Universidade do Estado do Rio de Janeiro Faculdade de Odontologia Disciplina: Oclusão e dor orofacial Neurofisiologia da dor Alunos: Erinete cezário Maria Canellas Natália Nakamura Roberta Mendonça Thiago Vieira Vanessa Botelho A dor é uma sensação física associada ao ferimento ou a doença, é um processo neurofisiológico extremamente complexo. Quando visto superficialmente, parece ser somente um mecanismo protetor reflexo, com o propósito de alertar o individuo do perigo do ferimento. Isto pode ser observado quando alguém toca um objeto quente e reflexivamente afasta-se, mas este obviamente, não é o único tipo de dor. Muitas vezes a dor é sentida numa parte do corpo muito depois de o ferimento ter ocorrido e dessa forma evitar ou proteger de perigo é desapropriado como única explicação. Para entendermos o mecanismo de funcionamento da dor, precisamos inicialmente compreender e conhecer as estruturas envolvidas nesse complexo sistema, onde estão compreendidas estruturas importantíssimas como: neurônio, tronco encefálico e cérebro, tálamo, hipotálamo, formação reticular, estruturas límbicas e os receptores sensoriais. Neurônio Um dos principais componentes do sistema nervoso é o neurônio. Ele é constituído por corpo celular, dendritos e axônio. O corpo celular garante os nutrientes da célula. Os dendritos são múltiplos prolongamentos ramificados do corpo celular , tendo a função de captar estímulos; o axônio é uma fibra única que deixa o corpo celular para se comunicar com outro neurônio em um local distante, ele também é chamado fibra nervosa e pode se estender de poucos milímetros até um metro. Os impulsos são conduzidos dos dendritos ao axônio por via de um potencial de ação. A membrana celular e carregada negativamente em sua superfície. Quando o neurônio recebe estimulo ocorre uma despolarização dessa membrana , ou seja , ela se torna positiva e essa despolarização vai se propagando ao longo do axônio através de canais iônicos ate alcançar o neurônio seguinte, este é o impulso nervoso. Os sinais nervosos são transmitidos de um neurônio para outro através de junções interneurais chamadas de sinapses. As sinapses ocorrem entre neurônios diferentes predominantemente por meio de contatos com dendritos. Os impulsos nervosos atravessam essas sinapses e criam um potencial de ação conduzido para extremidade terminal do axônio para realizar a sinapse com outro neurônio. Cada terminal pré- sináptico é separado de seu neurônio adjacente por uma pequena distancia chamada de fenda sináptica. Nós temos dois tipos de sinapses, as químicas e as elétricas. As elétricas são encontradas em alguns músculos lisos e cardíacos. Quase todas as sinapses do sistema nervoso central são químicas. Dentro dos terminais pré-sinápticos existem duas estruturas importantes: as vesículas sinápticas e as mitocôndrias. As vesículas contém neurotransmissores que quando liberados na fenda excitam ou inibem o neurônio pós-sináptico. As mitocôndrias são importantes para sintetizar ATP para produção de mais neurotransmissores. Os neurotransmissores podem ser divididos em menores (ação rápida) e maiores (ação lenta). Neurotransmissores de ação rápida São moléculas pequenas, agem rapidamente e são os que causam a maioria das respostas agudas do sistema nervoso, como a transmissão de sinais sensoriais para dentro do cérebro e sinais motores de volta aos músculos. São exemplos: acetilcolina, norepinefrina, glutamato aspartato e serotonina, Ácido Gama- aminobutírico, glicina, dopamina. Neurotransmissores de ação lenta São moléculas grandes, os chamados neuropeptídios, que são produzidas nos ribossomos e não nos terminais pré-sinápticos como os neurotransmissores de ação rápida. Eles apresentam uma ação muito lenta, porem tem um efeito bem mais prolongado sobre o neurônio pós-sináptico. São exemplos: substancia P, Endorfinas, e bradicinina. Eliminação de transmissores nas sinapses A partir do momento em que o neurotransmissor é liberado na fenda, um mecanismo para a sua eliminação deve estar presente para que sua ação sobre o neurônio póssináptico não seja prolongada. Existem três mecanismos pelos quais os neurotransmissores podem ser eliminados: difusão, destruição enzimática ou receptação. Difusão A partir do momento em que os neurotransmissores são liberados eles se difundem para fora da fenda. À medida que o neurotransmissor deixa a sinapse o seu efeito vai se tornando cada vez menor sobre o neurônio pós- sináptico. Destruição enzimática Alguns neurotransmissores são destruídos imediatamente na fenda por ação de enzimas que são liberadas ou que já existem na fenda Receptação Alguns neurotransmissores são ativamente