Um verdadeiro desafio

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Jornal A Tarde, quinta-feira, 15/01/1976
Assunto:
UM VERDADEIRO DESAFIO
Realmente para estranhar é a falta de conhecimento pela Bahia do que representa o Pólo
Petroquímico de Camaçari para o Estado e o País, porque, segundo se informa, nas obras que
ali se fazem estão sendo aplicados um e meio milhão de dólares por dia. E essa quantia, há
quem diga, daria para a construção de três hotéis Meridien por mês. O faturamento do Pólo,
por sua vez, será de um bilhão e duzentos mil dólares por ano, estando ali trabalhando,
atualmente, dez mil homens que, dentro de seis a sete meses, serão aumentados para
dezessete mil. Ninguém poderá negar o vulto e a importância de tais investimentos,
particularmente quando se tem em mente que a Bahia vinte anos atrás achava-se num
impasse, estarrecida com o “enigma baiano” do seu atrazo e da sua pobreza. Desde então
muito se fez, em Camaçari como em Aratu, em Feira de Santana e nalguns outros pontos do
Estado.
O desconhecimento ou, lendo nas entrelinhas, a falta de reconhecimento e, quase se diria de
gratidão por parte da Bahia, por tantos reais benefícios, não é, como se aventou outro dia,
devida à deficiência de publicidade e as dificuldades opostas pelas indústrias aos repórteres.
Uma possível causa catará na desproporção entre o vulto dos capitais até agora investidos na
industrialização daquela como de outras áreas e os seus efeitos sociais. Em outros termos: o
capital é de fato gigantesco porém o retorno à região é diminuto em termos de empregos
oferecidos, de aproveitamento de mão de obra local, de compras feitas, de atividade
subsidiárias estimuladas. Não há nada de extraordinário em recordar que as análises desse
processo de crescimento mostram a limitada repercussão social das mudanças ocorridas, dos
investimentos feitos, do volume de obras executadas. Os economistas que examinam
situações como essas lamentam que não se houvesse pensado em tempo na implantação de
projetos que beneficiassem mais diretamente e mais universalmente as regiões em causa e
que, ao contrário, se optasse - em países de populações pobres, numerosas e crescentes
como o Brasil - por uma relação altamente desproporcional entre capital e trabalho. Não
podemos esquecer a repercussão imediata que teve na mesma Bahia, independente da
publicidade, o estabelecimento da Petrobrás no Recôncavo, justamente porque, rompendo com
a inércia e a desesperança, trouxe novas perspectivas e, na ordem dos fatos, uma sensível
melhoria de condições de vida para as populações atingidas, valorizando os salários e certos
materiais consumidos pela empresa, movimentando pelas compras o comércio regional,
proporcionando trabalho e emprego a muitos.
Em regimens como aqueles outros, de poucos empregos e muito capital, ocorre paralelamente
um outro efeito social negativo: lucros excessivos para alguns e baixíssimos salários para a
maioria, levando a condições sociais que não conduzem à desejada paz. Assim observava
Paulo VI no Dia Mundial da Paz, chamando a tais sistemas de “capitalismo egoísta” por obrigar
tantos à fome e à submissão. E leva também o hábitos de consumo igualmente injustos, como
lembrava neste começo de ano o cardeal Dom Eugênio Sales arcebispo do Rio de Janeiro, ao
comentar a seguinte observação do New York Times: no último Natal foram gastos nos
Estados Unidos, em presentes, 3 bilhões de dólares, aproximadamente 27 bilhões de
cruzeiros. “Guardadas as proporções, afirmava o nosso prelado, nós não devemos ter ficado
aquém. Dada outra destinação, milhões de seres humanos teriam sido salvos de desnutrição e
morte pela fome”.
Ele ai como se põe, na ordem prática, a falsa oposição entre desenvolvimento e equidade. Em
determinados planos antepõem-se o crescimento econômico e grandeza, o poderio os índices
frios e abstratos da economia à equidade representada por uma distribuição mais universal e
mais equânime dos frutos que o capital somente alcança graças ao trabalho do operário.
Obviamente que o remédio para distorções tão graves da economia não é a violência ou a
revolução, mas por certo, uma tomada de consciência da injustiça gritante, dos calamitosos
efeitos humanos dos ressentimentos gerados e da necessidade de decisivas medidas em favor
da multidão crescente dos cada dia mais pobres, mais miseráveis e famintos. E isto não
dependerá de opção por uma das pontas do falso dilema “desenvolvimento – equidade” mas,
ao contrário, da combinação firme e honesta dos dois elementos, sem delongas e protelações,
que só contribuem para agravar a distancia que vai separando as classes e camadas das
populações. E que cavam diferenças profundas entre regiões de um mesmo país.
Essas providências legais se impõem mais imperativamente e com mais urgência à medida
que se intensificam as crises que pioram as perspectivas para as áreas e os grupos
desfavorecidos. É preciso não perder de vista que se outras camadas e áreas, na pior das
hipóteses, continuarão a dispor de meios para progredir, crescer econômica e politicamente e
para manter seus níveis relativamente altos de consumo e até de dissipação. Sem encarar com
este realismo a questão, nunca se encontrará caminho para uma solução justa,
verdadeiramente humana e cristã. Esse é realmente o desafio, do qual não há como fugir a não
ser pela ilusão.
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