emprego e ingresso no
mercado de consumo.
Assim, a questão da violência, em geral, tornou-se nas últimas décadas um tema
político-ideológico que, se associado á discussão do consumo, e em conseqüência, ao
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intenso apelo do sistema estético, se apresenta como uma importante variável para
compreensão da subjetividade e das relações de poder juvenil na contemporaneidade.
Dessa forma, entendemos que o fenômeno do consumo inclui a violência juvenil e não se
reduz ao aspecto econômico e estético, pois pensar nele inclui a dimensão do psíquico,
ou seja, das contradições, angústias e ambigüidades que estão presentes no processo
de subjetivação do sujeito como destaca Khel (2008).
Nesta concepção, ao se pensar de forma associada a violência juvenil e o
consumo, abre-se uma possibilidade de reflexão pela abordagem multidisciplinar, nas
dimensões ideológicas, política e normativa de grupos excluídos. Oferece-se, também, a
possibilidade de avaliar estes fenômenos e as práticas mediadas pelas normas e afetos
presentes na experiência do cotidiano. É nesta dinâmica que pretendemos compreender
a relação de consumo fetichista de grupos de jovens no jogo da dominação dos
excluídos.
O Diagnóstico Histórico-Sociológico do Município da Serra/ES: Plano de Segurança
Local.
O município da Serra está localizado na região metropolitana de Vitória no Estado
do Espírito Santo e foi apontado como um dos mais violentos do Brasil no que diz
respeito ao crime de homicídio em 2005. Entretanto, pesquisas recentes já apontavam
uma significativa diminuição desses índices principalmente a partir de iniciativas
implementadas pelo Fórum Serra Cidade da Paz.
Em 2005, face aos altos índices de homicídios na Serra divulgados pelo IPEA –
120 homicídios por 100 mil habitantes – o prefeito Audifax Charles Pimentel Barcelos, em
conjunto com órgãos representantes dos Poderes Instituídos e da Sociedade Civil
organizada, criou o Fórum Serra Cidade da Paz. Este Fórum, constituído por
representantes das instituições públicas, privadas e da sociedade civil do município da
Serra, deliberou entre outras medidas, por um conjunto de ações sociais de combate e
prevenção à violência e a criminalidade. Uma das primeiras ações do Fórum foi criar a
Secretaria Municipal de Defesa Social em junho de 2005, que é composta pelos
Departamentos de Política de Segurança Pública, da Guarda Patrimonial, de Trânsito, de
Defesa Civil e tem como Secretário de Defesa Social, o senhor Ledir Porto.
As ações deliberadas pelo Fórum foram efetivadas pelas secretarias da Prefeitura
e integralizadas pela Secretaria de Defesa Social conforme função designada pelo
mesmo. A meta do Fórum para 2008 foi audaciosa – transformar a Serra numa das
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cidades mais seguras das regiões metropolitanas do Sudeste, com uma taxa abaixo de
28 homicídios/100 mil habitantes. Para alcançar sua meta, o Fórum Serra Cidade da Paz,
desenvolveu um Plano de Ações Integradas contendo 120 ações, divididas em três eixos,
a saber: Eixo 1 – Combate à Impunidade; Eixo 2 – Defesa Social; Eixo 3 – Mobilização da
Sociedade, os quais atuam nas diversas causas do fenômeno da violência.
Como forma de dar prosseguimento as deliberações do Fórum e com base nos
resultados até o momento alcançados, a Prefeitura da Serra junto com FCAA da UFES,
firmaram convênio para a execução do Primeiro Plano Piloto de Segurança Local,
abrangendo o aglomerado com alto índice de homicídio no município que comporta os
bairros de Feu Rosa, Vila Nova de Colares, Alterosa e Nova Zelândia. Este Plano Piloto
denominou-se Projeto Serra Cidade da Paz e teve início em setembro de 2006. Após 7
meses de pesquisas qualitativas e quantitativas no aglomerado selecionado e estudado,
foi apresentado à Prefeitura no mês de maio de 2007, o diagnóstico com vistas à
intensificação da mobilização da comunidade e do setor público para execução das
ações preventivas com base nos problemas identificados.
No presente trabalho, apresentamos o projeto, descreveremos as opções
metodológicas escolhidas e os resultados atingidos.
Nossa proposta foi atacar o problema de forma objetiva e focada em zonas ou
regiões de maior concentração em bairros com alto índice de homicídio. Neste sentido, a
partir de dados estatísticos recentes, os dez bairros mais violentos do município da Serra,
a saber: Feu Rosa, Vila Nova de Colares, Jacaraípe, Planalto Serrano, Novo Horizonte,
Central Carapina, Nova Carapina, José de Anchieta, Jardim Tropical e Laranjeiras –
optamos por tomar como base para escolha da população alvo do projeto, um critério
geopolítico.
A estratégia geopolítica de dividir o município da Serra por regiões que contenham
os bairros mais violentos em relação a maior incidência do crime de homicídio,
possibilitou alcançar maior eficácia nas ações preventivas tendo como meta um impacto
social a curto e médio prazo. Nesse sentido, para a realização do diagnóstico qualitativo
piloto com vistas a uma intervenção imediata, selecionamos a região que contém os
bairros mais violentos em relação aos índices de homicídios, que são respectivamente,
Vila Nova de Colares, Feu Rosa, Alterosa e Nova Zelândia.
Objetivo geral

Diagnosticar as causas da violência no município, bem como suas conseqüências
sociais. O objetivo central é planejar, gerenciar e executar programas com ações
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voltadas à prevenção da criminalidade, particularmente o homicídio. O público
alvo a ser atingido são os jovens na faixa etária de 12 a 24 anos em situação de
risco social nas regiões onde existe maior possibilidade de envolvimento desses
jovens em algum tipo de criminalidade;

Construir uma agenda social com vistas à formulação de um plano de segurança
mais global.
Objetivos específicos

Realizar diagnóstico qualitativo e programas de ação de intervenção imediata na
região que abrange respectivamente os dois bairros com maior índice de
homicídio: Vila Nova de Colares, Feu Rosa, Alterosa e Nova Zelândia;

Mobilizar a população, identificar os possíveis parceiros e criar uma agenda social
para a partir dela, propor intervenções sociais em zonas ou regiões da Serra
identificadas a partir do índice de homicídio e da concentração de jovens na faixa
etária de 12 a 24 anos em situação de risco social;

