4 As funções do pronome lhe - DBD PUC-Rio

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4
As funções do pronome lhe
Neste capítulo começaremos a propor hipóteses de análise que possam
justificar o porquê de preferirmos certas posições teóricas e gramaticais encontradas
em algumas obras: LD, GP e GT e, ao mesmo tempo, explicar por que discordamos
de tantas outras que se encontram nestas mesmas obras.
Ressaltamos que nossa preocupação agora não será com as divergências
encontradas entre tais obras, pois isto é um fato, conforme demonstrações presentes
no capítulo 2. Procuraremos discutir mais pontualmente os principais impasses acerca
das funções do pronome lhe, que costumam criar dúvidas quando aprendemos e/ou
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ensinamos tais funções. Afinal, o lhe nos LD e GP pode aparecer como: objeto
indireto, adjunto adnominal e complemento nominal, sem que para isso haja critérios
claros ou pelo menos compatíveis com as propostas sugeridas por tais obras.
Assim, a partir das considerações preliminares que fizemos nos capítulos
anteriores, prosseguiremos nossa viagem, objetivando, ao final do percurso,
responder algumas das indagações que nos fizemos no início do trabalho.
4.1
Aspectos Diacrônicos
Antes de entrarmos no mérito de cada função atribuída ao pronome lhe,
vamos falar um pouco de sua história, pois acreditamos que isto dará maior suporte às
análises que vamos fazer depois.
Como já dissemos em outras ocasiões o lhe é um pronome de terceira pessoa
e, conforme Silveira (1972, p.119), entre outros, os pronomes de 3ª pessoa (3P e 6P)
provêm do demonstrativo latino ille, illa e conservaram no português vestígios de
casos, isto é, há formas específicas para as diversas funções sintáticas. Observe-se o
quadro a seguir:
•
3ª pessoa do singular (3P)
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Nominativo Ïlle (masc.) > êle, el (arc.); ïlla (fem.) > ela.
Genitivo
Illus (nada produziu em português).
Dativo
Illi > (i)li > li > lhi * > lhe (masc. fem.)
Ablativo
Illo, illa (nada produziram em português)
Acusativo
Illum (masc) > (i)lu > lo > o ; illam (fem.) > la > a
*conf. Leite de Vasconcelos, Lições de Filologia, p.52.
A título de complementação ou mesmo ratificação do quadro anterior,
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observe-se o que Williams (1938, p.158) diz:
"Então lhe, veio a ser usado como forma dativa regular, substituindo li. E lhi,
variante de lhe, brotou da influência de li, e de mi e de ti, que por essa época ainda
eram usadas como formas conjuntivas do pronome."
Assim, considerando a forma imediatamente anterior ao lhe, temos o lhi.
Vejam-se um exemplo do uso desta forma, no português arcaico:
"me lhi leixe tanto dizer"
(Fernão Velho, Cancioneiro da Vaticana, publicado por E.Monaci, poesia 54)
Fica fácil entender o porquê de associarmos o lhe à função de objeto indireto.
Afinal, há uma tendência muito grande de associarmos o caso latino à função
sintática do termo em português.
•
Vejamos agora, o que aconteceu com a 3ª pessoa do plural (6P):
Nominativo Illi, illae (nada produziram em português). O plural êles, elas, é
feito de êle, ela, com a desinência -s, característica do plural em
português)
Genitivo
ilorum(masc.), illarum (fem.) nada produziram em português).
Dativo
illis (masc. e fem.) nada produziram em português).
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Ablativo
iIlis (nada produziu em português).
Acusativo
illos > (i)los > los > os; illas > (i)las >las > as.
No caso da terceira pessoa do plural, podemos perceber que o dativo não
gerou nada em português, contudo como explicar a forma lhes? Na verdade o lhes,
que é chamado por Silveira (1972) "de nosso dativo", funciona sintaticamente da
mesma maneira que o lhe (singular). No entanto, sua flexão não acontece a partir da
declinação latina, mas a partir do próprio lhe, ou seja, com a inserção do morfema
desinencial indicador de plural -s, que é uma característica morfológica do português.
Se observarmos os dois quadros, notaremos que com o nominativo aconteceu
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fenômeno semelhante. O nominativo illi, illae (6P), não produziu nada em português,
embora, a forma plural para eles e elas exista. Assim, observando as orientações dos
quadros, podemos verificar que o plural eles, elas, é feito de ele, ela, com a inserção
da desinência -s, morfema indicador de número.
Da mesma forma, o antigo lhe servia e ainda serve nas combinações do tipo lho,
que pode eqüivaler a lhe + o e lhes + o. Vejam-se os exemplos:
[22]- "tomando-lhe o novêllo das mãos n'um instante desembaraçou o fio e lho tornou
a entregar.
(Garrett, Viagens, 74)
[23]- "Jesus, porém, não lho permitiu, mas ordenou-lhe: Vai para tua casa, para os
teus."
(Bíblia, Marcos, cap. 4, vers. 19)
[24]- "(...)e estas danças eram a soom dumas longas que estonce husavom, sem
curando doutro estormento posto que o hi ouvesse, e se alguma vez lho queriam
tanger, logo se enfadava dele"
(Lopes, Cap. XIV, p.17)
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Por intermédio desta rápida incursão etimológica a respeito do lhe, pudemos
verificar que tal termo vem há muito tempo se transformando e assumindo um
comportamento peculiar no corpus da língua portuguesa. Vale ressaltar que apesar do
longo período que se levou para a existência do lhes, nos termos mencionados
anteriormente, encontramos ocorrências do lhe dativo, substituto de substantivo,
porém, funcionando tanto para singular quanto para plural. Vejam-se os exemplos a
seguir do séc. XV, extraídos da Crestomatia Arcaica de J.J. Nunes:
[25]- "Em aquesta estoria, o doctor nos ensina que nom deuemos ajudar os maaos
homëes quamdo os veemos en algüus prejgos, por que, sse algüu bem lhe fazemos,
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sempre d'elles aueremos maaos mereçimentos, como fez esta coobra, que deu maao
galardom áquel que a liurou do prijgo da morte"
(Fábula : O vilão que recolhe a serpente).
Neste exemplo o lhe funciona como objeto indireto e se refere aos "maaos
homëes", que está no plural.
Outro exemplo:
[26]- "per esta hestoria o douctor nos demostra que nós nom deuemos d'ajudar os
maaos homës, porque os maaos nom agradecem, nem som conhocentes do bom
seruiço que lhe outrem faz, mais muitas vezes dam maao grado a quem lhe faz bom
seruiço"
( Fábula: O lobo e a grua).
Aqui, temos duas ocorrências do pronome lhe, e ambas estão se referindo à
expressão "os maaos homës", que está no plural. A este respeito Oiticica (1926,
p.177) já afirmava que "no antigo português, a forma lhe era geralmente invariável."
O mesmo fenômeno ainda ocorre com o lhe no séc. XVII. Vieira usa o lhe
invariável com referência ao singular ou plural. Paralelamente, em outros momentos
flexiona este pronome da mesma maneira que se faz no português moderno, como se
verifica a seguir:
40
[27]- "Somos como os que navegando com vento, e maré, e correndo
velocíssimamente pelo Tejo acima, se olham fixamente para a terra, parece-lhe que
os montes, as torres, e a cidade é a que passa; e os que passam são eles."
(Vieira. Sermões, V, 20, 1689).
[28]- "Não lhe fora melhor a Sichem não ver a Diana"
(Vieira. Sermões, I, 890, 1689).
[29]-"(...) e se S.M. lhes confiscar o que têm furtado, eu lhe prometo que lhe renda
mais esta confiscação de poucos sujeitos que o novo tributo de todo reino (...)"
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(Vieira. Carta ao Marquês de Gouveia, 1662).
É no século XVII que se firma no português a flexão de plural deste pronome.
O que queremos demonstrar com exemplos do português arcaico e outros
mais recentes é o fato de que a utilização da forma lhes demorou a acontecer. No
entanto, isso não impediu que o lhe para singular e plural funcionasse perfeitamente.
A este respeito, veja-se o comentário de Dias (1959, p.70):
"No português arcaico médio é freqüente a forma lhe como plural, e ainda é
muito vulgar na linguagem do povo; ocorre ás vezes nos proprios escriptores
modernos, nomeadamente em Bocage, e é a forma que tem de empregar-se na
combinação com o pronome o "
Veja-se o exemplo citado por Dias:
[30]- "Deixão dos sete ceos o regimento / Que do poder mais alto lhe foi dado"
(Os Lusíadas, I, 21)
Note-se que Dias dá o testemunho, de que, ao seu tempo, a forma lhe como
plural é corrente na fala popular e ainda ocorre em autores modernos.
41
4.2
Objeto indireto
Certamente a função sintática do lhe mais freqüente nos LD, GP e GT é a de
objeto indireto. E este fato tem uma explicação básica que já mencionamos
anteriormente, no subtítulo 4.1. O pronome lhe, foi originado do dativo latino que
tem uma espécie de função paralela à do complemento indireto do português. Do
mesmo modo o status de complemento é garantido, pois o lhe preenche perfeitamente
o espaço exigido pelo verbo. Concomitantemente, a preposição implícita no lhe
propicia que a complementação seja considerada indireta, ou seja, complemento1
indireto. Por tudo isso, não há a menor dúvida de que o lhe pode funcionar como
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objeto indireto.
Vejam-se as afirmações de alguns autores a respeito desta função sintática:
1- "Como complementos indiretos átonos empregam-se: me, te, lhe, nos, vos, lhes
e se(reflexo)"
(Dias, 1959, p.69)
2- " O pronome pessoal oblíquo lhe (lhes) funciona como objeto indireto"
(Paschoalin, 1989, p. 195)
3- "Lhe com seu plural é a forma de dativo (objeto indireto)"
(Said Ali. 1964, p.94)
4- "Objeto indireto é o complemento que representa a pessoa ou coisa a que se
destina a ação, ou em cujo proveito ou prejuízo ele se realiza. Aponte-se-lhe os
seguintes caracteres típicos: a) o ser encabeçado pela preposição; b) o
1
Rocha Lima fala também do termo "complemento relativo". O que poderia aumentar a
quantidade de classificações para o lhe. No entanto, em sua Gramática Normativa da Língua
Portuguesa ( RJ, 9ªed., 1963, p.244), ele descarta esta possibilidade: "Complemento relativo é o
complemento que, ligado ao verbo por uma preposição determinada (a, com, de, em, etc.), integra, com
valor de objeto direto, a predicação de um verbo de significação relativa. Distingue-se nitidamente do
objeto indireto pelas seguintes circunstâncias: a) não representa a pessoa ou coisa a que se destina (...);
b) não corresponde, na 3 ª pessoa, às formas pronominais átonas lhe, lhes, mas às formas tônicas ele,
ela, eles, elas, precedidas de preposição.
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corresponder, na 3ª pessoa, às formas pronominais átonas lhe, lhes; c) o não
admitir - salvo raríssimas exceções - passagem para a voz passiva".
(Lima, 1963, p.240)
5- "Exemplo: Entreguei-lhe a encomenda(...) Nesse exemplo, o objecto indireto é
expresso pelo pronome lhe pessoa a quem entreguei, a ele, a ela. O mesmo ocorre
com os pronomes me, te, se, nos, vos, quando equivalem a mim, a ti, a ele, a nós,
a vós, a êles"
(Oiticica, 1926, p.177)
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6- "a forma lhe é privativa daqueles verbos ativos em que a ação culmina num
objeto, dito indireto"
(Câmara Jr., 1976, p.108)
Observem-se alguns trechos em que o lhe funciona como objeto indireto, e
verifique-se que tal uso é muito antigo, observando os primeiros exemplos:
[31]- "(...) queria tolher sua caça e disselhe: "tornadeuos, senam sodes morto."E
Glifet nom se quis tornar por el, ca mujto desejaua dar cima aaquela caça."
