STIGLITZ , J

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STIGLITZ , J. AL merece uma chance FSP, 12-9-1998
O redemoinho provocado pela crise na Rússia abalou os mercados de capital de todo o
mundo. No passado, o contágio difundido de um mercado a outro à medida que os
investidores realinhavam carteiras prejudicou países e regiões aparentemente não
relacionados, desafiando qualquer explicação racional. Aprendemos alguma coisa com a
chamada "crise tequila" do México em 95, que inquietou os mercados na Ásia longínqua?
Na aparência, as economias das duas regiões têm pouco em comum: não sofrem dos
mesmos males e suas relações comerciais são limitadas. É difícil encontrar uma
explicação para o declínio num mercado que induz a uma queda rápida dos mercados em
outras regiões -a não ser um pânico irracional que afeta todos eles.
Felizmente, de modo geral, os mercados mostram um tipo de racionalidade coletiva eventualmente. Começam a procurar e identificar as causas da crise. Encontram países
com características semelhantes e distinguem os que apresentam boas condições
econômicas básicas e políticas sólidas daqueles que enfrentam problemas graves. Isso
deverá acontecer novamente; e quanto mais rápido ocorrer, melhores serão as
perspectivas de recuperação da economia mundial.
Entre as regiões prejudicadas pela crise na Rússia encontra-se a América Latina. Como os
mercados são injustos! Nos últimos anos, os técnicos do Banco Mundial e muitos outros
vêm observando com admiração como os países latino-americanos têm superado as crises
em que haviam sucumbido há quase 20 anos. Ditaduras do passado tornaram-se
democracias florescentes. Uma região outrora afetada pela hiperinflação distingue-se
agora por exemplos de disciplina macroeconômica, com inflação de um dígito. Esses
países aprenderam duramente a lição da gestão econômica sólida, mas aprenderam-na
completamente. Empreenderam as reformas mais profundas por si sós, sem pressão
externa. Algumas dessas realizações -como o Plano Real no Brasil, a reforma econômica
na Argentina e uma miríade de inovações econômicas no Chile- atraem o reconhecimento
mundial, servindo de modelo a ser emulado em todo o mundo em desenvolvimento.
Esses países formularam programas que atendem às suas necessidades e se adaptam às
suas circunstâncias. E têm funcionado admiravelmente bem.
As economias em reforma da América Latina compreenderam que os programas públicos
não podem existir sem receitas públicas e, na maioria dos casos, têm conseguido alinhar
esses dois elementos. Aumentaram a receita corrente ou reduziram a despesa, conforme o
necessário. Têm-se empenhado em assegurar o equilíbrio financeiro a longo prazo
mediante a implementação, dentre outras, de reformas de sistemas previdenciários que
servem de exemplo até mesmo para países da OCDE em situação comparativamente
melhor.
As vicissitudes da economia global requerem reajustes frequentes nas políticas e, neste
aspecto também, os países latino-americanos têm demonstrado sofisticação e habilidade.
Reconheceram que nas economias modernas o setor privado é o motor de crescimento e
procuram criar um ambiente propício ao mercado, com a devida infra-estrutura
institucional, inclusive com instituições financeiras consideravelmente mais reforçadas e
políticas normativas acertadas. Essas políticas têm ajudado a criar um ambiente mais
competitivo -contraste marcante com políticas estatais e protecionistas de outrora- com
melhor infra-estrutura e um sistema bancário mais seguro e mais sólido. Os sistemas
bancários latino-americanos receberam reforço especial, principalmente desde a crise do
México, graças a consolidações, liquidações seletivas e nova entrada de bancos
estrangeiros.
Podem-se observar os resultados do êxito dessas políticas nas recentes privatizações,
como a Telebrás no Brasil, que levantou US$ 19 bilhões. Mais expressivo do que os
dólares obtidos para o país foi o voto de confiança que isso representou. O processo de
privatização mostra o melhor da América Latina: equipes econômicas sofisticadas
efetuando leilões abertos, transparentes e altamente competitivos.
Os países latino-americanos têm consolidado as lições dessas reformas de "primeira
geração": políticas macroeconômicas sólidas, privatizações levadas a efeito de maneira
justa e aberta e liberalização do comércio destinada a criar uma economia mais
competitiva. Agora já deram um passo à frente com as reformas de "segunda geração",
reconhecendo a importância das características institucionais da economia, tais como
concorrência e política normativa, e de instituições financeiras sólidas. Enfrentam novos
problemas, como a melhoria dos sistemas educacionais, reforma do Judiciário e redução
da desigualdade tão difusa em grande parte da América Latina.
Nesse aspecto, mostram inovação, aliada à disposição de participar de experiências
calculadas. Em El Salvador e na Nicarágua, por exemplo, já estão em funcionamento
iniciativas para entregar às comunidades locais o controle da educação; e isso acontece
em sociedades assoladas pela guerra civil há apenas uma década. O Banco Mundial está
trabalhando com o Brasil num programa de reforma da terra com base no mercado que
promete melhorar a produtividade agrícola ao oferecer nova esperança a camponeses
sem-terra.
Em todo o continente surge uma nova liderança econômica e política, unida a um sentido
de propósito e unidade nacionais. Reflete-se isso na cúpula de líderes americanos tanto do
Norte quanto do Sul realizada em Santiago em abril deste ano, culminando com o
"Consenso de Santiago", uma visão para o novo século que ressalta os valores
democráticos em que se baseiam as suas políticas.
Os desafios são enormes e haverá obstáculos no caminho em direção ao progresso em um
ou outro país. A trilha da democracia nunca é suave. No entanto, ao examinarmos hoje
essas economias como um todo e ao fixarmos nossos olhares nos anos vindouros,
observamos fundamentos estáveis e um futuro promissor. Vemos governos
comprometidos a enfrentar seus problemas e a construir um consenso social com base em
políticas econômicas sólidas. Chegou o momento de o mercado reconhecer que a
América Latina é diferente e que os prêmios de risco impostos recentemente à região,
pelo mercado em pânico, não são merecidos nem justificados.
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