Executar um conjunto de intervenções de impacto social positivo a curto e médio
prazo, visando diminuir drasticamente os índices de homicídio no município.
Multidisciplinaridade: construindo ferramentas metodológicas de longo alcance
Partindo do pressuposto de que a violência é um fenômeno social multicausal e
possui aspectos objetivos e subjetivos e com objetivo de diagnosticar os problemas
enfrentados pelos jovens: o relacionamento com a família, a construção de redes de
sociabilidade, as formas de enfrentamento da exclusão social e inclusão no mundo do
trabalho, os impactos da violência no cotidiano, a percepção do universo das drogas.
Enfim, para compreender o universo juvenil e desta forma auxiliar na construção de
estratégias de inclusão a programas com ações voltadas à prevenção da criminalidade,
particularmente o homicídio, e desta forma possibilitar a construção e uma agenda social
com vistas à implementação de um programa de ações preventivas na perspectiva da
segurança cidadã, construímos uma metodologia de pesquisa multidisciplinar que nos
permitisse abordar o problema da violência em seus aspectos sociais, culturais, históricos
e psíquicos, nesse sentido, orientamos nossa pesquisa por três eixos: pluralismo
documental, interdisciplinaridade e prevalência da análise qualitativa.
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Em termos teóricos cruzamos a história (sincrônico e diacrônico), a sociologia
(comportamento social), a Teoria Política (organização política e controle), e a
Psicanálise (dimensão subjetiva da ação humana).
Adotamos uma metodologia plural e diversa: entrevistas em profundidade,
estatística, mapas georeferencial, grupo focal, observação participante, pesquisa em
jornais, história oral e indiciarismo.
Pesquisa participante – técnica pela qual o pesquisador integra-se e participa do
cotidiano da comunidade para compreender-lhe o sentido de dentro;
Mobilização participativa – técnica para envolver a comunidade em geral no projeto, e
também identificar os parceiros. Meio de realização: reuniões com o Prefeito, secretários
e representantes, lideranças e formadores de opinião. Criação de Comissões temáticas
para discutir possíveis soluções num plano bem amplo;
Entrevistas individuais em profundidade – técnica que privilegia a fala dos atores sociais
a partir de uma abordagem mais aberta, permitindo atingir um nível de compreensão da
realidade social. Trata-se de um processo de interação social entre pesquisador e
entrevistado, selecionados por sua atuação enquanto lideranças formais e não formais da
comunidade, neste caso específico, lideranças juvenis.
Grupo focal – técnica que proporciona uma multiplicidade de visões e reações
emocionais num contexto de grupo. Para isso, são selecionados jovens da comunidade,
a partir de critérios pré-estabelecidos como idade, gênero etc. Em grupo, os jovens
participam diretamente da discussão das questões apresentadas pelo moderador
revelando discursos estabelecidos, representações e percepções diversas em torno das
questões-foco da discussão.
Método indiciário – técnica na qual o pesquisador observa e registra os indícios, os
sinais, as pistas, os detalhes aparentemente não significativos, não ditos, não explícitos.
Neste projeto esse método se desenvolverá a partir da realização de entrevistas semiestruturadas na forma de história oral.
Do diagnóstico baseado nessas técnicas, resultou na participação efetiva dos
membros da comunidade, e em especial dos jovens que indicaram as necessidades e
especificidades vivenciadas no seu cotidiano.
Essa interação foi intermediada pela equipe de apoio de campo que realizou a
observação indiciária e participante, as dinâmicas de grupo focal com a comunidade,
registrando e relatando os resultados para a equipe de consultores que participou da
mobilização e realizou a análise dessas informações.
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Com base nessa experiência, entendemos que o projeto que ora desenvolvemos
na Serra pode ser replicado em outras regiões do município.
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Crianças e adolescentes em situação de rua: por uma metodologia regional
para o Grande ABC
Judith Zuquim*
Rosemary Ferreira de Souza Pereira**
Resumo
O texto aqui apresentado descreve e discute uma metodologia para contagem e
caracterização de crianças e adolescentes em situação de rua no contexto regional do
Grande ABC. A metodologia foi elaborada e aplicada para o projeto ABC Integrado em
2008, por equipe multidisciplinar formada por pesquisadores vinculados à Universidade
Metodista de São Paulo. A primeira etapa da pesquisa – chamada Etapa Diagnóstica –
subdivide-se em 3 fases: identificação/caracterização de pontos de concentração,
contagem e caracterização das crianças e adolescentes em situação de rua. Os
resultados aqui apresentados se referem à primeira fase e indicam que metodologias
para regiões com características de conurbação devem inserir em seu planejamento
estratégias participativas junto à rede de atendimento a crianças e adolescentes em
situação de rua, bem como relativizar e questionar fronteiras municipais de atendimento,
considerando-se a invisibilidade social e a mobilidade urbana das populações infantojuvenis em situação de rua e a dependência funcional entre os municípios.
*
Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (USP), pesquisadora na Cátedra
Gestão de Cidades da Universidade Metodista de São Paulo, coordenadora técnica da pesquisa
ABC Integrado: fase diagnóstico.
**
Mestre em Serviço Social (PUCSP), consultora de planejamento e gestão de Políticas Públicas,
atuando principalmente nos seguintes temas: política pública de assistência social e de direitos de
crianças e adolescentes. Em 2008, desenvolveu trabalhos como consultora do Ministério de
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, da Prefeitura de Santo André na elaboração de
Planos Municipais de atendimento a criança e ao adolescente. Atuou como especialista na
pesquisa ABC Integrado: Crianças e adolescentes em situação de rua: tecendo uma rede de
proteção integral para garantia do direito a convivência familiar e comunitária. Coordenou a
elaboração de fluxos operacionais sistêmicos de direito a convivência familiar e comunitária junto a
Associação Brasileira de Magistrados e Promotores.
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Metodolologia; situação de rua; infância e adolescência; políticas públicas
integradas
A categoria “criança e adolescente em situação de rua”
Todo o processo de discussão e formalização de instâncias de proteção à criança
e ao adolescente se relaciona com o lugar que a criança ocupa “em distintos momentos e
lugares da história humana” (Lajolo, 1997:227). No Brasil, antes dos processos de
industrialização e urbanização, a infância não era “foco de atenção especial”. As crianças
“não eram percebidas, nem ouvidas. Nem falavam, nem delas se falava” (Leite, 1997:
19). Os registros sobre a infância limitavam-se à literatura, à pintura, às memórias de
viajantes, à documentação das instituições de caridade.
A mudança do modo de produção e as novas relações sociais forjadas com o
capitalismo alteraram o olhar e trato à infância. Estas mudanças emergem do novo lugar
da realização do trabalho (fábricas), com a nova forma de ocupação do espaço urbano
(vilas operárias) e com a nova forma de sociabilidade trazida pela industrialização e
urbanização.
A não incorporação da força de trabalho disponível na sociedade pela produção
capitalista gerou uma massa de trabalhadores, muitos deles vindos das zonas rurais, com
baixa ou nenhuma escolaridade e qualificação profissional para adentrarem ao chão da
fábrica, jogada à margem do desenvolvimento econômico-social e ao acesso aos bens e
serviços. Assim, famílias inteiras passaram a ser objeto de controle social. Crianças e
adolescentes,
elos mais fracos desta cadeia e objetos da intervenção do Estado,
acabaram por se transformar em menores, cuja tradução foi o estigma de abandonados,
carentes, pivetes, delinqüentes e marginais.
Entre 1970 e 1985, organizações e articulações como a Pastoral do Menor (1979),
com a frente de ação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; o Movimento em
Defesa do Menor (1979), constituído por políticos e profissionais ligados ao direito,
jornalismo, assistência social, psicologia, em São Paulo/SP; a República do Pequeno
Vendedor (1970), ligada à igreja católica, contemplando a participação de educadores
sociais e dos próprios meninos e meninas das camadas populares, em Belém/PA; o
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (1985), formado por educadores
sociais e pelos próprios meninos e meninas em situação de/na rua, com sede em
Brasília/DF, entre outras de caráter regional, como o Projeto Meninos e Meninas de Rua
de São Bernardo do Campo (1985) iniciam um amplo processo de luta pela cidadania e
organizam formas concretas de defesa e promoção de direitos.
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Um marco fundamental para o surgimento de uma mobilização social em torno
dos direitos da criança, mesmo diante das dificuldades impostas pelos atos de exceção,
foi a instalação da CPI do Menor Abandonado, em 1975, pela Câmara dos Deputados.
Esta CPI acabou desencadeando, em alguns Estados da federação, a instalação de
Comissões Especiais de Inquérito - CEIs para averiguar a real situação de abandono e
violência vivenciada pela infância brasileira das camadas populares. Fica evidente que “a
presença em massa de crianças nas ruas não pode ser ignorada...” (Rizzini & Rizzini.
1991: 75).
É, também, na década de 70 que a desigualdade social instalada no país
transforma as ruas dos centros urbanos em espaços de sobrevivência, sendo nesse
período que nascem nas comunidades os primeiros projetos de atendimento aos meninos
e meninas que faziam das ruas seu espaço de sobrevivência. É de 1982 o Projeto
Alternativas de Atendimento a Meninos de Rua (82-84) que levantou aproximadamente
70 experiências com meninos e meninas de rua e selecionou cinco como referências
para estudos e estágios pelas suas proposições teórico-práticas. O Projeto reuniu “um
grupo de lideranças emergentes, conhecido e reconhecido em escala nacional,
representativo do que havia de melhor em termos de compromisso político e de
competência real...” (Costa.s.d.: 18) na atenção a meninos e meninas nas ruas e suas
comunidades de origem. Eram lideranças de organizações da sociedade civil que desde
os anos 70 atuavam com esse segmento da população infanto-juvenil.
O projeto tinha como finalidade proporcionar o intercâmbio, fortalecer e estimular
o surgimento de outras experiências, a partir das experiências, das práticas
desenvolvidas pelas organizações da sociedade. Nesse período foi realizada uma sorte
de eventos - oficinas, reuniões, encontros, produção de cartilhas e vídeos, socialização
do conhecimento por meio dos semitágios – constituindo-se em “(...) espaço de
transmissão e produção de idéias, conhecimentos e posturas ... [que resultou em] um
patrimônio de idéias e experiências capaz de ser usado tanto para a geração de novos
programas de atendimento, como para a melhoria dos programas existentes.” (Costa.s.d.:
18, 19).
É ainda nesse período, especialmente no inicio dos anos 1980, surgem as
primeiras pesquisas sociais (São Paulo e Rio de Janeiro) e uma vasta produção
acadêmica sobre a questão das crianças e adolescentes que faziam das ruas seu espaço
de sobrevivência. Esses estudos confirmaram que as crianças e adolescentes que
estavam nas ruas dos grandes centros urbanos não eram “abandonadas” e que era para
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o convívio familiar que retornavam após longos períodos de trabalho na rua. Daí surgem
as expressões “menores” na rua e “menores” de rua.
Já na década de 1990, Irene Rizzini utiliza Lusk (1992) e traz as seguintes
categorias: a) trabalhadores de rua com base familiar, constituem o maior grupo de
crianças. Moram com suas famílias, freqüentam a escola, exercem atividades no
mercado informal [ou de mendicância] e retornam às suas casas; b) trabalhadores de
rua independentes, constituem parcela significativa deste contingente. Moram
temporariamente nas ruas devido à distância da casa, a abusos sofridos no ambiente
doméstico e a falta de condições de vida. Ainda assim, mantém, mesmo que
precariamente, algum vínculo com a escola. Combinam trabalho com pequenos delitos,
estando mais exposto à “cultura da rua”, pois adotam certos padrões de comportamento
que levam ao abandono de suas famílias; c) crianças de rua, moram nas ruas e os
vínculos com a família e a escola são frágeis, estando mais próximos da definição feita
pelo senso comum – menino de rua, pivete, pixote. Parte deles tem uma história de vida
marcada pelo abuso, violência, maus-tratos domésticos, além do uso regular de drogas.
Não trabalham, tendo como estratégia de sobrevivência a prática de delitos; d) crianças
de famílias de rua, são aquelas que vivem de/nas ruas como estratégia de sobrevivência
junto como o grupo familiar, fazendo parte da categoria social, população de rua.
Essas últimas definições incorporam na vida das crianças e adolescentes em
situação de rua o vínculo familiar e o trabalho, reconhecendo que estas crianças usam o
espaço público para busca de renda, via trabalho.
Para a pesquisa aqui apresentada, foram estabelecidas duas categorias de
análise distintas, a partir das considerações acima: uma refere-se a crianças e
adolescentes que ocupam as ruas para atividade de trabalho, que gera renda para sua
família ou para si própria; e outra de crianças e adolescentes que fazem da rua seu
espaço de sobrevivência, lá essas crianças e adolescentes fazem suas refeições, sua
higiene pessoal, realizam atividades de lazer e de trabalho e estabelecem vínculos e
relações afetivas. Sua vinculação a família e a comunidade de origem é tênue e bastante
esporádica.
A categoria criança e adolescente trabalhador de rua é caracterizada na lista de
piores formas de trabalho infantil e definida como trabalho informal realizado por crianças
e adolescentes nos centros urbanos. Estão presentes nos faróis e cruzamentos das ruas
das cidades onde distribuem panfletos, limpam vidros dos carros, fazem graça e
esmolam, vendem balas, fazem carretos em feiras, guardam e lavam carros, esperam os
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fregueses com flores e chicletes nas portas dos restaurantes e ainda vendem o seu
próprio corpo.
Importante deixar claro que não há um padrão pré-estabelecido que indique que a
criança ou o adolescente inicia sua vida na rua por meio do trabalho, e mais ainda, que a
atividade de trabalho de crianças e adolescentes na rua leve a adotar a própria rua como
seu espaço de moradia. Porém, dada as violações de direitos a que estão submetidas as
crianças que trabalham nas ruas, uma parcela pouco significativa poderá traçar esse
caminho, a depender também das violações de direitos a que estão submetidas em suas
famílias e comunidades. Nesse sentido, é importante enfatizar que algumas crianças e
adolescentes estão nas ruas em estágios intermediários, uns chegando, outros se
fixando, e que esse chegar ou se fixar é conseqüência da natureza de sua vinculação
com a família, a escola e a sua comunidade. Por outro lado, encontramos nas ruas
crianças e adolescentes também em estágios distintos de aproximação com a atividade
de trabalho e/ou sua vinculação com a rua como seu espaço de moradia eventual ou
permanente.
Para efeito das definições conceituais dessa pesquisa, há sem dúvida a
necessidade de estabelecermos categorias distintas, na medida em que as políticas
públicas de atenção a essa população deve se concretizar com estratégias bastante
distintas, dada a restituição de direitos a ser enfrentada. Assim, foram também analisadas
diversas pesquisas realizadas a partir da década de 80, em várias cidades do Brasil, com
o objetivo de traçar uma evolução no conceito de "situação de rua" nas últimas décadas,
principalmente no que se refere a crianças e adolescentes.
Decidiu-se
utilizar
para
a
pesquisa,
por questões metodológicas,
para
levantamento dos pontos de concentração, as categorias “na rua” e “de rua”, conforme
tipologia construída pelo UNICEF em 1989: crianças de rua têm até 18 anos, habitam
zonas urbanas, têm vínculos familiares débeis, quando os têm, desenvolvem habilidades
e destrezas de sobrevivência, têm na rua seu habitat principal, substituindo a família
como fato essencial de crescimento e socialização, e estão expostos a riscos
consideráveis e específicos; crianças na rua ou em estratégia de sobrevivência têm até
18 anos, mantêm vínculo familiar, realizam atividades destinadas a garantir seu sustento,
tanto podem estar incluídas na economia formal como na informal ou mesmo marginal,
se desenvolvem fora do núcleo familiar, na rua ou fora dela, onde possam parte ou todo o
seu tempo, recebem ou não remuneração, que pode ser em dinheiro, espécie ou serviço,
e que recebem pode ser para si, para seu grupo de referência ou para terceiros”.
(UNICEF, in Alves. 1991: 118).
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Ainda para efeitos da estratégia metodológica, seguiu-se a definição apresentada
pela Fundação Projeto Travessia, segundo a qual: “menino/a de rua seriam crianças e
adolescentes que fazem dos espaços públicos seu local de moradia e sobrevivência, com
vínculos familiares e comunitários em conflito, fragilizados ou rompidos, possuem
relações tênues com a família, quando possuem, visitando-as ocasionalmente, vivem nas
ruas como se fossem suas casas, em busca de abrigo, comida e companhia.
Desenvolvem atividades nas ruas com intuito de sobrevivência, pedindo dinheiro, pedindo
alimentos, trocando pertences. A situação de rua caracteriza-se por extrema e máxima
vulnerabilidade. As crianças e adolescentes de rua podem ser encontradas nas ruas nas
seguintes situações: dormindo, andando sem destino, pedindo dinheiro, pedindo comida,
sentados ou deitados nas praças e logradouros, no entorno das estações e terminais de
ônibus, nos centros comerciais, usando droga, envolvidos em conflitos, se escondendo
etc; menino/a na rua categoria que compreende o trabalho infantil nas ruas, mas a
criança mantém maior ou menor vínculo com sua família, com a escola e com a
comunidade. As crianças e adolescentes na rua exercem suas atividades de
comércio/sobrevivência nas ruas, a maioria vive com a família, estão expostos à
exploração do trabalho infanto-juvenil, empurradas pela vulnerabilidade que acomete o
grupo familiar, a renda gerada nas ruas na maioria das vezes é para complemento ou se
constitui na única fonte de renda familiar, podendo ser também para o próprio sustento,
ou até para necessidades pontuais. Podem ser encontrados nas ruas nas seguintes
situações: Vendendo nos faróis, feiras, mercados, estacionamentos e praças, nas ruas de
bairros, estações/terminais e centros comerciais, ou desenvolvendo atividades para a
obtenção de dinheiro tais como: fazendo malabares, pedindo dinheiro, limpando párabrisas, guardando carros, etc. Por se encontrarem inseridos em um contexto de
vulnerabilidade, estão expostos e podem ser encontrados em atitudes ilícitas, envolvidos
com a exploração sexual, situações que balizarão a construção de plano de atendimento
para cada situação encontrada.
Já para a fase de caracterização serão feitas aproximações que permitam
trabalhar as categorias propostas de Lusk,, utilizadas por Irene Rizzini. Estabelecer
categorias distintas e traçar uma “linha do tempo/vivências” é sem dúvida primordial para
a indicação de políticas públicas de atenção a essa população, ancoradas em estratégias
bastante distintas, dada às reparações e restituições de direitos a serem feitas.
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Construção de instrumentos para mapeamento e caracterização de pontos de
concentração
A partir de um levantamento preliminar de pontos de concentração de crianças e
adolescentes em situação de rua junto aos diversos atores da rede dos sete municípios
do Grande ABC, foi gerado o número inicial de 80 pontos - registrados em planilha
elaborada pela equipe executora da Fundação Projeto Travessia.50
Também, para a construção dos instrumentos, foram analisadas pesquisas
realizadas em várias regiões do país, metodologias e instrumentos de caracterização e
contagem de crianças e adolescentes em situação de rua, como por exemplo a pesquisa
realizada pela FIPE para o município de São Paulo (FIPE, 2006).
50
A equipe técnico-científica da Universidade Metodista de São Paulo foi composta de dez
membros, para as seguintes funções: Coordenação Executiva (Maria Adelina França),
Coordenação Técnica de Dados (Judith Zuquim), Especialista em Infância e Juventude (Rosemary
Ferreira de Souza Pereira), Especialista em Análise Multivariada (Cecília Aparecida Vaiano
Farhat), Especialista em Tecnologia da Informação (Luciano Krob Meneguetti), Assistente de
Tecnologia da Informação (Jeanne Meneguelli), Especialista em Movimentação Demográfica
(James Abreu), Cartógrafo (José Donizete Cassolatto), e duas Estagiárias (Daniele Pelluchi e
Tatiana Montanini). A pesquisa esteve sob supervisão da professora Dagmar Silva Pinto de Castro
e do coordenador executivo da Cátedra Anderson Rafael Barros do Nascimento.
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Os
objetivos
básicos
previstos
para
o
instrumento
de
identificação
e
caracterização dos pontos foram: confirmação do ponto, identificação correta para
permitir a plotagem nos mapas, caracterização do ponto através da identificação dos
atratores, e uma pré-caracterização da população para subsidiar a metodologia para a
fase de contagem, construída a partir de informações de campo e 3 entrevistados para
cada ponto. O instrumento foi elaborado pela Equipe Técnica, e validado junto à Equipe
Executora. A testagem do instrumento foi realizada na atividade denominada de “PréTeste” do Instrumento de Identificação e Caracterização de Pontos, pelos supervisores
da Equipe de Campo. Após a testagem, foram feitas adaptações para melhoria do
instrumento.
As equipes executora e técnica trabalharam juntas na definição do perfil para
seleção da equipe de campo. Como critérios básicos de seleção, foram escolhidos
profissionais que residissem ou trabalhassem na região do Grande ABC, tivessem
alguma experiência com a população objetivada na pesquisa, e preferencialmente
alguma experiência com pesquisa. A equipe técnica também participou do processo
seletivo dos candidatos. Durante a capacitação dos pesquisadores, a Equipe Técnica
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apresentou estudo sócio-econômico da região do ABC, e também o Instrumento de
Identificação e Caracterização dos Pontos, orientando sobre sua correta utilização.
Estratégias do trabalho de campo
As estratégias de campo partiram da divisão da região em quadrantes, definidos a
partir de critérios de agrupamento e trajeto de pontos. A área de cada quadrante (Mapa
de Campo) é de 3,5 km2. Os pesquisadores foram orientados a percorrer os pontos
indicados em trajetos e quadrantes específicos, e orientados a identificar novos pontos.
Esse trabalho de campo gerou 13 novos pontos, caracterizados na operação de
Repescagem. Foi sugerida a formação de duplas de pesquisadores com competências
cruzadas para executar o percurso dos trajetos, tanto para enriquecer o processo de
observação e troca de informações, quanto por questões de segurança.
Para o georreferenciamento dos pontos, a primeira atividade executada foi o
levantamento de informações cartográficas e sua elaboração com vistas à caracterização
geral da região do Grande ABC: setores censitários IBGE, limites administrativos, sistema
viário, transporte, bairros, grandes equipamentos urbanos, etc. Sobre a base de
logradouros em ambiente GIS Maptitude, foram localizados, manualmente, 142 pontos de
concentração de crianças e adolescentes. Finalizado o endereçamento dos pontos,
partiu-se para a confecção dos Mapas de Campo em formato jpg e previstos para
impressão em tamanho A4. Esses mapas contêm, além dos pontos devidamente
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codificados, o sistema viário, a identificação das vias no entorno dos pontos, bairros
principais, grandes equipamentos urbanos e a indicação de uso do solo para residências
classe A, favelas, centros comerciais e áreas de concentração industrial. Também foram
produzidos dois mapas de articulação dos Mapas de Campo, apresentando-se a seguir
sua versão final:
Com o mapeamento georreferenciado, foi realizada uma reunião devolutiva junto
aos Conselhos Municipais da Criança e do Adolescente/CMDCAs, Conselhos
Tutelares/CTs, Secretarias de Assistência Social, Promotores, Juízes da Infância e
Juventude e ONGs, atores da região que participaram na indicação dos pontos de
concentração de crianças e adolescentes na primeira etapa da pesquisa. Os pontos por
eles indicados foram consolidados por meio da formação de Grupos de Trabalho
divididos por município. Os grupos por município receberam mapas dos quadrantes
(formato A3 em cor, para melhor visualização) com a indicação dos pontos já localizados.
Essa metodologia participativa mostrou-se eficaz e gerou indicação de novos pontos,
bem como a discussão e consolidação dos pontos já definidos. Os novos pontos
indicados pelos Grupos de Trabalho foram objeto de ida a campo na operação
denominada "Repescagem". O encontro entre os atores também foi fundamental para
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que os representantes dos sete municípios tivessem uma visão geral da lógica de
distribuição dos pontos na região como um todo.
Primeiro campo - Operação denominada de “Varredura” – 79 pontos confirmados, mais
13 pontos novos.
Segundo campo – Operação denominada de “Repescagem” de pontos (operação
realizada após evento de confirmação dos pontos – incluiu novos pontos levantados
através da operação “Varredura”, e novos pontos levantados pelos atores através de
atividade participativa, durante a reunião devolutiva.
Apontamentos sobre alguns resultados
A pesquisa passou a chamar de “atratores” os elementos comuns (entornos) na
formação de concentração de pontos de crianças e adolescentes em situação de rua,
verificados por meio da disposição em quadrantes e da observação registrada dos
pesquisadores em campo.
Os atratores também se relacionam com o tempo de existência dos pontos, em
sua maioria considerados “antigos” pelos entrevistados. Apesar de “antigos”, quase a
totalidade dos entrevistados desconhece ações de órgãos públicos nos pontos de
concentração de crianças e adolescentes.
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Os resultados também apontam para um movimento característico de crianças e
adolescentes em situação de rua, que acompanha o ritmo de trabalho, lazer e consumo
nas cidades. Os dois gráficos a seguir demonstram esse movimento, apontando o final da
tarde de sexta-feira como um momento privilegiado para a contagem e revelador dessa
sincronia entre pontos de concentração e fluxo urbano.
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Os resultados a respeito das atividades exercidas pelas crianças e adolescentes,
comparando-se inclusive o movimento de respostas de pesquisador e entrevistados,
pode ser observado no próximo conjunto de gráficos, que aponta a permanência histórica
da “esmola”, ao lado de habilidades recém-adquiridas como malabares. A venda, por sua
vez é, em geral, realizada em pontos de concentração com presença de adultos,
conforme pode ser verificado nos cruzamentos dos dados.
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A metodologia na primeira fase, além de indicar as especificidades de pesquisas e
levantamentos relativas a populações em situação de rua dada a sua invisibilidade social
e mobilidade urbana, apontam para a necessidade de estreita articulação entre e com os
atores locais que tem por responsabilidade o atendimento a essa população. As regiões
de conurbação, por seus atratores, favorecem a instalação do fenômeno e nesse sentido
é fundamental o estabelecimento de políticas públicas de atendimento a essa população
que ultrapassem as fronteiras municipais para que se possa construir uma rede de
proteção do direito à convivência familiar e comunitária para as crianças e adolescentes
em situação de rua da região do Grande ABC.
Os resultados da identificação e caracterização do ponto através da identificação
dos atratores, dos horários e dias da semana de maior freqüência, do tipo de atividade
realizada e a pré-caracterização da população foram fundamentais para subsidiar a
metodologia para a segunda fase - de contagem – na medida em que orientam a
organização do campo da pesquisa e indicam as possibilidades de observação a serem
feitas pelos pesquisadores durante a contagem. Também, trazem indicativos para a
organização da terceira fase – caracterização da população de crianças e adolescentes –
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, quando apontam as formas de ocupação das ruas pelas crianças e adolescentes, na
sua grande maioria como espaço de obtenção de renda, seja pedindo esmola, seja
fazendo demonstrações com malabares, seja realizando atividades consideradas como
trabalho informal como a venda de balas ou a guarda de carros.
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Percepção Pública sobre a Prática e Implantação de Ações Governamentais no
Grande ABC Paulista.
Douglas Filenga
Miguel Maiorino
Resumo
Este estudo parte da opinião pública expressa por meio de moradores da Região do ABC
Paulista para determinar o nível de satisfação em relação às ações governamentais. São
considerados quatro vertentes de análise. A ética, os serviços prestados ao público, as
ações culturais e a política pública integrada. A forma como são prestadas as contas
públicas bem como a maneira de se portar dos políticos, as intervenções em áreas como
transporte, saúde, segurança etc., a valorização da maneira como se comportam os
moradores da região e, por fim, a coerência do conjunto de todas as ações são,
respectivamente, as definições conceituais consideradas para identificação do nível de
satisfação. Para tanto, o objeto de estudo é de uma população existente na aérea
limítrofe às três cidades-chave: Santo André, São Caetano do Sul e São Bernardo do
Campo. Este estudo contou com o envolvimento de dezenas de estudantes, professores
e cidadãos, o trabalho comum usou a metodologia derivada da experiência do Ibope,
especialmente o seu braço educativo, Instituto Paulo Montenegro. O trabalho com ética,
ação cultural e serviços prestados à população permitiu muitas correlações e criou um
instrumento que pode ser de muito valor às gestões públicas sensíveis à opinião da
cidadania e ao desenvolvimento de políticas públicas integradas. Foi aplicado um
instrumento de pesquisa que visa transformar a subjetividade da satisfação em números
de 1 a 10, sendo 1 nada e dez muito satisfeito para objetivar e mensurar especificamente
tal atributo. Os resultados apontam para uma insatisfação generalizada por parte da
população pesquisada em relação às quatro vertentes estudadas, com especial destaque
para a ética pública. Estes resultados parecem indicar a necessidade tanto da forma
como de conteúdo dos trabalhos e agentes públicos, bem como o desenvolvimento da
percepção acerca daquilo que é feito.
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Introdução
A literatura sobre gestão pública demonstra que o nível de percepção individual e
comunitário relativo à situação vivida, ou observada, determina o movimento de valores e
crenças que a pessoa ou o grupo desenvolve.
As formulações clássicas de Schein
(2006) sobre cultura organizacional esclarecem que os valores se encontram no nível
intermediário da cultura organizacional, significando a elevação da consciência. De fato,
os valores perfazem a mediação entre artefatos e princípios de base. Os
comportamentos e as técnicas visíveis somente ganham sentido e dão respostas ao
conjunto das aquisições diluídas ou invisíveis do ser da organização – simples ou
complexa – ao garantir a chancela ou a sedimentação das etapas construtivas de
valores. O lingüista Luria (1987) já formulara um sentido cultural para a consciência ao
recuperar os estudos de Vigotsky. Em suas conhecidas últimas conferências, analisa a
posição original de Descartes (a conduta consciente no pensamento abstrato) e o
idealismo kantiano (a passagem da experiência imediata às essências). Tais posições
constroem o dualismo entre o pensar elementar e a complexidade, de que resulta todo o
debate moderno e contemporâneo. Luria dialoga com o mestre russo, que alia a
linguagem à educação social e para quem a consciência se realiza na capacidade
lingüística inerente e seu encontro com a história concreta dos homens e seus processos
de participação social. Daí a construção da complexidade social, na qual a opinião
pública, pós Iluminismo, ganha sentido. Nesse texto entende-se a cidade como uma
super-organização. Daí crê-se que seus cidadãos se aproximem da complexidade por
etapas, por ações no tempo social, por processos de variada participação Trata-se de
amplo processo de aprendizagem, de educação social. Vergara e Corrêa (2004:32) citam
Senge, para quem: “...organizações de aprendizagem são aquelas nas quais as pessoas
ampliam, continuamente, sua capacidade de criar os resultados que desejam, nas quais
a aspiração coletiva é libertada e nas quais as pessoas aprendem, permanentemente, em
grupo”. Na ocorrência de contínuos e novos processos políticos, a competência
lingüística
(portanto
simbolizadora)
opera
novas
aquisições
de
conhecimento,
competência e, portanto, consciência complexa, de que resultam (e que causam) novos
lances de participação. Na medida em que grupos de cidadãos e cidadãs desenvolvam
uma percepção positiva de valores, tendem a criar uma predisposição ou atitude positiva
com relação aos processos que carreguem valores aos princípios. Schein vê nos
princípios os elementos de natureza invisível, que ligam diferentes atores em suas
relações profundas, inclusive com o ambiente, o tempo, a natureza e as razões do ser.
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Políticas Públicas: participação, transparência e inclusão social