(Episódio: "Besta Ladrador"- Demanda do Santo Graal- Manuscrito do séc. XIII)
[32]- "(...) e ali lhe disse o pobre, se escapar quiria, que vestisse os seus fatos rotos, e
assi de pee andasse quanto podesse ataa estrada que ia pera Aragom (...)"
(Lopes, Crônica de D. Pedro I, Séc. XV, Cap. XXXI)
[33]- "(...) Falsas manhas de viver, / muito por sua vontade, / senhor, que lhe hei-defazer?"
(Vicente. Auto da Feira, Séc. XVI)
[34]- "Aos avarentos, não lhes devo nenhuma gratidão."
(Sarmento, 2000, p.348)
43
Assim, concordamos com os LD e GP que afirmam que o lhe é um objeto
indireto e acreditamos que esta afirmação poderia ser introduzida já no momento em
que se estivesse tratando o lhe como pronome pessoal e substantivo. Posteriormente,
esta afirmação poderia ser retomada quando o assunto objeto indireto fosse tratado, e
não em parte estanque desvinculada do assunto, como às vezes acontece. Pode
parecer irônico, mas acreditamos que o esquema apresentado por Oiticica
(1926, p.26) , em seu Manual de Análise, serviria para este fim, apesar de ter sido
apresentado no início do século XX. Ele coloca ao mesmo tempo categoria gramatical
e sua possível função. Observemos a reprodução do quadro:
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PRONOMES PESSOAIS
PRONOMES SUBJETIVOS
PRONOMES OBJETIVOS
1 ª Pes.
DIRETOS:
1ª pess.: me, nos
2ª pess.: te, vos
3ª pess.:
. com quem se fala:
você, o senhor, V.
Ex.
. de quem se fala:
se, o, a, os, as.
eu, nós
2ª Pes. 3ª Pes.
1- Com quem se
Tu,
fala: você, o
vós
senhor, V. Ex.,
etc.
2- De quem se fala:
ele, ela, eles,
elas.
ADVERBIAIS
INDIRETOS: comigo,
me, mim, te, consigo,
ti, se, si, lhe, convosco.
lhes, a ele, a
ela, a eles, a
elas, a você,
etc.
contigo,
conosco,
Vale ressaltar que o ponto que nos interessa especificamente é a tentativa que
Oiticica faz de associar as categorias gramaticais às suas possíveis funções. Assim, o
aluno já poderia fazer algumas inferências antes mesmo de trabalhar com as funções
sintáticas propriamente ditas. Não podemos esquecer, no entanto, que a aplicabilidade
mais efetiva do quadro depende de algum tipo de contextualização dos pronomes que
nele aparecem.
Acrescentamos que a decisão dos LD, GP e GT classificarem o lhe como
objeto indireto, ocorre provavelmente porque tais obras recorrem à norma da língua
para fazer tal opção. E isto é bastante compreensível. No entanto, como já pudemos
perceber, através das transformações morfológicas e da vulnerabilidade do lhe diante
do uso, nem sempre as orientações do registro culto o determinam. Em outras
palavras, nossa hipótese parte do fato de que existe um conjunto de regras propostas
44
pela norma culta que controlam e determinam o que é correto ou não. Porém, por
vezes, o uso, a necessidade, são capazes de sobrepujar tais regras. Nesse sentido,
podemos parafrasear o que é dito por Alves (1990, p.6), pois não acreditamos que a
língua, "patrimônio de toda uma comunidade lingüística", despreze a capacidade
criativa do falante, que em busca de comunicar-se pode dar às estruturas gramaticais
funções novas.
4.2.1
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"Lhe-ismo"
Pelo que concluímos até aqui ninguém discute que o lhe é dativo, logo, objeto
indireto. Porém, o que fazer diante de construções como:
[35]- "Olha, seu Laio, eu lhe chamei para lhe aconselhar"
(fala de um personagem, Guimarães Rosa, Sagarana, p. 81)
[36]- "Senão é, diga. Ou lhe amasso."
(fala de um personagem, Jorge Lima, O Anjo, 141)
[37]-"Aquilo ia-lhe roendo por dentro.(p.20)
Como mudaste meu bem! mirava-lhe" (p.23)
(Marques Rebelo, Oscarina)
[38]-"(...)o dono está na frente lhe esperando e, se você não enxerga o dono, o dono
lhe enxerga e o azar é seu"
(Raquel de Queiroz, Passeio a Mangaratiba, em "Diário de Notícias", 11.4.1954, p.1)
Certamente, nestas construções que não são raras, o lhe, embora continue
sendo um complemento, passa a responder a pergunta de um verbo transitivo direto.
45
Logo, assume papel acusativo e não dativo. Então, o que fazer diante deste fenômeno
lingüístico?
Os espanhóis chamam de leismo o emprego da forma le do pronome de
terceira pessoa, como única no acusativo masculino singular (Dicionário da Real
Academia). E, por analogia, conforme Nascentes (1990), criamos a palavra lheismo
para designar, no português do Brasil, o emprego da forma lhe como objeto direto2.
Para o espanhol também há uma distinção: la e lo como formas regulares para o
acusativo, e le para o dativo. Mas observe o que diz
a Gramática Histórica
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Espanhola, no parágrafo 94:
"En el uso las funciones del dativo y acusativo, aparecem bastante confundidas; el
leismo domina en Castilla, atribuyendo a le funciones del acusativo, masculino lo, y
aün se extiende al plural diciendo les por los."
A própria Gramática de la lengua esnpañola por la Real Academia Española,
parágrafo, 219 e 246, admite le como acusativo, confirmando assim a possibilidade
do leismo.
Na mesma direção, Nascentes (1990) afirma que o le espanhol é um
correspondente do lhe português e que o funcionamento do lhe como acusativo é
bastante recorrente aqui no Brasil. Para ele, na linguagem corrente, o emprego de lhe
dativo se atenuou, usando-se de preferência as expressões a ele, para ele, a você,
para você, que é uma tendência analítica da língua. Este foi um ponto que contribuiu
para o enfraquecimento do lhe como exclusivo dativo. Ao mesmo tempo, por conta
da analogia, que é uma das grandes necessidades da língua, foi sendo utilizado o lhe
para completar a uma série, ao lado de me e te.
"me e te servem para acusativo e dativo. A lhe, da terceira pessoa, dativo,
corresponderia o, a, para acusativo. Que fez a língua? Para uniformizar, deu a lhe a
função de acusativo e assim ficou: me acusativo e dativo e lhe, também, acusativo e
dativo."3
2
GÓIS, Carlos, in: Sintaxe de Regência, 4ª ed., p.149, classifica estes casos como solecismo de
regência: "d) o emprego do pronome pessoal oblíquo lhe por o, a: Eu 'lhe' vi - por - eu o vi - Nós 'lhe'
admiramos muito - por - Nós o admiramos muito"
3
NASCENTES, Antenor. Estudos Filológicos, Vol. II,RJ, 1990, p.172
46
É compreensível que o uso coloque no mesmo patamar lhe, me, te, apesar de
suas diferenças semânticas e morfológicas, pois em termos sintáticos eles
desempenham papéis semelhantes se levarmos em consideração os exemplos
demonstrados: [35], [36], [37] e [38]. Portanto, se o me e o te podem ser acusativo e
dativo, por que o lhe também não o pode, se suas diferenças não comprometem o seu
aspecto funcional ?
Assim, o aspecto acusativo do lhe é característico do português do Brasil e
atinge na linguagem formal os falantes das camadas mais cultas. Tal fato foi
observado por estudiosos que se ocuparam do português do Brasil, entre os quais
destacamos: Antenor Nascentes, Clóvis Monteiro, Gladstone Chaves de Melo, Sílvio
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Elia entre outros. Do mesmo modo, Paiva Boléo4, português, e Paul Teyssier5,
francês, registram essa característica do português brasileiro.
De acordo com o exposto, podemos dizer que a língua, despreocupada com a
norma gramatical, ajustou-se ao uso e permitiu que o aspecto funcional do lhe fosse
mantido. Veja o que diz a Real Academia Española, no parágrafo 246:
"pero el uso, que procede siempre, no a capricho, sino seguiendo certas leyes que
no es del caso exponer aquí, assimiló la forma le a sus análogas me y te, y empleó
como dativo y como acusativo indiscriminadamente..."
Nascentes (1990, p.173) traz um exemplo magistral a respeito disto, através de
um trecho de obra de Machado de Assis:
[39]- "Machado de Assis, em sua crônica de A Semana, de 5 de Agosto de 1894,
conta um caso referente a uma tal Martinha. A folhas tantas diz: Martinha,
indignada, mais ainda prudente, disse ao importuno: 'não se aproxime, que eu
lhe furo'. Mais adiante, à guisa de comentário, acrescenta: palmatória dos
gramáticos pode punir esta expressão, não importa, o eu lhe furo traz um valor
natal e popular, que vale por todas as belas frases de Lucrécia."
4
5
BOLÉO, Manuel de Paiva. Brasileirismos (Problemas de Método). Coimbra Editora, 1943.
TEYSSIER, Paul. História da Língua Portuguesa. Lisboa: Sá da Costa, 1987.
47
Diante das considerações feitas, não podemos negar a possibilidade do lhe ser
objeto direto, no português brasileiro, sobretudo na linguagem coloquial. Pois, às
vezes, o usuário da língua faz as escolhas que considera mais eficientes para obter
comunicação, mesmo que isso contradiga a gramática normativa.
Assim, duas questões estão em jogo: primeiro o fato de um pronome poder
funcionar com função sintática não prevista nos LD, GP e GT; e a outra é verificar se
tal modificação é motivada por uma vontade implícita do falante de contradizer as
regras (o que nos parece um exagero), ou se o uso faz as alterações independente das
regras pré-estabelecidas pela norma.
De fato, independentemente do pronome lhe receber o nome de objeto direto
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ou objeto indireto, seja com esta ou aquela classificação, ele ainda funcionará como
um complemento. E, por isso, não deixa de desempenhar seu papel no discurso:
responder à pergunta feita pelo verbo. Graças ao apelo funcional e comunicativo do
discurso, o falante vai preenchendo os espaços solicitados pelo verbo de acordo com
as exigências comunicativas, sem que para isso tenha que observar as regras
normativas específicas de cada pronome.
O que estamos querendo sustentar, na verdade, é que o motivo de chamarmos
o lhe de objeto direto ou indireto, seria uma análise centrada num aspecto
classificatório do termo, procedimento muito recorrente nos LD e GP. No entanto,
esta atitude deveria atenuar-se em favor de uma análise funcional das estruturas.
Contudo, para que nossa posição diante do fato não pareça indecisa, esclarecemos:
apesar de aceitarmos a classificação do lhe como objeto indireto e objeto direto,
temos a convicção de que sua função decisiva é desempenhar o papel de
complemento.
Acreditamos piamente que o reconhecimento do desempenho do lhe como
dativo ou acusativo nos mostra que classificá-lo como objeto indireto ou direto é um
procedimento secundário, pois esta distinção não acrescenta quase nada, em termos
práticos. Principalmente quando se pensa em ensino e aprendizagem. Portanto, antes
de nos preocuparmos com a classificação objeto indireto ou direto, devemos
reconhecer que o pronome lhe é um complemento.
