O MESTRE E OS COMEDIANTES. Comédia é para ser engraçada

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Belluzzo, Luiz Gonzaga. "O Mestre e os Comediantes". São Paulo: Folha de São Paulo,18 de
maio de 1995.
O Mestre e os Comediantes
Comédia é para ser engraçada, mas a piada pode não ter qualquer graça
Autor: Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo
Assunto: Economia Brasileira: O Plano Real
Publicado pela Folha de São Paulo em 18/06/95
A comédia "A Balança Comercial" segue fazendo grande sucesso na conhecida
casa de espetáculos Brasil. O enredo, como é de conhecimento geral, trata das
peripécias, desencontros e fiascos dos personagens oficiais e oficiosos à cata do
responsável ou dos responsáveis pelo déficit na conta de comércio.
Os suspeitos mais óbvios são os automóveis. Entre janeiro e abril estas máquinas
formidáveis de transporte, recreação e transtornos garantiram 15% do total do
crescimento das compras no exterior. É, sem dúvida, a maior participação de um
item isolado na formação da taxa de crescimento das importações totais que, diria o
amigo Osmar Santos, não foi fraca, não: 94%, no mesmo período.
O ministro Pedro Malan diverte a platéia com sestros de Laurence Olivier e tiradas
de Peter Sellers. Esta combinação rara de talentos assegurava que os maiores
suspeitos para o déficit de maio eram os petroleiros. Infelizmente, os números da
balança comercial do mês não confirmaram as divagações do inspetor Malan que,
no episódio, lembrou o chefe de polícia interpretado em Casablanca por Claude
Rains: "Prendam os suspeitos de sempre".
Conversa vai, conversa vem, suspeitos de lá, suspicazes de cá, foi defenestrado o
secretário de Comércio Exterior José Tavares de Araújo. O secretário-relâmpago
levou a brincadeira a sério e deitou falação à Folha sobre os equívocos da abertura
comercial, ocasião em que ainda se pronunciou sobre as besteiras cometidas nas
negociações da Tarifa Externa Comum do Mercosul.
Comédia é para ser engraçada, proclamaria o Conselheiro Acácio. Daí o
personagem que se meter a sebo e tentar descobrir os verdadeiros culpados deve
ser riscado do script. Assim foi feito com o imprudente Araújo que, de sobra,
desrespeitou a parêmia popular: "Em ninho de tucano, nhambu não pia".
Mas a piada do Zé Tavares pode não ser engraçada. O exame dos números da
balança comercial indicam que diante da valorização insensata da taxa de câmbio e
da queda violenta de tarifas está ocorrendo uma mudança importante na
composição da demanda agregada entre bens importados e bens produzidos
internamente. Os consumidores e as empresas, como reza a boa teoria,
responderam à rápida alteração de preços relativos e passaram a adquirir, em
proporção maior, bens produzidos no estrangeiro.
Quer dizer: o crescimento das importações não está apenas relacionado com o
aumento da renda e do nível de atividade, mas também com a ampliação da
demanda de importados para o mesmo patamar de renda e de atividade. Na
ausência de um reajuste da taxa de câmbio, a obtenção de resultados positivos na
balança comercial vai exigir seja uma escalada na imposição de restrições
quantitativas, seja uma recessão de respeitável intensidade.
Analisada através do comportamento das exportações, a balança comercial revela
um desempenho inferior dos manufaturados. A responsabilidade maior pela
variação positiva de 9,6% do total das exportações repousou, entre janeiro e abril
deste ano, nos ombros dos produtos básicos e semimanufaturados.
A despeito de nossa conhecida inclinação para a originalidade e para o espetáculo
da má controvérsia ideológica, nada do que está acontecendo é novo. Pior: nada do
que vai acontecer será surpreendente, salvo para os pasmados e apatetados da
modernidade.
Se não acreditam, ouçam as lições do professor (deles) Rudiger Dornbusch sobre o
caso em tela.
Ensina o professor: "Eis o que acontece quando a taxa de câmbio está fora do
lugar. Primeiro: aumento das importações e redução das exportações. Segundo:
redução na produção doméstica, no emprego e na receita de impostos. Terceiro: as
antecipações dos mercados financeiros acabam impondo uma desvalorização
desesperada. Quarto: as taxas de juros serão elevadas e causarão danos à
economia".
Estes quatro demônios da valorização cambial estão analisados minuciosamente no
livro editado por Dornbusch e Helmes, em 1988, "The Open Economy". Vamos reler
o mestre, moçada!
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