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Pode dar-se aí o fortalecimento da democracia, do governo do povo, um retorno à origem
e seus sentidos de gestão.
Na frustração dos valores, ou em sua malversação
clientelista, ou populista, deve dar-se o esvaziamento da mediação, seguido da anomia
ou do autoritarismo. Tais fenômenos são muito conhecidos nas administrações urbanas
da república brasileira. Trabalha-se, pois, aqui, com as atitudes sociais, compostas de
elementos cognitivos, afetivos e comportamentais, de sentimentos de satisfação, ou de
insatisfação, de que decorrem comportamentos equivalentes. Portanto, o levantamento
dos valores que visibilizam a consciência dos cidadãos, por meio de pesquisas de opinião
pública, referentes à gestão pública da cidade, significa um passo importante, não
somente no que diz respeito à percepção que eles têm dos serviços prestados, da ação
cultural e das atitudes éticas dos governantes, mas também oferece a oportunidade de se
saber quais posturas eles provavelmente assumirão frente à pólis, decorrente desse nível
de satisfação, ou seu contrário. A rigor, somente um percurso de consciência, que
constitui valores e enseja a manifestação de princípios, pode garantir uma efetiva gestão
pública, visto que a relação entre políticas e cidadania realiza-se, segundo Fleury
(2004:97), na: “afirmação da capacidade de transformar as relações de poder a partir do
campo de práticas, conhecimentos e serviços dessas políticas”.
A população do bairro Palmares, Grande ABC Paulista, opinou, entre o pré-teste,
a primeira e a segunda visita, sobre insumos sociais tidos como intangíveis, quais sejam
a ética e a cultura, bem como sobre operações municipais cotidianas, geralmente nãotransparentes. Por fim, opinou sobre a visão que tem a respeito da integração das
políticas sociais, tais como saneamento, educação, saúde e transportes. Por intermédio
de uma metodologia originada na experiência do Ibope, Instituto Brasileiro de Opinião
Pública e Estatística, construiu-se um sistema gráfico de representação, tipo questionário,
com gradações nos graus de satisfação/insatisfação. O estudo teve como propósito medir
o nível da satisfação dos moradores dessa região em relação aos insumos, aqui supostos
como valores para a governança. Para tanto, contou-se com a participação de alunos
universitários, voluntários, para pesquisar 227 (duzentos e vinte e sete) moradores dessa
área. Em momento posterior do trabalho, uma população pouco maior foi pesquisada,
geograficamente mais ampla, mas também da mesma região, com vistas a repercutir
sintomas e tendências evidenciados no trabalho com a população de Palmares. O estudo
constatou a existência de uma insatisfação geral relativa aos âmbitos da pesquisa, com
especial destaque para o transporte, as atividades artístico-culturais nos bairros, a
prestação pública de contas, ou transparência dos gastos públicos e, por fim, quanto à
participação dos munícipes nas decisões tomadas. A partir desses resultados, espera-se
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contribuir para a gestão das cidades e da região, com um retorno da população acerca
das medidas tomadas pelos governantes. Do mesmo modo, pretende-se disponibilizar
aos gestores das cidades uma metodologia capaz de orientar as intervenções públicas
em relação às expectativas dos moradores, os quais, no ato de visibilizar seu
pensamento e seus valores, fazem-se cidadãos e cidadãs. Evidentemente não se pode
negar que este é um trabalho exploratório, realizado no intervalo de 2 anos. Os estudos
sobre indicadores para a prática de cidadania, por exemplo, as contribuições organizadas
por Passos (2003:100), reconhecem o valor do trabalho exploratório, mas não podem
negar que “os dados relacionados à participação da sociedade local são escassos em
âmbito municipal e sequer existe um consenso a respeito dos indicadores e dos modelos
de análise que seriam mais adequados”. Dada a precariedade reconhecida, tais
pesquisas de opinião – foco deste estudo - foram precedidas e sucedidas por estudos e
colóquios universitários semestrais sobre os âmbitos pesquisados. Resulta, pois, uma
considerável massa crítica sobre a importância e o sentido da opinião das pessoas na
construção desejável de políticas públicas, notadamente a partir de fatos e valores pouco
pesquisados e muito menos conhecidos de gestores da coisa pública.
Ademais, um dos objetivos do projeto consiste em desenvolver uma metodologia
de abordagem, tabulação e representação gráfica, que sirva de indicador de qualidade
das gestões públicas nas dimensões da ética pública, dos serviços públicos prestados e
da ação cultural, que deve servir aos diversos gestores públicos como valor para o
aprimoramento das técnicas de gestão. Os resultados do questionário a que se chegou
nesta etapa do projeto são apresentados no campo de resultados e discussão deste
artigo. A devolutiva social, já em movimento na região, pretende sugerir a realização de
consultas sistemáticas, das quais participem educadores, profissionais da sociedade civil,
pesquisadores de diferentes áreas do saber e estudantes, em contato direto com
moradores e beneficiários dos diversos espaços públicos, com o objetivo de identificar as
variações perceptivas e os consensos dos atores sociais nas comunidades pesquisadas.
Os Eixos Estruturantes
Ao construir este projeto de indicadores de qualidade de vida nas cidades a partir
da opinião da cidadania, evidenciou-se a necessidade da elaboração de aparato teórico
que servisse de fulcro para o desenvolvimento dos instrumentos de pesquisa. Previa-se
que os resultados das pesquisas realizadas envidassem posteriores revisões desses
conteúdos teóricos que deveriam situar-se, assim, sob constantes reavaliações. Em
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novembro de 2004, decidiu-se pela criação de três grupos de conversação e pesquisa, a
saber, serviços prestados ao público, ética pública e ação cultural. Formaram-se, pois,
três grupos compostos de educadores de áreas diversas do saber e estudantes também
de diferentes campos de conhecimento. Ombro a ombro, trabalharam, com voluntários,
professores e alunos, representantes de entidades sindicais e de organizações não
governamentais, além de profissionais que atuam no campo da gestão municipal.
Envolvidos nesse diálogo, academia e membros da sociedade civil, os grupos encetaram
as discussões e expuseram os resultados de seus debates (2004-2006), esclarecendo
sua compreensão dos temas.
Serviços Prestados ao Público
Como passo inicial, necessária se fez a conceituação de serviços prestados ao
público, tendo o grupo de trabalho levado em conta, como premissa básica, o ideal da
cidade enquanto definidora do seu desenvolvimento, com serviços prestados ao público
que promovam a inclusão social e a conquista do bem-estar coletivo e que contem com a
valorização do processo participativo, corroborando as idéias e o sentido exposto por
Daniel (2000). Para esse autor, o direito à cidade passa pelo desenvolvimento local,
entendido como uma gama de serviços prestados que permitem à sociedade o alcance
de patamares mais satisfatórios na relação entre aquilo que lhe é oferecido pelo gestor
público e aquilo que de fato gostaria ou esperaria auferir nos respectivos níveis de preço
a pagar por tais serviços, via impostos, como evidenciam os estudos de Daniel (op.cit),
Rosseto, Dowbor e Silva (2002). Não há como realizar trabalho de tamanha envergadura
sem que se considere, como ponto de crucial importância, a percepção dos cidadãos
como sujeitos no processo de implantação de políticas públicas. Destarte, o trabalho de
pesquisa e extensão deve buscar o diálogo com a comunidade alvo, na busca de levantar
suas reais preocupações para que as interrogações tenham, de fato, embasamento na
vida real dos pesquisados. Constata-se, como outra conseqüência não menos importante
deste trabalho acadêmico-comunitário, o estímulo ao exercício do pensar oferecido aos
membros da comunidade, que poderia aumentar seu nível de consciência a respeito da
vida cidadã. Para o gestor que se pretende eficiente no trato com a administração
pública, torna-se imprescindível aprender a interpretar as informações de que dispõe e
reconhecer seu valor. Os pesquisadores deverão, na elaboração dos instrumentos de
pesquisa, explicitar quais indivíduos compõem o público alvo e quais seriam os serviços
públicos a serem pesquisados. Para tanto, esse estudo parte do princípio de que o
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caráter público dos serviços oferecidos à comunidade é atribuído como direito, pois
constituem serviços que não acarretam a produção mais valia, mas são indispensáveis
para a formação ampliada das forças produtivas humanas (LOJKINE, 1981). Serviços
públicos são, pois, conceituados como aqueles voltados às necessidades sociais e que
contribuem para a formação das forças produtivas humanas. Ou valor de bem-comum,
bem-público, nas expressões felizes dos especialistas da ONU (2002). A se levar em
consideração as necessidades do cidadão, deve o gestor público dispor de instrumentos
que o auxiliem na compreensão da realidade que o cidadão vivencia, de forma a evitar
possíveis distorções, caso ele conte apenas com sua visão pessoal dessa realidade local.
A questão se torna mais aguda (porque a cidadania ainda será o centro do processo) no
esforço de redução da burocracia e dos custos operacionais, com a introdução do E-gov
(PAULICS, 2000; KUJAWSKI, 2004). Torna-se, também, fator de significativa
importância, a valorização da comunidade no momento de se conceituar qualidade de
vida. O meio acadêmico, por exemplo - e amiúde o senso comum de gestores - corre o
risco de entender como necessidades do cidadão aquelas discutidas pela literatura e,
desta forma, distanciar-se da realidade que deve fundamentar a pesquisa e a tomada de
posição política. Outro aspecto a ser levado em conta diz respeito ao fator da
universalização e da restrição do acesso aos serviços pela população. Nesse sentido,
Andrietta (2000), favorece a utilização de escalas do tipo Likert, como instrumento para
se minimizar os vieses interpretativos, considerando a possibilidade de objetivar as
variáveis de uma pesquisa de valores subjetivos, como é o caso da percepção humana
acerca dos serviços públicos prestados.
A Construção de Indicadores de Qualidade no Campo da Ação Cultural
Para estabelecer mais eficientes análises, o GT estabeleceu parcerias para
promover a reflexão sobre o tema, contando, também, com a participação de artistas,
pesquisadores, educadores, assessores e agentes de cultura. Não se tratou, portanto, de
um grupo de técnicos e especialistas no campo da pesquisa e da elaboração de
indicadores, mas de pessoas envolvidas com a cultura, engajadas nas discussões
enquanto possibilidade de inserção e inclusão social, expressão de vida que se
desdobra, na prática, em gerenciamento de verbas, receitas públicas para o
desenvolvimento de projetos e participação na tomada de decisões sobre cultura
local/regional. Tais critérios acerca do significado daquilo que se considerou como sendo
ação cultural, não se caracterizaram pela ocorrência ou não de shows artísticos, ou mero
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entretenimento, mas pela valorização da memória local, relato de experiências, das
conversas nas praças, das disposições do mobiliário urbano, das disputas simbólicas a
favor da própria qualidade de vida. Observou-se a importância do que foi o sentido do
desenvolvimento dado pela Prefeitura de Santo André por ocasião da compra e
delineamento do destino urbano-ecológico do subdistrito de Paranapiacaba, (como
poderia ser Fernando de Noronha, Pantanal ou Congonhas do Campo) enquanto atrativo
econômico financeiro sem desvalorização do alto valor como patrimônio de cultura.
(COSTA e MORETTO NETO, 2003).
Fica manifesto no documento elaborado pelo GT, assim como nos outros dois
documentos, que a construção de indicadores deve servir de catalisador das experiências
múltiplas e diferenciadas que caracterizam uma comunidade. Trata-se da inserção da
cultura na vida social e política da cidade, com o fito de levar o cidadão à descoberta de
novos sentidos para sua vida na polis. Destarte, cabe estimular o diálogo com a
sociedade civil a fim de que ela seja e se sinta, de fato, representada, constatando, ou
não, a sintonia das práticas culturais vivenciadas com as políticas públicas adotadas. Foi
fundamental a observação da dinâmica e da pulsação da cultura em seus múltiplos
aspectos, para futuros entendimentos e melhoria da qualidade da gestão pública, tal
como se discute nos vários projetos de urbanização e reurbanização (FRANÇA, VAZ e
SILVA, 2002).
Para que essa observação fosse levada a efeito, foram utilizados como guias para
a reflexão, valores estratégicos, tais como: a ressocialização das relações culturais;
multilateralidade e diversidade da cultura; interação pública não necessariamente estatal;
lugar da cultura no espaço midiático; acessibilidade, democratização e descentralização
da ação cultural; ocupação e apropriação dos meios, serviços e projetos públicos de
cultura; expansão do espaço público e o publicizável. Há que se notar que, como forma
de pensar a cultura e a política cultural, necessária se faz a discussão sobre identidade e
pluralidade cultural. Davel e Vasconcelos (2007) apontam no sentido de que ações
desenvolvidas por um agente considerado detentor de poder podem estimular ou causar
uma relação de expectativa e de dependência por parte dos assistidos, próprio do
sistema paternalista inerente às relações de poder brasileiras, que condizem com a mais
valia, mas não com o bem-comum das cidades.
Esse estudo se propõe a desenvolver um instrumento de pesquisa que contenha
meios de se construir indicadores de desempenho da gestão pública sob a percepção
dos moradores da urbe metropolitana, com a condição discutida por Furtado (1982), entre
outros, de que ao gestor cabe, não apenas monitorar a atividade criativa, e sim oferecer
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oportunidade e apoio para que ela se desenvolva de maneira independente, autônoma.
Evitar-se-ia, por aí, o desvio ou a projeção de valores que não respeitem as culturas
locais/regionais. O trabalho aqui demonstrado tem, dessa forma, como um de seus
propósitos, investigar a viabilidade dos acessos a bens culturais, como a coletividade se
apropria deles e se estão sendo possibilitadas formas de criação e expressão. Mais uma
vez fica clara a intenção, que deve permear todo o projeto de construção de indicadores,
de buscar se transformar em possibilidade de expressão e de diálogo da população com
a gestão pública. Nega-se, pois, qualquer visão assistencialista, que representa, via de
regra, a ruptura de processos efetivamente culturais.
Ética Pública
No debate de ética e administração pública algumas definições se tornam
preponderantes, ou seja, o que podemos conceituar como público e o que podemos
entender como privado. A cidade se constitui como o espaço onde o domínio das coisas
públicas e privadas expõe conflitos e disputas, também éticas e culturais. Para Dejours
(2001), o conflito entre o que é tido como político, sindical e social aponta para a
fragilidade das relações entre os grupos. A tolerância para com aquilo que deveria ser
público, mas tornou-se privado, pode ser entendida como negligência em relação ao
sentido de direitos e obrigações das pessoas e organizações públicas. Dejours ainda
salienta que essa situação pode apresentar características da vergonha e da inibição da
ação coletiva. Porém, na medida em que esse espaço público se efetive, ele determina e
demanda a constituição de procedimentos éticos, legitimados. Operacionalizar e
conceituar torna-se imprescindível quando se busca construir indicadores sociais de ética
pública.
Corrupção e gestão dos recursos públicos, com freqüência, se encontram no
centro dos debates sobre ética pública. Deve-se levar em conta, no entanto, o processo
precário de enraizamento da res publica e a real participação dos cidadãos em sua
constituição. Até mesmo as ações tomadas com conotação positiva se tornam passíveis
de questionamentos sobre sua verdadeira finalidade.
O debate chega ao tema da aura ética da responsabilidade social e do mecenato.
Os atos programáticos praticados por empresas, inclusive quando estatais, evidenciariam
que seus resultados e mediações vão além do lucro, contrariando a lógica da iniciativa
privada baseada na mais valia ou, ao contrário, poderia ser essa mesma lógica a
formuladora dos interesses e programas. Para Peliano (2001), a investigação dessas
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razões permite chegar ao cerne da questão ética por meio da investigação da razão da
ação social corporativa. Aí se encontram a duração dos programas, os modos de
participação sócio-funcional, o tratamento ecológico das ações e a avaliação social dos
resultados. Já para Ventura (2003), a ética das ações sociais poderia ser questionada,
pois tais ações somente servem para fortalecer um novo modo de produção simbólica,
visto que o aparente comprometimento adota modismos como cabeça-de-ponte de ações
sociais, ainda que sejam por meio de certificações normatizadas internacionalmente.
Esse mesmo raciocínio sobre marketing e mais-valia pode ser encontrado nos estudos de
Arrebola (2004) ao indicar essas formas de marketing social como estratégias de
aumento da lucratividade. A despeito da ética não opor-se a qualquer ação lucrativa,
reflui-se, aqui, à origem do sentido da ética, que é a consciência da moral, a análise dos
modos de exercício da moralidade, que devem controlar o marketing e a propaganda.
Por essa discussão dos interesses e da ética e como forma de se instituir uma
atitude de controle sobre a administração pública, deve-se privilegiar o desenvolvimento
de uma estrutura legal que garanta ao gestor público um modelo de gestão transparente
e aberta. Nesse sentido, e a fim de adequar a ação do estado aos direitos fundamentais
da sociedade, cabe criar uma agenda de debates com os cidadãos na busca de conhecer
suas reais demandas em constante dinâmica. Para Osborne e Gaebler (1997), a
proposta é de modernizar o setor público, com foco na eficiência sistêmica e não no
ocasional, isto é, no estabelecimento de padrões da iniciativa privada adaptados ao setor
público e sinérgicos entre os vários atores sociais. Cardoso (2000) aduz que a questão
ética se manifesta na elaboração de procedimentos, tais como os códigos éticos e as
chamadas comissões éticas.
No sentido de valorizar o sentido de cidadania, deve o poder público envolver os
cidadãos nos debates sobre os temas que lhe afetam o dia a dia, bem como promover a
conscientização do cidadão com respeito aos seus deveres e obrigações com relação à
pólis. Esta é uma das razões deste trabalho. Esse fato pode ser percebido pelos
pesquisadores quando, ao abordar os moradores acerca de suas opiniões com relação
aos temas tratados, podia-se ouvir que até então eles não haviam parado para pensar
nisso. Essa ausência do “parar para pensar” é capital na cultura política brasileira. Não se
parou, de fato, porque também raramente foi tematizado o direito à opinião como valor de
consciência.
A questão central da ética pública é o processo de comunicação, isto é, a busca
da transparência da informação por parte da administração pública, dos agentes privados
(balanços das empresas e gestão de interesse público estratégico), acessibilidade a
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informações sobre a gestão pública e sobre a ação das entidades privadas no espaço
público. Noutras palavras, não se pode pensar em legitimidade da gestão pública sem
que se reconheça, por parte dos cidadãos, importância da ação ética (da ação restringida
pelo interesse social) por parte do gestor público.
Princípios da estruturação: as políticas públicas integradas
É necessário precisar o conceito. O valor maior da compreensão de políticas de
áreas de governo, como políticas públicas, reside no acúmulo de sentidos de visibilidade,
participação, mobilização, visto que a própria gestão pública não pode ser hodiernamente
entendida fora da cooperação entre a esfera governamental, as forças produtivas localregionais e os grupos sociais organizados/em organização. Assim visto, o que é público
amplia sentidos. Os termos que qualificam as políticas públicas podem ser constituídos
na ampliação do sintagma política pública. Por isso, neste trabalho busca-se entender as
políticas públicas como efetivas políticas públicas de distribuição e construção da
eqüidade no espaço local-regional, sabido que englobam os saberes e as práticas
educativas, de atendimento social, de saúde, transportes e cultura, evidentemente com
interfaces ativadas às demais políticas públicas de infra-estrutura (por exemplo, os
campos de Obras e Serviços Urbanos) e de mediação da gestão (os atos de
Planejamento e Organização Financeira).
A identificação e a prática de uma política de distribuição e construção de
eqüidade no espaço público, comunitário e de terceiro setor implicam a revelação de um
processo de trabalho no qual haja objetivos de mudança de qualidade de vida e
metodologia produtora de interlocução social, portanto participação reveladora de criação
simbólica dos grupos e pessoas envolvidos.
Por isso, o trabalho com a política pressupõe o acompanhamento das relações
entre a infra-estrutura e a superestrutura social, no qual se sondam os modos e os
sentidos da memória comunitária, a organização do orçamento familiar (e talvez da
própria cidade), as bases da organização social. Enfim, a matéria e o espírito que
concretizam a expressão da existência das comunidades e sua criação simbólica.
Noutras palavras, o gestor público deveria ter olhos e ouvidos grandes e boca pequena
diante do painel cultural que se descortina, intriga e desafia a cidade e a região. Seria
como fazer o contrário dos textos de políticas emanados da oficialidade do país, quer
aqueles dos tempos da ditadura nos anos 70, quer os panfletos partidários e os
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opúsculos dos tempos democráticos, que tomam a cultura, a educação, a saúde e os
transportes como "negócios" e lugar de disputas intestinas.
O processo de construção de uma política de distribuição abrange todo o círculo
gerador de relações sociais: os produtos/resultados, os dados, o vivido no processo, os
modos de difusão/circulação e as formas de consumo, uso, fruição, apreciação. Para
tanto, não basta assumir discursos pomposos advindos dos novos milagreiros das
gestões, como gestão sinérgica, revitalização do espaço social, globalização, matrizes
administrativas, ação pelas redes de acesso, administração descentralizada, etc. Tais
conceitos também podem tornar-se, amiúde, ortodoxia e simulacro. Melhor é produzir
novas narrativas e novas descrições sobre os modos de distribuição e construção de
eqüidade (produção, difusão, consumo), com base na opinião efetiva dos cidadãos, pois
essa interlocução ajudará a superar dogmatismos e limitar ecletismos.
Melhor será criar
laços efetivos – discursos e práticas vividos - nas ações sociais de educação/cultura,
cultura/saúde,
orçamento/educação/saúde,
transporte/cultura/educação,
e
assim
ampliadamente, não pela lógica dos esquemas transplantados, mas pela tradução, pelas
novas narrativas sociais e pelas tomadas de decisão decorrentes do processo de
conhecimento.
São três os novos sentidos que podem desenvolver-se a partir desse modo de
criar política na cidade que se deseja construir, visto que nossas cidades são
precariamente construídas e, por conseqüência, insustentáveis. Vão aqui como sinal
de um projeto maior de cidade, cuja sinalização tem sido vista aqui e ali no trabalho de
pesquisa com as populações dos bairros e cidades.
Sentido de constituição de sujeitos sociais, que se realiza no fazer comum que cria os
direitos por meio da crítica, da presença ativa, da capacidade de construir o hoje e
projetá-lo no vir-a-ser.
Sentido de ampliação de articulações e estratégias, que faz gerar saberes antes incultos,
que produz narrativas diferenciadoras e articuladas às diversas linguagens sociais, que
produz reconhecimento do outro, da outra, avançando para a relação eu-tu, que refaz a
sociedade pela base, muito além do poder vicário das leis e das normas.
Sentido de educatividade social, que se realiza na construção da educação social, além
dos aparatos escolares e, portanto, no campo da cultura, ainda que fora da Casa de
Cultura e do balcão de negócio dos equipamentos burocráticos municipais. Produz, pois,
o ideal democrático da educação na direção do significado maior da participação, isto é,
no fazer comum e na equalização de oportunidades.
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Metodologia
Nepso
Como já apresentada, a proposta trata do desenvolvimento (vivenciado) de um
instrumento de avaliação que permita aos gestores públicos formular, implantar e analisar
estratégias que estejam de acordo com desejos e necessidades sociais, por meio da
participação direta dos cidadãos em todas as etapas da gestão.
A proposta metodológica, como já informado, baseou-se na experiência das
pesquisas por amostragem do Ibope, cujo braço educacional, o Instituto Paulo
Montenegro, em parceria com a UNESCO, trabalha com instituições educativas do Brasil,
de outros países do Mercosul, de Portugal e da Espanha. Trata-se de aprofundar as
indagações da relação educativa professor/aluno e, a partir da escolha de temas
emergentes no bairro e/ou na cidade, formular questões, aplicar questionários e analisar
resultados, partindo, então, para formulações e intervenções pertinentes ao escopo da
comunidade educativa como organização. Evidentemente, a pedra-de-toque do projeto
Ibope-Nepso é a cidadania educativa e a relação de produção de conhecimento escolacomunidade, visto que o livro texto Nepso (2002:22) explicita: “Ao conhecer as opiniões
dos outros e compará-las com as suas, (os estudantes) poderão conscientizar-se sobre
como as visões do mundo são construídas socialmente, por meio de influências, acordos,
conflitos e negociações”. Portanto, tematizada a pesquisa de opinião pública, os textos da
organização Ibope-Unesco trabalham com estudantes e professores na definição
temática, identificação de tempo/espaço, elaboração de questionário(s), planejamento e
execução de trabalho de campo, tabulação e processamento dos dados e análise,
interpretação e apresentação dos resultados. Todos os processos e etapas sugeridas
têm sido vivenciadas na experiência aqui relatada.
Amostra
Para compor a amostra deste estudo, foram escolhidos de modo nãoprobabilístico 227 moradores da região do Grande ABC, extensão do agrupamento de
estudantes, cuja maioria também vive na região, especialmente núcleos de Santo André,
São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul. De acordo com os dados obtidos, 53%
das pessoas que responderam ao questionário são do sexo feminino. A idade média era
de 35 anos, 35% possuíam o curso superior completo, sendo que cerca de 7% já haviam
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concluído cursos de pós-graduação. 52% se declararam como sendo católicos e 20%
como evangélicos. Aproximadamente 45% das residências têm entre 3 e 4 moradores e
apenas 6% da amostra têm entre 6 e 8 pessoas. A renda familiar declarada está acima
de R$ 3.001,00 para 24% da amostra e em torno de 50% para aqueles na faixa entre R$
1001,00 e R$ 3.000,00. Apenas 2% da amostra declararam renda familiar inferior a um
salário mínimo.
O instrumento de coleta de dados
Este estudo utilizou um questionário subdividido em duas partes. A primeira
apresentou as frases relativas às quatro vertentes analisadas, isto é, serviços prestados
ao público, ação cultural, ética e política integrada, enquanto a segunda parte tratava dos
dados biográficos, da escolaridade, religião, número de moradores no domicílio e renda
familiar.
Os componentes da equipe, cuja composição já foi citada, decidiram que o
primeiro instrumento a ser construído seria do modelo enquête. Foi elaborado um
questionário qualitativo com dez questões abertas, tendo em vista tratar-se de uma
primeira abordagem com expectativas exploratórias, aplicado a 10 entrevistados no bairro
de Vila Palmares, no município de Santo André. O segundo instrumento foi, também,
construído a muitas mãos, valorizando o caráter de extensão social do projeto. Decidiu-se
por um instrumento quantitativo que desenvolvesse os tópicos mais valorizados pelos
respondentes do primeiro instrumento no que diz respeito aos Serviços Públicos
Prestados, Ação Cultural e Ética Pública, tendo sido aplicado a 100 moradores do mesmo
local. O terceiro instrumento pretendeu levantar as opiniões dos respondentes sobre
Serviços Prestados aos Moradores do Bairro, Ação Cultural na Comunidade, Ética
Pública e Políticas Públicas Integradas, utilizando uma escala que vai de 0 a 10, em
graus intermediários de um ponto, onde 0 equivaleria à posição de nada satisfeito e 10
equivaleria a totalmente satisfeito. O objeto das respostas foi o governo local, mas
também a própria capacidade organizativa da população, ponto de partida para o
entendimento não só dos governos como da governança. Este último instrumento foi
aplicado a 227 moradores de várias cidades do Grande ABC Paulista.
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Análise dos dados
O Programa
Para proceder à análise dos dados, contou-se com um banco de dados criado através do
programa SPSS – Statistical Package for the Social Sciences – , versão 15.0 para
Windows.
Resultados e discussão
Esta seção é distribuída em três partes, sendo o primeiro o tratamento da
informação e analise da média obtida isoladamente por uma a uma das quatro vertentes,
enquanto o segundo apresenta as correlações entre elas, para análise da demonstração
da percepção da satisfação do cidadão em relação às ações dos governantes e da
própria cidadania. O terceiro faz análises dos resultados obtidos por este mesmo
instrumento de pesquisa, porém para outras amostras, compara-se o morador da região
com o morador de um único bairro, associado ao município em que reside.
Médias
A análise das médias apontadas na Figura 1 indica que o nível de satisfação dos
moradores está próxima do ponto 4. As faixas vão de 1 a 10, sendo 0 a 1 indicativas do
nível nada satisfeito, 2 a 4 pouco satisfeito, 5 razoavelmente satisfeito, 6 a 8 muito
satisfeito e 9 e 10 indicando que o respondente se manifestava totalmente satisfeito com
aquilo que foi perguntado. Os resultados apontam para insatisfação para com as
vertentes analisadas, isto é, Serviços Prestados ao Público, Ação Cultural, Ética Pública
e Política Pública Integrada.
Apesar de serem relativamente baixos os pontos atribuídos pelos moradores da
região, nota-se que o ponto mais alto de satisfação se dá em torno das Ações Culturais
(4,48) que representam, por exemplo, o modo de organização social do lugar e certas
expressões da vida associativa. Pode ocorrer que a melhor pontuação tenha sido afetada
pelo movimento da própria indústria cultural, entre shows e outras apresentações
estético-artísticas. Quanto a vertente Política Pública Integrada (4,41), os Serviços
Prestados ao Público (4,30) e a Ética Pública (4,07), apresentam pontuações muito
próximas comparadas com as Ações Culturais e entre si. Todas elas parecem indicar
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uma generalizada insatisfação dos moradores em relação às obrigações dos poderes e
agentes públicos, seja na realização de obras públicas ou no exercício da transparência
de contas públicas ou na realização da integração de serviços em educação, saúde,
transporte. Outro fato significativo é que a média para Ética Pública (4,07) é a mais baixa
de todas. Esse resultado parece fazer sentido prático, segundo a percepção dos
pesquisadores, alunos e professores, pois não poderia ser diferente dada aos diferentes
parâmetros pessoais daquilo que se considera ético. Também se nota a existência de
certo déficit ético no espaço público, resultado do processo histórico republicano. O
instrumento não provoca desvio ou inexatidão no caso. A rigor, o trabalho educativo e
cultural, que já se segue no trabalho relatado, tem a intenção de inferir variações,
explorar e aprofundar situações levantadas, realizar novas mensurações e oferecer uma
retroalimentação.
Descriptive Statistics
MEDSERV
MEDAÇÃO
MEDÉTICA
MEDPPI
Mean
4.3062
4.4855
4.0717
4.4150
Std. Deviation
2.3105
2.2923
2.3745
2.0789
N
226
227
226
226
Figura 1 – média estatística
Fonte SPSS, cit.
Correlações
Utilizando-se o coeficiente de correlação r de Pearson, foi calculada uma matriz
de correlação bivariada para as quatro vertentes estudadas. Embora não seja
apresentado um modelo teórico a ser reproduzido, esse estudo considera que a análise
das correlações em forma de tabela seja uma contribuição relevante para formação e
proposição de novas ações governamentais e novas práticas comunitárias que possam ir
ao encontro dos anseios dos moradores da Região do ABC Paulista. (Figura 2).
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Correlations
MEDSERV MEDAÇÃO MEDÉTICA MEDPPI
Pearson Correlation
1.000
.782 **
.751 **
.819 **
Sig. (2-tailed)
.
.000
.000
.000
N
226
226
225
225
MEDAÇÃO Pearson Correlation
.782 **
1.000
.839 **
.809 **
Sig. (2-tailed)
.000
.
.000
.000
N
226
227
226
226
MEDÉTICA Pearson Correlation
.751 **
.839 **
1.000
.814 **
Sig. (2-tailed)
.000
.000
.
.000
N
225
226
226
225
MEDPPI
Pearson Correlation
.819 **
.809 **
.814 **
1.000
Sig. (2-tailed)
.000
.000
.000
.
N
225
226
225
226
**. Correlation is significant at the 0.01 level (2-tailed).
MEDSERV
Figura 2 – Correlação entre as vertentes estudadas (n=227)
Fonte SPSS, cit.
As quatro vertentes de satisfação apresentam correlações positivas, entre 0,751 e
839. Isso significa que os quatro eixos aqui estudados são correlatos entre si, ou seja,
que dado um aumento no nível de percepção acerca de uma das variáveis haverá
proporcional aumento da percepção de uma outra variável correspondente, como
demonstra a análise a seguir.
As correlações existentes vão da mais forte para a menor, Ação Cultural e Ética
Pública (0,839), Serviços Prestados ao Público e Política Integrada (0,819), Ética Pública
e Política Integrada (0,814), Ação Cultural e Política Integrada (0,809), Serviços