48
Ratificando nossa posição, afirmamos que seja o lhe objeto direto ou indireto,
o que interessa realmente é que sua função e sua importância estão garantidas se
considerarmos que antes de tudo ele é um complemento exigido por um termo
regente. Isto é, o lhe é um complemento.
4.3
O suposto lhe Adjunto Adnominal
Antes mesmo de entrar no mérito da questão, um ponto deve ser lembrado:
alguns podem achar que a utilização do pronome lhe como possível adjunto
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adnominal seja um fato recente na língua, ou mesmo que este uso esteja ligado à
modernidade. No entanto, na verdade, esta ocorrência é muito mais antiga do que se
possa imaginar - Vale explicar que estamos falando da ocorrência do fenômeno na
língua e não da classificação que é dada a tal fenômeno. Observe os exemplos:
[40]- "Sem que nisso a desgoste ou desenfade,
Quantas vezes, seguindo-lhe as passadas,
Eu vejo-a, com real solenidade,
Ir impondo Toilettes complicadas!..."
(Cesário Verde,Séc.XIX)
[41]- "Deixa-lhe os calos, deixa-lhe a catinga;
Eis entre os lusos o animal sem rabo
Prole se acalma da rainha Ginga"
(Bocage, Séc. XVIII ).
Quanto ao aspecto cronológico que mencionamos acima, estes dois exemplos
são suficientes para mostrar que o uso do lhe nestas condições não é algo novo. E, se
estes trechos aparecessem em alguns dos LD ou GP pesquisados, provavelmente a
classificação do lhe, enquanto função sintática, seria adjunto adnominal. Do mesmo
modo, se estes trechos fossem submetidos à análise de Oiticica(1926), provavelmente
49
o tratamento seria semelhante ao dos LD e GP em questão. Para ele os pronomes
objetivos indiretos: lhe, lhes (conforme quadro apresentado no subtítulo 4.2), quando
puderem ser substituídos por pronomes possessivos vão constituir adjuntos
denotativos dos nomes com os quais se relaciona. Estes adjuntos denotativos
pertencem a uma categoria considerada por ele de função adjetiva, e,
consequentemente, muito mais próxima da classificação dos LD e GP que
denominam os pronomes com tais características de adjuntos adnominais. Vejamos o
exemplo trazido por Oiticica (1926):
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[42]- "Arranquei-lhe o capacete da cabeça"
Observemos agora o comentário do exemplo [42], feito pelo próprio Oiticica (1926):
"Nesse exemplo o pronome lhe não é objeto indirecto; é empregado
idiomàticamente como adjunto atributivo de cabeça e corresponde a: arranquei o
capacete da cabeça DELE. O mesmo se pode dar com os pronomes me, te, nos,
vos."
Muitos LD e GP tratam deste assunto, e a maioria considera o lhe um adjunto
adnominal, em certas construções, sem explicação convincente, comprometendo a
fixação dos conteúdos assimilados pelos alunos.
Um esclarecimento faz-se determinante neste ponto de nosso trabalho: não
estamos essencialmente preocupados com a classificação "adjunto adnominal" para o
pronome lhe. O que de fato nos interessa e preocupa é a forma como isto acontece.
Afinal, não temos como último veredicto a certeza de que tal função sintática jamais é
desempenhada pelo lhe, mas o que nos incomoda é a falta de aprofundamento e a
inconsistência de justificativa para tal ocorrência. Neste sentido, tentamos neste
capítulo do trabalho promover tal aprofundamento. Objetivando, principalmente,
trazer um conjunto de pontos para serem analisados e entendidos principalmente
pelos profissionais que lidam com o ensino de gramática de língua portuguesa.
Assim, não há incoerência em não aceitarmos, totalmente, o lhe adjunto
adnominal e admitirmos o lhe objeto direto (Cap.4.2.1, p.47). Pois o que está em
questão não é o que o uso pode fazer com uma estrutura gramatical, afinal, como já
50
afirmamos anteriormente, o uso é fator determinante no processo de interação através
da língua. A questão é: quais os subsídios e motivações que "autorizam" os LD e GP
classificarem o lhe como adjunto adnominal ?
Não há discussão quanto às divergências existentes entre LD, GP e as GT
porque enquanto algumas obras nomeiam o lhe como adjunto adnominal, outras
classificam-no como objeto indireto.
Neste sentido, existe um ponto obscuro, se pensarmos que não há nenhuma
semelhança, em termos de funcionamento, entre estas duas categorias sintáticas:
adjunto adnominal e objeto indireto. Mesmo desconsiderando a questão funcional das
estruturas, a própria nomenclatura gramatical, que distingue o adjunto adnominal do
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objeto indireto, este como termo integrante e aquele como termo acessório, dandolhes importância diferente na construção e estruturação sintática e semântica do texto,
podemos afirmar que tal aproximação ou compatibilidade coloca no mesmo patamar
adjunto (acessório) e complemento (integrante). Fato que deve ser considerado, pelo
menos, um despropósito. Cunha(1992, p.158) fala a este respeito:
"Chamam-se acessórios os termos que se juntam a um nome ou a um verbo
para precisar-lhes o significado. Embora tragam um dado novo à oração, não são
eles indispensáveis ao entendimento do enunciado. Daí sua denominação."
É interessante verificar que muitos e diversificados são os motivos que fazem
com que o lhe pareça tão multifacetado, desde as definições mais básicas até a
própria exemplificação. Observemos as frases a seguir:
[43]- Quiseram roubar-lhe o rádio. (Luft, 1993: 19).
[44]- Quiseram roubar-lhe a bússola. (Maria Helena, 2000: 21)
Apesar da distância cronológica de 7 anos entre os LD que trazem tais
sentenças, verificamos que as frases são praticamente as mesmas, especialmente no
que diz respeito à estrutura, ao verbo e à função do lhe. Este fato provoca uma
51
impressão enganosa de que o lhe, nestas condições sintáticas, ocorra pouco em nosso
idioma.
Assim, quando a frase não é idêntica, podemos perceber a constância dos
mesmos verbos e suas flexões, dando-nos a impressão de que o lhe com acepção de
adjunto adnominal, por eles atribuída, seja incomum, ou mesmo rara. A este respeito
faremos algumas considerações: primeiro, quanto à existência de outros exemplos de
frases com o suposto lhe adjunto adnominal ; e depois quanto à nossa concepção do
papel do verbo nessa relação com o lhe.
No que se refere à utilização de exemplos diferentes nos LD e GP, achamos
por bem trazer exemplos - não todos, pois seria impossível - para apagar a sensação
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de que estaríamos diante de uma ocorrência rara. Neste sentido, na verdade, temos a
impressão de que os autores vão reproduzindo e copiando os exemplos de outros
livros. Por isso, não conseguimos perceber uma preocupação efetiva de se evitar que
tenhamos a sensação de que o lhe (como suposto adjunto adnominal) tenha
possibilidade remota de ocorrer. Ou seja, se intuirmos que estamos diante de algo raro
em nossa língua, ótimo, pois parece que esta é a intenção. Contudo, vejamos que os
exemplos são muitos e podem ser encontrados em vários tipos de texto e contexto (os
07 primeiros exemplos foram selecionados do CETEMNILC/São Carlos):
[45]- "Não lhe passa pela cabeça gravar um disco ao lado desses brasileiros ?"
(par8883)
[46]- "A entrada para a cavalaria se fazia por cerimônia especial: o senhor concedia
arma ao jovem e lhe batia na nuca com a palma da mão para demonstrar que o
cavaleiro seria capaz de resistir aos golpes do inimigo" (par 1277)
[47]- "Ele desmentiu a versão de Emanuel, de que o tiro que lhe acertou o rosto foi
acidental, causado por um solavanco." (par 9854)
[48]- "Partia para a briga sempre que alguém lhe atirava na cara a lembrança de seu
olho cego." ( par 15725)
52
[49]- "O cara de cachorro está contratando estes dois para que lhe seqüestrem a
própria mulher." (par 16377)
[50]- "Ouve, submisso, o sogro lhe jogar na cara que é um inútil e deixa a vida
seguir." (par 16377)
[51]- "Minha mãe apalpava-lhe o coração, revolvia-lhe os olhos, e o meu nome era
entre ambos como a senha da vida futura." (Assis, Machado de. OC, I, 813.)
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Esta constatação nos faz acreditar que os LD preferem repetir os exemplos e
dar
nome às ocorrências, demonstrando claramente a despreocupação com o
fenômeno lingüístico propriamente dito.
4.3.1
O pronome lhe e a noção de valência verbal
Em nossa trajetória de pesquisa sobre o pronome lhe, tivemos como um dos
pontos básicos de nossa análise a noção de valência do verbo. Vejamos o que Neves
(2002, p.105) diz sobre valência verbal:
"O verbo tem, pois, a propriedade de reger actantes. Ele é comparável a um
átomo, exercendo atração sobre um determinado número de actantes, mantidos sob
sua dependência. O número de actantes que um verbo pode reger constitui o que
Tesnière chama de valência do verbo. A valência consiste no conjunto de relações
que se estabelecem entre o verbo e seus actantes, ou argumentos obrigatórios, ou
constituintes indispensáveis."
Concordamos que o verbo tem uma valência que pode indicar quais os
complementos que devem existir para que sua realização se dê a contento. O verbo
traz implícito em sua significação uma quantidade x de espaços que deverão ser
preenchidos por argumentos pertinentes àquela dada situação frásica.
53
"Aliás qualquer verbo transporta consigo - por força de seu significado - a
informação acerca do modo como se manifestam na frase os participantes (ou
actantes) e qual a função semântico-sintáctica que desempenham esses participantes
no estado de coisas implicado no significado do verbo"6
Neste trabalho, os argumentos que nos interessam são o complemento direto
(A2) e principalmente o complemento indireto (A3)7. Assim, conforme afirmações
anteriores, acreditamos que o lhe é um complemento capaz de ser um argumento
exigido pelo verbo e preencher eficientemente um espaço. Por isso, ao encontrarmos
em certos LD e GP a afirmação de que o lhe é um adjunto adnominal temos a
convicção de que estamos diante de um problema que caracteriza muito bem o que
geralmente ocorre nestas obras. Ou seja, o problema não é apenas a questão do
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excesso de nomenclatura, - e sobre isto já sabemos que há uma busca por atribuir-se
"apelidos", nomes e classificações - mas a difícil identificação do aspecto funcional
das estruturas. Afinal, é sabido que um elemento, enquanto adjunto adnominal,
dificilmente será um argumento, indispensável, exigido pelo verbo. Aliás, o adjunto
adnominal tem como característica básica a dependência do substantivo, sem
necessariamente ser um termo imprescindível à significação do mesmo. Conforme
Lima (1963, p.247), "é um termo de natureza acidental":
"Além dos termos essenciais, podem figurar na oração outros elementos
accessórios, de natureza acidental. São de três espécies: 1 adjunto adnominal,
adjunto adverbial, apôsto"
Mas, por que será que alguns LD e algumas gramáticas acreditam que o lhe
pode ser adjunto adnominal ? De acordo com a gramática de Maia (1994, p.197)
temos a seguinte informação:
"em algumas construções, os pronomes pessoais oblíquos podem constituir
adjunto adnominal. Tomemos o exemplo: a) respeite-lhe a inocência.
Observamos que o pronome não está relacionado com o verbo, mas a um nome.