transportados para dentro do terminal pré-sinápticos para sua reutilização. Tronco encefálico e cérebro São os centros superiores localizados no SNC responsáveis pela avaliação e interpretação dos estímulos levados pelos interneurônios. Apresentam áreas importantes como núcleo do trato espinhal, a formação reticular, o tálamo, o hipotálamo, estruturas límbicas e o córtex. Núcleo do trato espinhal Espalhados pelo nosso corpo existem milhares de neurônios primários aferentes que fazem sinapse com interneurônios no corno dorsal da coluna espinhal. Entretanto impulsos provenientes das estruturas buco faciais não entram na medula espinhal através de nervos espinhais. Estes impulsos sensoriais são conduzidos pelo trigêmeo e entram diretamente no tronco encefálico na região da ponte para fazer sinapse com o núcleo espinhal do trigêmeo, que é estruturalmente muito semelhante ao corno dorsal da medula espinhal. Formação reticular É uma região no tronco encefálico para onde ascendem os impulsos dos interneurônios. Dentro da formação reticular ocorre o monitoramento dos impulsos e o controle de todas as atividades do cérebro, intensificando ou inibindo suas ações. Esta região tem fundamental importância na dor e no controle dor. Tálamo É a estrutura por onde os impulsos precisam passar antes de chegar ao córtex. Conforme os impulsos chegam ao tálamo, ele dirige estes impulsos para as regiões apropriadas nos centros superiores. O tálamo dirige o córtex para ação, ou seja, ele transmite a informação e permite que ele se comunique com as outras regiões do SNC, Hipotálamo É a estrutura cerebral responsável por controlar diversas funções no nosso corpo, como por exemplo, sede, fome, temperatura, sistema simpático. Um sistema simpático muito estimulado acarreta no individuo um estado de estresse que pode influencia na percepção da dor pelo individuo. Estruturas límbicas São responsáveis por controlar nosso comportamento e estado emocional. Podem determinar comportamentos como raiva, violência, docilidade e emoções como, por exemplo, depressão, ansiedade, medo ou paranóia. Acredita-se que o sistema límbico interaja com o córtex modulando suas interpretações. Córtex Representa a região externa do cérebro, é constituído em sua maior parte por substância cinzenta. É a região do cérebro responsável pela interpretação de todos os estímulos aferentes que chegam ao SNC. Ele é responsável também por armazenar todas nossas lembranças, nosso pensamento e nossa capacidade de adquirir novas habilidades. O córtex é dividido em áreas que apresentam funções diferentes; há área motora que esta relacionada à função motora de coordenação, uma sensorial que recebe impulsos somatossensoriais para avaliação e há também áreas com sentidos especiais como visual e auditiva. Receptores sensoriais Para que o nosso SNC perceba os estímulos que estão constantemente atuando sobre o nosso corpo, ele precisa de estruturas especializadas em transmitir estímulospara ele. Essa função é exercida pelos receptores esses sensoriais que são estruturas neurológicas ou órgãos localizados em todos os nossos tecidos levando a informação referente a estes tecidos ao SNC por meio de neurônios aferentes. Estes receptores recebem denominações diferentes de acordo com a função inerente a cada um deles. Em função disso podemos classifica-los em: Nociceptores – responsáveis específicos para detectar desconforto e dor. Proprioceptores – responsáveis por fornecer informações a respeito da localização, posição e movimento das estruturas. Interoceptores – Responsáveis por transmitir o estado de órgãos internos O sistema mastigatório utiliza quatro tipos principais de receptores sensoriais para monitorar o estado de suas estruturas: os fusos neuromusculares, órgãos tendinosos de Golgi(localizados nos tendões), corpúsculos de Paccine( localizados nos tendões, articulações, periósteo, fáscia e tecidos subcutâneos) e os nociceptores encontrados geralmente em todos os tecidos. Sensibilização neuronal Quando os neurotransmissores excitatórios são liberados na fenda o neurônio póssináptico é excitado e o impulso nervoso se propaga. Se este neurotransmissor permanecer na fenda ou se este demora a ser eliminado, o neurônio pode ser despolarizado mais rapidamente com o próximo potencial de ação, este processo é chamado de sensibilização, ou seja, ocorre uma diminuição do limiar que causa a despolarização. Esta é uma explicação para o estado de hiperalgesia comumente associado aos tecidos inflamados. Graduação da dor Durante muitos anos pesquisadores acreditavam que a intensidade da dor era dependente do numero de nociceptores que eram estimulados, isto, no