Prestados ao Público e Ação Cultural (0,782) e, finalmente, Serviços Prestados ao
Público e Ética Pública (0,751).
As mais fortes associações de satisfação encontram-se nas vertentes de ação
cultural e de ética pública (0,839). Este fato pode ser entendido como sendo conseqüente
a variação da satisfação sobre a ética ao ocorrerem ações culturais, isto é, havendo
investimentos dos governantes no nível de percepção da satisfação dos moradores
acerca da ética pública, os moradores tendem também a demonstrar um aumento
correlato no nível de satisfação sobre as ações culturais ocorridas na região onde moram
e vice-versa.
A correlação existente entre as demais vertentes indica haver sempre uma
correspondente variação em outra vertente, como demonstrado anteriormente. Na
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seqüência da análise dessas correlações, pode-se inferir que quando os serviços
prestados ao público ocorrerem no mesmo sentido das demandas sociais (0,819),
entende-se que os moradores apresentarão tendência a reconhecer que as políticas
diversas desenvolvidas pelos governantes são complementares entre si e não ao estilo
rotineiro dos governos, isto é, que um faz e outro desfaz, mas numa linha de continuidade
que respeita planejamentos e esforços, os quais ultrapassam os partidarismos.
Da mesma forma, ao perceberem haver uma ética pública que compreende, entre
outros aspectos, a transparência e a clareza das informações prestadas aos moradores
da Região do ABC Paulista, estes por sua vez tendem a fazer associações de que os
governantes conversam entre si para planejar e administrar a coisa pública, pois
consideram a existência de uma política integradora e não desassociada, fragmentada
(0,814). Por hipótese, perceberiam que o fato de haver informações adequadas e
prestação de contas estaria ligado a uma sinergia das políticas praticadas, portanto nada
a esconder.
A análise permite afirmar que há correlação positiva significativa entre Ação
Cultural e Política Integrada (0,809). A percepção de pesquisadores é que, por exemplo,
uma determinada praça, um centro comunitário, um trecho de um rio que passa pela
região representam valores simbólicos, o que significa Cultura, fenômeno muito próximo,
pois, de ética e política pública.
A vertente de Serviços Prestados ao Público se correlaciona duas vezes. A
primeira com a Ação Cultural (0,782) e depois com a Ética Pública (0,751). Esse fato
pode ser interpretado como havendo nos moradores uma percepção por associação de
que ao prestar serviços públicos, tais como saneamento básico, segurança, transporte,
educação, o governante também induzirá um aumento na percepção de satisfação das
Ações Culturais, ao mesmo tempo em que ocorre um aumento da percepção acerca da
Ética. Estão abertas, segundo esse processo perceptivo, as possibilidades do melhor
estudo das políticas públicas integradas e integradoras, equivalentes a uma visão
antropológica de melhor qualidade, da pessoa que se integra e cria pertinência no espaço
social.
O segundo instrumento de pesquisa criado foi aplicado a um grupo de 100
indivíduos serviu como amostra e possibilitou comparações sobre a satisfação pública em
relação às variáveis estudadas. Trata-se de um grupo de moradores composto por leve
predominância feminina, 56%. Idade média de 35 anos. Quanto à religião, observou-se
que a maioria se declara como sendo católica 52%, evangélica 28% e 11% espírita. Os
9% restantes apresentam-se na categoria de ateu, outros e Testemunha de Jeová. Sobre
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a renda familiar, a maioria está na faixa entre 1001 e 1500 reais. Quanto à quantidade de
pessoas que habitam a mesma residência, os indivíduos declaram que, na maioria, suas
casas tinham no maior dos casos, 5 pessoas ou 26%. 35% dos indivíduos têm nível
superior e 32%, ensino médio. Há ainda um segundo grupo composto por 16% da
amostra que se declara como tendo o ensino fundamental.
Em comparação com a amostra de 227 indivíduos, esse segundo grupo de
moradores se declara como “pouco satisfeito”, isto é, nível intervalar de 2 a 4 para a
variável de serviços prestados ao público. Este dado pode ser compreendido como uma
declaração de que os gestores públicos não têm atendido ou agradado aos cidadãos em
relação àquilo que esperavam. Considera-se, porém, que as pessoas parecem perceber
que os serviços estão um pouco acima de um mínimo insuficiente, pois não optaram pela
primeira opção que seria “nada satisfeito”. Pode-se inferir, por exemplo, que os diferentes
serviços prestados ao público têm espaço para melhoria de desempenho, mas não são
desprezados pelas pessoas que aparentam denotar importância daquilo que é feito.
Figura 3.
Descriptive Statistics
Mean
Std. Deviation
N
SERVIÇOM
3.4980
2.1573
100
AÇÃOM
3.6320
2.2211
100
ÉTICAM
3.2040
2.1877
99
POLÍTICM
3.7758
2.0570
99
Figura 3: Média de satisfação
Fonte SPSS, cit.
Continuando a análise da Figura 3, também se pode observar que para esta
amostra existe um padrão de percepção acerca não apenas dos serviços, mas também
da ação cultural, da ética e da política integrada. Portanto, as mesmas considerações
apresentadas no texto sobre serviços prestados podem fazer ou ser replicadas para
estes três outros aspectos estudados por esta pesquisa, ou seja, que as pessoas estão
pouco satisfeitas, não nada satisfeitas nem tão pouco muito satisfeitas.
No que diz respeito ao segundo instrumento, essas considerações transversais
indicam um perfil bastante homogêneo da amostra, o que faz sentido por terem sido
abordados todos em um mesmo dia e em uma mesma região ou numa respectiva cidade
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da Região do ABC Paulista, caracterizando a amostra como sensível às interferências
dos gestores públicos. Caberia aproveitar o momento em que se despertou atenção das
pessoas ao se abordar tais temas e se iniciar um diálogo com eles para que nossas
intervenções pudessem estar em sintonia com suas respectivas expectativas.
Nesse ponto da pesquisa, voltamos nossa atenção para o instrumento.
Comparando as médias da primeira amostra tratada, pertencente a toda região, com as
médias da amostra da cidade específica, temos algo muito próximo a uma média 4. Ora,
se as médias são parecidas, pode-se inferir que o instrumento inicia bem o processo de
investigação da percepção dos moradores, fato caracterizado pela ausência de excesso.
Todavia, poderia ser questionada a aferição do instrumento justamente por sempre
apresentar média próxima a 4, porém, para uma outra amostra que foi caracterizada por
município, não se encontra esta mesma tendência de percepção, como se notará pela
seqüência das análises.
Assim, no sentido de analisar as prováveis correlações entre as variáveis
estudadas, o sistema ofereceu dados que podem ser interpretados como sendo de
significativa correlação, isto é, uma forte correlação se caracteriza pela influência de uma
variável sobre a outra. Por exemplo, notou-se que dado um aumento no nível de
percepção médio das pessoas sobre a ética haverá um correspondente aumento no nível
médio de satisfação para a variável ação cultural. Essa correlação (0,882) indica que se
o governo investir em procedimentos que aumentem a percepção da população de que a
forma de gerir é ética, haverá uma influência positiva quando esta mesma população
perceber as ações culturais. Parece, portanto, que as ações culturais podem transmitir a
população uma sensação da existência de um governo ético. Considerando-se essa mais
forte e significa correlação para a amostra, pode-se sugerir aos governantes que realizem
investimentos nas ações culturais locais a fim de que confiram caráter ético ao seu
governo. (Figura 4).
Correlations
SERVIÇOM
SERVIÇOM
AÇÃOM
ÉTICAM
POLÍTICM
1.000
.846(**)
.824(**)
.856(**)
Sig. (2-tailed)
.
.000
.000
.000
N
100
100
99
99
.846(**)
1.000
.882(**)
.812(**)
Pearson
Correlation
AÇÃOM
Pearson
Correlation
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ÉTICAM
Sig. (2-tailed)
.000
.
.000
.000
N
100
100
99
99
.824(**)
.882(**)
1.000
.870(**)
Sig. (2-tailed)
.000
.000
.
.000
N
99
99
99
98
.856(**)
.812(**)
.870(**)
1.000
Sig. (2-tailed)
.000
.000
.000
.
N
99
99
98
99
Pearson
Correlation
POLÍTICM
Pearson
Correlation
** Correlation is significant at the 0.01 level (2-tailed).
Figura 4: Correlações entre serviços prestados, ação cultural, ética e política pública
Fonte SPSS, cit.
Na seqüência, a segunda maior correlação notadamente é a de ética e a de
política pública (0,870), seguida pela de política pública com serviços prestados (0,856),
ação cultural e serviços prestados (0,846), ética e serviços prestados (0,824) e ação
cultural e política pública (0,812).
Para essa amostra, tomando-se apenas a segunda maior correlação, pode-se
entender que dado um aumento no nível de percepção das pessoas da amostra sobre
política pública integrada, também haverá influência positiva e significativa acerca da
ética. Este fato em comum com a primeira e mais forte significância aponta a ética como
sendo a principal variável capaz de desencadear uma seqüência de percepções positivas
acerca do julgamento da gestão de um governo, seja ele local ou não. Para esse nível de
análise pode-se sugerir como recomendação que os gestores públicos tomem medidas
para estimular pensamentos e julgamentos favoráveis da população sobre a ética no
governo. Pois, investir na ética resultará em maior satisfação nos níveis de outras
variáveis, tais como considerar-se satisfeitos sobre as ações culturais e as políticas
públicas.
A amostra que identificou o nível de satisfação de acordo com o município e que
foi realizada por alunos de outra faculdade do ABC Paulista aponta que o município de
São Caetano do Sul teve médias próximas a 6, enquanto que Santo André e São
Bernardo do Campo, próximos a 4 e Diadema próximo a 5.
Sobre o instrumento, como analisado acima, a média mais alta apresentada por
São Caetano mostra que ele não é tendencioso. A média de Diadema reforça este
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aspecto. Assim o instrumento de fato evolui de maneira correta para ser valor capaz de
fornecer aos gestores públicos um adequado canal de comunicação, que poderia ser
sistematizado como um medidor da opinião e da participação pública nas esferas do
poder público, além de orientar as decisões tomadas em termos de satisfação popular,
como demonstra a Figura 5.
Amostras
Dimensões
Média SAN
SBC
SCS
DIA
válidas
(total)
Medserv
4,33
3,5
4,1
5,7
3,9
107
Medação
5.37
3,9
5,5
6,5
4,9
112
Medética
4.31
3,4
3,9
5,5
4,3
106
Medppi
5.00
4,3
4,3
6,6
4,9
102
4,33
3,78
4,44
6,07
Meddimensões
4,5
2
-
Figura 5. Média regional e por município para as dimensões averiguadas pelo
questionário.
Fonte SPSS, cit.
Os alunos que participaram, aplicando os questionários, reportaram, em seus
relatórios, grande variação entre as respostas para todos os quesitos avaliados e
significativa heterogeneidade da amostra pesquisada no que diz respeito à sua
composição, fato que pode ser atribuído às disparidades sócio-econômico-culturais da
região. Tida como região homogênea, de fato a história social e administrativa dessas
cidades não apresenta consenso. A efetiva diferenciação também é reforçada pelo tempo
de reestruturação do capitalismo internacional, que deixa marcas em todos os processos
de construção da sociedade regional. De fato, a implantação de políticas públicas
integradas, tema central deste estudo, é um valor acadêmico e um desejo de atores da
governança do Grande ABC.
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Área temática 04
Desenvolvimento local/regional, ou o novo direito à cidade.
Coordenador: Profa. Dra. Dagmar Silva Pinto de Castro
Objetivo:
Discutir as estratégias e modalidades para o desenvolvimento local/regional que
respeitem, considerem e aproveitem o potencial das diferentes culturas e seus acúmulos
éticos. Em conseqüência, considere-se a riqueza das tomadas de decisão coletiva e o
controle social das implementações decididas. Serão agrupadas nessa discussão
pesquisas desde temas ligados à economia solidária até a constituição e o
desenvolvimento de arranjos produtivos locais.
Trabalhos apresentados:
Políticas Públicas Integradas como caminho para o Desenvolvimento.
Adriana Marques Rossetto51
Guillermo Alfredo Johnson52
Carlos Ricardo Rossetto53
Resumo
O presente trabalho discute a necessidade de integração entre diversas políticas públicas
e de articulação entre os atores políticos e sociais envolvidos no processo de
desenvolvimento local/regional. Trata-se de um ensaio teórico que sustenta premissas
que colocam as redes sociais, os atores políticos e as instituições democráticas como
principais protagonistas do desenvolvimento, todos integrados e articulados pelos
direcionamentos, respaldo jurídico e recursos financeiros resultantes das políticas
públicas formuladas e implementadas em um determinado território. Conclui pela
51
Professora e Coordenadora do Programa de Mestrado em Gestão de Políticas Públicas da
Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). [email protected]
52
Professor e Vice-Coordenador do Programa de Mestrado em Gestão de Políticas Públicas da
Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). [email protected]
53
Professor e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade
do Vale do Itajaí (UNIVALI). [email protected]
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necessidade de mecanismos institucionais que organizem a atuação da ampla variedade
de atores que participam do processo de formulação de políticas públicas.
Palavras-Chave: Políticas Públicas, Desenvolvimento, Políticas Integradas.
Integrated Public Policy as a path for the Development.
Abstract
The present study argues the necessity of integration between diverse public politics and
joint between the political and social actors involved in the process of regional/local
development. This is a theoretical essay that support premises that place the social
networks, the political actors and the democratic institutions as key players of the
development, all integrated and articulated by the direction, legal and financial support
resulting from public policies formulated and implemented in a given territory. Conclude
for the need for institutional mechanisms that organize the interaction of the wide variety
of actors involved in the formulating process of public policies.
Key Words: Public Policies; Development; Integrated Policies
Introdução
A discussão sobre desenvolvimento tem permeado diversos estudos (IUCN;
UNEP; WWF, 1980; WCED, 1987; PRONK; UL HAQ, 1992; COSTANZA, 1991;
MUNASINGHE; McNEELY, 1995; DAHL, 1997; UNITED NATIONS, 1993; BOSSEL,
1998, 1999; HARDI; ZDAN, 1997; HARDI; BARG, 1997; RUTHERFORD, 1997;
CAVALCANTI, 1997), em especial após a difusão do conceito de desenvolvimento
sustentável e ampliado as agendas políticas em todos os níveis de planejamento e
gestão. Algumas questões têm sido recorrentes: o foco multidisciplinar, distanciando o
conceito da hegemonia anteriormente dada ao fator econômico; a interação entre
múltiplos atores; a importância do tecido social existente; e, a escala de atuação.
Neste sentido, a organização territorial/regional deixou de ter um papel passivo
(BECKER, 2003; BENKO; LIPIETZ, 1994 apud BANDEIRA, 2004). Em conjunto com a
escala local, reforçada em importância e poder de ação a partir da Constituição de 1988,
passam a repartir o antes monopólio do setor público federal na condução dos assuntos
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Políticas Públicas: participação, transparência e inclusão social
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relacionados ao desenvolvimento (PETERS, 2003), reconhecendo a relevância de outros
atores e a pertinência de propostas formuladas a partir do espaço local/regional.
Neste cenário que se amplia em complexidade e dimensões, os processos de
desenvolvimento passam a ser implementados a partir de políticas públicas oriundas de
diversos níveis de governo e de atores da sociedade organizados, ou não, em torno de
objetivos comuns. Como resultado, cresce o debate sobre a efetividade destas políticas
como instrumento de socialização dos produtos advindos destes processos ou, pelo
menos, de aproximação do Estado com a sociedade.
A existência de múltiplos níveis de concepção e efetivação de políticas públicas
tem implicado algumas vezes em barreiras, ao invés de estímulos, ao alcance de
resultados efetivos ou da democratização do usufruto destes resultados. A dificuldade de
cada ator entender e desempenhar seu papel no processo, também é um dos reflexos da
inexpressiva articulação entre elas e os atores atuantes em determinado território.
Desta forma, este trabalho discute como os mecanismos institucionais dão forma
aos papéis de uma ampla variedade de atores que participam do processo de formulação
de políticas públicas e como esse processo contribui para moldar os resultados obtidos
em suas aplicações. Discute, também, a necessidade de definir hierarquias,
responsabilidades efetivas, integração e complementaridade entre as diversas políticas
públicas que coexistem em um território ou processo de desenvolvimento.
Políticas Públicas e Desenvolvimento
A perspectiva de inclusão de aspectos ecológicos, éticos e políticos (SACHS,
2002) longe de impor um modelo universal de desenvolvimento, já que é preciso
considerar as particularidades sociais, culturais e ambientais de cada região, pressupõe a
substituição da maximização da produção material pela maximização do bem-estar geral,
compatibilizando as necessidades sociais com a preservação da natureza (RAUD, 1998).
Pressuposto este, somente alcançado através da participação de todos os atores sociais
na construção de redes sociais e na implementação de planejamento participativo.
A importância destas redes é colocada por Putnam (2007) ao relacionar o
desempenho econômico e institucional das regiões italianas às suas tradições cívicas e
às características da organização social, como confiança, normas e sistemas. O autor
denominou “capital social” a capacidade de mobilização da comunidade cívica e
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Políticas Públicas: participação, transparência e inclusão social
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argumentou que esta estrutura contribui para aumentar a eficiência da sociedade,
facilitando as ações coordenadas necessárias ao desenvolvimento regional.
Até recentemente políticas desenvolvimentistas adotadas tanto nos países ditos
do primeiro mundo como nos em desenvolvimento eram, normalmente, centralizadas
pelo Estado, e se concentravam basicamente em fornecer incentivos fiscais e financeiros,
e tentar determinar localizações geográficas que parecessem mais convenientes aos
interesses políticos ou de grupos organizados. Este modelo não estimulou o surgimento
de processos de desenvolvimento sustentado, mobilizando recursos locais. Em suma, os
modestos resultados, mesmo que algumas vezes tenham elevando o nível de emprego e
de renda e trazido pequenas melhorias na competitividade econômica de regiões mais
pobres, não conseguiram gerar aumentos comparáveis aos existentes em regiões mais
ricas (AMIN, 1998; BANDEIRA, 2004).
Surge então uma nova visão de desenvolvimento gestada a partir de um princípio
que reclamava maior atenção para as forças locais, para o tecido sociocultural presente
nas regiões (BENKO; LIPIETZ, 1994 apud BANDEIRA, 2004) e a exploração de
potencialidades em um ambiente favorável às inovações de todo o tipo, como sugerido
por Harvey (1989). Para Benko e Lipietz (1994) citados por Bandeira (2004) a importância
atribuída aos fatores endógenos, chega a caracterizar uma nova ortodoxia na disciplina,
alavancada, por um lado, pelo interesse no sucesso de algumas regiões, como os
distritos industriais da “Terceira Itália” e por outro, pela insatisfação com o resultado das
políticas tradicionais de desenvolvimento regional.
O reconhecimento de que o comportamento econômico assenta-se sobre bases
sociais e esses resultados insatisfatórios levaram ao desenho de alternativas no campo
das políticas regionais. Essas novas abordagens, como colocado por Amin (1998, p. 5),
favorecem ações concebidas “de baixo para cima”, envolvem múltiplos atores e são
específicas para cada região, adotando perspectivas de longo prazo. Neste enfoque,
valores e racionalidades dos atores envolvidos, as questões culturais e comportamentais,
e a influência das instituições formais e informais, são determinantes para os processos
de desenvolvimento regional a serem protagonizados por redes sociais e econômicas
(AMIN, 1998).
Ou seja, as economias regionais passam a ser encaradas:
como um conjunto de atividades afetadas pela cultura e pelo
contexto locais, sujeitas a mudanças condicionadas não apenas
por fatores econômicos stricto sensu, mas também pela história da
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região e por outros aspectos sociais e institucionais específicos
(BANDEIRA, 2004, p. 4).
O autor coloca ainda que o papel do Estado passa a ser novamente valorizado na
promoção do desenvolvimento, “reduzindo-se a influência da ortodoxia econômica de
inspiração liberal, com sua ênfase quase exclusiva na importância do papel dos
mercados” (2004, p. 6).
Ao estabelecermos relação entre promoção do desenvolvimento, já sob uma nova
ótica, e o papel do Estado identificamos um ponto de importância fundamental para o
entendimento da dinâmica e das forças que interagem em sua construção: o desenho e o
desempenho institucional.
Desta forma, o desempenho das instituições democráticas passa a ter um
renovado interesse no estudo das organizações, sob a abordagem teórica do “novo
institucionalismo”, buscando entender os papéis, as rotinas, os símbolos, os deveres e a
influência das instituições formais na prática da política e do governo e no tecido social de
uma comunidade (PUTNAM, 2007).
Nesta vertente, correntes de pensamento ora enfatizam o peso explicativo do
desempenho institucional em seu projeto, ou seja, a investigação das formas
institucionais mais adequadas a um governo representativo eficaz, ora enfatizam os
fatores socioeconômicos, relacionando diretamente processos de modernização e este
desempenho, ou ainda, os sócio-culturais, utilizando a premissa de Platão de que “os
governos variam de acordo com a disposição de seus cidadãos” (PUTNAM, 2007, p:27),
o que remeteria à cultura cívica como principal fator explicativo do desempenho de uma
instituição.
Qualquer que seja o fator explicativo, os estudiosos concordam em atribuir grau
de importância ao contexto, e, a corrente do institucionalimos histórico em especial,
destaca entre outros aspectos a continuidade das políticas. Este fator pode ter alto peso
não só na avaliação do desempenho institucional na perspectiva de seus produtos, mas,
sobretudo, na de seus resultados.
Putnam (2007, p. 79) em sua pesquisa sobre o desempenho institucional nas
regiões italianas após a mudança no processo de regionalização daquele País, foca a
mensuração nos produtos produzidos pelas administrações, os “serviços de saúde e não
as taxas de mortalidade, a política ambiental e não a qualidade do ar”, pois “os resultados
sociais são influenciados por muitas coisas além do governo”. Em seu arrazoado permeia
muito a idéia de que estes resultados estão mais relacionados ao tecido social existente e
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a diversos níveis de negociação e de articulação do que com a própria estrutura
administrativa implementada.
A capacidade de articulação regional dos diversos setores públicos e privados no
território, aliada á participação das organizações sociais se tornam, desta forma,
elementos importantes a considerar quando se discute o desenvolvimento econômico e
social (COELHO; FAVARETO, 2007) e, por conseguinte, o desenvolvimento regional.
Algumas experiências internacionais que se utilizaram destas premissas podem
trazer importantes contribuições para o entendimento mais abrangente das questões do
desenvolvimento regional como no caso da experiência italiana, francesa e do Reino
Unido.
A Itália, a partir da constituição de 1948, instituiu organismos públicos de
adminstração local, denominados organismos territoriais que são a região, a província e a
comuna, cada qual com suas competências administrativas. Desta forma, o País se
divide em regiões que podem envolver uma ou mais províncias que podem ser
constituídas de uma ou mais comunas (WATSON, 1970).
Segundo Crocco (2004) duas fases são importantes no estudo das políticas
regionais adotadas na Italia desde então: o período de funcionamento da Cassa per il
Mezzogiorno (Fundo de Desenvolvimento do Sul) e o período que tem como pano de
fundo o processo de unificação européia e seus reflexos na configuração da política
regional.
O surgimento da Cassa pode ser entendido como um processo, por parte de
setores do Estado e da elite italiana, preocupados em garantir o desenvolvimento
industrial do país e reduzir o enorme contraste entre o norte (desenvolvido) e o sul
(atrasado). Foram criados uma série de Institutos com o objetivo de financiar projetos
alinhados aos objetivos gerais para o Sul da Itália. Entretanto, ficou claro que a melhoria
na infraestrutura, mesmo em conjunto com o aumento da oferta de crédito não era
suficiente para gerar um processo espontâneo e auto-sustentado de desenvolvimento.
A partir de 1986, com a Lei nº 64, as regiões passam a ter poderes estraordinários
para a formulação e implementação de suas respectivas políticas de desenvolvimento.
Acreditava-se que o maior conhecimento da região pelos agentes locais poderia ter
resultados mais eficientes. O que foi observado é que existia uma capacidade
diferenciada entre as regiões em propor projetos baseados em seus recursos endógenos.
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A unificação européia e a possibilidade de utilização dos Fundos Estruturais da
União Européia determinaram outra forma de abordar a questão regional, denominada de
Novo Regionalismo. Um plano de desenvolvimento foi implementado e implicou em uma
grande descentralização de responsabilidades e a implementação de um forte sistema de
monitoramento e prestação de contas (OECD, 2001).
Entretanto, autores como Lovering (1999) tecem algumas críticas, muito
relacionadas com a mediação entre o campo teórico, o campo empírico e o normativo,
argumentando que em alguns casos as passagens são feitas sem os devidos estágios e
transições. Coloca ainda que existiria uma confusão entre desenvolvimento “na” região
com desenvolvimento “da” região.
No caso da França, após a Guerra Mundial inicia-se um processo de
planejamento preocupado com os grandes fluxos migratórios para Paris e a
“desertificação” de grande parte do território em função desta migração (TINOCO, 2004).
Após algumas iniciativas e Planos como o Monnet, Marshall, as políticas
keynesians e a influência soviética, a partir de 1963 e do Plano DATAR a França passa
por um período de estabilização. A implementação dos Pólos de crescimento, das
metrópoles de equilíbrio incentivadas para contrabalançar o excessivo crescimento de
Paris, investimentos em serviços públicos, em sistemas de transporte, em estatais, em
univesidades, etc. garantiram este resultado. Entretanto, a partir de 1975 uma crise
econômica gera mudanças nas políticas e o enfraquecimento das políticas regionais
(GUIGOU; PARTHNAY, 1997).
Segundo a OECD (2004) para reverter a situação dentro de uma filosofia de uma
França mais aberta e mais integrada com o espaço comunitário, a partir de 1990, foram
definidos os grandes espaços de integração: Arco Atlântico, Espaço Pirineus, Arco
Mediterrâneo, Espaço Alpino, Transfronteiriça, com 4 grandes prioridades: reforço dos
contratos Estado-Região; fortalecimento das metrópoles francesas; fortalecimento da
política de transporte; e, apoio às regiões e localidades mais atrasadas.
A difícil combinação de uma França mais atrativa para uma Europa dinâmica e ao
mesmo tempo mais equilibrada reforçou as duas dimensões da política regional. Por um
lado o apoio às iniciativas locais através do processo de descentralização dos contratos
Estado-Região, dos contratos de localidades (pays), do incentivo aos Sistemas
Produtivos Locais, das grandes especializações regionais com uma estratégia de apoio
aos pólos regionais através de combinação das políticas de reforço das metrópoles
(TINOCO, 2004). Por outro lado promove o fortalecimento dos sistemas de mobilidade e
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comunicação buscando reforçar o papel do policentrismo ou da metropolização em rede
para se tornar competitiva no cenário europeu e mundial.
Por último, a experiência do Reino Unido que, apesar do seu nível de
desenvolvimento, ainda é marcado por fortes desigualdades inter e intra-regionais. A
região de Londres e o sudeste detêm a maior concentração da produção e a distribuição
de renda e o consumo segue esta distribuição.
A política regional adotada, denominada de “New Labour” partiu do pressuposto
de que estabilidade macroeconômica e o bom desempenho da economia são
fundamentais para o sucesso da política regional. Esta é baseada na descentralização
política, devendo ser fundamentalmente realizada pelas Agências de Desenvolvimento
Regional (RDAs), pelas Câmaras Regionais (Regional Chambers) e pelos Escritórios
Governamentais (Governmental Offices), que devem agir de forma coordenada no
diagnóstico e na proposição de soluções para as regiões (TOMANEY, 2002).
As principais medidas adotadas pelo Governo para reconversão das áreas em
atraso foram, segundo Figueiredo (2004): aumento no investimento em educação,
treinamentos e requalificação de mão-de-obra; estímulos a instituições regionais;
aumento dos investimentos e gastos com o transporte; duplicação do investimento
público; intensa redistribuição dos escritórios governamentais; alterações no regime
tributário; incentivo à criação de clusters; empreendedorismo; aumento do subsídio ao
P&D; estímulos e ações coordenadas entre as instituições regionais/locais, universidades
e escolas e o setor privado, entre outras.
Embora utilizando diferentes estratégias para o alcance de um desenvolvimento
regional equilibrado, as experiências possuem em comum a integração de vários níveis
de governo, a participação do setor privado e o encaminhamento das diretrizes e ações
através de Políticas Públicas formuladas e implementadas de forma compartilhada tanto
em responsabilidades como em autonomia de decisão.
A idéia retira do governo a responsabilidade isolada de promulgar o
desenvolvimento em um território cabendo-lhe a responsabilidade de articulá-lo, de
conduzi-lo e de fornecer os instrumentos legais necessários a sua regulamentação e
fiscalização. Neste ponto chegamos ao âmago de um processo de desenvolvimento e
que, coordenado pelos governos, possibilita esta concertação indispensável ao
desencadeamento: as Políticas Públicas.
Estas se constituem em temas com recortes reconhecidamente amplos que
abrangem as formas de ação pública (estatal e não estatal) concernente ao diagnóstico
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e/ou resolução dos problemas derivados da vida em sociedades complexas. No modelo
desenvolvimentista adotado por muito tempo em nosso País, as Políticas Públicas
voltadas ao desenvolvimento eram centralizadas e pouco flexíveis, sendo que o governo
federal detinha praticamente o monopólio em sua formulação e implementação.
Nas últimas três décadas, com o fortalecimento dos municípios e a assunção
destes a um novo status constitucional, a responsabilidade por vários serviços e
investimentos públicos passa a ser absorvida pela escala municipal, ou seja, vivencia-se
a municipalização de várias políticas públicas. Abrucio e Gaetani (2006, p. 26) analisam
tais iniciativas como reflexo de um novo cenário de relações intergovernamentais, surgido
a partir de meados da década de 1990, como “algo que retirou os governos estaduais da
execução direta de diversos serviços, dando-lhes o papel de coordenação, financiamento
suplementar ou de ação conjunta junto ao poder local”. Ao mesmo tempo, numa gama
crescente de políticas setoriais, os gestores vêm percebendo a necessidade de elaborar
e implementar políticas de abrangência micro e macrorregional – a experiência de
consórcios regionais ergue-se em modalidade freqüente –, conferindo às perspectivas de
desenvolvimento local maior amplitude.
É indispensável destacar a característica integrada das políticas de nova geração.
Com relação ao estudo do desenvolvimento regional deve ser evidenciada a necessária
integração vertical, sendo que envolve os três níveis de governo existentes – a referida
integração torna-se
imprescindível para
o funcionamento
interno da
atividade
governamental, na tentativa de diminuir as sobreposições de atribuições e fortalecer a
complementaridade do exercício das distintas instâncias de governo –; ao mesmo tempo
em que horizontalmente, em nível local, a sua formulação e implementação pressupõem
a participação de diversas organizações sociais e do setor privado. Existe outro aspecto
que deve ser colocado em evidência ao enfatizar o caráter integrado das políticas
planejadas regionalmente, que consiste na diversidade da intervenção em equipes
multidisciplinares, pois para levar adiante esse desafio é requisito possuir pessoas com
qualificação profissional, contar com assessoria técnica e financiamento.
A necessária integração nas Políticas Públicas
Pessoas saudáveis, bem alimentadas, com oportunidades de trabalho ou de gerar
renda para sua subsistência que foram possíveis pelo acesso a estudo de qualidade, a
serviços médicos e odontológicos, a moradia de boa qualidade, a esporte e a lazer, são
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os agentes que dão vida a qualquer cenário representativo de espaços socialmente
justos e inclusivos. Se a estes quesitos forem acrescidos uma vida cívica densa, a
preservação de boas condições ambientais, capacidade de participar de decisões que
definam o destino de sua comunidade e confiança em seus dirigentes e líderes, pode-se
dizer que se desencadeou neste território um processo de desenvolvimento sustentável.
Entretanto, o que se tem presenciado é que governos, mesmo os mais bem
intencionados, esbarram na dificuldade de atingir estes resultados, ainda mais se