O pronome lhe acompanha o substantivo, indicando a idéia de posse. É portanto,
um adjunto adnominal. Reescrevendo de outro modo, teríamos: respeite a sua
inocência"
6
7
VILELA, Mário. Gramática de Valências: Teoria e Aplicação. Coimbra, 1992, p.43.
A2 e A3 são argumentos do verbo (conforme capítulo 3, subtítulo 3.2).
54
O Autor diz que ao reescrevermos uma frase podemos resgatar-lhe algum tipo
de função não verificada na frase original. Entretanto, não acreditamos que a
paráfrase seja um procedimento muito eficiente para identificação das funções
gramaticais, pois uma paráfrase nunca será igual à original, como ele mesmo diz:
"Reescrevendo de outro modo." Assim, recorrer-se à paráfrase para justificar-se o
lhe como adjunto adnominal, parece-nos, no mínimo, reduzir ou abandonar, a função,
o preenchimento e a regência dos verbos aos quais se relaciona. Sem contar que,
conforme Garcia (1988, p.185), "a paráfrase consiste no desenvolvimento explicativo
ou interpretativo de um texto", logo, ao ser analisada como um "clone" da frase
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original demonstrará resultado sintático diferente. Afinal, o "clone" pode parecer com
a versão primeira, porém não é a versão inicial.
Entretanto, na afrirmação de Maia surge um dado novo que não encontramos
em nenhum LD consultado: a noção possessiva expressa pelo pronome lhe. Isto é,
dos 15% dos LD (conforme gráfico, capítulo 2) que falam sobre o lhe com função de
adjunto adnominal, nenhum deles deixa explícita esta noção possessiva do pronome.
O que ocorre normalmente é a associação aos pronomes possessivos provocada pela
apresentação da paráfrase como estrutura eqüivalente à frase original. As GT de
Bechara (1999) e Cunha (1995) e as GP de Hildebrando (1982) e Sarmento (2000)
concordam, em certa medida, com Maia no que diz respeito a este pronome com
papel possessivo diante de verbos transitivos diretos: "pronome átono com valor
possessivo" (Cunha, 1985, p.301). Exemplos:
[52]- Cruzara-lhe as mãos. (Sarmento, 2000, p.357);
[53]- Não lhe conheço os defeitos. (Hildebrando, 1982, p.232);
[54]- Minha mãe apalpava-lhe o coração. (Cunha, 1985, p.301).
55
indícios de terem a mesma opinião que Maia quanto à presença de noção de posse
no pronome lhe, todavia, eles não comungam da mesma idéia quanto à classificação
do lhe como adjunto adnominal. Ou seja, as GT de Bechara (1999) e Cunha (1985)
não associam a função de adjunto adnominal ao pronome lhe. Em contrapartida,
Sarmento e Hildebrando são categóricos em dizerem que o lhe é adjunto adnominal:
1- "O adjunto adnominal pode ser representado por um pronome pessoal átono,
com valor possessivo, quando o verbo for transitivo direto"
(Sarmento, 2000, p.357)
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2- "Os pronomes átonos me, te, lhe, nos, vos, lhes, podem funcionar na frase com
valor possessivo (...) Em tal caso os pronomes átonos são analisados como
adjuntos adnominais dos substantivos a que se referem".
(Hildebrando, 1982, p.232)
Cunha e Bechara não concordam com tal posição. Aliás, Bechara acrescenta
que o traço [ + possessivo] presente em certas ocorrências do objeto indireto, nada
mais é do que uma construção especial de objeto indireto. Vejamos a posição de
Bechara (1999, p.423 -26):
"Os chamados 'dativos livres' - Os objetos indiretos (...) são argumentos sintáticosemânticos extensivos da função predicativa do conteúdo comunicado nas
respectivas orações (...) remanescentes de construções, algumas das quais da sintaxe
latina, aparecem sob forma de objeto indireto, nominal ou pronominal, alguns
termos estão direta ou indiretamente ligados à esfera dos predicados."
Por isso, acreditamos que o lhe seja um complemento, mesmo nestes casos em
que há noção possessiva, tendo em vista que nos parece, como dizíamos nos capítulos
iniciais deste trabalho, que há uma busca incansável de se dar nome a tudo, sem se
levar em consideração o aspecto funcional do fenômeno lingüístico.
Na mesma direção, Kury (1991, p.47) afirma que enquanto objeto indireto:
"o lhe pode representar o ser a quem se destina o objeto direto; o ser em
benefício ou em prejuízo de quem se realiza a ação; o ser em que se manifesta a
56
ação; o ser a que faz referência especial o conjunto verbo de ligação + predicativo,
verbo transitivo direto + objeto, ou um verbo intransitivo; o possuidor de alguma
coisa; como expletivo o ser vivamente interessado na ação expressa pelo verbo".
Por isso, em frases como "beijou-lhe as mãos", o lhe é considerado por Kury
um objeto indireto, logo, um complemento. Afinal, "beijei as mãos dela ou dele" é
uma paráfrase, e, como tal, terá análise sintática diferente da oração original. Nestas
circunstâncias textuais, "dele" ou "dela" não funciona sintaticamente da mesma
maneira que o "lhe".
Veja-se o que já dizia Moreira (1907), em seus Estudos da Língua
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Portuguesa:
"A forma lhe, lhes, substitue muitas vezes, com elegância, o pronome
possessivo ou a expressão possessiva d'elle, d'elles. No português do Brasil este uso
é ainda mais extenso (...)"
Baseados na citação de Moreira podemos afirmar que em termos de
interpretação, tradução, paráfrase, podemos aceitar que lhe pode ser entendido como
"dele", "deles", etc., porém, em termos sintáticos isto não é possível, pois tal
substituição modifica o aspecto sintático da frase.
Henriques (1997, p.52), em concordância com Kury, considera imprópria a
equivalência entre "dela" e "a ela", numa frase como: afaguei-lhe os cabelos, tendo
em vista que "afaguei os cabelos dela" e "afaguei os cabelos a ela, podem ser
parecidas se levarmos em consideração a interpretação que o receptor da mensagem
faz da oração, no entanto, "dela" e "a ela", desempenham papéis sintáticos diferentes:
adjunto adnominal e objeto indireto, respectivamente. Sem contar com o fato de que
esta suposta equivalência coloca no mesmo patamar preposições como de e a que
costumam ter funções semântico-sintáticas bem distintas. Vejam-se os exemplos:
[55]- "Ele desmentiu a versão de Emanuel, de que o tiro que lhe acertou o rosto foi
acidental, causado por um solavanco". (par 9854, CetemPúblico, Folha SP)
Como objeto indireto.
Substituição correta e apropriada do "lhe" pelo seu equivalente "a ele":
57
[55]'- "Ele desmentiu a versão de Emanuel, de que o tiro que acertou o rosto a ele foi
acidental, causado por um solavanco."
Como adjunto adnominal:
Paráfrase:
[55]'' - "Ele desmentiu a versão de Emanuel, de que o tiro que acertou o rosto dele foi
acidental, causado por um solavanco."
Talvez o fato de haver uma forte motivação de posse em frases como "Maria
acaricia-lhe as mãos", estimule alguns autores de LD e de algumas gramáticas
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atribuírem ao lhe o papel de adjunto adnominal. No entanto, essa característica não é
estranha ao objeto indireto, conforme diz Kury, "enquanto objeto indireto o lhe pode
representar o ser possuidor de alguma coisa".
Concomitantemente, ao pesquisarmos obras de autores como Faria (1958) e
Climent (1945), estudiosos da língua latina, vemos confirmado este caráter de posse
do objeto indireto que seria o dativo de posse latino que significa "o caso de la
atribuicion". Mediante ele são expressas geralmente a pessoa a que se atribui ou dá-se
algo. O dativo de posse é uma extensão do dativo de interesse, significando
propriamente que algo existe para ou em proveito de alguém.
Vilela & Koch (2001, P.342), falam do dativo de posse que seria aquele que
"designa elementos que são uma 'parte do corpo' de pessoa, ou que são 'algo' ligado a
um ato ou seu resultado". Exemplos:
[56]- "Amos Mosea brincava no meio de um milharal, sexta-feira, numa quinta perto
de Underberg, a 200 quilómetros da cidade portuária de Durban, no Oceano Índico,
quando foi atropelado pela ceifeira-debulhadora e lhe cortou as pernas abaixo dos
joelhos" (Ext 419 -soc, 95a, CETEMPúblico);
58
[57]- "A entrada para a cavalaria se fazia por cerimônia especial: o senhor concedia
arma ao jovem e lhe batia na nuca com a palma da mão para demonstrar que o
cavaleiro seria capaz de resistir aos golpes do inimigo."
(par 1277, CETEMPúblico, Folha SP)
[58]- "Os seus olhos doem-lhe."
(Vilela &Ingedore, 2001,p.340).
[59]- "O livro lembrou-me a escola, e a imagem da escola consolou-me. Já então lhe
tinha grandes saudades (...)"
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(Assis, Relíquias de Casa Velha, p.97)
Assim, observando os exemplos e levando em consideração posição defendida
por gramáticas de valência, podemos supor que dependendo do papel do lhe no
preenchimento de espaços na oração, ele pode ser um actante, isto é, o complemento
correspondente ao lugar vazio aberto pelo verbo. Neste sentido, o termo actante já era
utilizado por Tesnière (1959, p.108), para definir os complementos centrais:
"Os actantes são complementos centrais (plenos), correspondentes aos
tradicionais sujeito, complemento direto, complemento indireto e os circunstantes
são os complementos periféricos ou adverbiais"
Vilela & Koch (2001) dizem, também, que há complementos que apresentam
uma preposição como marca "a + N" (conforme capítulo 3), e que estes
complementos podem ser anaforizados por lhe (me, te, se). Assim, o lhe, enquanto
dativo de posse, não seria exatamente um actante, mas um complemento indireto com
características diferentes, como sugere Vilela (2001, p.342):
" São em grande medida semelhantes aos verdadeiros actantes A3. Contudo, não
são verdadeiros actantes, Estes complementos indiretos são designados
tradicionalmente por 'datiuus possessiuus (...)"
Tendo em vista o que foi exposto até aqui sobre o dativo (objeto indireto), fazse necessário esclarecer que a noção desta categoria já há muito suscita pesquisas e
59
discussões a respeito de uma sistematização e delimitação que fosse capaz de colocar
em um mesmo grupo, aspectos e características, por vezes, tão díspares. As próprias
descrições tradicionais do objeto indireto dão conta apenas de certos traços
semânticos, ou apenas consideram os dados sintáticos, sem considerar o aspecto do
próprio texto onde eles aparecem. Na mesma direção, Vilela (1992, p.117) afirma:
"Na verdade até hoje, não se conseguiu atribuir uma só categoria semântica
ao que normalmente se designa por complemento indireto ou mesmo uma categoria
semântica que seja específica do Dativo."
No caso do lhe como possível adjunto adnominal podemos fazer algumas
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inferências sobre o dativo. Estas inferências mostram que não é possível afirmar que
o pronome em questão seja um objeto indireto com as características das definições
tradicionais. Ou melhor, não é possível afirmar que o lhe seja objeto indireto porque a
própria definição de objeto indireto ainda demanda muitas discussões. Por outro lado,
temos a certeza de que ele jamais será um adjunto adnominal, pois, dentre as
características semântico-sintático-textuais do dativo encontramos aquelas em que
repousa o lhe chamado adjunto adnominal. O pretendemos afirmar é que o lhe com
noção de posse não precisa "virar" ou ser classificado como adjunto adnominal para
ter um traço [+ possessivo].
