“A complexa realidade amazônica em nossos dias”.

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Moraes, Rinaldo Ribeiro. “A complexa realidade amazônica em nossos dias”. São Paulo: Gazeta
Mercantil, artigo da quinzena. Jel: Z
A COMPLEXA REALIDADE AMAZÔNICA DE NOSSOS DIAS
Rinaldo Ribeiro Moraes
Participando, recentemente, de uma reunião no Conselho Regional de Economia, em Belém do Pará,
a colega economista, Ana Elizabeth, lançou uma pergunta vertebral, operante e oportuna que, como um tiro
certeiro, inseriu-me em um estado idílico das contemplações do senso comum, quase me deixando sem
resposta. A pergunta: Rinaldo, o que você acha dessa crise toda que está ai, inclusive o apagão? Naquele
momento quase nada disse, ou pouco do assunto conversamos, pois acabara de chegar outros importantes
membros para uma pautada discussão.
Por parte, tentarei atenuar a minha dívida com a Beth, traduzindo, aqui, em poucas linhas, o meu
entendimento da profunda crise que ronda e assombra a atual e frágil dinâmica econômica amazônica. Mais
do que isso, tentarei adotar, neste espaço, um padrão de argumentação que muito se assemelhará a uma
apresentação que me convidaram a fazer, no dia 17 de agosto, do corrente ano, por ocasião da Semana do
Economista, na Casa do Ecomomista, na Travessa Rui Barbosa nº857, que abordará, inclusive, o tema
proposto neste artigo.
Mas, afinal, como podemos interpretar a atual crise que ronda a região amazônica e que muito
debilita a sua tímida economia? Ora, os efeitos dessa crise já são danosos na região, vistos, principalmente,
pelo aumento diário de contingentes de desempregados e pela contínua queda do poder de compra de salário.
Pois bem, então o que está acontecendo com a economia amazônica? Mais do que podemos imaginar,
qualquer análise que se deva fazer para desvendar o atual padrão de crise regional deve passar,
necessariamente, pelo entendimento da (des)ordem dos acontecimentos que estão ocorrendo tanto no plano
da economia mundial, quanto no mosaico de complexidade da economia brasileira.
Do lado da economia mundial, o cenário não poderia ser mais nebuloso. Contribui, para isso, o
constante e agravante solavanco por parte dos Estados Unidos que, paulatinamente, está conduzindo o
mundo capitalista a uma situação de potencial recessão – ou refreada de acumulação de capital com
implicações diretas na renda do consumidor global que, imediatamente, passará a consumir menos e, de
forma direta, no nível macro, afetará o volume de mercadoria importada. Os efeitos, inclusive, já são
sentidos nas principais economias mundiais, com destaque para as potências européias e Japão, que estão
consumindo menos. No plano monetário do G-7, o ien e o euro se revezam no papel de Titanic, versão póscrise (especulativa) asiática.
De forma mais dependente, do lado da crise mundial, o terremoto argentino – mais do que o
solavanco Turco - é outro fator que muito está contribuindo para o agravamento do quadro endógeno da
economia brasileira. Apenas para demonstrar a profundidade da relação siamesa existente entre essas duas
nações, vamos imaginar uma menção de moratória por parte do país vizinho – alias, fato muito provável de
acontecer. Ora, isso seria ainda mais desastroso para o Brasil, pois, de imediato, entraríamos na elevada e
perniciosa zona de risco e de incredibilidade financeira por parte do capital. Em termos reais, toda a América
Latina e, em escala maior, o mundo emergente, inclusive alguns países do leste asiático, entrariam numa
zona de quarentena de inconfiabilidade, do mesmo padrão imposto pelo G-7 aos países da Europa Oriental –
Albânia, Bulgária, Romênia e os estados oriundos da antiga Iugoslávia.
Portanto, é neste cenário intragável da economia mundial que se encontra inserido – pelas avessas - a
economia brasileira. Soma-se, a tudo isso, o desastre do apagão, como decorrência da falta de uma política
energética para o país que, traduzido de uma outra forma, indica que o governo está se habituando em
amarrar as próprias pernas. A crise amazônica atual, que muito atinge e debilita os raros segmentos
competitivos locais e que muito aflige os trabalhadores é, portanto, decorrente dos ventos e eventos exógenos
e endógenos da economia brasileira.
Mas não podemos esquecer que a crise amazônica apresenta algumas características próprias, talvez
decorrente do pífio quadro de acumulação colocado em prática via Grandes Projetos, dentro de um contexto
de estratégia malsucedida de política competitiva de desenvolvimento regional. Disso tudo já sabemos e a
consequência imediata foram duas décadas perdidas – os anos 80 e 90 que, diga-se de passagem, foram de
tais magnitudes inválidas que os seus efeitos são sentidos, ainda hoje, até nos ribeirinhos que habitam e
vendem queijo – saborosos, mas inflacionados - nas proximidades da cidade de Almeirim, no Oeste do Pará.
Podemos finalizar, então, dizendo que a atual crise amazônica é decorrente de quatro fatores: (i)
incertezas na economia mundial, capitaneada pela crise estadunidense; (ii) fragilidade política das
instituições brasileiras, com destaque para o legislativo e judiciário; (iii) incapacidade dos economistas de
Brasília, de forte tendência ultra-liberal, em perceber as especificidades efetivas (e keynesianas, de
intervenção do Estado) da economia nacional – diferente do que fazem os economistas chineses e indianos; e
(iii) herança de uma débil estrutura de desenvolvimento regional, colocado em prática, inicialmente, pela
antiga SPVEA e, depois, por alguns antigos (mas nem tão antigos) coronéis que administraram a Amazônia.
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