refletirmos que eles interferem diretamente nos produtos, mas os resultados dependem
de fatores cujo controle incorpora outros atores sociais. Entre as dificuldades percebidas
para desencadear processos de desenvolvimento a articulação entre as políticas
setoriais, em sua maioria de âmbito federal ou estadual, e as estratégias e ações de
âmbito local ou regional pode ser considerada como proeminente.
Por exemplo, se pensarmos que a saúde está mais diretamente relacionada com
o regime alimentar e o estilo de vida de uma população do que com atendimento médico
e hospitalar, estes relacionados à doença e não á saúde, vislumbramos que o espectro a
ser trabalhado para seu alcance é muito mais amplo e complexo do que uma política
setorial poderia atender. A saúde de uma população depende de uma política macroeconômica, da política de cesta básica, pois estas definem o poder de consumo de uma
população, depende das políticas educacionais, pois uma população com pouca
informação e conhecimento é uma população com escasso poder de decisão, entre
outras.
Ao mesmo tempo, quanto melhor forem as condições de saúde de uma
população, menos gastos com medicamentos, com infra-estrutura pública de saúde e
maior capacidade de trabalho e geração de renda, com isto, maior o poder de consumo
desta população.
Neste simples exercício de reflexão, fica evidente a necessidade de políticas
cruzadas, articulação de distintos níveis de governo e, sobretudo, de envolvimento efetivo
daqueles que sofrem os impactos destas políticas. Dowbor (1999, p. 36) antevendo a
importância de transformação da estrutura de poder em regimes democráticos de países
em desenvolvimento e as poucas soluções oferecidas pelo sistema liberal, na época em
franca ascensão, para os graves problemas sociais já postos, afirma que “é o conjunto do
processo de tomada de decisão que precisa ser democratizado, aproximado da
população, com uma revisão profunda da hierarquia de competências.” O autor apregoa
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a necessidade “de um intenso esforço de abertura de espaços, de autonomia local, de
renovação tecnológica, jurídica e social.”
Embora tenhamos presenciado um avanço no sentido do fortalecimento dos
municípios, com a transferência de responsabilidades para estes da “operacionalização,
implantação e gerenciamento das mais importantes políticas públicas do Estado”
(TORRES, 2007, P. 67) dois importantes gargalos se apresentam concernentes ao
desenvolvimento, resultantes de entraves de natureza histórica, cultura e institucional e
são o fortalecimento da escala regional e do controle social.
Passando pela literatura recente e em estudos da realidade brasileira
encontramos diversos exemplos (PAIVA, 2004; TESSER; 2007; TESSER; ROSSETTO;
SELIG; RAMOS, 2008; FILIPPIM; ROSSETTO, 2009; ROSSETTO; ROSSETTO;
FILIPPIM; MATOS; GÖCKS, 2009) e, embora os objetos estudados, os objetivos
propostos, as abordagens de pesquisa e a própria área que serviu de referencial teórico
de análise tenham sido distintos em todos, é possível identificar a falta de integração das
políticas públicas implantadas pelas diversas instituições públicas e privadas e a
dificuldade de entendimento pelos atores sociais de quais diretrizes seguir em prol de
uma ação coletiva aglutinadora dos objetivos coletivos.
O pouco diálogo entre as instituições representativas das esferas federal, estadual
e municipal e destas com a comunidade cívica, o desconhecimento por parte dos atores
destas instituições das ações planejadas e programadas fora das suas respectivas
instâncias, e o mais grave, dos fóruns representativos da sociedade, das diretrizes
propostas para o alcance do desenvolvimento se evidenciou no estudo. Ficou reforçada a
percepção de que inúmeras políticas estão sendo formuladas e executadas de forma
desarticulada e que muitas vezes elas se sobrepõem e se entrechocam, o que, no
mínimo, desacelera o desenvolvimento que poderia ser alcançado em determinados
territórios.
O que se observa de comum nos estudos é que o desenvolvimento requer a
materialização de processos em um determinado território e que este está sujeito a
diversas hierarquias e competências. Se uma cadeia produtiva ao contar com políticas
setoriais federais e estaduais, não obtiver respaldo nas legislações e incentivo
municipais, se os órgãos de financiamento, fiscalização, regulação não entenderem os
pressupostos da política, não preservarem os interesses individuais e coletivos e se o
setor privado não visualizar consistência e segurança nesta política, dificilmente ela se
consolidará.
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Ao mesmo tempo a gestão de um recurso natural, bem difuso, não pode depender
única e exclusivamente de uma escala territorial, pois a forma sistêmica como os ciclos
naturais ocorrem, impossibilita que uma lei municipal gerencie de forma isolada o recurso
hídrico, por exemplo, bem como políticas setoriais não darão conta de sozinhas
garantirem que na escala local as demais políticas (uso e ocupação, áreas de
preservação, etc.) preservem os conceitos estabelecidos em relação ao bem comum.
Este pensamento se estende aos processos político-administrativos que se pensados em
prol do desenvolvimento terão que considerar a ampla gama de políticas que necessitam
da escala local para se efetivarem de fato e de direito.
Torres (2007) é enfático quando afirma que um dos maiores desafios para a
efetiva implantação do modelo descentralizado instituído pela Constituição de 88 é o
entendimento e adequado tratamento do “dilema da ação coletiva”. Ação coletiva que
deve ser direcionada e articulada através das diversas políticas públicas implantadas em
determinado território. Esta concertação não se faz unicamente através do aparato legal
ou da atribuição de competências, mas de um diálogo contínuo entre as diversas esferas
do poder público e das instituições representativas da comunidade cívica.
Desta forma, se entendermos desenvolvimento como o processo abrangente e
socializado, como discutido anteriormente, e considerarmos as políticas públicas o mais
importante instrumento para sustentá-lo, viabilizando a atuação do Estado e da
comunidade cívica e garantindo que cada um desempenhe o importante papel que ocupa
no processo, podemos vislumbrar as dificuldades encontradas no cenário hoje
estabelecido.
Considerações Finais
A integração e articulação de políticas públicas para a efetivação do
desenvolvimento é um campo de estudo que, mais que conduzir a certezas, suscita o
aprendizado contínuo e compartilhado. Longe de alcançar sistematizações tranqüilas,
esse aprendizado gera novas reflexões e amplas possibilidades de debate tanto
acadêmico quanto cívico.
Explorar as diversas modalidades de arranjos institucionais com vistas à
promoção deste desenvolvimento conduz a reafirmar que além de considerar o contexto
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local, nacional e internacional sincronicamente (COUTO, 2001) promover a articulação e
integração das diversas políticas públicas que lhe darão suporte é fator fundamental.
A concepção de integração destas políticas ganha força, pois ela conduz ao
aprimoramento na utilização dos recursos (eficiência), assim como a melhoria das
condições de vida da população, contribuindo para a efetividade das políticas públicas.
O problema da falta de integração e articulação, seja na formulação das políticas
públicas para o desenvolvimento, seja nas ações do poder local, teoricamente resolvido
pela adoção de redes interorganizacionais, merecem estudos, eminentemente aplicados,
sobre a configuração, constituição e gestão dessas redes políticas no território, de forma
a resguardar o interesse público. Admitindo-se que o desenvolvimento é um processo
dinâmico, e permanente, e que requer ativo compromisso de seus agentes e ampla
responsabilização do cidadão, justifica-se uma constante busca pelo seu aprimoramento.
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“Embu das Artes”: história e cultura
"Embu das Artes": history and culture
José Antonio de Lima Barboza
Lincoln Etchebéhère Júnior
Resumo
Esse artigo mostra a transformação de uma aldeia em Cidade das Artes, como
símbolo da história ligada ao movimento religioso, cultural e às artes, projetando a cidade
como sendo um monumento. O município projeta-se sobre uma cultura artística
construída por um cenário de distinções ligadas à história, religião e ao fato de ter um
ideário ecológico próximo à Capital paulistana. Emerge uma cidade moderna, com uma
mobilização em torno de uma tradição já existente, capaz de garantir a sua
sustentabilidade. Um município criado a partir da cultura de um povo. Cultura essa,
enraizada
em
novas e
velhas
tradições,
representadas
pelas mais
variadas
manifestações culturais – artísticas reconhecidas e percebidas no seu cotidiano.
Palavras chaves: Identidade, cultura, arte, Embu, cidade
Abstract
This article shows the transformation of a village in City of the Arts, as a symbol of
history linked to the religious movement, cultural and arts, designing the city as a
monument. The city projects itself on a culture built by an artistic background of
distinctions related to the history, religion and the fact of having an ideology close to
ecological capital São Paulo. Emerge a modern city with a mobilization around an existing
tradition, able to guarantee its sustainability. A council created by the culture of a people.
This culture, rooted in new and old traditions, represented by several cultural events - art
recognized and perceived in their daily lives.
Keywords: identity, culture, art, Embu, city
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Tempos de origem
A cidade de Embu tem sua origem na antiga aldeia M’boy criada pelos padres da
Companhia de Jesus, os quais haviam sido expulsos da aldeia de Maniçoba. Foi ela
fundada por Nóbrega, em 1553, situava-se além dos campos de Piratininga, no caminho
para o Paraguai. O núcleo considerava uma necessária aproximação com os Carijós.
Eram eles indígenas arredios, não se deixavam escravizar, nem catequizar. Recuados,
em terras menos hostís, os jesuítas fundam a Aldeia de Bohi, provavelmente a 18 de
julho de 1554, com a ajuda de índios guaranis trazidos do Paraguai, por terem a fama de
serem dóceis aceitando com facilidade a catequização.
Ainda em 1554, instalou-se na aldeia a primitiva igreja de Nossa Senhora do
Rosário. No ano de 1624, ao ser concluída a construção da igreja, Fernão Dias Paes e
sua mulher Catarina Camacho, doam sua propriedade, próxima da aldeia dos jesuítas,
onde havia uma grande concentração de índios.
No final do século XVII, o padre Belchior de Pontes, então diretor da aldeia,
resolve mudá-la para outro lugar, não muito distante. A nova aldeia ficava num local
plano, considerando-se a paisagem valiosa para o alojamento. Era cercada de riachos
que produziam peixes, principal alimento dos índios. No local, o padre ergueu uma nova
igreja, conservando a invocação à Nossa Senhora do Rosário, exigida por Dona Catarina
Camacho quando foi feita a doação.
Nossa Senhora do Rosário de grande devoção popular entre brancos e negros,
estes responsáveis pelo surgimento das congadas em honra da Senhora do Rosário, que
persistem ainda em várias regiões do Brasil. A devoção ao Rosário surgiu quando São
Domingos de Gusmão pregou aos cátaros, heresia que surgiu no sul da França, oriunda
do oriente, pregando o dualismo entre o bem e o mal. Fundou este cônego espanhol a
Ordem dos Irmãos Pregadores conhecidos por Dominicanos. Deveriam pregar ao povo e
combater os cátaros, levando uma vida mendicante, semelhante aos franciscanos. Era
costume entre os romanos e que se perpetuou pela Idade Média o uso de coroas de
flores, chamadas capelas, que ofereciam às pessoas distintas. Passou-se a oferecê-las a
Virgem Mãe de Deus estas coroas em honra da Ss. Trindade, surgindo assim o Rosário,
em cuja recitação os mistérios da fé cristã são meditados, desde a anunciação e
encarnação do Verbo até a ascensão de Cristo ao Céu, a vinda do Espírito Santo e a
assunção da Virgem. Em lembrança da vitória de Lepanto contra os turcos otomanos, em
7 de outubro de 1571, Pio V instituiu a festa do Rosário, recordando tal fato miraculoso.
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Clemente XI estendeu a festa a toda igreja, em agradecimento pela vitória contra os
turcos, obtida por Carlos VI da Hungria, no ano de 17l6.
No Brasil sua devoção existe desde seus primórdios, surgiram confrarias de
brancos e pretos criadas na matriz, posteriormente, muitas construíram suas capelas ou
igrejas com seus respectivos cemitérios. Ligadas as irmandades do Rosário dos Homens
Pretos surgiram a coroação dos reis do Congo, que se realizava em 7 de outubro,
constando de uma parte religiosa e outra profana. As congadas eram executadas neste
dia, em que o rei e a rainha, debaixo do pálio, com sua corte percorriam as ruas da
cidade, saindo em cortejo da igreja do Rosário, ao som de danças e batuques.
Posteriormente, as congadas surgiram também nas festas de São Benedito.
Vista frontal do Museu de Arte Sacra de Embu – Fonte: José A. L. Barboza
A prosperidade da Aldeia jesuítica M’Boy tornou-se o fundamento de uma lendária
história. Organizavam-se para a construção da residência dos jesuítas, com a ajuda dos
índios no cultivo de mandioca, trigo e legumes e, na produção de algodão, que era fiado
pelas índias.
Após 210 anos no núcleo promissor, motivado pela oposição das Cortes
Européias aos ensinamentos e influências da Companhia de Jesus, em 1759, os jesuítas
foram expulsos do Brasil por ordem do Marques de Pombal e a igreja do Embu passou
para os cuidados do clero diocesano, que temia o poderio representado pelos jesuítas.
Com a expulsão dos jesuítas, os índios começaram a abandonar a aldeia a qual começou
a perder sua capacidade de produção e sustento. A partir de então, M´Boy se resumiu à
atividade agrícola, um pequeno comércio e fabricantes de aguardente. Em acentuada
decadência, a aldeia permaneceu na obscuridade, quando o Arcebispo de São Paulo,
Duarte Leopoldo e Silva, determinou a primeira recuperação da igreja já nos anos 20
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deste século. Em 1939, todo o conjunto jesuítico, que compreende a Igreja e a residência
dos padres da Companhia de Jesus, foi considerado patrimônio nacional pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, conforme consta no documento IPHAN, 1939.
Diversas grafias foram registradas por Sérgio Buarque de Holanda para a palavra
indígena que nomeava a extensa região onde surgiu a aldeia, como: M’Boy, Boy, Bohi,
Bohu, Emboi, Alboy e Embohu. Teodoro Sampaio, em “O Tupi na Língua Nacional”,
alega que o nome M'Boy significa cobra, em tupi-guarani. Consta que este nome foi dado
para homenagear um índio que salvara da morte o padre Belchior de Pontes, figura
fundamental na história da aldeia. Pouco depois, o índio morreu picado e envolvido por
uma grande serpente. Segundo Leonardo Arroyo, o termo M'Boy vem de Mbeîu, que
significa cousa penhascosa, agrupamento de montes, coisa em cachos ou cacheados.
Após mais de 450 anos de sua fundação, a cidade foi sendo conhecida como
Embu das Artes. Nacional e internacionalmente tornou-se conhecida como um centro
artístico, cultural e histórico do Brasil. Por sua proximidade à Capital mobilizou aos
paulistanos, encantados com as riquezas ambientais do local, um meio de refúgio.
A dinâmica centrada no contexto da arte é entendida como um fenômeno do
ponto de vista cultural, desenvolvido durante o período pós-emancipação política e
administrativa do município, acontecida em 1959. As raízes históricas puderam ser
recriadas.
A população e a cidade assumem a identidade artística cultural que deriva de um
certo apogeu das artes e suas manifestações na comunidade. Tanto moradores, artistas,
autoridades locais, como boa parte do mundo, tornaram-se mobilizados em um sentido
artístico central. A gama configurou-se no título Embu das Artes como uma forma de
ratificar a representação cultural de uma comunidade, desenvolvida através da narrativa,
de símbolos, da continuidade da tradição e, do mito fundacional.
A própria idéia da criação de um espaço onde a produção artística e cultural
pudesse se desenvolver com uma identidade própria pressupõe organização,
estruturação e, de alguma forma, um diálogo com a sociedade “lá fora”.
Não seria possível a sobrevivência cultural, a defesa e naturalização de um
espaço e história sem que um diálogo com o mundo circundante “capitalista” criasse um
efeito e um ritmo de sustentabilidade e de continuidade, não só da idéia, mas da própria
identidade cultural, conquistada ao longo de quase cinco séculos. Projeta-se também um
contato de certa forma comercial, com integrantes de metrópoles. Visitar o espaço e
desfrutar de tudo ali oferecido tornou-se expressão de uma continuidade originária.
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Esta aproximação e conquista tornou-se representativa uma idéia convincente,
uma coerência que vai emergindo como real, como no marketing de lugares, realizado
com objetivo de atrair não somente moradores, fábricas e investimentos, mas, no caso de
Embu, funcionando como forte e eficiente atrativo turístico.
Raízes artísticas
Podemos afirmar que a tradição artística da cidade remonta ao tempo dos
silvícolas – com sua indumentária, ferramentas, adereços, e dos jesuítas. Os primeiros
artistas de Embu, sem dúvida, foram os padres jesuítas e os índios guaranis, que com
suas mãos marcaram para sempre a vocação da cidade, seja na arquitetura da Igreja, na
escultura dos santos de madeira, nas pinturas ou no entalhamento. Sabe-se que os
padres da aldeia M’Boy aceitavam encomendas de imagens de santos.
Segundo relatos do padre Manuel da Fonseca, foi o próprio padre Belchior de
Pontes quem esculpiu a imagem de Nossa Senhora do Rosário exposta na igreja. De
autoria do padre Macaré, podem ser vistas no Museu de Arte Sacra, uma Santa Ceia em
imagens de roca e um Senhor Morto, além de outras peças.
Obra: O Senhor Morto (padre Macaré) – Fonte: Prefeitura de Embu
Essa tradição de santeiros foi retomada, nos anos 20. Destaca-se o artista Cássio
da Rocha Matos, Cássio M’Boy,
detentor do primeiro grande prêmio na Exposição
Internacional das Artes Técnicas de Paris, em l937. Ele fixou residência em Embu no
mesmo ano, passando a conviver com os artistas locais.
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Obra: Fuchico em Embu (Cássio M’Boy) –
Fonte: http://www.dirceucarvalho.hpg.ig.com.br/fuchico.htm
Aos poucos, outros artistas começaram a chegar ao Embu, formando um grupo
que iria movimentar a cidade nos anos 60. Um deles foi o lavrador japonês Tadakiyo
Sakai,
que
mais
tarde
seria
chamado
de
Sakai
do
Embu.
Reconhecido
internacionalmente como escultor em terracota, segundo Jordão em “Embu na história de
São Paulo”, Sakai iniciou-se nas artes em 1951, sob a orientação de Cássio M’Boy e dos
escultores Bruno Giorgi e Victor Brecheret.
Obra: Luta de Uca Uca (Sakai de Embu) – Fonte: Prefeitura de Embu
Em 1959, atraído pelos nomes de Cássio M’Boy e Sakai, o escultor Claudionor
Assis Dias, Assis de Embu, também veio para a cidade. Montou seu barraco de madeira,
com dois andares, num terreno inclinado, e então começou a trabalhar e levar gente para
o Embu. O barraco logo virou o ponto de encontro dos artistas e simpatizantes que
apareciam na cidade. No seu atelier, o Barraco do Assis, começou a dar aulas de
escultura em madeira, pedra e bronze, transformando-o num núcleo de produção de arte.
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Obra: Mameluco (Assis de Embu) – Fonte: Annis Neme Bassith
Com base no pioneirismo de Cássio M’Boy e a presença dos artistas Sakai, Assis
do Embu, originou-se o Movimento do Embu. Ganhou força a partir de 1961, com a
chegada ao atelier do Assis, do poeta, pintor, teatrólogo e folclorista Solano Trindade e
sua companhia Teatro Popular Brasileiro, formada por mais de vinte pessoas, com
intenções de popularização da arte. Nas palavras do próprio Solano, a idéia era mostrar,
incentivar e desenvolver as artes populares tradicionais do povo brasileiro, a dança, a
música, a escultura, a poesia e todas as manifestações folclóricas. As festas promovidas
pelo grupo, com suas danças afro-brasileiras e exposições de arte, começaram a chamar
a atenção da intectualidade paulistana, que passou a freqüentar a cidade.
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Solano Trindade – Fonte: Raquel Kambinda Trindade
Nessa época, uma média de quarenta artistas frequentava o Barraco do Assis.
Começaram eles a expor seus trabalhos no chão das ruas centrais da cidade. Em 1969,
a Feira de Arte e Artesanato começou a ser realizada todos os fins de semana, atraindo
um grande número de visitantes.
A partir do 1º Salão de Artes Plásticas de Embu em 1964, que reunia os trabalhos
dos diversos artistas locais e outros renomados, a arte produzida no município passou a
ser reconhecida nacional e internacionalmente. Cita o escritor Jordão, que o Salão de
Artes nasceu do ideal desses artistas, que após envio de um Anteprojeto de Lei ao
prefeito, Sr. Joaquim Mathias de Moraes, tiveram como resultado a Lei nº207, de 20 de
julho de 1964, oficializando o 1º Salão de Artes Plásticas de Embu, que aconteceria de
18 de julho à 15 de agosto daquela ano. Sob a justificativa de ser desnecessário ressaltar
o valor que representava para o Município o objeto da presente Lei, pois, a realização
dos Salões de Artes Plásticas anuais, além de focalizar na imprensa do país o
acontecimento dos eventos, chamando a atenção para o Município, contribuiria, sem
sombra de dúvida, para o maior progresso da localidade. Em 1997, por falta de verbas
públicas, esta política foi interrompida com o XXIII e último Salão, segundo assessores
municipais.
Da Aldeia de M’Boy ao Município da Estância Turística de Embu
Após a expulsão dos Jesuítas e a saída da maioria dos índios para outras
localidades, no início do século XIX, a Aldeia de M´Boy vive um período de franca
decadência, visível no vaivém de denominações oficiais que ocorreram entre 1779 e
1880. Em 1779, passou a ser “Freguesia”, ou seja, tinha uma capela administrada em
caráter permanente por um pároco que era mantido graças aos donativos dos moradores.
No entanto, volta a ser “Aldeia” por um Decreto de 1832. Nova lei lhe devolve a condição
de “Freguesia” em 1841. Logo perde essa condição, que recupera em 1869.
Volta, porém à condição de “Aldeia” e recupera em definitivo a denominação de
Distrito de M´Boy, através da Lei nº 93 de 21 de abril de 1880.
Por força do Decreto Estadual nº 9.775, de 30 de novembro de 1938, passou a
denominar-se Embu. Para que pudesse ter o direito a ser governada independentemente,
desligando-se de Itapecerica da Serra, foi criada a Associação Cívica de Embu.
Em 17 de março de 1958, na casa do Dr. Carlos Koch, hoje Rua da Emancipação,
125, reuniram-se, além dele, Horácio Wolf, Gastão Santana de Moraes Gonçalves, João
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Salvador Silva, Hideo Degaki, Hélio Santana, Pedro Cândido dos Santos, João de
Moraes, Antônio Batista Medina, João Batista Medina Filho, Manoel Batista Medina (Sr.
Néi), Joaquim Salvador Silva, Annis Neme Bassith, Indalécio do Espírito Santo
Gonçalves, Isaltino Victor de Moraes, Afonso Carpi, José Marreiro, Agostinho Marreiro,
Alberto dos Santos Jacob e Heliodora Pescuma Koch, para formalizar a emancipação.
Manoel Batista Medina – um dos emancipadores – Fonte: Prefeitura de Embu
A Associação Cívica de Embu inicia uma forte campanha pela emancipação com
apoio e orientação do Professor Doutor Cândido Motta Filho. É realizado o plebiscito no
dia 21 de novembro de 1958. Annis Neme Bassith, Raphael Games Cadenete, Santiago
Games Robles e Dr. Carlos Koch tudo fizeram para que o plebiscito fosse um sucesso. A
emancipação é apoiada pela maioria dos embuenses. Em 18 de fevereiro de 1959 a Lei
Estadual nº 5.285 cria o município de Embu, desmembrado de Itapecerica e Cotia. Em
1964, o bairro de Itatuba, até então pertencente ao município de Cotia, é anexado ao
Embu.
O município começa a adotar uma comunidade não só imaginada, mas, na época,
já firmada como um símbolo cultural representativo de tradições artísticas. Ordena-se
uma identidade que viria legitimar os anseios de seus precursores, hoje considerados
heróis fundadores, homenageados com nomes de ruas, parques e praças, quando da
luta por um local de encontro artístico-cultural enfatizado nas origens, na continuidade, na
tradição e na intemporalidade.
A história ganha legitimidade, quando o município é elevado à categoria de
Estância Turística através da Lei Estadual 2.161, de 12 de novembro de 1979, nascendo
para um sentido de modernidade, passando a fazer parte dos 29 municípios paulistas
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considerados estâncias turísticas pelo governo do Estado de São Paulo. Tal status
garante a esses municípios uma verba maior por parte do Estado para a promoção do
turismo regional. Também, o município adquire o direito de agregar junto a seu nome o
título de Estância Turística, termo pelo qual passa a ser designado tanto pelo expediente
municipal oficial quanto pelas referências estaduais.
Finalmente, a Lei Orgânica Municipal aprovada na Câmara de Vereadores em 13
de dezembro de 1990, dá ao município a denominação oficial de Embu das Artes.
O início da modernidade da cidade.
Nos anos 60, um movimento iniciado por alguns poucos artistas plásticos fixados
na cidade surge com uma nova tônica de valores que difere da encontrada em outras
cidades. É mobilizada uma caracterização voltada aos movimentos artísticos culturais e
ao acolhimento do público atraído por esse atrativo.
Objetivando a concretização desse movimento, destacamos a conhecida
instalação dos hippies que para cá afluem na década de 60. Juntamente com os artistas
plásticos mais antigos, começaram a viver no local e a expor seus trabalhos nos
arredores do Largo da Matriz. Artesãos hippies que costumavam expor na Praça da
República, na capital, viriam reforçar a incipiente feira de finais de semana, convidados
pelos artistas locais.
Os hippies eram parte do que se convencionou chamar movimento de
contracultura dos anos 60. Adotavam um modo de vida comunitário ou estilo de vida
nômade. Negavam eles o nacionalismo e a Guerra do Vietnã, abraçavam aspectos de
religiões como o budismo, hinduísmo, e/ou as religiões das culturas nativas norteamericanas, estavam em desacordo com valores tradicionais da classe média americana.
Eles enxergavam o paternalismo governamental, as corporações industriais e os valores
sociais tradicionais, como parte de uma instituição única, e que não tinha legitimidade.
Nesse período a revolução cultural juvenil percebida, praticamente no mundo
inteiro, fez com que os jovens passassem a serem vistos de três formas distintas.
Primeiro, representando o estágio de pleno desenvolvimento humano, inclusive com a
tendência de diminuição da idade eleitoral e com os jovens predominando nos esportes.
Segundo, a cultura juvenil, apoiada pelo avanço tecnológico, concentra a grande massa
de poder de compra e acontece uma inversão de papéis na sociedade, pois os mais
velhos começam a aprender com os jovens. E, por último, surge o internacionalismo,
representando uma hegemonia na cultura popular e nos estilos de vida dos jovens de
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todo o mundo. O poder de mercado popular tornou mais fácil para a juventude descobrir
símbolos materiais e culturais, criando-se um enorme abismo entre gerações, pelas
diferenças de idéias e de experiências.
Nos anos 60, muitos jovens passaram a contestar a sociedade e os valores
tradicionais. Esses movimentos de contestação iniciaram-se nos EUA. Os hippies
defendiam o amor livre e a não violência. Enquanto grupo, construiram uma imagem
própria, com cabelos e barbas mais compridos do que o considerado "elegante". Muita
gente não associada à contracultura considerava os cabelos compridos uma ofensa, em
parte por causa da atitude baseada em imagens dos hippies, às vezes por os acharem
"anti-higiênicos" ou os considerarem "coisa de mulher".
Grupo de jovens hippies –
Fonte: http://www.google.com/search?q=Hippies+-+Fotos&hl=pt
Foi quando a peça musical Hair saiu do circuito chamado off-Broadway para um
grande teatro da Broadway em 1968, ocasião na qual a contracultura hippie já estava se
diversificando e saindo dos centros urbanos tradicionais. Os hippies não pararam de
fazer protestos contra a Guerra do Vietnã. O propósito era acabar com a guerra. A
maioria era de soldados que voltaram depois de ter contato com os Indianos, que a partir
desse contato, os inspiraram na religião e no jeito de viver para protestarem.
A denominada contracultura pode ser definida como algo polêmico, por questionar
valores centrais vigentes e instituídos culturalmente no ocidente. Apoiado pelo
crescimento dos meios de comunicação, a propagação de normas, valores e padrões de
comportamento acabam se libertando dos conceitos tradicionais e locais – como o
religioso e o familiar-, passando a ter um enfoque mais universal, aproximando a
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juventude global através de uma universalidade de valores e de maior integração humana
e cultural.
O termo “hippie” tornou-se referência ao conjunto de movimentos rebeldes da
juventude que marcaram os anos 60, caracterizados pelo rock, por certas manifestações
por maior liberdade nas universidades e por viagens de mochila nas costas. Foi um
fenômeno datado e situado historicamente e que hoje faz parte do passado. Porém, de
outro lado, pode se referir a algo mais amplo, mais abstrato, um estado de espírito, uma
forma de contestação, de enfrentamento diante da ordem vigente, de caráter bastante
radical e estranho às forças oposicionistas mais tradicionais a esta ordem dominante.
Uma contracultura, entendida dessa forma, reaparece de tempos em tempos, em
diferentes épocas e situações, como um forte papel revigorador da crítica social.
Essa nova onda de protestos começava a expandir-se mundialmente pelo seu
caráter de não-violência. Por tudo que conseguiu expressar, por todo envolvimento e
comprometimento social que conseguiu provocar, foi um fenômeno verdadeiramente
cultural, constituindo-se num dos principais veículos da nova cultura que surgia em pleno
coração de uma sociedade capitalista avançada.
O discurso crítico que o movimento estudantil internacional elaborou ao longo dos
anos 60, visava não somente as contradições da sociedade capitalista, mas também
aquelas de uma sociedade industrial capitalista, tecnocrática, nas suas manifestações
mais simples e rotineiras. A contracultura teve seu lugar de importância, não apenas pelo
poder de mobilização, mas principalmente, pela natureza de idéias que colocou em
circulação, pelo modo como as veiculou e pelo espaço de intervenção crítica que abriu.
A liberação pessoal e social andam de mãos dadas. O sexo e a droga eram
usados como forma de enfrentamento às normas do Estado, aos pais, ao poder dos
vizinhos, à lei e à convenção. Essas práticas rejeitavam a ordenação histórica há muito
estabelecida das relações humanas em sociedade, que as convenções e proibições
sociais expressavam, sancionavam e simbolizavam.
No Embu, os hippies inicialmente permaneciam somente aos domingos, no
horário em que funcionava a Feira de Artesanato. Em menos de um ano, dezenas
fixaram moradia na cidade, em comunidades onde residiam em grupos. O centro histórico
passou a ter em suas escadarias, a presença desses grupos diariamente e, nos fins de
semana artistas musicais. Como exemplo, estiveram presentes Baby Consuelo, Pepeu
Gomes, Novos Baianos, Rita Lee, Raul Seixas, entre outros. Faziam shows para o
público presente. Esses shows eram realizados no Pátio do Convento da Igreja Nossa
Senhora do Rosário e se estendiam praça a fora, acompanhados pelo público.
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Esse período foi marcado pela revolução cultural da juventude mundial. A
modernidade que o movimento engendra pode ser entendida como o triunfo do indivíduo
sobre a sociedade. Rompem-se os fios tradicionais que antes ligavam os seres humanos,
socialmente falando e, surge uma insegurança por parte dos mais velhos com relação à
forma como os jovens se comportam, abandonando valores antes cultivados.
O cotidiano da cidade
Em 31 de janeiro de 1969, exatamente com a culminância do movimento jovem na
cidade, foi criada a Feira de Artes e Artesanato na frente da Igreja Matriz, hoje Museu de
Arte Sacra. No decorrer de seus quarenta anos de existência a Feira foi ocupando todas
as ruas do Centro Histórico, hoje Passeio das Artes. Paralelo ao desenvolvimento da
Feira, foram surgindo diversas lojas de artesanato, galerias de arte, antiquários e lojas de
móveis rústicos artesanais, produtos artesanais, obras de arte, barracas de alimentos e
bebidas, tornando a cidade conhecida por Embu das Artes.
Feira de artesanato – Fonte: Prefeitura de Embu
Destacam-se locais centrais das tendências discutidas. São: o Centro Cultural
Embu das Artes, o Memorial Sakai de Embu, o Parque Francisco Rizzo, o Museu de Arte
Sacra, o Museu do Índio e a Capela de São Lázaro.
Centenas de artesãos expõem suas peças na cidade, oferecendo ao público uma
grande variedade de opções: bijouterias, porcelanas, instrumentos musicais, estofados,
cestarias, vestuários, rendados e mais uma série de objetos utilitários, ou simplesmente
decorativos, que enchem os olhos das pessoas que transitam pelas ruas do centro
histórico de Embu das Artes.
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Embu também é a terra da dança, do teatro, da música e da poesia,
manifestações que podem ser vistas em diversos espaços públicos da cidade, como as
Bibliotecas Municipais, o Museu do Índio e o Centro Cultural Embu das Artes.
Apresentação folclórica: Bumba-meu-boi – Fonte: Zinho Trindade
A efervescência cultural de Embu, principalmente a partir do início da década de
60, tem atraído um grande número de pessoas interessadas na riqueza histórica do
município, potenciais colecionadores e consumidores de móveis e objetos antigos.
Isso tudo, aliado ao charme do casario colonial da área central, fez com que a
cidade assumisse uma identidade cultural própria.