Assim, como já foi afirmado através de Kury, Bechara, Cunha, Vilela & Koch
há um aspecto de posse característico em certas construções de lhe (objeto indireto).
Contudo, devemos observar que há uma diferença entre o lhe presente em frases
como:
Tipo I : "dei-lhe total atenção";
e para o lhe de frases como:
Tipo II (mordi-lhe a língua).
Para melhor delimitarmos estas diferenças, vamos propor uma sistematização
das funções do lhe, via Gramática de Valências de Vilela, utilizando como exemplo
60
aproximadamente 500 frases do CETEMPúblico onde o lhe aparece. Eis as
observações iniciais:
1. Em aproximadamente 70 % dos casos o lhe funciona semelhantemente às frases
do Tipo I. E os verbos mais comuns são: dar, garantir, permitir, obedecer, pedir,
dizer, conceder, perguntar, proporcionar, perdoar, entregar. Portanto, pode-se
afirmar que é mais comum, em termos proporcionais, o lhe comportando-se como
nas frases do Tipo I, acompanhando verbos com transitividade indireta ou verbos
com transitividade direta e indireta. Estes pronomes são argumentos genuínos
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(A3), exigidos pelo verbo. Logo, são realmente actantes.
2. Os verbos que mais participam de frases do Tipo II são: passar, bater, acertar,
atirar, seqüestrar, jogar, acariciar, cortar, valer, suportar, cair. E, em primeira
análise, podemos garantir que a transitividade destes verbos é bem diferente
daquelas encontradas nos verbos presentes no Tipo I.
Quanto aos exemplos de verbos presentes no Tipo I, estes possuem transitividade
e todos pedem um Ci (complemento indireto). A valência desses verbos pode exigir
dois ou três argumentos. Vejamos alguns exemplos:
Dois argumentos: o sujeito e o Ci, = A1 e A3).
[60]- "Sua leitura de Nietzsche, consolidada em Nietszche e a filosofia - livro que
publicado em 1962 foi grandemente responsável pela recepção do pensador alemão
na cultura francesa -, propõe que o filósofo alemão intenta substituir a «negação da
negação» de Hegel, etapa crucial do processo dialético, por uma filosofia da
afirmação que lhe interessa" (par 28909).
Observação: o verbo interessar, de acordo com Vilela pertence a um grupo de verbos
que designam impressões (ou valores ligados a impressões) e que pedem um Ci.
[61]- Desde bem pequeno, aquela bicicleta lhe pertence.
61
Observação: O verbo pertencer, de acordo com Vilela, faz parte do grupo de verbos
que exprime dominação (relação de), ou seja, uma pessoa, possui ou domina algo. Do
mesmo modo, pede um Ci.
Nos dois exemplos [61] e [62] o papel desempenhado pelo lhe é Ci, e de acordo
com as orientações da gramática de valências são complementos obrigatórios e
imprescindíveis para que a frase não se torne agramatical.
3 argumentos: o sujeito, o complemento direto (Cd), e o Ci = A1, A2 e A3.
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[62]- "Se alguém lhe perguntar qual o formato da Terra, você não deve ter nenhuma
dúvida ao responder que ela é redonda (esférica)."( par 1895)
[63]- "Se ninguém lhe der um pontapé ou se o vento não deslocá-la, ela permanecerá
imóvel." (par 2890)
Observação: os verbos perguntar e dar possuem 3 espaços a serem preenchidos. Nos
exemplos [62] e [63], o lhe preenche o espaço do A3, sendo um elemento obrigatório
para que a frase não se torne agramatical.
Verifiquemos agora o comportamento do lhe diante de verbos que participam
de frases do Tipo II:
[64]- "Neste dia, Eurico foi atacado por um segurança da Suderj conhecido como
Maninho, que lhe atirou um walkie-talkie no rosto." (par 27943)
[56]- "Amos Mosea brincava no meio de um milharal, sexta-feira, numa quinta perto
de Underberg, a 200 quilómetros da cidade portuária de Durban, no Oceano Índico,
quando foi atropelado pela ceifeira-debulhadora e lhe cortou as pernas abaixo dos
joelhos." 419(soc, 95a)
62
Como havíamos dito no início desta tentativa de sistematização das funções
do lhe, os verbos que aparecem no Tipo II têm transitividade diferente dos verbos do
tipo I. Na verdade, se pensarmos no verbo atirar que é considerado intransitivo na
"Lista de regência" de Bechara (1999, p.572), não poderíamos imaginar mais do que
um espaço exigido pelo verbo, no caso o sujeito (A1). Entretanto, como explicar tal
ocorrência na língua ? O verbo mudou sua regência? Passou a ser transitivo ?
Quanto à regência, no que diz respeito a possíveis alterações, precisamos
considerar o seguinte: é dogma importante o estudo da regência para que se observe
que o uso coloquial por vezes contraria o uso culto. No entanto, as transformações da
língua e o próprio uso podem ir modificando a regência dos termos. Por isso, a
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regência tida hoje como indevida, pode com o passar dos anos ser considerada
prevista no uso culto. Conforme Henriques (1997, p.49), "O bom senso didático (ou o
do usuário competente) determinará até que ponto as regências cultas indicadas
devem ou não ser adotadas à risca". Carlos Góis (1938, p.12) traça alguns
comentários sobre o assunto:
"(...) é a séde do genio da língua, de sua psiquía, - com todas as rebeldias, ansias e
crises, deante das quais a Gramática se quéda estarrecida e perplexa; com todos os
caprichos e veleidades de sua fantasia despeada; com as pequenas deformações
(que a Gramática , por eufemismo, denomina 'idiotismos, 'anacolutos', 'anomalias
gramaticais' e quejandos), que, si por um lado desalinham a estrutura gramatical e a
despem do espartilho, com que traz extremamente alizadas as suas fórmas plásticas
- por outro imprimem-lhe a graça e o imprevisto das atitudes, em que a fantasia e a
espontaneidade cedem à craveira comum de rígidos estalões."
Agora, consideremos as colocações de Nascentes (1967, p.16):
"Cada época tem sua regência, de acordo com o sentimento do povo, o qual varia,
conforme as condições novas da vida. Não podemos seguir hoje exatamente a
mesma regência que seguiam os clássicos; em muitos casos teremos mudado. Por
este motivo falharam completamente todos aqueles que, sem senso, lingüístico,
estudaram o problema somente à luz dos hábitos clássicos de regência"
Assim, a modificação da regência de um verbo pode acontecer, mesmo que
isso só se dê no uso coloquial, e tal transformação costuma possibilitar o surgimento
de complementos que antes não existiam, ou não eram exigidos.
63
4.3.2
Os Dativos Livres
Em relação aos próprios complementos, podemos levar em consideração o
que é dito por Vilela a respeito dos dativos livres, os quais seriam uma espécie de
complementos indiretos da GT.
Primeiro vejamos as características gerais dos dativos livres. Eles designam
pessoas que estão numa relação especial (não apenas numa relação mediata, mas
sobretudo relação especial): de interesse, de participação ou responsabilidade. Dentro
de uma subvariedade de dativos, vamos considerar apenas aquelas que podem ser
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tomadas
como
mais
importantes
e
mais
bem
caracterizados:
dativus
commodi/ethicus/pertença.
No que se refere ao que estamos tratando no momento, vamos nos concentrar
no dativus pertença, que no geral inclui um elemento que indica parte do corpo,
"pertença imediata", estabelecendo-se uma relação de pertença entre o dativo e o
membro frásico que indica a parte do corpo. Assim, retomemos alguns exemplos:
[65]- "(...)que lhe atirou um walkie-talkie no rosto".
Pelo que pudemos observar no caso do verbo atirar, ocorreu uma alteração na
regência do verbo que aqui passou a exigir dois argumentos, "atirou algo (A2) / em
alguém (A3)". No entanto, este lhe (Ci), na verdade exemplifica o dativo pertença,
pois "atirou" A2 " no rosto" de A3 (onde o A3 é o lhe que está ligado à expressão
"no rosto").
[56]- "e lhe cortou as pernas abaixo dos joelhos."
O mesmo ocorre com o verbo cortar que pode ser transitivo, mas não está
previsto que ele seja transitivo direto e indireto. Assim, ocorre fenômeno semelhante
ao exemplo anterior, há uma relação entre a expressão "as pernas" e o dativo pertença
lhe.
64
Contudo, vejamos mais uma ponto intrigante. De fato, podemos perceber que
os dativos de posse lhe, dos exemplos [65] e [56], estão combinados com um nome
(N). No exemplo [65] o lhe liga-se ao circunstante ("no rosto") e, no exemplo [56]
liga-se ao A2 ("as pernas"). Este comportamento difere do que se viu nos exemplos
das frase do Tipo I, em que o lhe é um efetivo actante. Vale acrescentar que conforme
Vilela (1992, p.123), "o N em questão deverá, para ser aceitável, possuir o traço
[+ humano], [+ ser vivo] ou [+ animado]". Por exemplo, a frase "doem-lhe os
brincos", vista denotativamente não seria aceitável por causar agramaticalidade.
Atente-se que estamos tratando do lhe em situações do Tipo II, afinal, em frases do
Tipo I: "entregaram-lhe os brincos" é absolutamente aceitável, pois não provoca
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incoerências gramaticais.
Os verbos presentes em frases do Tipo I exigem o pronome lhe, enquanto que
os verbos de frases do Tipo II não deixam muita clara esta exigência. Assim,
podemos intuir que os dativos de posse apesar de estarem sob a influência da valência
dos verbos, não são de fato complementos que possam ser considerados obrigatórios.
Retomemos o exemplo [65]:
[65]- "Neste dia, Eurico foi atacado por um segurança da Suderj conhecido como
Maninho, que lhe atirou um walkie-talkie no rosto." (par 27943)
Caso retirássemos deste contexto o pronome lhe, certamente notaríamos que
sua participação no período não é essencial. Em contrapartida é interessante perceber
que sua presença além de trazer a noção de posse, também faz com que retomemos o
termo anterior que com ele se relaciona (como é costume dos pronomes, em especial
os pronomes substantivos).
Como vimos anteriormente, além do dativo de posse (pertença), temos o
commodi e o ethicus. Quanto ao último não vamos entrar no mérito de suas
caraterísticas, pois elas estão muito mais voltadas ao aspecto externo da frase, ou seja,
ele representa um actante que está fora da frase e, por causa disto, nos parece um
pouco desfocado de nosso objetivo, tendo em vista que estamos tratando do
funcionamento de uma estrutura no interior da frase: o pronome lhe.
65
Todavia, chamaram-nos a atenção as características do dativo commodi,
também chamado de datiuus commodi/incommodi. Primeiro pela sua realização que
pode se dar por "a + N", como no dativo de posse, ou por "para + N". Depois
porque a pessoa implicada no dativo commodi tem o proveito/detrimento da ação
referenciada no verbo, podendo, também, transportar a idéia de interesse,
responsabilidade e etc.
Quanto à preposição para, em frases com tal construção o lhe assemelha-se
muito com o que chamamos de complementos adverbiais. Por exemplo:
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[66]- "levei-lhe a mala à estação" (Villela &Koch, p.343)
Alguém poderia imaginar que seria "a mala dela", no entanto, não está
prevista, neste tipo de dativo, a presença da preposição de, diferente dos dativos de
posse que a admitem. Sendo assim, o mais próximo seria "levei para ela".
