Resenha da Internet – Terça, 17 de março de 1998 A crise não acabou Multiplicam-se sinais de dificuldades na economia japonesa. Líderes dos países ricos insistem em acordo com ditadura Indonésia, para afastar risco de novos tremores nos mercados internacionais A crise “asiática” ficou para trás, como repetem todos os dias os comentaristas dos jornais e da tevê? Dois indicadores econômicos relevantes, divulgados no último final de semana no Japão, indicam que é preciso mais cautela para responder a esta questão. As vendas de automóveis novos caíram 22% em fevereiro, comparadas com o mesmo mês de 97. As exportações para o resto da Ásia – hoje o principal mercado internacional para os produtos nipônicos -- recuaram 11,5%, no mesmo mês. Embora parciais, os números sugerem algo grave. É possível que nos próximos meses o Japão seja “contaminado” pelo vendaval econômico que começou na Tailândia, no ano passado – mas que evidentemente tem causas muito mais profundas, e terá conseqüências ainda imprevisíveis. POLÍTICA ANTI-RECESÃO DO BC JAPONÊS ESTARIA ESGOTADA...: Quem trabalha com esta hipótese não são apenas economistas ligados à tradição marxista – mas a revista inglesa “The Economist”, talvez a defensora mais refinada da globalização sob controle dos Estados Unidos. Um dos editoriais desta semana [http://www.economist.com] lembra que o Bank of Japan (banco central japonês) tem oferecido dinheiro a juros próximos a zero, para evitar uma recessão profunda. As condições para manter tal política monetária estão se esgotando rapidamente, insinua “The Economist”. ...SINTOMAS SERIAM OS MESMOS QUE MERCARAM AS DEPRESSÕES DO INÍCIO DO SÉCULO...: Nos subterrâneos da economia japonesa, estariam se manifestando dois fenômenos típicos das crises econômicas clássicas, que o capitalismo tem conseguido evitar desde os anos 30: a superprodução e a insolvência das dívidas. Nos anos 80, as empresas japonesas fizeram enormes investimentos, confiantes na manutenção do desempenho econômico que parecia conduzir o país a uma supremacia industrial indiscutível. O sonho se desfez no início desta década, quando a produção estancou. Os investimentos, porém, foram mantidos, graças a uma taxa de juros que está há muitos meses entre 0% e 2% ao ano. ... E PARECIAM AFASTADOS NAS ÚLTIMAS DÉCADAS...: Por algum tempo, a queda do iene frente ao dólar permitiu manter as vendas externas. Mas o esquema teria entrado em pane no final de 97. Os terremotos sofridos por diversas economias asiáticas afetaram as exportações nipônicas. A desvalorização abrupta das moedas da região tornou muito incerto o pagamento de empréstimos massivos feitos pelos bancos japoneses. Os sinais de insolvência chegaram ao próprio Japão, com a falência da quarta maior corretora (a Yamaichi Securities) e de um grande banco (o Hokkaido Takushoku). Importantes setores da economia estariam pesadamente endividados. ...CONTAMINAÇÃO INTERNACIONAL PODE SER INEVITÁVEL: “The Economist” faz previsões categóricas: “mais falências parecem inevitáveis (...) Isso significará crescimento agudo do desemprego (...) O consumo, já deprimido, deve cair ainda mais”. Será difícil evitar que os efeitos se propaguem pelo mundo. “O Japão parece pronto para uma recessão severa. Como sua economia é maior que as da Inglaterra, França, Itália e Canadá reunidas, mesmo o efervescente mercado de ações dos EUA terá grande dificuldade para ignorar tal solavanco”, diz a revista. PROFESSOR MARXISTA ALERTA PARA CRISE HÁ MESES...: A idéia de que as turbulências “asiáticas” são apenas parte de uma crise mais profunda não é original. Ela tem sido defendida com ênfase, desde o início desse ano, pelo professor François Chesnais, um estudioso singular das transformações econômicas do século 20. Docente na Universidade de Paris, ex-assessor da OCDE, Chesnais é crítico do capitalismo e partidário declarado da “superação” desse sistema social. ...E DIZ QUE ELA ESTÁ ASSOCIADA AO NEOLIBERALISMO...: Em seu livro “A Mundialização do Capital”, publicado no começo da década, ele sustenta que o período neoliberal corresponde à substituição do “fordismo”, que marcou as economias ocidentais do pós-guerra ao final dos anos 