Mapa de localização – Fonte: http://www.feiradeembudasartes.com.br/
O município mostra uma realidade possível, embora diferente das encontradas
nas grandes metrópoles, capaz de fazer com que uma cidade tenha uma sustentabilidade
baseada em uma identidade cultural sempre presente e atuante – a de Embu das Artes.
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Silva, Guacira Lopes Louro – 11ª edição – Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
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Gráfico da Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo de Embu, 1972.
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Fernandes, Claudia Freire. – 12ª edição – São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006.
Megale, Nilza Botelho. Invocações da Virgem Maria no Brasil – Petrópolis: Vozes, 2008
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Autores:
Prof. José Antonio de Lima Barboza, Mestrando no Programa de Mestrado
Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação da Universidade São
Marcos. Professor na Anhanguera Educacional - FTS e na Estácio Uniradial - FAAC.
Prof. Dr. Lincoln Etchebéhère Júnior, Professor Doutor do Programa de
Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação da Universidade
São Marcos. Professor Doutor em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade São Paulo.
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Centro de formação profissional Padre Leo Commissari: uma experiência de
economia solidária
Dalmo de Oliveira Souza e Silva
Nilza Aparecida Ribeiro Lopes
Resumo
O presente artigo tem como objetivo discutir o Centro de Formação Profissional Padre
Leo Commissari como referência no desenvolvimento de estratégias de autogestão na
economia solidária, como alternativa de inclusão social. Nesta prática o papel da cultura
tem uma importância fundamental enquanto o ato da participação e do reconhecimento
do sujeito nas relações sociais do cotidiano da comunidade. Neste processo verifica-se a
importância de se pensar novos modelos na organização institucional e hierárquica
implementado pela gestão compartilhada.
Palavras-chave: economia solidária, cultura, desenvolvimento, cooperativismo
Introdução
O Centro de Formação Profissional Padre Leo Commissari1 ao mesmo tempo em
que procura instrumentalizar as pessoas que participam das suas atividades culturais e
dos seus cursos de formação profissional, depara-se com o desafio de inclui-las
socialmente, coloca-las ou recoloca-las no mercado de trabalho e de transformar as
informações adquiridas por essas pessoas na produção de sentidos e significados, já que
os atos de significação demandam não apenas o aprendizado de novas técnicas e
ofícios, como o desenvolvimento de novas competências necessárias à construção e
disseminação do conhecimento e novas oportunidades para o mundo do trabalho.
Portanto o Centro de Formação Profissional está comprometido com a construção
de um conhecimento, e de uma cultura que promova uma significação e legitimação
das experiências nas comunidades que atende, criando e possibilitando várias
aprendizagens e vivências capazes de desenvolver a sociabilidade e a identidade por
1
O Centro de formação leva o nome de seu idealizador Padre Leo Commissari, morto em junho de 1998.
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meio da afirmação do jovem como protagonista dos processos educativos e sociais. O
sentido de ser um empreendedor de sua própria historia ajuda na construção necessária
para desenvolver projetos que tem como base o cooperativismo, a autogestão e a
economia solidária que conseqüentemente soma-se ao desenvolvimento local. Na
aquisição destas habilidades, indiretamente o Centro transfere a responsabilidade sócio
cultural ao sujeito, já que o transforma em um mediador de sua comunidade intervindo de
forma a agregar valores e sentido numa prática de ações sociais.
Como mediador social ele resgata sua história, identidade, auto-estima e
cidadania, processo fundamental para que se estabeleça uma relação dialógica com a
comunidade onde vive. Buber (1979) afirma que a vivência relacional do ser humano, em
que o eu está para o tu assim como o tu está para o eu, porque no olhar o outro (tu) o eu
se reconhece, assim o jovem protagonista deve criar novos laços de acordo com suas
vivências e experiências por meio do processo dialógico. Ainda o autor (1979, p.5-6) “O
homem experiencia o seu mundo”, já que o ato de explorar lhe possibilita o
conhecimento, isto é uma experiência, e esta se realiza nele. Neste sentido há
necessidade de se pensar uma política de convivência (o mundo como experiência) que
possibilite criar laços efetivos e afetivos com a comunidade e seu entorno (o mundo da
relação) e para que se materialize estas práticas o reconhecimento do outro enquanto
sujeito de sua própria ação é a condição sine qua non para a dimensão da alteridade.
Centro de Formação Profissional Padre Leo Commissari: políticas públicas,
pertencimento e economia solidária
O Projeto de Solidariedade Imola-São Bernardo do Campo, fundou a Associação
de Promoção Humana e Resgate da Cidadania, mais conhecida como Centro de
Formação Profissional Padre Leo Commissari, dando continuidade ao trabalho de
inclusão social por meio da capacitação profissional, iniciado pela equipe missionária
composta por três padres e cinco irmãs da Diocese de Imola, Itália. Esta atividade foi
iniciada pela equipe nas favelas e periferias da cidade de São Bernardo do Campo, São
Paulo, na década de 80. Padre Leo Commissari fazia parte desse grupo, nascido em
Bubano, na Itália, já havia morado no Brasil durante sete anos, na cidade baiana de
Itapetinga. Em São Bernardo do Campo optou por morar em um barraco na favela para
ficar mais próximo do cotidiano e das dificuldades das comunidades beneficiárias das
atividades sociais.
O Centro de Formação Profissional tem um compromisso com a ética,
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solidariedade, responsabilidade e resgate da auto-estima dos jovens que participam de
suas atividades sócio-culturais, acreditando que a transformação da sociedade tem como
base a apropriação de instrumentos, ações educativas e uma pedagogia social que
possibilitem a mudança de realidades e construção de novo caminhos pautados no bemcomum. A idéia inicial é que há uma certa atitude assistencialista do grupo que atua
neste espaço educativo. A prática assistencialista sempre foi defendida
pela Igreja
Católica, desde sua chegada ao Brasil. Com a missão de atender aos interesses da
Coroa Portuguesa, ela assumiu serviços nas paróquias e dioceses, a educação nos
colégios e a evangelização indígena. A filantropia, com predomínio da caridade cristã
perdurou por mais de três séculos, com o aparecimento das santas casas de
misericórdia, que atuam no país até hoje. Apenas no final do século XIX e início do
século XX que ocorreram mudanças na organização e administração dessas instituições
assistencialistas, não sendo mais orientadas pela caridade cristã e filantropia.
(MacKinsey & Company, 2001). Verifica-se que ultimamente o resultado final desta
prática desenvolvida pelas novas obras assistenciais possui um caráter de fortalecer uma
política de atenção ao outro para que ele seja o protagonista de sua história e o Centro
vem fazendo e contribuindo para mudar a realidade das comunidades por meio de
oportunidades e valorização do trabalho coletivo e cooperativo.
Realizar atividades de inclusão demanda a preparação e formação de agentes
sociais que buscam soluções para problemas da comunidade. Por outro lado nota-se que
há uma ausência do Estado nas políticas públicas de inclusão. A atuação do Estado na
área social se intensificou com o início da fase de industrialização, do abandono do
campo e a crescente urbanização nas décadas de 20, 30, 40. Com o crescimento da
população urbana e conseqüentemente dos problemas sociais, o Estado passa a
financiar as organizações assistenciais e filantrópicas e também a controla-las
administrativamente. Surgem os sindicatos, as associações profissionais, as federações
e as confederações, neste caso o setor privado começa ser mais um dos atores na
prática de assistência a operários, imigrantes, empregados do comércio, de serviços e
funcionários públicos. (MacKinsey & Company, 2001)
Mesmo com a ajuda das organizações assistenciais e filantrópicas no combate a
desigualdade social, o Estado continua sendo o responsável pelo bem estar do cidadão,
mas as suas políticas públicas de inclusão não têm uma garantia no aspecto de leis, uma
legislação que de conta da permanência e continuidade dessas políticas. Atualmente há
programas como o PROUNI, Bolsa Família, ProJovem, o PPDLES, Brasil Alfabetizado,
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PRONAF, Luz para Todos2, entre outros, mas nada garante que não haverá interrupção,
mudanças ou paralisação que afetem esses programas, e que dificultem avaliação dos
resultados alcançados durante a sua implementação e realização, em um próximo
mandato político. A governança da cidade não pode ficar fragmentada em mandatos,
deve existir políticas públicas sólidas e contínuas para que as mudanças de comando
não sejam um retrocesso, mais sim um ganho em conhecimentos, experiências e
saberes no levar adiante as políticas públicas já definidas e os projetos por ela
consolidados.
A cidade é um espaço público, um espaço de decisões políticas, um espaço e
território de legitimar as práticas de cidadania por meio de políticas públicas e
descentralização do poder, e a participação de todos os atores sociais que devem
“governar’ a cidade, dentro de um principio democrático e de justiça social. E desta forma
acreditamos que as políticas públicas de cultura podem, de um certo modo, construir a
idéia de pertencimento e identidade, demonstrar que a cultura é tão importante quanto a
saúde, a educação ou o meio ambiente, porque ela está profundamente enraizada nestas
temáticas, sob a égide da transversalidade. Ela pode garantir o direito da participação
coletiva nas decisões políticas por meio de ações concretas e pautadas em leis. O
próprio marco legal da Constituição Brasileira defini e orienta para que o Estado
proporcione meios de acesso à cultura (artigo 23, incisos V e IX). Para Pereira (2008)
quando a Constituição garante a todos o pleno exercício dos “direitos culturais” (artigo
215), ela afirma que a cultura é objeto de direito.
Para Chauí (2005, p.10), é costume considerar que alguma coisa só tem o direito
de existir se tiver uma finalidade prática, objetiva e com resultados imediatistas. “Por isso,
ninguém pergunta para que as ciências, pois todo mundo imagina ver a utilidade das
ciências nos produtos da técnica, isto é, na aplicação científica na realidade.” Talvez seja
por isso que a cultura sempre foi relegada ao segundo plano no orçamento dos
municípios e também nas políticas públicas a serem implementadas: a sua finalidade não
é prática e ela não tem aplicação científica, mas sim humana.
A cultura é a criação coletiva de idéias, símbolos e valores pelos
quais uma sociedade define para si mesma o bom e o mau, o belo
e o feio, o justo e o injusto, o verdadeiro e o falso, o puro e o
2
Em suma esses programas possibilitam o acesso ao conhecimento, ao trabalho e a renda; qualificação social e
profissional; articulação das potencialidades locais por meio dos agentes de desenvolvimento; estímulo a produção por
meio de acesso ao micro-crédito e assistência técnica;desenvolvimento regional; condições habitacionais. Consulte o site:
http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/programas_complementares.
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impuro, o possível e o impossível, o inevitável e o casual, o
sagrado e o profano, o espaço e o tempo. A Cultura se realiza
porque os humanos são capazes de linguagem, trabalho e relação
com o tempo. A Cultura se manifesta como vida social, como
criação das obras de pensamento e de arte, como vida religiosa e
vida política. (CHAUÍ, 2005, p.61)
A cultura possibilita a construção de valores, identidade, memória, cidadania e de
perspectiva de futuro. Ela deixou de ser vista apenas como uma atividade complementar,
uma simples ocupação do tempo livre, para ser considerada uma ferramenta fundamental
no processo de formação e inserção social. Portanto ela não pode mais ser vista como
um mundo a parte. Para Coll (2006, p.28), “Não há ato político, econômico, cientifico,
religioso, social, artístico ou folclórico que não seja cultural, ou seja que não expresse
uma cultura específica”. A cultura é uma experiência onde quem participa se transforma,
amplia seu universo emocional, sua compreensão de mundo e assim se torna um ser
mais crítico e livre para conduzir seu destino e fazer suas escolhas. Ela pode ser
conduzida a mobilizar pessoas, pressupor desenvolvimento, encontrar saídas contra a
dominação e propor soluções para as ‘’crises’’ decorrentes da falta de oportunidades para
todos.
Faria (1999) afirma que, as políticas para a cultura devem ser pensadas de modo
a construir pertencimentos a partir do resgate da auto-estima individual e coletiva, sem
ela não há desenvolvimento humano e o pleno exercício da cidadania. Ele conclui que os
sujeitos locais têm força transformadora, apesar dos processos e da economia
globalizada e ação cultural tem um poder de mobilização social.
Segundo Amaral (2009), “Pertencimento, ou o sentimento de pertencimento é a
crença subjetiva numa origem comum que une distintos indivíduos. Os indivíduos
pensam em si mesmos como membros de uma coletividade na qual símbolos expressam
valores, medos e aspirações. Esses sentimentos podem fazer destacar características
culturais e raciais”. Quando o indivíduo sente que pertence a um lugar, (bairro, cidade,
país, nação) ele acredita que pode e que vale a pena não medir esforços para interferir
ou mudar os rumos deste lugar.
Desta forma os projetos do Centro de Formação Profissional Padre Leo
Commissari cria esta relação de proximidade e de pertencimento, como também busca
contribuir de uma forma significativa com os projetos de ação social, tomando como
referencial o papel da cultura na vida das pessoas, acolhendo e sendo parceiro de ações
de instituições públicas e privadas como o Educafro que tem como objetivo preparar
jovens e adultos para seu ingresso na universidade; e a Casa Brasil, que é um projeto do
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Governo Federal para reduzir a desigualdade social em regiões com baixo índice de
desenvolvimento humano (IDH). Verifica-se que essas ações foram apropriadas pela
comunidade por meio discussões e validação dos processos, o público beneficiário não
ficou a margem, mas também foi um ator decisivo na escolha de instrumentos e
atividades que pudessem agregar valor ao conhecimento já adquirido.
A partir do momento que o Centro de Formação Profissional Padre Leo Comissari
prioriza o trabalho em rede, as parcerias, a solidariedade, a apropriação por parte da
comunidade do conhecimento sistematizado (formação profissional) e a valorização da
identidade cultural, ele passa a promover uma postura não assistencialista
porque
concede a ela “poder”, dignidade e condições de seguir em frente pelos seus próprios
meios. Um desses meios é saber como gerar emprego e renda através de uma visão
coletiva e solidária do mercado de trabalho, abandonando-se as relações hierárquicas do
mercado formal e incorporando relações de ajuda e de apoio, opinando, trocando,
debatendo sempre seguindo os princípios da autogestão e da solidariedade..
Para Singer (2003), a solidariedade é um sentimento que motiva comportamentos
solidários, isto é ações de ajuda e apoio. A solidariedade-sentimento origina a
solidariedade-ação e esta tem significado político social e econômico. O Centro de
Formação Profissional Padre Leo Commissari é movido por estas duas solidariedades: a
sentimento e a ação mútua, pois ele estimula a primeira em pessoas unidas pelo mesmo
problema: exclusão social, mas também adota uma postura pró-ativa, onde a segunda
está presente no trabalho de formação profissional que ele realiza junto aos seus pares,
criando elos de cooperação.
O Centro é um promotor social porque suas ações são coletivas e vão além da
capacitação profissional, como também adotam novos modelos institucionais e de
hierarquia horizontal por meio de uma rede de parceiros e articulações que objetivam o
desenvolvimento e o bem estar de todos os envolvidos. A inserção de pessoas de baixa
renda no mercado formal e informal de trabalho da região do Grande ABC3, incentivo e
auxilio na criação de grupos de renda alternativa dentro dos conceitos da economia
solidária, são alguns exemplos deste novo modelo que tem como objetivo desenvolver as
práticas de solidariedade.
3
A região do Grande ABC, está situada no estado de São Paulo e é composta pelas cidades de Santo
André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande Da
Serra.
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A economia solidária foi recentemente resgatada como uma nova possibilidade
para tempos de crise e alto índice de desemprego. A sua origem está na Revolução
Industrial do século XIX, quando surgiram as primeiras experiências cooperativistas, com
destaque para Rochdale em 1844 que promoveu o início do sistema cooperativista no
auxílio da população excluída pela Revolução Industrial (Lechat, s.d.). As várias crises
por que tem passado o sistema capitalista sempre resulta em prejuízo para a classe
trabalhadora, mas também instiga a pensar outros caminhos como as empresas
autogeridas pelos próprios trabalhadores com o apoio de outros setores e instituições
(sindicatos, terceiro setor, universidades, entre outros).
(...) Auto-organização, nunca é demais lembrar, que seria
impensável sem o desenvolvimento paulatino de sólidos laços de
confiança mútua e de solidariedade entre os participantes. Este
desenvolvimento requere a existência de instituições- cooperativas
ou associações produtivas, clubes de troca e feiras de economia,
poupança e cooperativas de cérdito, bancos do povo, escolas que
a solidariedade é a norma que rege as atividades. (SINGER, 2003,
p.13)
Com um olhar atento para a solidariedade e confiança mútua entre os
participantes as ações do Centro de Formação Profissionais têm uma rede de parceiros
que contribui com seus objetivos e missão. Brasil: SEBRAE, SENAI, Banco do Povo,
Fundação Salvador Arena, Casa Brasil, Banco do Brasil, Cátedra Celso Daniel de Gestão
de Cidades e Fundação Banco do Brasil. Itália: Movimondo Cooperazione Italiana,
Regione Emilia-Romagna.
O Centro de Formação Profissional Padre Leo Commissari busca desenvolver
ações no âmbito de cursos profissionalizantes: artesanato, cabeleireiro, cerâmica
artística, confeitaria, construção civil, corte e costura, eletricista residencial, informática,
manicure-pedicure, manutenção de computadores, mecânica de autos, marcenaria,
panificação, pintor texturizador e webdesigner. Atividades culturais: capoeira, dança,
teatro, música. Atividades educacionais: cursinho pré-vestibular, aulas de alfabetização,
espanhol e inglês. Saúde: atendimentos fonoaudiológico, psicológico e massoterapia.
Atendendo uma média de 600 pessoas por mês.
Promover a formação profissional é uma entre as várias ações do Centro, que
também atua no resgate social de crianças em situação de risco por meio da Creche
Margarida. Inaugurada em 1996, atende cerca de 300 crianças com idade entre 0 e 7
anos, que são acompanhadas por pedagoga e monitoras, recebem alimentação orientada
por nutricionista, participam de atividades lúdicas e de reforço escolar, com objetivo de
contribuir com a educação e o desenvolvimento biopsicossocial.
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As parcerias e as ações do Centro são iniciativas de um trabalho em rede, porque
percebeu-se que a formação profissional não era suficiente para inserir os seus alunos e
ex-alunos no mercado de trabalho, então em 2004 oficialmente foi lançada a Rede de
Economia Solidária e Alternativa do ABC - Rede Commissari, que é formalmente uma
associação, desde 2007. Uma rede de economia solidária organiza-se a partir de fatores
humanos, sua lógica diferencia-se da lógica do mercado capitalista como da lógica do
Estado. Ela pratica o cooperativismo autogestionário e solidário como proposta de
desenvolvimento global a partir da diversidade local. Portanto a Rede Commissari
organiza e articula os EES (Empreendedores Econômicos Solidários) da região periférica
do Grande ABC, formando uma teia onde se busca coletivamente benefícios, conquistas
e desenvolvimento comuns por meio da economia solidária.
Uma trama dessa teia de ações coletivas foi o acompanhamento e assessoria
do Centro, em parceria com o SEBRAE e o Camp (Conexão Aprendiz) na constiuição
jurídica da Cooperativa Selecta. Localizada na periferia de São Bernardo do Campo,
antes desse acompanhamento e assessoria o trabalho, desde 2006, era feito por um
grupo de pessoas da comunidade que aprenderam a reciclar óleo de cozinha para
transforma-lo em sabão, mas queriam se organizar de uma forma autogestionária
gerando trabalho e renda para todos os envolvidos na produção do produto. O grupo
conseguiu recursos com por meio de ongs italiana e com o Banco do Brasil e hoje
graças a união de vários parceiros ele está constituído como uma cooperativa, tem
estatuto e a possibilidade de fechar parceria com a Cooperforte, cooperativa ligada ao
Banco do Brasil.
Este projeto embrionário trabalha temas como a sustentabildade econômica,
organização administrativa e operacional e educação ambiental, no qual os seus
cooperados são instruídos a lidar com todas as etapas de produção do produto final, no
caso preparação de sabão artesanal. A produção do sabão, além de contribuir com a
sustentabilidade ambiental possibilita uma destinação segura para um tipo de resíduo
altamente poluidor é uma ação coletiva que vai além do local, já que a preservação dos
recursos naturais é uma preocupação global, portanto a economia solidária é uma
resposta contra a pobreza e ao desemprego, como também pode envolver e agregar
outros valores e responsabilidades. Esta prática favorece a irradicação da desigualdade e
conseqüentemente garante a interação, respeito aos princípios da atitudes de
participação e solidariedade.
Apesar de todos os benefícios econômicos, sociais e humanos que a economia
solidária oferece, para Singer (2009) ela sofre uma crise de identidade, sendo um objeto
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estranho dentro de um mundo capitalista, pois se de um lado as duas grandes
instituições se dizem diferentes das instituições capitalistas, elas são influenciadas pelo
mercado a tal ponto de não serem diferenciadas das empresas comuns.
Portanto a linha que separa uma instituição capitalista de uma solidária dentro
de um mercado capitalista globalizado é tão tênue, a ponto de causar este tipo de
estranhamento, principalmente porque é necessário a profissionalização e a apropriação
de algumas ferramentas de gestão do segundo setor (empresas) pelo terceiro setor
(instituições solidárias) mas esta profissionalização não deve entrar em conflito com a
própria razão de ser dessas instituições. Outra questão importante é que as instituições
solidárias não devem ser pautadas apenas pelas ações humanitárias, mas precisam
procurar um novo modelo de interação com o trabalho, mercado de trabalho e o capital,
uma segunda via de ação, que possibilite o bem estar e o desenvolvimento coletivo. O
Centro de Formação Profissional Padre Leo Commissari busca este novo modelo de
instituição que é solidária, mas não assistencialista; profissional, mas não capitalista, a
preocupação com o trabalho em rede. A procura do diálogo e apropriação das
experiências de organizações como o SEBRAE e a constante formação das pessoas
atendidas e assessoria aos projetos embrionários, constituindo desta forma a fisionomia
de uma empresa autogestionària.
Para administrar esta crise de identidade e procurar este novo modelo de
interação o Centro conta com o GAES - Grupo de Apoio à Economia Solidária, que é
formado por pessoas com formação acadêmica que tem a tarefa de formar e fortalecer
grupos de geração de renda alternativa, orientar as reuniões e discussões de grupos de
empreendedores de uma forma democrática sempre preservando os objetivos e
princípios da rede, assessorando o empreendedor para que este adquiria autonomia
suficiente para levar adiante seu empreendimento aprendendo a lidar com a gestão do
mesmo sempre tendo como base o cooperativismo e a economia solidária.
É preciso destacar que o trabalho realizado pelo Centro de Formação também é
uma forma de agregar mais eficiência à gestão pública que pode incorporar novos atores
e estes a possibilidade de criar novos modelos organizacionais. Segundo Junqueira
(2006), as organizações sem fins lucrativos não substituem as organizações públicas,
mas a sua atuação em parceria com o Estado, possibilita a criação de redes sociais que
privilegiam a população, valorizam a gestão intersetorial, que enfatiza a compreensão e a
solução de problemas sociais de modo integrado. Ainda Junqueira (2006, p.197) “a
realização de um projeto articulado das políticas sociais demanda [...] a incorporação de
organizações autônomas privadas voltadas aos interesses coletivos e capazes de dar
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Políticas Públicas: participação, transparência e inclusão social
296
maior eficácia à gestão de políticas sociais”.
Neste contexto há a descentralização do poder estatal e a construção de uma
relação entre Estado e sociedade, onde o Centro de Formação Profissional é um
exemplo de parceria público privado, como também de suporte e complemento as ações
do Estado beneficiando uma população carente e excluída que tem como ganho
independência e informação para conduzir as soluções para seus problemas locais.
Portanto, projetos como o do Centro estimula uma mudança de postura e práticas na
gestão pública fundamental para o fortalecimento e o nascimento de um novo cidadão,
que ao reinvidicar seus direitos, o faz com qualidade e domínio de suas reais
necessidades.
Conclusão
O exemplo dado pelo Centro de Formação Profissional Padre Leo Comissari é
resultado de um processo de decisão compartilhada onde os diversos segmentos sociais
desenvolvem uma teia de relacionamento e fortalecimento para as comunidades, criando
possibilidade de geração de rendas e formando gestores capazes de criar atividades
laborais que permitem a inclusão, valorização, auto-estima e solidariedade.
Neste sentido, a associação não adota uma postura assistencialista com a
população por ele atendida, mas se empenha em desenhar um modelo de trabalho em
rede que possibilite agregar os vários atores sociais e que possam somar as suas
experiências com os objetivos e missão do Centro. Portanto ele adota uma atuação
circular isto é, em primeiro lugar vem a formação profissional e paralelamente atividades
culturais e educacionais; em seguida a formação para o empreendedorismo e finalmente
a assessoria para a construção de projetos baseados no cooperativismo e na autogestão,
assim os participantes do projeto se tornam empreendedores, multiplicadores dessas
ações.
As ações e práticas de instrumentar, capacitar, desenvolver, fortalecer
responsabilidades sociais, são mensuradas nos resultados que o Centro de Formação
Profissional tem alcançado e que presta conta a população beneficiária por meio de
valores solidários. A autonomia conquistada pelo Centro é um fator positivo por permitir a
continuidade no trabalho de inclusão social.
É verificado também que o papel da cultura dentro da economia solidária é
fundamental para garantir e constituir novos desafios frente as turbulências econômicas
que vem despontado no novo cenário mundial. Novos indicadores e pressupostos
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teóricos são buscados para explicar as experiências que deram certo no que diz respeito
a sustentabilidade e desenvolvimento social, gerando um território de eqüidade, e de
participação. Ainda a cultura como possibilidade de conhecimento, reconhecimento e
pertencimento, é a ação que o Centro se apropriou para trabalhar com seu público,
objetivando o resgate da auto-estima e a formação de cidadãos mais críticos e antenados
com o seu tempo.
E sob o significado da solidariedade como forma de ação concreta e de
preocupação com o outro na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, por
meio de
projetos de economia solidária, cooperativismo e autogestão este modelo
poderá vir a ser o alvo de referência a várias outras organizações que atuam com
políticas sociais, já que os problemas da sociedade necessitam de vários olhares que
resultam em soluções construídas coletivamente e conseqüentemente por meio
democráticos e legítimos, frutos de uma gestão compartilhada , de um instrumento de
uma pedagogia social para a convivência e cidadania.
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Formação de redes sociais a partir da cooperação intergovernamental: análise da
região brasileira “ABC Paulista”
Formation of nets sociais the part from intergovernamental cooperation: analyzed from
region brazilian “ABC Paulista”
Autores54
Resumo
Este artigo pretende apresentar a importância da estruturação de órgãos de cooperação
intergovernamentais como estratégia de fortalecimento regional no cenário público
privado. Ações desse aporte governamental demonstram maturidade administrativa,
como também visão de eficácia de gestão por parte de seus idealizadores e
fomentadores. Como análise da fundamentação científica, o trabalho abordará a Agência
de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC na cooperação intergovernamental
existente na região do Grande ABC Paulista, constituída por representantes das sete
cidades que compõem a região, descrevendo a formação das redes sociais formadas a
partir dessa cooperação, em uma perspectiva dos sistemas sociais na visão do sociólogo
Niklas Luhmann.
Palavras-chave:
cooperação
intergovernamental,
redes
sociais,
tecnologias
da
informação e comunicação.
Introdução
De acordo com Gomes (2002) as implicações das TICs (Tecnologias da
Informação e da Comunicação) no contexto econômico, político e social vêm sendo
bastante discutidas por diferentes autores. A sua análise ocorre sob diversos prismas que
vão desde a discussão sobre seu papel como elemento principal da revolução
54
JARBAS THAUNAHY SANTOS DE ALMEIDA – Mestrando em Engenharia da Informação pela
Universidade Federal do ABC, Especialista em Tecnologia e Matemática. Coordenador do curso de
Tecnologia em Logística na FATEC Mauá e Sistemas de Informação pela Faculdade de Mauá – FAMA.
Integrante do Grupo de Pesquisa em Governo Eletrônico e Regionalidade pela UFABC.
[email protected]
ROBERTO GONDO MACEDO – Doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade Metodista de
São Paulo, Mestre em Administração e Regionalidade pela USCS, Especialista em Direito Educacional e
Marketing. Docente do Programa Lato Sensu da UMESP, FAMA e UGF. Diretor Editorial da Rede Científica
POLITICOM e Diretor de Planejamento e Comunicação do Instituto Gestão do Conhecimento Consultoria
Empresarial. [email protected]
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tecnológica até o debate sobre sua influência nos aspectos psicológicos dos indivíduos.
No campo da política, por exemplo, Ianni (2000, p.139-166) reconhece na tecnologia da
informação e comunicação o “príncipe eletrônico”, que atua como intelectual coletivo e
orgânico das estruturas e blocos de poder das estruturas predominantes e que este
quadro torna frágil as instituições clássicas da política.
No debate do desenvolvimento, Gomes (2002) enfatiza que esta discussão
também se faz presente. Uma abordagem relevante é feita por Kliksberg (2001, p.27-28)
que, ao analisar as falácias sobre o desenvolvimento social na América Latina, identifica
cinco tipos de desigualdades, sendo que a iniqüidade no acesso ao mundo da informática
e internet está ao lado da questão da distribuição de renda, acesso a ativos produtivos,
acesso ao crédito no campo e diferentes níveis de escolaridade nos extratos
socioeconômicos. A partir de diversos caminhos, pode-se fundamentar a concepção de
que a tecnologia da informação e comunicação tem aplicações variadas e multiplicáveis,
com capacidade de transformar a sociedade e a relação dos indivíduos com o mundo,
sendo que a sua inserção na sociedade é um desejo para a maior parte das nações.
O sistema não tem uma estrutura imutável que enfrenta um
ambiente complexo. É condição para esse enfrentamento que o
próprio sistema transforme-se internamente, criando subsistemas,
deixando de ser simples e tornando-se mais complexo, ou seja,
evoluindo. Cada um desses subsistemas criados dentro do sistema
tem o seu próprio entorno. A diferenciação do sistema não significa,
portanto, a decomposição de um todo em partes, mas da
diferenciação de diferenças sistema/entorno. Não existe um agente
externo que o modifica, é ele mesmo que o faz para sobreviver no
ambiente. Mas a evolução do sistema não ocorre de forma isolada,
ela depende das irritações do ambiente. E, conforme a tolerância
do sistema, as irritações podem levá-lo a mudar suas estruturas.
Essa característica de produzir a si mesmo é chamado por
Maturana de autopoiese, responsável por um aumento constante
de possibilidades até que a complexidade atinja limites não
tolerados pela estrutura do sistema, levando-o a mudar sua forma
de diferenciação. A evolução do sistema ocorre quando ele se
autodiferencia e ainda quando há uma passagem de um tipo de
diferenciação para outro. Segundo Luhmann a segmentação, a
hierarquia, centro/periferia e a função são quatro formas pelas
quais o sistema pode diferenciar-se, sendo que, conforme evolui,
passa de sistema segmentado até chegar ao sistema funcional.
Assim se deu com a passagem de uma sociedade segmentada, na
antiguidade, para uma sociedade funcional, na modernidade.
(KUNZLER, 2004, p. 125-6)
Ao refletir sobre o desenvolvimento local, pode-se identificar diversas aplicações
da tecnologia da informação e comunicação, que estão atreladas às seguintes
dimensões:
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
reconhecimento
da
realidade,
fatores
propulsionadores
ou
limitantes
e
oportunidades;