Observemos que os termos "ela" ou "ele" não representam o que foi levado(a), mas "a
mala" que é o segundo argumento (A2 ). Nestes casos, o lhe se aproxima do que
Villela chama de A4 (complemento preposicional), que tem como características:
preposição (dentre elas para); e como interrogação, de/ a/para... que /quem (é que) +
A1 + V ? Vejamos com nossa frase:
Interrogação: para quem é que eu levei ?
Resposta: lhe (para ela ou para ele), no interesse, em proveito, etc.
Outra característica interessante do dativo commodi é que o verbo não rege,
em termos de valência, o elemento que faz o papel de dativo commodi. Na verdade,
conforme Vilela (1992, p.124) este tipo de "dativo é regido pelo complexo verbal, em
que se inclui, portanto, o verbo e os complementos apensos ao mesmo verbo". Por
exemplo:
[67]- "A criança caiu-lhe no colo." (Vilela, 1992, p.124)
Observação: neste exemplo o lhe depende de "cair no colo."
66
[68]- O professor deixou-lhe uma interrogação no coração.
Observação: agora o lhe depende de "deixar uma interrogação no coração"
Após as considerações que fizemos sobre os Dativos Livres, propomos o
quadro a seguir, como tentativa de sistematizar as funções do lhe. Esta sistematização
consiste, de forma despretensiosa, numa organização das funções do lhe, enquanto
complemento indireto (Ci):
Observação: o complemento obrigatório (Cio), está presente no quadro para que
se possa fazer a comparação com os outros complementos indiretos que realmente
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provêm dos dativos livres. Assim, como vimos anteriormente, o complemento
obrigatório não é remanescente dos dativos livres.
Quadro de sistematização das funções do pronome lhe
a partir das orientações da Gramática de Valências de Mário Vilela
Frases
Comentários
Função
O mestre pediu-lhe ajuda.
Neste tipo de frase o lhe participa Complemento
O réu não lhe disse verdades.
ativamente do processo de valência do indireto
Perdoei-lhe prontamente.
verbo, sendo um genuíno A3. Argumento obrigatório
Devemos garantir-lhe o futuro. indispensável.
[Cio]
Roubei-lhe as jóias
O lhe é um exemplo de dativo de posse e Complemento
Respeite-lhe a inocência
sua relação com a valência do verbo se indireto
Não
lhe
tinha
com
grandes dá por intermédio do nome (N) que noção de posse
saudades
funciona como argumento (A2). O lhe, [Cip]
Seqüestraram-lhe a esposa
nestes casos, tem importância menor que
os (Cio), porém não são totalmente
dispensáveis,
especificidade
pois
tira
seu
a
caráter
de
generalização
provocada pela relação do verbo com o
A2, eliminando, às vezes, ambigüidades.
Doem-lhe os olhos
O lhe é um exemplo de dativo de posse Complemento
67
Ela amarrou-lhe os cabelos
com
características
semelhantes
aos indireto
com
Ataram-lhe os pés.
(Cip), porém, o N (A2) com o qual ele se noção de posse
Beijou-lhe as mãos.
relaciona tem como sema característico facultativo
indicar "partes do corpo". Sua presença é [Cipf]
facultativa.
Atirei-lhe um livro na cara
Exemplo de dativo commodi. Sua relação Complemento
A criança caiu-lhe no colo
com o verbo é muito mais física do que indireto
regencial, pois liga-se na verdade ao commodi
todo. Note-se que normalmente sua [Cic]
ligação
mais
complemento
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Geralmente
estreita
é
adverbial
o
lhe
nestes
com
um
(C.adv.).
casos
é
facultativo.
A título de exemplificação e colocando em prática a sistematização proposta,
vamos verificar quais os tipos de complementos indiretos8, representados pelo
pronome lhe, aparecem nos exemplos utilizados neste capítulo:
Frase
Função
(siglas)
Quiseram roubar-lhe o rádio.
Cip
Não lhe passa pela cabeça gravar um disco ao lado desses brasileiros ?
Cic
A entrada para a cavalaria se fazia por cerimônia especial: o senhor Cic
concedia arma ao jovem e lhe batia na nuca com a palma da mão para
demonstrar que o cavaleiro seria capaz de resistir aos golpes do inimigo
Ele desmentiu a versão de Emanuel, de que o tiro que lhe acertou o rosto Cipf
foi acidental, causado por um solavanco.
Partia para a briga sempre que alguém lhe atirava na cara a lembrança de Cic
seu olho cego.
8
Utilizamos as mesmas siglas (Cio, Cip, Cipf e Cic) para os respectivos complementos indiretos
sugeridos no quadro de sistematização das funções do lhe.
68
O cara de cachorro está contratando estes dois para que lhe seqüestrem a Cip
própria mulher.
Ouve, submisso, o sogro lhe jogar na cara que é um inútil e deixa a vida Cic
seguir.
Minha mãe apalpava-lhe o coração, revolvia-lhe os olhos, e o meu nome Cipf
era entre ambos como a senha da vida futura.
Cruzara-lhe as mãos.
Cipf
Não lhe conheço os defeitos
Cip
Amos Mosea brincava no meio de um milharal, sexta-feira, numa quinta Cipf
perto de Underberg, a 200 quilómetros da cidade portuária de Durban,
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no Oceano Índico, quando foi atropelado pela ceifeira-debulhadora e lhe
cortou as pernas abaixo dos joelhos
Os seus olhos doem-lhe.
Cio
O livro lembrou-me a escola, e a imagem da escola consolou-me. Já Cip
então lhe tinha grandes saudades ...
Sua leitura de Nietzsche, consolidada em Nietszche e a filosofia - livro Cio
que publicado em 1962 foi grandemente responsável pela recepção do
pensador alemão na cultura francesa -, propõe que o filósofo alemão
intenta substituir a «negação da negação» de Hegel, etapa crucial do
processo dialético, por uma filosofia da afirmação que lhe interessa
Desde bem pequeno, aquela bicicleta lhe pertence.
Cio
Se alguém lhe perguntar qual o formato da Terra, você não deve ter Cio
nenhuma dúvida ao responder que ela é redonda (esférica).
Se ninguém lhe der um pontapé ou se o vento não deslocá-la, ela Cio
permanecerá imóvel.
Neste dia, Eurico foi atacado por um segurança da Suderj conhecido Cic
como Maninho, que lhe atirou um walkie-talkie no rosto.
69
Vejam-se agora outros exemplos do CETEMPúblico e NILC/SãoCarlos que
ainda não tínhamos utilizado no corpo deste trabalho. Estes exemplos também serão
analisados a partir do "Quadro de sistematização das funções do pronome lhe":
Frase
Função
[69]- "É verdade que os métodos não lhe abrilhantam a biografia"
Cip
(par 21253)
[70]- "Os médicos abriram o tendão rotuliano direito, logo abaixo do Cip
joelho, não tiveram trabalho para remover a calcificação que lhe
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dificultava os movimentos, mas ainda assim Ronaldo ficará internado
por mais dois dias."
(par 28070)
[71]- "Nos ímpetos suicidários de Juan Pablo Castel já encontramos as Cip
preocupações que lhe corroíam o espírito".
( par 39078)
[72]- "O sorriso daquele jovem corroía-lhe a sua velhice".
Cip
( par 39097)
[73]- "Uma formiga lhe penetrara na tromba."
Cic
(par 40459)
[74]- "E para Baudelaire, um dos melhores exemplos desse cômico Cip
grotesco absoluto, «cômico feroz, muito feroz» ele o viu numa
pantomima inglesa levada num teatro parisiense, que lhe marcou fundo a
lembrança."
(par 41619)
Vale acrescentar que nossa tentativa de sistematizar as funções do lhe (como
dativos livres) é uma forma de provar que não estamos diante de uma questão apenas
de classificação do lhe. Não temos o desejo de que os LD e GP ampliem suas listas
com mais estes nomes ou siglas que apresentamos em nosso quadro. Afinal,
verificamos que muitas são as questões em jogo e que muito há ainda para se discutir
70
em torno destes complementos indiretos. No entanto, temos a certeza que, ao nos
determos sobre algumas destas questões, somos capazes de nos opor à tendência dos
LD e GP que se valem de uma lista de nomes para, num terrível engodo, dar ao aluno
a sensação de que quanto melhor eles conhecem os nomes e/ou classificam as
estruturas gramaticais, mais eles conhecem a língua e seus fenômenos.
Não queremos aqui abolir o ensino de gramática ou desprezar as
classificações, o que queremos é a valorização daquilo que realmente tem utilidade e
fundamento para vida prática do aluno. Assim, se ele sabe o nome, mas não entende
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para que serve, de que vale saber o nome ?
4.3.3
Algumas considerações preliminares
Assumimos uma posição contrária aos preceitos gramaticais e explicações que
acreditam que o lhe possa ser um adjunto adnominal apenas por que possua, em
certas construções, um traço [+possessivo]; ou porque a análise de uma paráfrase
possa ser feita no lugar da original; ou ainda pela preferência de se escolher caminho
mais fácil, isto é, a tendência de interpretar as estruturas, desprezando-se as relações
sintáticas que as mantém (recção).
Portanto, o lhe de frases como
"o treinador torceu-lhe o braço" é um
complemento indireto, um argumento ou, se a gramática normativa preferir, um
objeto indireto, porém, jamais um adjunto adnominal.
4.4
O lhe complemento nominal
É bem verdade que em termos proporcionais a quantidade de obras que
consideram o lhe complemento nominal não é muito grande. O que a grosso modo
poderia representar índice de poucos problemas no que se refere à sala de aula. No
71
entanto, o número de obras, em termos absolutos, que classificam o pronome lhe
como complemento nominal é suficiente para colocar uma quantidade razoável de
alunos expostos a mais uma função do lhe.
Antes de entrarmos no mérito do que consideramos possível ou não de ser
realizado pelo lhe, vejamos o que se fala a respeito da função sintática complemento
nominal.
Hauy (1986), fez uma pesquisa muito interessante sobre vários termos da
sintaxe, dentre eles o complemento nominal. Nesta obra ela demonstra, através de um
estudo comparativo, utilizando as informações de gramáticas diversas, que ainda há
necessidade de uma revisão nos estudos sobre a teoria do complemento nominal.
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Meyer (1994), faz também considerações muito pertinentes sobre a teoria do
complemento nominal, em especial sua conceituação.
Podemos dizer que vários teóricos e gramáticos discutem a respeito dos
complementos verbais, dedicando espaço e pesquisas vastos (sem chegarem, muitas
vezes, a um denominador comum), no entanto, no que se refere ao complemento
nominal não percebemos a mesma atenção. Vejamos o que Mayer (1994) diz neste
sentido:
"
A tradição gramatical deteve-se com muito cuidado na descrição dos
complementos do verbo, provavelmente por ser ele o núcleo do predicado. Ocupouse, então, largamente da classificação dos complementos verbais. (...)"
No caso dos nomes, a tradição gramatical registra a existência de
transitividade em alguns. Não dedica a este fenômeno, porém, o mesmo cuidado e
espaço dedicados à transitividade verbal."
Esta questão é complicada não só no âmbito da conceituação, como também
no da própria nomenclatura, posto que esta função já teve várias denominações. Fato
que vem a corroborar, mais uma vez, com aquele princípio, do qual discordamos, que
o nome, a classificação vem antes da função propriamente dita. Vejamos alguns
destes nomes apresentados por Lima (1963, p.l6), já em meados do século XX:
"Tais complementos (complementos nominais) têm recebido várias denominações:
objeto nominal (Maximino Maciel), adjunto restritivo (Alfredo Gomes),
complemento restritivo (Carlos Góis), complemento terminativo (Eduardo Carlos
Pereira, Souza Lima)"
72
Desta feita, a escolha da denominação complemento nominal dá-se aqui não
por uma questão de preferência teórica, mas, pela recorrência desta nomenclatura nos
LD, GP e GT.