entanto não foi provado clinicamente. Hoje em dia acredita-se que a intensidade da dor pode estar relacionada a condições psicológicas e físicas. Os fatores psicológicos relacionam ao estado emocional da pessoa( alegre, triste, controlado, deprimido), os fatores físicos ( descansado, fatigado). O condicionamento prévio influencia a resposta da pessoa ao estimulo nocivo. A inflamação do tecido e hiperemia tendem a aumentar a sensação de dor. Em função disso precisamos distinguir alguns termos que podem gerar certa confusão: nocicepção, dor, sofrimento e comportamento doloroso. Nocicepção É um estimulo nocivo proveniente do receptor sensorial; este estímulo é levado ate o SNC através do neurônio primário. Dor É uma sensação desconfortável percebida no córtex, geralmente como resultado da chegada de um estimulo nociceptivo. Nem todo estimulo nociceptivo é interpretado pelo córtex como dor uma vez que o SNC tem a capacidade de alterar ou graduar o estimulo nociceptivo antes da sua chegada e interpretação no córtex. Desta forma um estimulo nociceptivo pode chegar ao SNC e não ser traduzido como dor. Sofrimento É a forma como o individuo reage a dor. Quando o estimulo nociceptivo chega ao córtex inicia-se uma interação de diversos fatores como experiências passadas, estado emocional, ameaça do ferimento e a atenção dada ao sofrimento. Em função disso o sofrimento pode não ser proporcional à dor. Comportamento doloroso É o termo que se refere às ações e a expressão corporal do indivíduo para tentar transmitir o seu sofrimento para o outro, como por exemplo, gemidos, choro, expressão facial alterada. De que forma o estimulo chega ao SNC? Fibras nervosas As fibras nervosas que levam as informações para o SNC apresentam diferentes espessuras que estão diretamente relacionadas à velocidade de condução. Quanto maior a espessura da fibra nervosa maior é a velocidade. As fibras são divididas em quatro grupos principais de acordo com o tamanho: I(A e B), II, III e IV. Outra divisão utiliza letras maiúsculas com subdivisões gregas: A-alfa , equivale ao grupo I, A-beta, ao grupo II, A-delta ao grupo III e C ao grupo IV. As divisões A-delta e C são as principais condutoras da dor. As fibras A mais espessas (grupo I) transmitem sensação de tato, movimento e posição (propriocepção). Transmissão dos impulsos aferentes ao córtex Quando um nociceptor é estimulado ocorre uma série de eventos que conduz esse estimulo ao SNC e aos centros superiores para interpretação e avaliação. Se o impulso tiver significado , os centros superiores podem passá-lo para o córtex no qual será percebido como dor. A maioria dos impulsos que entram no SNC não atinge o córtex. Os impulsos nociceptivos originados da face e boca podem ser mediados centralmente através de neurônios primários aferentes que passam através do V, VII, IX e X nervos cranianos assim como do I, II e III nervos cervicais. Quando um nociceptor é ativado, o impulso é conduzido ao sistema nervoso central por um neurônio aferente primário; este neurônio aferente entra no tronco encefálico e faz sinapse com um neurônio de segunda ordem que por sua vez conduzira a informação aos centros superiores. Em alguns casos os neurônio pode conduzir o impulso de forma direta superiormente para o mesmo lado do cérebro, porém na maioria dos casos o interneurônio cruzará o tronco encefálico ascendendo no trato anterolateral do lado oposto. Tipos de dor Podemos identificar dois tipos de dor: a dor rápida e a lenta. A dor rápida pode ser facilmente localizada , assim como o local exato de sua origem , e é provável que seja notada pelo individuo como uma dor aguda. Já a dor lenta é muito mais difícil de ser localizada e é sentida como uma sensação profunda, surda e dolorosa esse tipo de dor é conduzida pelas fibras C e a substancia P é o principal neurotransmissor. É de fundamental importância que nós profissionais da saúde saibamos diferenciar a origem da dor e o local da dor que são coisas completamente diferentes. A origem é o local onde ela realmente se origina e o local da dor é onde o paciente relata que sente, mas que não necessariamente se refere a sua origem. Podemos dizer que quando o local que o paciente relata a dor é o mesmo da sua origem de dor primária; quando o paciente relata dor em um local, mas este não é a origem da dor, dizemos que esta é uma dor heterotópica. Existem três tipos de dor heterotópica: dor central, projetada e reflexa. Dor central Quando existe um tumor ou algum problema no SNC a dor não é sentida no SNC e sim em estruturas periféricas como pescoço, ombros, braços e geralmente acompanhado essa dor temos sintomas sistêmicos como