diminuição da exclusão digital;

integração entre agentes intervenientes na realidade local.
Dentre as dimensões apresentadas acima, a integração entre agentes
intervenientes na realidade local pode ser elucidada na teoria luhmaniana, por intermédio
de três obstáculos epistemológicos.
O primeiro deles é a premissa de que a sociedade é constituída de
pessoas e de relações entre pessoas. Segundo a teoria sistêmica,
a sociedade é constituída exclusivamente por comunicação. As
pessoas estão, na verdade, no ambiente do sistema social.
Pessoas são um outro tipo distinto de sistema chamado de sistema
psíquico. O segundo obstáculo epistemológico diz que as
sociedades têm fronteiras territoriais e/ou políticas. Entretanto,
como sociedades são compostas apenas por comunicação e esta
não pode ser limitada no espaço, sobretudo com o auxílio da
tecnologia moderna, conclui-se pela inexistência de fronteiras
separando diversas sociedades. Há um único sistema social
mundial. Finalmente, o terceiro obstáculo é a separação entre o
sujeito e o objeto. Para Luhmann não há nenhum observador
externo ao sistema social que possa analisá-lo com distância e
imparcialidade. Ninguém detém um ponto de vista absoluto,
considerado como sendo o único correto. O conhecimento é
resultado da observação de segunda ordem, no qual um
observador observa o que um outro observador observou. Desta
maneira há diversas descrições, sob pontos de vista diferentes,
mas todas com o mesmo valor. A possibilidade de múltiplas
descrições na sociedade moderna levou Günther (1979) a chamá-la
de “policontextual”. (KUNZLER, 2004, p. 126-7)
A citação de Kunzler (2004) relaciona a teoria luhmaniana com a sociocibernética
de segunda ordem.
Cooperação intergovernamental
A dimensão reconhecimento da realidade inclui todas as informações e meios de
comunicação que permitam conhecer as características locais, acompanhar os fatores
externos e ações de outros atores que lhes influenciem, monitorar as transformações
institucionais e ambientais, entre outros. São aplicações voltadas a oferecer e agrupar
informações, bem como tratá-las para que possam fornecer respostas às questões
referentes ao desenvolvimento. (GOMES, 2002).
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A diminuição da exclusão digital, por sua vez, engloba todas as tecnologias que
propiciem a interação do indivíduo com informática e a internet, no que tange ao
conteúdo relacionado com suas necessidades e interesses, bem como no que se refere
aos serviços disponibilizados pelo governo, comércio e negócios eletrônicos.
Segundo Gomes (2002), a dimensão integração entre agentes intervenientes na
realidade local refere-se:

ao conjunto de sistemas de informações dos diferentes agentes;

às tecnologias que possibilitem identificar, agrupar e filtrar informações, com
vistas a realização de análises apoiadas em cruzamentos de dados;

às aplicações voltadas ao aprendizado e gestão do conhecimento, que tratem de
conteúdo relacionado ao desenvolvimento local; e,

aos processos destinados a gerenciar e executar ações cooperadas para o
desenvolvimento, envolvendo desde bancos de dados, como o cadastro de
envolvidos em programas, até o efetivo gerenciamento do recebimento de
benefícios.

Existe uma lógica de retro-alimentação entre estas dimensões, pois a intervenção
em uma delas acaba por gerar alterações no quadro de necessidades das outras, de
forma não linear, pois dificilmente se encontrará uma situação de investimento exclusivo
em uma das dimensões. De forma ilustrativa, ao incrementar o reconhecimento da
realidade, é possível identificar novas necessidades de integração entre agentes,
alterando as alternativas de diminuição da exclusão digital.
O ambiente pode irritar o sistema, levando-o a auto-produzir-se. A
irritação provocada pelo ambiente é um estímulo à autopoiese do
sistema. Mas é importante saber que a própria irritação faz parte do
sistema. Luhmann (1997, p. 68), a esse respeito, afirmou que
“irritações se dão sempre e inicialmente a partir de diferenciações e
comparações com estruturas (expectativas) internas aos sistemas,
sendo, portanto, - do mesmo modo que informação –
necessariamente produto do sistema”. Algumas possibilidades do
ambiente irão chamar a atenção do sistema, ou seja, irão irritá-lo. O
passo seguinte será, então, a seleção de elementos, de acordo
com o sentido atribuído pelo sistema (não pelo ambiente) a tais
elementos. Esse sentido depende da função do sistema. Por isso,
as informações são sempre construtos internos. Somente os
sistemas sociais e psíquicos selecionam através do sentido. Um
sistema que tenha a função de fabricar remédios, não irá selecionar
ou considerar como informação a receita de um bolo, por exemplo.
Já o surgimento de uma nova doença será selecionado por ser uma
informação que interessa à função sistêmica de fabricar remédios.
O que não faz sentido para o sistema é descartado, remanescendo
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na complexidade do ambiente como potencialidade do futuro. Pode
ocorrer de um elemento não ter sentido hoje, mas vir a ter amanhã.
É que o sentido é a unidade de uma diferença: real/possível.
Apenas um tema é alvo da comunicação ou do pensamento atual,
os demais assuntos são possíveis de ser o centro do ato de
comunicar ou pensar. Ao invés de limites territoriais ou materiais, o
sistema tem limites de sentido. (KUNZLER, 2004, p. 128)
A cooperação intergovernamental para o desenvolvimento local pressupõe
esforços e cuidados nas três dimensões citadas. O reconhecimento de mecanismos e
pressupostos neste sentido são amplos, mas nem tão comuns são as preocupações
quanto ao envolvimento dos diversos agentes em iniciativas de integração através da
tecnologia da informação e comunicação. Esta lacuna, provavelmente, se deve em
grande parte, ao estágio ainda não amadurecido de cooperação através da TIC, que no
Brasil ainda tem muito a avançar. Por essa razão é necessário refletir sobre os cuidados
nestas iniciativas, para garantir que:

a interação entre esferas de governo se dê com base em relações de parceria que
garantam a autonomia dos entes;

as ações de restrição da exclusão digital estejam efetivamente orientadas às
necessidades e capacidades da população local, em uma perspectiva concreta de
reforço da cidadania e inclusão social; e,

as iniciativas de integração da TIC com o intuito de desenvolvimento local, tenham
por fundamento o fortalecimento da democracia.
O último elemento dos sistemas sociais é a comunicação. Toda e
qualquer comunicação que possa existir é interna ao sistema social
e, em última análise, à sociedade (sistema social global) que é
formada de todos os sistemas sociais. Entre o sistema e o ambiente
não há comunicação. O sistema social operacionalmente fechado
não recebe informação do ambiente, mas devido a esse
fechamento pode abrir-se ao ambiente para observá-lo sem por em
risco sua própria identidade. No ambiente está tudo que não é
comunicação, mas que pode servir de tema para a comunicação
interna do sistema. A consciência, por exemplo, faz parte do
entorno do sistema e é usada como substrato da comunicação. Os
sujeitos da comunicação não são os sistemas psíquicos, como se
está acostumado a pensar, mas os próprios sistemas sociais.
(KUNZLER, 2004, p. 130-1)
De acordo com Silveira (2002) a integração de regiões em desenvolvimento é
previsto pela Constituição Federal de 1988, que também fez sugestões no que respeita à
articulação de esforços e recursos “em um mesmo complexo geo-econômico e social,
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visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais” (artigo 43º). O
parágrafo 1º do mesmo artigo 43 prevê que “lei complementar disporá sobre as
condições para integração de regiões em desenvolvimento e a composição dos
organismos regionais que executarão os planos regionais de desenvolvimento”. Aqui
pouco se avançou. A Lei Complementar nº94/98 autorizou o governo federal a instituir a
Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (RIDE), “para efeitos
de articulação da ação administrativa da União, dos Estados de Goiás e Minas Gerais e
do Distrito Federal” (artigo 1º). A Região Integrada de que trata a referida Lei
Complementar nº94/98 constitui a única experiência institucionalizada de cooperação
intergovernamental entre Estados federados, inspirada na sugestão constitucional do
artigo 43, visto que a RIDE congrega Municípios limítrofes de vários Estados, sob o
impulso da União. Os artigos 2º e 3º da Lei Complementar nº94/98 autorizam a instituição
de um Conselho Administrativo que coordene as atividades da RIDE a serem
desenvolvidas no âmbito dos serviços públicos comuns, designadamente aqueles
relacionados com infra-estrutura (lixo, saneamento, transportes, comunicações) e com
geração de empregos. A referida lei ainda institui o Programa Especial de
Desenvolvimento do Entorno do Distrito Federal que “estabelecerá, mediante convênio,
normas e critérios para a unificação de procedimentos relativos aos serviços públicos”
(artigo 4º). O financiamento comum da RIDE provém de recursos orçamentários da
União, do Distrito Federal, dos Estados de Goiás e Minas Gerais e dos Municípios
abrangidos pela Região Integrada (artigo 5º). Mas a iniciativa ainda é deficitária: não
existe normativa genérica relativa às regiões integradas: cada uma delas, que
eventualmente venha a ser instituída, dependerá de lei complementar específica que
discipline a gestão e prestação de serviços comuns num dado complexo geo-econômico
e social.
A agência de desenvolvimento econômico do Grande Abc
A Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC foi criada em 1998, e
tem a missão de contribuir para o desenvolvimento sustentável da região, através da
criação e implantação de projetos em diversas áreas e segmentos. Sua criação decorreu
de deliberação da Câmara Regional do Grande ABC.
A Agência é uma organização não-governamental mista, de cuja composição
participam
as
Prefeituras
dos
sete
municípios,
representadas
pelo
Consórcio
Intermunicipal do Grande ABC, as Associações Comerciais, o Sebrae, as Empresas do
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Pólo Petroquímico, as Instituições de Ensino Superior e os Sindicatos de Trabalhadores.
Todos esses segmentos estão representados no Conselho Diretor, com participação ativa
no processo decisório. Fruto da história de integração regional crescente entre
municípios, instituições públicas e privadas do Grande ABC, a Agência é uma experiência
de governança regional pioneira no Brasil.
A gestão do consórcio é absolutamente suprapartidária, isto é, quaisquer que
sejam os partidos políticos dos prefeitos, que são os membros de seu órgão soberano,
denominado Conselho de Municípios, deverá ser acatada a ordem de que o interesse
regional de medidas adotadas deve prevalecer a questões partidárias.
A agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC está vinculada à
Câmara Regional do Grande ABC, criada em 1997, como estratégia para estimular o
desenvolvimento econômico local. O órgão — que não tem personalidade jurídica, nem
orçamento fixo — é dividido em três grupos: Conselho Deliberativo, Coordenação
Executiva e Grupos Temáticos. Cabe aos grupos elaborar diagnósticos e recomendações
de ações e políticas para o desenvolvimento da região.
A Câmara reúne num mesmo espaço poder público (governo do Estado e
Prefeituras dos sete municípios) e sociedade civil para que juntos realizem um
planejamento estratégico, no sentido de equacionar e buscar soluções para a
problemática social, econômica, ambiental, físico-territorial, de circulação e de transportes
da região.
Luhmann assimila em sua teoria as mudanças que aconteceram no
plano da teoria geral dos sistemas. Uma das mudanças principais
foi a substituição do conceito sistema aberto/fechado pelo conceito
de autopoiesis. Autopoiesis significa que um sistema complexo
reproduz os seus elementos e suas estruturas dentro de um
processo operacionalmente fechado com ajuda dos seus próprios
elementos. Enquanto Maturana/Varela restringem o conceito da
autopoiesis a sistemas vivos, Luhmann o amplia para todos os
sistemas em que se pode observar um modo de operação
específico e exclusivo, que são, na sua opinião, os sistemas sociais
e os sistemas psíquicos. As operações básicas dos sistemas
sociais são comunicações e as operações básicas dos sistemas
psíquicos são pensamentos. As comunicações dos sistemas sociais
se reproduzem através de comunicações, e pensamentos se
reproduzem através de pensamentos. Fora dos sistemas sociais,
não há comunicação e fora dos sistemas psíquicos não há
pensamento. Ambos os sistemas operam fechados, no sentido que
as operações que produzem os novos elementos do sistema,
dependem das operações anteriores do mesmo sistema e são, ao
mesmo tempo, as condições para futuras operações. Esse
fechamento é a base da autonomia do sistema. Ou em outras
palavras, nenhum sistema pode atuar fora das suas fronteiras. É
válido ressaltar que o conceito da autopoiesis em nenhum momento
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vem negar a importância do meio para o sistema, pois, lembrando,
sem meio não há sistema. Autopoiesis refere-se à autonomia, o que
não significa autarquia. (MATHIS, p. 3-4)
A socióloga Laís da Costa Manso Nabuco de Araújo, em artigo publicado na
revista SP.Gov (voltada para a gestão pública), diz que "a cooperação entre os
municípios instituída pelo Consórcio do Grande ABC mostrou-se uma alternativa viável
para executar as tarefas que extrapolam a competência municipal". Ela cita como
exemplo a realização de cursos de qualificação profissional com recursos do FAT (Fundo
de Amparo ao Trabalhador), montante a que os municípios não teriam direito
individualmente já que o do BNDES destina-se a prefeituras com no mínimo 1 milhão de
habitantes. Nenhuma das sete prefeituras alcançava esse patamar; unidas, somam
quase 2,5 milhões. "A articulação intermunicipal redundaram também no fortalecimento
político dos sete municípios. Mais fortes estes passaram a negociar melhor com o Estado
e o Governo Federal, em favor das aspirações e interesses da região". (ESCUDERO,
2008).
Formação de redes sociais
As análises de redes sociais surgem como um plano intermediário de análise,
gerando mudanças de perspectiva tanto na compreensão do plano macro (da sociedade)
quanto do micro (plano dos indivíduos). No plano macro, a sociedade não é interpretada
como um sistema autônomo, internamente organizado e auto-sustentável, mas sim são
destacadas as múltiplas redes de interação social que compõem a sociedade e se
sobrepõem de modo complexo. No plano micro, os indivíduos não são tomados como
entidades pré-constituídas e bem definidas; ao contrário, destaca-se que a formação dos
próprios indivíduos ocorre por meio de interações complexas – ou seja, a noção cara à
sociologia de que o indivíduo só existe em relação social é levada ao extremo. Porém, é
importante destacar que a análise de redes sociais não constitui uma teoria e nem
tampouco um conjunto de técnicas estatísticas complexas, mas sim uma estratégia
analítica.
Segundo Hanneman (2001), um ator central no interior de uma dada rede é
aquele que, a partir de um número considerável de relações, consegue exercer grande
influência sobre os demais atores e gerar a dependência destes, controlando diversas
possibilidades de fluxos (de bens materiais e imateriais, como informações, influência,
bens, entre outras) e possuindo a capacidade de fazer escolhas dentro de seu universo
de relações – assim, a centralidade no interior de uma rede surge como conseqüência
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dos padrões de relações estabelecidos entre os atores, não é um atributo ou “posse” dos
atores.
A noção de centralidade, portanto, está associada às noções de escolha entre
diversas alternativas possíveis e de autonomia (pouca ou nenhuma dependência) em
relação aos vínculos que são estabelecidos com atores específicos. Transportando essas
definições para o campo societário, podemos dizer que um ator central é aquele que
conta com uma densa malha de relacionamentos, que dispõe de forte capacidade de
articulação e agregação de interesses, funcionando como referência e gerando, muitas
vezes, a dependência de atores mais periféricos, com os quais estabelecem relações
assimétricas em termos de poder.
Por outro lado, os atores periféricos no âmbito do campo societário são aqueles
que ocupam nichos específicos, que são fortemente dependentes das relações que
estabelecem com os demais atores – especialmente os mais centrais – de modo a
alcançar outros espaços nas redes e ter acesso a informações, redes de financiamento,
dentre outros; além disso, esses atores tendem a ter atuação bastante localizada.
Para Tomaél e Marteleto (2006), as redes sociais expressam o mundo em
movimento que, conforme Molina e Aguilar (2005), é um mundo que não entendemos.
Isto porque redes sociais referem-se a um conjunto de pessoas (ou organizações ou
outras entidades sociais) conectadas por relacionamentos sociais, motivados pela
amizade e por relações de trabalho ou compartilhamento de informações e, por meio
dessas ligações, vão construindo e re-construindo a estrutura social.
Os sistemas sociais usam a comunicação como seu modo
particular de reprodução autopoiética. Seus elementos são
comunicações que são... produzidas e reproduzidas por uma rede
de comunicações e que não podem existir fora dessa rede. (Niklas
Luhmann, 1990 apud Curvello, 2001)
Ainda, segundo Tomaél e Marteleto (2006), no ambiente das redes o
compartilhamento de informação e de conhecimento entre as pessoas é constante, pois
as pessoas freqüentemente gostam de compartilhar o que sabem. Para Dixon (2000), se
quisermos que as pessoas de nossa organização compartilhem o que aprenderam,
devemos criar condições que as beneficiem pessoalmente. Ainda segundo a autora, as
pessoas sentem-se valorizadas quando há interesse de conhecer sobre sua expertise.
A dimensão de significado é crucial para entender as redes sociais.
Mesmo quando geram estruturas materiais – tais como bens
materiais, artefatos ou peças de arte – essas estruturas são muito
diferentes daquelas produzidas pelas redes biológicas, pois são
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geralmente produzidas para um propósito, de acordo com algum
projeto, e abarcam algum significado. À medida que as
comunicações continuam em uma rede social, elas formam ciclos
de retro-alimentação múltiplos que, no final, produzem um sistema
compartilhado de crenças, de explicações e de valores – um
contexto de significado comum, conhecido como cultura que é
continuamente sustentado por novas comunicações. Através da
cultura, os indivíduos adquirem identidade como membros da rede
social, e, desta forma, a rede gera suas próprias fronteiras.
(CAPRA, 2007, p. 8)
A disposição em compartilhar e o compartilhamento eficiente de informação entre
os atores de uma rede, asseguram ganhos, porque cada participante melhora, valendose das informações às quais passa a ter acesso e que poderão reduzir as incertezas e
promover o crescimento mútuo. Segundo Yu, Yan e Cheng (2001), cada ator tem muita
informação sobre sua situação, mas não tem informação sobre outras situações. Para
reduzir a incerteza e consolidar a parceria, os atores precisam ter mais informações
confiáveis de seus parceiros. Assim todos ganham, porque cada ator pode construir
alicerces e desenvolver novas ações tendo como base as informações compartilhadas.
Considerações finais
O objetivo maior deste artigo foi apresentar e descrever a aproximação entre a
cooperação intergovernamental e a formação das redes sociais a partir da visão
luhmaniana, sem adentrar no mérito da rede social formada pela Agência de
Desenvolvimento Econômico do Grande ABC. Tal estudo, pode ser aprofundado em um
segundo momento, para um melhor entendimento das teorias sociais de Niklas Luhmann.
De toda forma, percebe-se que as teorias sociais na visão de Luhmann podem ser
facilmente aplicadas ao estudo das redes sociais e das interações existentes no cenário
sócio-político e econômico, seja no âmbito macro (global) ou micro (local).
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