Já se pode imaginar, pelo que foi dito até aqui sobre o complemento nominal,
que as divergências vão além da nomenclatura, afinal, muito há ainda para pesquisarse sobre esta função. Aliás, temos o intuito de buscar um melhor entendimento do que
seria complemento nominal para só depois verificar se o pronome lhe pode
desempenhar tal função.
Assim, para mostrar que é preciso primeiro determinar linhas gerais que
caracterizem o complemento nominal, transcrevemos a seguir, a título de ilustração, o
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que uma GP (Sarmento, 2000, p.360) apresenta sobre tal função (primeiro vem o
conceito, depois um dos exemplos que o autor usa para justificar a definição):
"Conceituando. Complemento nominal é o termo da oração que completa o sentido
de um nome, isto é, de um substantivo, adjetivo ou advérbio (...) Exemplos:
Referiram-se convenientemente aos fatos. "
Advérbio
complemento
nominal.
Primeiramente, ficam-nos algumas indagações:
"aos fatos", no contexto
apresentado, realmente é um complemento nominal ? Será que basta ser precedido de
um advérbio para garantir uma relação de transitividade ? Ou ainda, basta vir depois
de um advérbio para desempenhar papel de complemento nominal ? Dizemos não a
todas as perguntas. Dificilmente a expressão grifada poderia ser complemento
nominal, simplesmente porque o termo que transita o sentido não é o advérbio (que
neste caso é mero circunstante), mas o verbo "referir-se". O que significa dizer que
além de não ser um bom exemplo, também confunde conceitos sintáticos
apresentados pelo mesmo livro, em páginas anteriores, quando tratava de objeto
indireto. Assim, se, algumas vezes, a própria fixação do que seria a função
complemento nominal não está clara, imagine fazer o aluno entender que o pronome
lhe desempenha tal função.
73
Portanto, diante do que foi exposto até o momento, partiremos da
conceituação dos gramáticos, buscando, especificamente, o que há de recorrente em
suas posições, para que possamos, então, estabelecer um ponto de partida na
discussão do lhe enquanto possível complemento nominal. Afinal, é preciso definir-se
primeiro o que é ou como funciona o complemento nominal, para, posteriormente,
verificar-se a possibilidade do pronome lhe exercer tal função.
Os LD, GP, GT normalmente comungam da mesma idéia de que o
complemento nominal é o termo que preenche um espaço exigido por um
substantivo, adjetivo ou advérbio de base nominal. Por vezes, ele é comparado, no
que diz respeito ao seu aspecto funcional, aos complementos verbais. Isto é,
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assemelham o desempenho sintático dos complementos nominais ao dos
complementos verbais. Especialmente no que se refere à transitividade de certos
nomes.
1- "(...) o complemento nominal representa o alvo para o qual tende um
sentimento, disposição ou movimento, e desempenha em relação ao nome o
mesmo papel que o complemento verbal em relação ao verbo."
(Cunha, 1992, p.150)
2- "É o termo da oração que completa a significação transitiva dos nomes"
(Hildebrando, 1982, p.228)
3- "A transitividade não é privilégio dos verbos: há também nomes (substantivos,
adjetivos e advérbios) transitivos. Isso significa que determinados substantivos,
adjetivos e advérbios se fazem acompanhar de complementos. Esses
complementos são chamados de complementos nominais".
(Pasquale & Infante, 1998, p.376)
4- "Não apenas verbos, mas substantivos e adjetivos podem necessitar de
complementos(...) Tais termos recebem o nome de complementos nominais e
designam a pessoa ou coisa como objeto da ação ou sentimento que os
74
substantivos ou adjetivos significam (...) (do mesmo modo) advérbios de base
nominal"
(Bechara, 1999, p.210)
Alguns autores afirmam que esta po+tencialidade dos nomes serem transitivos
tanto quanto os verbos, deve-se principalmente pelo fato destes nomes (substantivo,
adjetivo e advérbio) serem predominantemente derivados de formas verbais. Por
isso, a força predicativa dos verbos se estende aos nomes, garantindo-lhes certo grau
de transitividade. Vejam-se alguns exemplos do paralelismo entre a forma verbal (e
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seus objetos) e a forma nominalizada de tais verbos (e seus complementos).
Forma Verbal / Objeto
Forma Nominalizada / Complemento
a- amar a Pátria.
amor pela pátria
b- combater contra a fome.
combate contra a fome
c- confiar em Jesus.
confiança em Jesus
d- desagradar aos idosos.
desagradável aos idosos
e- gostar de chocolate.
gosto pelo chocolate
f- obedecer aos pais.
obediência aos pais
g- resistir ao cerco
resistência ao cerco
No entanto, há palavras que não se aparentam com verbos correntes no
idioma, o que pode às vezes confundir esta relação dos nomes transitivos aos seus
"originais" verbais. Observemos o que Oiticica (1926, p.189) diz a respeito:
"Muitos substantivos, adjectivos ou advérbios, embora hajam perdido seus
equivalentes verbais, mantêm a fôrça verbal (...) ex.: Útil à nação (de utilidade a
nação). A fôrça verbal de útil vem do latim utilis derivado de uli ou do arcaico
utëre;[estas duas formas podiam ser formas regentes]"
75
Obviamente não precisaremos buscar a etimologia das palavras que não têm
um paralelo verbal na linguagem corrente, para que possamos verificar a capacidade
transitiva destas palavras (nomes). Verifiquem-se alguns exemplos:
[75]- O governo continua bondoso com os inadimplentes;
[76]- Deni é ávido por mulher de cabelos compridos;
[77]- O verdadeiro cristão é avesso a preconceito de qualquer espécie;
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[78]- Aquele ordinário só é caridoso com o sexo oposto;
[79]- Tenho fobia do escuro.
[80]- Algumas pessoas têm ganância de dinheiro;
[81]- Eu sou leal aos meus amigos;
[82]- Os mais velhos costumam ter ojeriza por carnaval de rua.
Nesta mesma direção, Nascentes (1967) fala da semelhança do português ao
latim, no que diz respeito aos elementos que admitem regência, além do verbo. Ou
seja, para ele, o substantivo, além do adjetivo e do advérbio, podem desempenhar o
papel de termo regente.
Aliás, sendo o substantivo o núcleo do sintagma nominal, fica fácil pressupor
que outras classes de palavras relacionem-se com ele de forma muito íntima e
dependente. Por exemplo, na frase "a camisa vermelha". A expressão "vermelha" vai
flexionar-se de acordo com a determinação do substantivo "camisa". Do mesmo
modo, em "o meu carro novo", as expressões "o", "meu" e "novo" não poderiam ser
substituídas por "a", "minha" e "nova" sem que antes, o substantivo, que sinaliza o
número, o gênero, e a referencialidade semântica, determine tal substituição. Por
76
exemplo, se o substantivo "carro" fosse substituído pelo substantivo "casa",
poderíamos ter: "a minha casa nova".
Assim, é razoavelmente claro entender o porquê de os gramáticos admitirem que
um substantivo ou expressão substantivada possa exigir complementos. Conforme
Meyer (1994), do mesmo modo que o verbo, o substantivo pode ter seu significado
completo em si mesmo, ou seja, dispense complemento (intransitivo), mas pode,
também, como o verbo, não ter o seu significado completo nele mesmo, e necessitar
de um complemento (transitivo). Exemplo:
[83]- A moça tinha pavor de avião. (Sarmento, 2000, p.360)
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Imagine-se a frase: "a moça tinha"; uma pergunta seria feita: "o que a moça
tinha?". Para completar o verbo "tinha", responderíamos "pavor". Agora, imagine-se
a frase: "a moça tinha pavor"; outra pergunta será feita: "de que a moça tinha pavor?"
Assim, "de avião" estaria respondendo à pergunta que o substantivo deixou em
aberto, completando-lhe o sentido. Logo, exercendo o papel de complemento
nominal.
Portanto, como diz Nascentes (1967, p.17-18), podemos estender este caráter
de termo regente ao adjetivo e o advérbio, pois, se a regência dos substantivos é
normalmente a dos verbos que lhes são cognatos, a regência dos adjetivos se prende
aos substantivos ou verbos cognatos, enquanto a regência dos advérbios se liga à
regência dos adjetivos. Por isso, em certos contextos adjetivos e advérbios assumem,
também, tal funcionamento
: exigir complemento para que seu sentido se complete. Exemplos:
[84]- A caminhada diária é aconselhável a todas as pessoas. (Sarmento, 2000, p..360)
adjetivo ( vem do verbo aconselhar)
[85]- Agiu favoravelmente ao réu. (Terra, 2001, p.113)
Advérbio (vem do adjetivo favorável que vem do verbo favorecer)
77
Tanto o adjetivo "aconselhável", quanto o advérbio "favoravelmente" pedem
um complemento nominal, caso contrário teríamos alteração ou comprometimento do
sentido.
Por conta desta participação no sistema de transitividade, a tradição
gramatical confere ao complemento nominal o status de termo integrante, ao lado
dos complementos verbais, pois faz parte da oração, sendo elemento não dispensável.
Assim, fica garantida ao complemento nominal uma característica básica que
é a sua participação no fenômeno da transitividade.
Neste ponto em que estamos estabelecendo os parâmetros de funcionamento
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do complemento nominal, vale analisar um comentário feito por Oiticica (1926,
p.188):
"A fôrça predicativa do verbo se conserva geralmente nos substantivos,
adjetivos e advérbios dêles derivados ou seus cognatos. Assim, êsses substantivos,
adjetivos e advérbios continuam a exigir um complemento, verdadeiro objecto
directo ou indirecto a que os gramáticos chamam, impropriamente, complementos
ou adjuntos terminativos."
Temos a impressão que Oiticica ao garantir que os termos que completam a
transitividade dos nomes são verdadeiros objetos está considerando o aspecto
funcional destas estruturas. Na verdade, o fato de completarem o sentido de nomes e
não de verbos, não lhes tira o caráter central da transitividade, logo, poderiam ser
compreendidos como complementos semelhantes aos objetos.
Para que não tenhamos dúvida sobre o que Oiticica afirma a este respeito,
observem-se os exemplos que ele apresenta, entendo-os como exemplos de objeto
indireto (encontramos nos LD e GP exemplos semelhantes, porém com uma
classificação diferente, isto é, complemento nominal):
[86]- "A sentença favorece aos adversários";
[87]- "A sentença é favorável aos adversários.";
78
[88]- "Deu a sentença favoravelmente aos adversários".
Verifiquem-se os comentários que Oiticica faz após os exemplos [86], [87] e
[88]:
"No primeiro exemplo o verbo favorece pede objecto indireto expresso por aos
adversários.(...) Nos outros exemplos o adjectivo favorável e o advérbio
favoravelmente pedem o mesmo objeto indireto: aos adversários, que é o objecto
do favor"
Acreditamos que esta concepção certamente ajudaria muito a diminuir a
quantidade de nomes presentes nos LD e GP, dando notoriedade àquilo que
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consideramos essencial para o aprendizado das estruturas gramaticais: o seu
funcionamento e não a sua classificação. Isto é, acreditar que o aluno seja capaz de
entender, reconhecer e identificar a estrutura, antes mesmo de saber-lhe o nome. Há
um excesso de detalhes, nomes (e suas ramificações) as quais só ajudam a tornar o
aprendizado e/ou ensino de gramática (língua portuguesa) algo enfadonho e cada vez
mais distante da vida prática do aluno. Afinal, o domínio e compreensão do
funcionamento das estruturas de nossa língua é muito mais útil do que o
conhecimento limitado de listas de nomes e conceitos.