náuseas, fraqueza muscular, desordens de equilíbrio. Dor projetada Os pacientes sentem dor nas distribuições periféricas da mesma raiz nervosa que esta envolvida a lesão. Um exemplo disso seria um pinçamento de um nervo na região cervical que produz dor que seria sentida nos braços, mãos e nos dedos. Dor reflexa Nesse caso, a dor não é sentida nos nervos envolvidos, mas em outros ramos nervosos ou até mesmo em um nervo completamente diferente. Um exemplo dor cardíaca , onde o paciente relata dor no pescoço, mandíbula , irradiando para o braço esquerdo em vez da área do coração. Apesar de a dor reflexa ter sido clinicamente reconhecida, o mecanismo preciso pelo qual é criada não foi cientificamente documentado. Parece que certo estimulo ao SNC como uma dor profunda pode criar um efeito excitatório em outros interneurônios associados, esse fenômeno tem sido chamado de efeito excitatório central. Tem sido sugerido que neurônios conduzindo estímulos nociceptivos dentro SNC podem excitar outros interneurônios de duas maneiras. A primeira explicação sugere que se um estímulo aferente é constate e prolongado, ele continuamente gera potenciais de ação que levam a liberação e acumulo de neurotransmissores nas sinapses. Se esse acúmulo é muito grande, essas substâncias podem estimular interneurônios adjacentes, fazendo com que eles se tonem excitados; a partir daí, a informação é levada ao córtex e a resposta é enviada pelo neurônio eferente a dois sítios diferentes. O neurônio originalmente excitado acusa a dor primária, mas o outro neurônio esta sendo excitado centralmente, por isso origina uma dor heterotópica reflexa. Um outro mecanismo para dor reflexa é a convergência. Os neurônios aferentes podem fazer sinapses com um único interneuronio. Este único interneuronio ser um dos muitos neurônios que convergem para fazer sinapse com o próximo interneuronio ascendente. Nessa convergência próxima ao tronco encefálico e ao córtex pode ser extremamente difícil para o córtex avaliar com exatidão a localização precisa do estímulo. Em condições normais ele consegue diferenciar o local do estimulo, porém na presença de dor profunda contínua a convergência pode confundir o córtex resultando em percepção de dor em estruturas normais. (dor heterotópica) Nem todas as dores causam efeito excitatório central, o tipo de dor que pode causar este efeito geralmente são constantes (não intermitente) e tem suas origens em estruturas profundas ( não a pele ou gengiva). Exemplos de estruturas que podem produzir dor profunda são estruturas musculoesqueléticas, neurais , vasculares ou viscerais. De particular importância para nós destacamos o trato descendente do nervo trigêmeo com as raízes dorsais superiores. Este relacionamento explica como a dor profunda na região cervical pode ser refletida para a face. Os neurônios do nervo trigêmeo apresentam interneuronios em comum com o VII, IX e X nervos, explicando assim a dor refletida da região cervical para o nervo trigêmeo. Um outro tipo de dor que pode ser sentida quando os interneurônios aferentes são estimulados é a hiperalgesia secundaria que é um aumento da sensibilidade a estímulos dolorosos. A hiperalgesia primaria resulta quando o aumento da sensibilidade resulta devido a algum fator local como uma farpa no dedo. Isso significa que a origem da dor esta no mesmo local do aumento da sensibilidade. A hiperalgesia secundária esta presente quando a sensibilidade nos tecidos esta presente sem uma causa local. Um local muito frequente onde ocorre hiperalgesia secundaria é o couro cabeludo .Pacientes com dor profunda geralmente se queixa de que os “cabelos doem”, e quando o couro cabeludo é examinado nada é encontrado. Essa situação é bem comum em casos de dor na cabeça e no pescoço. A hiperalgesia secundária difere um pouco da dor reflexa porque quando anestesiamos o local da origem da dor poderá não interromper os sintomas imediatamente, ao contrario a hiperalgesia secundária poderá se estender por algum tempo ( de 12 a 24 horas) após o efeito do bloqueio anestésico o que pode causa confusão no diagnostico. Uma outra situação que também pode acontecer é efeito excitatório central em interneurônios eferentes onde respostas motoras poderão ser percebidas. Um tipo de efeito eferente é o desenvolvimento de uma área delimitada de hipersensibilidade dentro dos tecidos musculares. Estas áreas são chamadas de pontos álgicos .Outro efeito eferente comum secundário para dor profunda constante é a excitação reflexa do músculo que modifica ligeiramente sua atividade funcional.Um exemplo disso é o trismo causado por uma pericoronarite ou uma extração do terceiro molar.