“A política industrial que não houve”.

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Castro, Antonio Barros de. “A política industrial que não houve”. São Paulo: Folha de São Paulo, 23 de
outubro de 2001. Jel: L
A política industrial que não houve
Antonio Barros de Castro
José r oberto Mendonça de Barros e Lídia Goldenstein apresentaram em 1997 uma visão otimista do que
se passaria com as empresas industriais brasileiras, em decorrência da abertura e da estabilização.
Numa primeira fase elas testariam o mercado doméstico com novos produtos (importados). Na medida
em que a resposta se revelasse favorável, elas passariam para uma segunda fase, de investimentos. O
passo seguinte, presumivelmente, seria o avanço das exportações.
A mensagem principal era que estavam sendo montados círculos virtuosos do crescimento; o recado
menos importante, mas politicamente muito oportuno para o governo, era que o êxito requeria algum
tempo -o que os críticos do processo não percebiam.
O texto (que estou citando de memória) era sem dúvida estimulante e provocativo, e sua evocação hoje
pode ser em mais de um sentido útil. Primeiramente, por fornecer um roteiro para indagações sobre o que,
afinal, não deu certo. Além disso, para dar moldura a uma importante (nova) questão: a indústria parece
estar finalmente ingressando numa fase em que as exportações tendem a se expandir. É bem verdade que,
dada a prostração da economia mundial, a ampliação do volume exportado requer preços predatórios e
não poderá se traduzir, a curto prazo, num elevado ritmo de crescimento dos valores exportados. Ainda
assim, por caminhos bastante imprevistos (e nada amenos), estamos chegando à terceira etapa. Faço no
que segue algumas observações a esse respeito.
Na forma em que foi enunciado, o modelo só se aplicaria, na melhor das hipóteses, a multinacionais -que
possuíam em carteira numerosos produtos ainda não testados no mercado brasileiro. Ainda nesse caso,
contudo, a transição para fase exportadora era uma hipótese altamente duvidosa. Lembro-me de que se
dizia à época, a esse respeito, que tornar-se competitivo no mercado doméstico levava, naturalmente
(numa economia aberta), a exportar. A presunção era enganosa.
Ignorava o fato de que os novos produtos a ser lançados no Brasil defrontavam-se, nos centros
desenvolvidos, com mercados saturados. Em tais condições, exportar significativamente exigiria a
concessão de cotas de mercado à filial brasileira. Em outras palavras, supor que a mera conquista de
competitividade no mercado local abre as portas do mercado internacional é um equívoco. Aliás, convém
lembrar, o mercado doméstico continuava relativamente protegido e, digamos, particularmente apetitoso.
Quando mais não seja, pela voracidade da demanda comprovada a cada movimento de retomada. Numa
palavra, as multinacionais tinham que ser, de alguma maneira, induzidas a exportar...
E quanto às empresas nacionais, o que dizer?
O seu problema maior consistia em renovar produtos e processos para reafirmar-se no ambiente
transformado. Muitas conseguiram, penosamente, fazê-lo. No caminho, porém, ficaram empresas
promissoras, essencialmente, por não ter acesso a fontes de financiamento capazes de alavancar as
mudanças necessárias, em tempo hábil. É bem verdade que esse não era o único problema. Como disse o
empresário Sérgio Prosdócimo, em recente entrevista, as empresas estavam, também, "cansadas de levar
sustos". Para praticamente todas as empresas domésticas, contudo, as deficiências do mercado brasileiro
de capitais eram um sério obstáculo. E é face a "falhas de mercado" desse tipo que as políticas industriais
costumam ser eficazes...
Parte da aversão que este país cultivou às políticas industriais -e das quais resultaram prejuízos e
improvisações- nutriu-se, na prática, da sobrevalorização do real no período de 1994 a 1998. De fato, num
contexto de moeda fortemente apreciada, quem se solidarizaria com indústrias que (até muito
recentemente) produziam "carroças" a elevados custos? Felizmente um bom número de empresas
sobreviveu e parece haver se qualificado para conviver no ambiente de uma economia (razoavelmente)
aberta. Muitas, porém, desapareceram. Governos de outros países não teriam agido assim. Isso é típico da
América Latina e de sua tendência para a auto-incriminação e a autoflagelação.
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