Martin Buber e a Filosofia do Diálogo

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Martin Buber e a Filosofia do Diálogo
É inegável a relevante contribuição de Martin Buber para a Filosofia
Contemporânea, como também a atualidade de sua obra. Encontramos nele
um pensamento com profundidade tão sagaz que é inevitável não
considerá-lo original a uma Filosofia, cuja preocupação central é o ser
humano, a Antropologia Filosófica. O nosso filósofo fundamentou e
desenvolveram com pertinência _ em seus vários livros e, principalmente,
em Eu e Tu _, acepções como princípio dialógico, encontro, entre, palavraprincípio e inter-humano. E mesmo reconhecendo as influências recebidas
de outros filósofos, o seu pensamento é possuidor de um élan particular.
A Filosofia do Diálogo de Buber evoluiu do seu notável interesse pelas
questões religiosas. Influenciado pelo Hassidismo _ cuja idéia mais
importante afirma que Deus faz morada no ser humano, ou seja, dialoga
com sua criação _, o filósofo austríaco-judeu utilizou o conceito de relação
para designar aquilo que, de essencial, acontece entre os seres humanos e
entre o homem e Deus. Entretanto, o cerne do pensamento buberiano
esteve direcionado mais precisamente ao problema do homem como ser de
relação, como ser aberto ao diálogo com o Tu.
Em sua análise a respeito da problemática do homem, Buber enfrentou a
atitude do individualismo e do coletivismo, afirmando que o primeiro só
entende uma parte do homem e o segundo entende o homem só como uma
parte. Para ele nenhum dos dois alcança a totalidade. O individualismo vê
o homem em relação consigo mesmo, e o coletivismo nem vê o homem,
pois vê apenas a “sociedade”. O primeiro distorce o rosto do homem, o
segundo o mascara. Consoante o nosso filósofo, ambos são a expressão e
conclusão da união do abandono cósmico e social, do medo do universo e
da vida, que tem por resultado uma constituição existencial de solidão tal
como nunca existiu antes.
Mas, para Buber, somente quando o indivíduo conhece o outro em toda a
sua alteridade como a si própria, como homem, experiência a partir da
qual irrompe na direção do outro, conseguirá romper sua solidão, em um
encontro estrito e transformador. Ele insiste que o fato fundamental da
existência humana não é nem o indivíduo, como tal, nem agregado como
tal. Cada uma dessas categorias, considerada em si, não passa de uma
abstração. O indivíduo é um fato da existência, só na medida em que ele se
coloca em uma relação viva com outros indivíduos. O que é peculiarmente
característico do mundo humano é, antes de tudo, que nele algo acontece
entre um ser e outro. A característica existencial do mundo humano é
enraizada no voltar de um ser em direção do outro para comunicar-se
dentro de uma esfera comum, mas que ao mesmo tempo transcende a
esfera especial de cada um. Essa categoria existencial é a categoria
relacional do entre, que é estabelecida a partir da existência do homem. É
essa categoria primordial da realidade humana.
Para exprimir a realidade, que liga o homem ao homem, Buber criou o
termo especial zwischenmenschlich (entre os homens ou inter-humano).
No inter-humano um sujeito se defronta efetivamente com o outro, e nesse
confronto, que não é simples experiência psicológica, há uma realidade em
que os dois sujeitos convivem. Como enfatizamos, a principal característica
dessa esfera é a espontaneidade, em que toda aparência, toda
“dissimulação” seria fatal. No inter-humano a verdade assume uma
dimensão quase corpórea, pois, o homem se comunica com o outro naquilo
que eles são. Somente assim a intercomunicação existencial se torna
possível, isto é, o diálogo autêntico, em que o outro se afirma como aquilo
que realmente é e se confirma em sua natureza de criatura.
No pensamento buberiano a existência do homem emerge do diálogo, do
encontro dialógico, da esfera do inter-humano. Consoante essa análise, o
diálogo determina a palavra como a interação entre homens, trata-se de
uma categoria antropológica, porque instaura o desvelar do entre - dois,
do Eu e Tu. No diálogo a palavra não é mais logos, puramente anunciador,
pois fundamenta a existência; ela vai além da subjetividade, estabelecendo
uma dimensão ontológica _ o inter-humano. O logos não é simplesmente
razão, princípio de ordem, porém em virtude de seu vínculo essencial com
a práxis, ele é a palavra responsável pelo desvendar da existência humana
como coexistência. O ser humano existe mediante o encontro, a relação.
O homem como ser-ao-mundo não é um ser-em-si, mas essencialmente
uma abertura. Ele é abertura graças à palavra originária. O homem
instaura o emergir dinâmico de sua existência pela palavra. Como
manifestação do si mesmo, o logos torna-se uma abertura ao outro, dialogos. E somente quem toma a decisão de proferir a palavra da relação, a
palavra-princípio Eu-Tu, poderá fundar o “nós essencial”, do autêntico
inter-humano. Aproximação, contatos, experiências e reações comuns
definem o social, este implica um estar-um-ao-lado-do-outro, enquanto
que proximidade, relação dialógica, responsabilidade, decisão, liberdade,
presença no face a face definem o inter-humano que é o estar-junto-como-outro.