70, por um novo “regime de acumulação” capitalista. A característica essencial do modelo seria o domínio da esfera financeira. A partir da era Reagan, as restrições à movimentação internacional de capitais foram eliminadas. A liberdade do dinheiro concentrou riqueza como nunca, e ressuscitou o fantasma das grandes crises econômicas. As turbulências na Ásia seriam a concretização mais clara desses riscos. ...TEÓRICOS CONSERVADORES PROCURAM SAÍDA POLÍTICA...: O editorial de “The Economist” indica que, na prática, os teóricos neoliberais admitem a volta das crises clássicas -- e de certa forma procuram saídas políticas para elas. Em todos os países asiáticos atingidos até o momento, a receita tem sido o que o subcomandante Marcos chamou de “bomba financeira”. As nações contaminadas pela crise só são reintegradas ao sistema após pagarem um pedágio que inclui desemprego em massa, desmantelamento dos serviços públicos, queda abrupta do nível de vida das maiorias e em especial abertura completa da economia ao capital financeiro internacional. ...QUE IMPLICA EM PIORA DRÁSTICA DAS CONDIÇÕES DE VIDA...: É complicado impor esta receita amarga aos povos sem provocar mais instabilidade – mas tudo é possível, enquanto não há resistência internacional consistente ao neoliberalismo e ao poder imperial dos Estados Unidos. Na Coréia do Sul, o programa de “reestruturação” imposto pelo FMI é aplicado pelo presidente Kim Dae Jung. Eleito no final de 97 graças a seu passado democrático, ele está liquidando em poucos meses os direitos trabalhistas que seus antecessores autoritários não conseguiram eliminar ao longo de anos. Na Indonésia, um país muito mais pobre, a situação é dramática. ... E VEM SENDO DEBATIDA HÁ MESES COM DITADOR INDONÉSIO: A economia está tecnicamente quebrada desde que a rúpia, moeda nacional, perdeu três quartos de seu valor em seis meses. O país é governado pelo ditador Suharto, que consolidou seu poder depois de promover, nos anos 60, massacres que custaram 500 mil vidas, segundo cálculos da imprensa ocidental. Mas há valores mais fortes, para as nações ricas, que os direitos humanos. Nos últimos anos, elas emprestaram 74 bilhões de dólares à Indonésia. Uma eventual moratória dessa dívida poderia provocar, ninguém duvida, uma terceira onda de tremores sobre os mercados financeiros da Ásia e do resto do mundo. ACORDO ESBARRA EM DIFICULDADES POLÍTICAS...: Há cinco meses o FMI busca, através de um acordo com o ditador, devolver a tranqüilidade dos mercados de dinheiro. Um empréstimo de 40 bilhões de dólares poderia salvar os credores estrangeiros, mas falta acertar detalhes. O Fundo não pode liberar o dinheiro sem submeter a economia indonésia a mesma “reestruturação” imposta ao México, à Coréia, aos países que virão... Suharto não quer dividir com capitais externos o controle das empresas de seus filhos, nem pode eliminar os subsídios sobre os preços dos alimentos. Quando tentou fazê-lo, no início do ano, o povo saqueou armazéns. Agora, os estudantes desafiam a polícia. ... PAÍSES RICOS NÃO ESCONDEM NERVOSISMO...: Tudo se complicou, nas últimas semanas. O ditador recebeu a visita do ministro das Finanças da Alemanha, Theo Waigel, do enviado especial do presidente Clinton, Walter Mondale, e, no último fim-de-semana, do primeiro-ministro do Japão, Ryutaro Hashimoto. O acordo não saiu. Na manhã de hoje, a secretária de Estado dos EUA, Madelene Albright, interveio através de um telefonema a Hashimoto. Confessou que está “seriamente preocupada” com a Indonésia. Mas lembrou que sem a recuperação da própria economia japonesa a crise “asiática” não será afastada. ...MAS SE PREPARAM, NOS BASTIDORES, PARA TEMPOS DIFÍCEIS: O dramaturgo brasileiro Oduvaldo Vianna Filho, o “Vianninha”, costumava dizer que olhar nos olhos de nossa crise é meio caminho andado para resolvê-la. O editorial da revista “Economist” sobre o Japão termina com uma profecia sinistra. Diz que a provável depressão nipônica vai provocar “dor imensa” – mas sustenta que é o tipo de “reestruturação de que a economia japonesa precisa”. É bom saber o que os neoliberais planejam, enquanto pedem que confiemos na ordem mundial “saudável” que construíram.