Àqueles que se riem de toda a moralidade, considerando-a

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Fundamentação da metafísica dos costumes, parágrafos 2, 3 e 4 da segunda parte.
Àqueles que se riem de toda a moralidade, considerando-a simples quimera da
imaginação humana que excede a si mesma levada pela presunção, não se lhes pode fazer mais
desejado favor do que conceder que os conceitos do dever (como muitos estão persuadidos, por
comodidade, que sucede também com todos os outros conceitos) têm de ser derivados
unicamente da experiência; desse modo lhes preparamos um triunfo certo. Quero conceder, por
amor aos homens, que a maior parte de nossas ações são conformes ao dever; mas, se examinam
mais de perto as suas aspirações e esforços, depara-se por toda a aparte com o amado EU que
continuamente se sobressai, e é nele, e não no rigoroso mandamento do dever, que muitas vezes
exigiria a auto-renúncia, que a sua intenção se apóia. Não é preciso ser um inimigo da virtude;
basta observar o mundo com um sangue-frio que não tome imediatamente o mais ardente desejo
do bem pela sua realidade, para, em certos momentos (sobretudo quando o observador é já de
idade avançar e tem um juízo apurado em parte pela experiência, em parte aguçado para a
observação), nos surpreendemos a duvidar sobre se poderá se encontrar no mundo alguma
verdadeira virtude. Nessa conjuntura, para nos impedir uma queda de nossas idéias de dever, para
conservarmos na alma o respeito, fundado pela lei, nada como a convicção clara de que, mesmo
que jamais tenha havido ações emanadas dessas fontes puras, pois a questão aqui não é a de saber
se acontecesse isso ou aquilo, mas a de que razão, por si mesma e independentemente de todos os
fenômenos, ordena o que deve suceder; de forma que ações de que o mundo até agora talvez não
deu nenhum exemplo, e até de cuja possibilidade de realização poderá duvidar amplamente quem
tudo fundamente experiência, são indubitavelmente ordenadas pela razão. Assim, por exemplo, a
pura lealdade na amizade não pode ser menos exigível de todo o homem pelo fato de até agora
talvez não ter existido nenhum amigo leal, porque esse dever reside, como dever que é em geral,
anteriormente a toda a experiência, na idéia de uma razão que determina a vontade por motivos a
priori. Acrescente-se a isso que, a menos que se queira recusar ao conceito de moralidade toda a
verdade e toda a relação como objeto possível, não se pode contestar que a sua lei é de tão
extensa significação que tem vigência não só para homens, mas para todos os seres racionais em
geral, não só sob condições contingentes e com exceções, bem como de modo absolutamente
necessário, tornando-se então evidente que nenhuma experiência pode dar motivo para inferir
nem sequer a possibilidade de semelhantes leis apodícticas. Pois com que direito podemos
tributar um respeito ilimitado, como prescrição universal para toda a natureza racional, àquilo que
só é válido talvez nas condições contingentes da humanidade? Como iríamos considerar as leis da
determinação de nossa vontade como leis da determinação da vontade de um ser racional em
geral, e só como tais verdadeiras para nós se fossem meramente empíricas e não tivesse sua
origem plenamente a priori da razão pura, mas ao mesmo tempo prática?
O pior que se pode fazer à moralidade é tentar deduzi-la de exemplos. Pois cada exemplo
que me seja apresentado tem de ser previamente julgado segundo princípios da moralidade para
se saber se é digno de servir de exemplo original, isto é de modelo; mas o exemplo não pode, de
modo algum, ser o que nos proporcione o conceito de moralidade. Mesmo o Santo Evangelho
tem de ser comparado antes de tudo com nosso ideal de perfeição moral antes de o
reconhecermos como tal; diz ele de si mesmo: “Por que me chamais bom (a mim que estais
vendo)? Ninguém é bom (o protótipo do bem) senão só o único Deus (que vós não vedes). Mas
de onde tiramos o conceito de Deus como bem Supremo? Tão-somente da idéia que a razão a
priori bosqueja da perfeição moral e une indissoluvelmente ao conceito de vontade livre. A
imitação não tem lugar algum na moral, e os exemplos servem apenas para encorajar, Istoé, põem
fora de dúvida a possibilidade de fazer o que a lei manda, tornam intuitivo aquilo que a regra
prática exprime universalmente, sem nunca poder justificar que se ponha de lado o seu verdadeiro
original, que reside na razão, para reger-se por exemplos.
Se, pois, não há nenhum autêntico princípio supremo da mortalidade que,
independentemente de toda experiência, não tenha de repousar na razão pura, creio que não é
necessário nem sequer perguntar se será bom expor esses conceitos, e todos os princípios
pertencentes a eles, de maneira geral (in abstracto), enquanto o seu conhecimento deve se
distinguir do vulgar e chamar-se filosófico. Mas nos tempos atuais poderia ele ocasionalmente ser
necessário. Pois, se quisesse reunir votos sobre a preferência a dar ao puro conhecimento racional
separado de todo o empírico, portanto uma metafísica dos costumes, ou à filosofia prática
popular, logo se adivinharia para que lado penderia a balança.
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