Mas Buber observa na humanidade uma profunda crise, causada por uma
ruptura que separa os homens uns dos outros. E isto demonstra a
atualidade da Filosofia do Diálogo quando colocada diante da sociedade
individualista e consumista do nosso tempo. Consoante Zuben, Buber
previu uma nova tarefa que se apresentou ao pensamento humano e aspira
à implantação de uma nova dimensão do mundo, a dimensão dialógica no
homem (ZUBEN, 2003: 210).
As grandes transformações e os avanços tecnológicos que caracterizaram
o século XX trouxeram em seu bojo muitas vantagens e também grandes
ameaças. A sociedade contemporânea naufraga em um grande mar de
desprovidos, de milhões de miseráveis do sul subdesenvolvido sucumbindo
às margens do norte desenvolvido. As injustiças sociais, o desemprego, a
violência, a fome, as guerras e os desastres ecológicos, por exemplo,
apontam para uma situação degradante. O planeta corre o risco de entrar
em colapso.
Inúmeras pesquisas apontam que a doença do início do século XXI é o
stress conjugado a depressão, e isto ocorre como conseqüência do
enfraquecimento das relações humanas e da “obrigação diária”
estabelecida pelo mercado de as pessoas provarem que são competentes.
Assistimos atualmente a um processo de enrijecimento gradual do
individualismo. Os avanços tecnológicos e o crescimento das cidades têm
ocasionado o isolamento das pessoas em detrimento do encontro e do
diálogo com o outro. Podemos caracterizar o homem deste início de século
como um ser isolado, preocupado consigo e longínquo da realidade em seu
torno.
Não queremos, ao apresentar os problemas citados acima, firmar uma
acepção pessimista sobre o homem atual, mas enfatizar como ele vem se
distanciando de um princípio relevante para sua própria realização
enquanto ser humano, a relação. O homem atual restringe-se a proferir a
palavra-princípio Eu-Isso, colocando-se diante das coisas em vez de
confrontá-las no fluxo da ação recíproca, preferindo um relacionamento
unidirecional entre o Eu (egótico) e um objeto manipulável (lsso). Buber,
contudo, posicionou-se de maneira radical ao quando analisar a atitude EuIsso. Para ele “aquele que vive somente com o Isso não é homem”
(BUBER, 1977: 39).
O sujeito humano atinge o seu ser através do “proferir Tu” (Dusagen) e
não do “proferir Isso”; em outras palavras, isto significa que o homem
atinge o seu ser pela relação. O homem, na relação Eu-Tu, integra-se
completamente com o mundo, em uma totalidade caracterizada pelo
envolvimento,
pela
integração
dos
opostos,
desaparecendo
as
peculiaridades e contradições individuais. “A palavra-princípio Eu-Tu só
pode ser proferida pelo ser na sua totalidade. A união e a fusão em um ser
total não pode ser realizada por mim e nem pode ser efetivada sem mim. O
Eu se realiza na relação com Tu; é tornando Eu que digo Tu” (BUBER, 1977:
13). Depois de escutarmos as palavras de Buber podemos considerar que o
homem sem o homem é, por assim dizer, um nada e que o abandono do
encontro com o outro poderá conduzir o homem a um abismo cruel.
Para Zuben, na obra buberiana a volta à segurança, o reencontro com o
verdadeiro destino que a humanidade descobriu para si serão assegurados
(tal é a esperança que alimenta a mensagem buberiana) pela vida em
diálogo (ZUBEN, 2003: 210).
Com efeito, é necessário reafirmar a necessidade de estudos consistentes
sobre a filosofia de Buber, que a aproxime da atualidade. Analisar a obra
de Buber é adentrar um pensamento que _ não sendo uma doutrina, mas
por sua sintonia com a vida e com o cotidiano _, é uma chama acesa posta
diante dos olhos do homem atual, com intuito de alertá-lo e, até mesmo,
de guiá-lo à profundidade daquilo que o torna ser humano, a relação. A
relação, em suma, além de ser o princípio (no princípio é a relação) é
também a contínua atitude instauradora do ser do homem, o ser humano,
o Menschen-sein.
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Referências Bibliográficas
BUBER, Martin. Eu e Tu. Tradução de Newton Aquiles von Zuben. São
Paulo: Cortez e Moraes, 1977.
SANTOS, Rudinei Borges. No principio é a relação: encontro e diálogo no
pensamento de Martin Buber. 2005. Trabalho de Conclusão de Curso
(Licenciatura Plena em Filosofia). Centro Universitário Assunção/São
Paulo.
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