Ressaltamos que não desprezamos os estudos sobre as estruturas da língua; o
aspecto normativo e regrado da gramática (inclusive suas nomenclaturas); ou o
aprofundamento nas questões gramaticais, caso contrário, seria um despropósito
nossa pesquisa. Todavia, não acreditamos na eficácia deles durante os períodos
fundamental e médio do ensino, principalmente se eles chegam aos alunos através de
LD e GP que, como vimos, apenas costumam reproduzir os conceitos, e, às vezes, os
reproduzem de forma truncada ou incorreta.
Além da transitividade, outra característica recorrente nas conceituações do
que seria o complemento nominal é a questão da obrigatoriedade da existência de
preposição. É assegurado a esta função sintática o fato de vir regida de preposição.
Melo (1970, p. 214) diz: "O complemento nominal vem regido de preposição e
refere-se a substantivos e adjetivos de sentido relativo, incompleto."
79
Portanto, já podemos definir de forma genérica o que seria um complemento
nominal:
Característica básica: nome que participa do fenômeno da transitividade.
Característica físico-estrutural: termo regido de preposição.
Característica secundária: completa o sentido de um nome (substantivo, adjetivo
ou advérbio).
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Exemplos:
[89]- "O menino tem necessidade de ajuda". (Prates, 1990, p.111)
Observação: a reprodução e/ou repetição de conceitos, às vezes, é tão gritante que
podemos encontrar uma mesma frase em vários LD diferentes. No caso desta frase
especificamente, a encontramos em 8 LD, como exemplo de frase que possui
complemento nominal.
[90]- "Castro era apaixonado por Mercedes" (Nicolla, 1995, p.11)
[91]- "A preocupação com a floresta era passageira" (Bourgogne, 1999, p.80)
[92]- "Ela está tão longe de mim" (Nicolla, 1995, p.11)
[93]- Os jovens europeus obedecem cegamente aos pais.
A partir da nossa definição genérica de complemento nominal, faremos o
Teste de Confirmação, com os 5 exemplos anteriores ([89], [90], [91], [92], [93]).
Teste de Confirmação:
80
Característica básica
Característica
Característica Compl.
físico- estrutural
secundária
Nominal:
S ou N ?
Necessidade de que? Ajuda
De
Substantivo
Sim
Apaixonado por quem? Mercedes
Por
Adjetivo
Sim
Preocupação com o que? a floresta
Com
Substantivo
Sim
Longe de quem ? mim
De
Advérbio
Sim
Advérbio
Não
Cegamente não é um nome transitivo A
Vejamos agora que relação têm estas conclusões com a suposta função
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complemento nominal atribuída ao lhe9:
♦ O lhe pode ser complemento se levarmos em consideração tudo que já foi dito
antes mesmo de falarmos de complemento nominal. Isto é, acreditamos que o
pronome lhe tem status de complemento;
♦ O lhe pode ser complemento nominal, pois em outras ocasiões já confirmamos
que ele pode participar do fenômeno lingüistico denominado regência. Ou seja, é
capaz de completar o sentido de um termo regente, participando do sistema de
transitividade.
♦ Com relação à preposição, é indiscutível a existência de uma preposição implícita
no pronome lhe.
A partir destas afirmações teóricas, podemos pressupor que realmente o
pronome lhe pode desempenhar a função de complemento nominal. Vejamos então
na prática se isto é possível. Para tal utilizaremos nosso "Teste de Confirmação":
[94]- "Um dia, isto lhe será útil." (Henriques, 1997, p.52).
Observação: este exemplo (único) é utilizado na obra de Henriques (1997), para
comprovar que em tal frase o pronome lhe funciona como complemento nominal.
Vejamos se após o "Teste de confirmação", nós concordaremos com ele.
9
As conclusões estão relacionadas às afirmações feitas no capítulo 3, subtítulo 3.1 e 3.2.
81
[95]- "Não posso ser-lhe fiel" (Pasquale & Infante, 1998, p.376).
Teste de Confirmação com os exemplo [94] e [95]:
Característica
Característica S ou
Característica básica
físico- estrutural
secundária
N
Útil a quem ? lhe
A (implícita)
Adjetivo
sim
Fiel a quem ? lhe
A (implícita)
Adjetivo
sim
Realmente estamos diante de exemplos incontestáveis do pronome lhe com
função de complemento nominal.
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A seguir, são apresentados outros exemplos que foram selecionados de um
total de
aproximadamente 800 frases, constantes no CETEMPúblico e
CETEMNTSC/ S.Carlos, nos quais o pronome lhe aparece desempenhando a função
de complemento nominal :
[96]- "Bernd é um cidadão alemão e, assim que lhe foi possível, viajou na limusine à
prova de balas do embaixador alemão até ao aeroporto onde o aguardava um jacto
privado" (Ext 1230 pol,)
[97]- "Que a posição do Vaticano possa ser entendida deste modo por um intelectual
desta craveira - sobretudo a ideia de um malvado voluntarismo de Deus que lhe está
subjacente - deveria fazer refletir os argumentadores oficiais da doutrina da Igreja."
(Ext 282 -nd, 94b).
[98]- "Bernd é um cidadão alemão e, assim que lhe foi possível, viajou na limusine à
prova de balas do embaixador alemão até ao aeroporto onde o aguardava um jacto
privado." (Ext 1230 -pol, 98a).
[99]- "Segundo António Lopes, para além do Governo se deve preocupar com o
pagamento da dívida que lhe diz respeito, podia ter em consideração que uma grande
empresa, que empregue muitos trabalhadores e que por essa via alivie o sistema, não
devia ter exactamente os mesmos encargos que as «empresas de capital intensivo»,
82
que produzem enormes lucros especulativos mas que criam poucos postos de
trabalho" (Ext 1825- pol, 96a).
[100]- "Os que lhe são próximos dizem que a insistência em apertar a mão a todos os
que lha estendem, por cima da muralha de guarda-costas, e um genuíno desejo de
contacto humano são a causa dos atrasos. (Ext 1421 -pol, 94a).
[101]- "Mais tarde, ao chegar ao útero, implanta-se no endométrio, de cujas células
passa a retirar os alimentos que lhe são necessários" (par 411)
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[102]- "No segundo trimestre, se a gravidez evoluir normalmente, por volta do quarto
mês a mulher sentirá os movimentos fetais, experiência que lhe será muito
gratificante" (par 421).
[103]- "Nelson Rodrigues, acompanhando as filmagens de Bonitinha, mas ordinária,
me repetia, entre uma baforada e outra do cigarro que lhe era proibido, que o bom
ator tinha que ser burro." (par 14562).
[104]- "Discretamente, o presidente Fernando Henrique vem estimulando o trabalho
de um grupo especial de estudos, sobre um conjunto de problemas brasileiros, que lhe
poderá ser útil não só neste governo, mas principalmente se houver um próximo."
(par 14940).
[105]- "O Flamengo lhe é tão estranho quanto o Vasco da Gama." (par 17209).
"Vivíamos então no Brasil -- e vivemos ainda -- sob o império das patrulhas
ideológicas, fenômeno que não lhe é estranho: um homem pensa com a própria
cabeça e logo se vê entre dois fogos." (par 39004)
[106]- "Pretendia apenas pesquisar a doença presente da Europa e determinar, caso
lhe fosse possível, os remédios a aplicar." (par 39197)
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[107]- "(...) é preciso dizer que a mulher se descative de uma dependência que lhe é
mortal que não lhe deixa muita vez outra alternativa entre a miséria e a devassidão."
(par 40326)
[108]- "Um controle estatístico verifica qual a relação entre consultas e solicitações
de exames subsidiários, mas isso não é feito com o objetivo de cercear a liberdade de
qualquer médico em solicitar os exames que lhe pareçam necessários, mas visa tão-
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somente a estabelecer melhores padrões de atendimento". (par 41231).
4.4.1
Considerações finais sobre o complemento nominal
A título de conclusão podemos afirmar que realmente o lhe é um
complemento nominal. Contudo, ao observarmos todos os exemplos que
apresentamos, durante a própria seleção das frases, ficou-nos uma impressão: em
todos os exemplos, excetuando o exemplo [99], o pronome lhe se relaciona, ou
melhor, completa o sentido apenas de nomes com categoria de adjetivo ("necessário",
"possível", "estranho", "mortal"). Sendo nula a sua relação com advérbio e rara com o
substantivo. Outra característica do lhe como complemento nominal é o fato deste
adjetivo, com o qual o pronome se relaciona, sempre ter função de predicativo. Para
finalizar, provavelmente por conseqüência da presença do termo predicativo,
pudemos constatar também que sempre há a presença de um verbo de ligação.
Em suma, embora o pronome lhe corresponda às características genéricas que
estabelecemos para delimitar a função complemento nominal, certamente este
pronome possui algumas peculiaridades que o colocam em um subgrupo. Contudo, o
ponto decisivo é constatar que realmente o pronome lhe funciona como um elemento
que completa o sentido de outro.
84
4.5
Pronome lhe como adjunto adverbial ?
Na verdade não vamos discutir esta possibilidade. De fato, só a trouxemos a
título de curiosidade, pois o que mais fizemos neste trabalho foi verificar as faces
funcionais do lhe, logo, não poderíamos deixar de comentar que existem autores que
acreditam nessa outra face, agora circunstancial, do pronome lhe.
Vale dizer que poderíamos até começar uma discussão em torno do assunto,
pois certamente muito há para dizer. Todavia, essa discussão seria apenas mais uma a
questionar uma função sintática. O queremos dizer é que nenhum dos LD ou GP
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pesquisados trouxe à tona esta função do lhe, por isso consideramos improdutivo,
pelo menos por enquanto, discutir esta possibilidade funcional do pronome lhe, tendo
em vista que durante toda nossa pesquisa também pretendíamos analisar o modo
como os conceitos e normas gramaticais (especialmente no que se refere ao lhe)
chegam até o aluno via LD e GP.
De qualquer forma reproduzimos abaixo uma frase em que o lhe é um suposto
adjunto adverbial:
[109]- "Sozinho, pego o prato e ponho-lhe comida". (Henriques, 1997, p.52).
Esta frase é apresentada por Henriques (1997) que a utiliza para justificar a
função adverbial do pronome lhe. Ele sugere que o lhe neste contexto é igual a "nele",
sugerindo então que o pronome desempenha a função de adjunto adverbial de lugar.
Talvez seja prematuro afirmar que o lhe é um adjunto adverbial, pois
acreditamos que há necessidade de um aprofundamento maior, principalmente porque
temos a impressão de que a frase é ambígua, pois pode ser "nele" ("no prato"), como
também "para ele" ("para alguém"). Contudo, algo é certo, na interpretação da frase
feita por Henriques não há a menor dúvida de que exista uma idéia, um sema novo,
expresso pelo pronome lhe.
Entretanto, como já dissemos no início, vamos esperar para ver como esta
suposta função do lhe chega até os LD e GP. Talvez, nesta ocasião, consigamos
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verificar não só como elas se reproduzem e se propagam de uns para os outros, mas
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também de que maneira elas surgem nestas obras.
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