Questões Geopolíticas Centrais A OTAN E A PESD: DUAS REALIDADES COMPLEMENTARES OU CONCORRENTES? A Aliança Atlântica continua a ser importante para manter a paz Kantiana europeia. Garante não só a segurança externa das “repúblicas” europeias como a estabilidade interna na Europa. (Marques de Almeida & Rato, 2004: 31) Catarina Mendes Leal@ INTRODUÇÃO Após a II Guerra Mundial assistiu-se à construção de uma nova ordem internacional. Com a emergência da ameaça soviética, a Europa deparou-se com dois problemas: por um lado, o problema “nacionalista” e, por outro, os planos hegemónicos da URSS. Assim, assistiu-se à constituição da OTAN, em 1949, com a finalidade de garantir a segurança dos países europeus; e, ao início do processo de integração europeia, a partir de 1952 (com a criação da CECA), procurando pôr termo ao problema nacionalista europeu. Ao longo de mais de meio século, a OTAN procurou responder e adaptar-se à evolução da cena internacional: alterou o seu Conceito Estratégico, transformou a sua estrutura e passou por três tipos de alargamento – campo de actuação geográfica, parcerias e abertura a novos países. Paralelamente, a Europa tem percorrido um caminho de integração crescente em várias áreas. Em termos de defesa, este caminho não se tem revelado fácil. Iniciado em 1952, com a tentativa frustrada da criação da CED, foi-se desenvolvendo através da criação da PESC, em 1992, da cooperação com a UEO, da consagração da PESD pelo Tratado de Nice. O desenvolvimento da Identidade Europeia de Segurança e Defesa no seio da OTAN permitiu o desenvolvimento de relações mais próximas no quadro euro-atlântico. Não obstante, a organização preponderante da arquitectura de segurança europeia continua a ser a OTAN; é ela a responsável pela defesa colectiva dos seus membros, tanto mais que, até ao presente, a UE ainda não dispõe de uma verdadeira PESD. @ [email protected]. Departamento de Prospectiva e Planeamento Informação Internacional, Vol. I, 2004 Após os atentados de 11 de Setembro de 2001 contra os EUA tudo se alterou na ordem internacional: a ameaça do bioterrorismo ou de uso por forças irregulares de armas de destruição maciça (ADM), a demonstração do poderio militar americano no Afeganistão e no Iraque. Estes factos tiveram um impacto a nível político, nas instituições internacionais, na segurança, nas negociações comerciais, multilaterais, e regionais. O 11 de Setembro reforçou a liderança norte-americana do sistema mundial num mundo unipolar. Desde a queda do muro de Berlim sempre que intervêm numa crise externa, os EUA, aumentam a sua rede de bases militares em todo o planeta. Todavia, apesar de serem os mais poderosos, são também vulneráveis. Verifica-se uma profunda crise sistémica da ordem vestefaliana. A alternativa ainda está a ser desenhada. O princípio da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados foi preterido pelo conceito de intervenção de humanitarismo universal ou de jurisdição universal (de que são exemplos – as intervenções humanitárias militares dos EUA na Somália, no Haiti, na Bósnia e no Kosovo). O conceito de Estado-nação está a passar por uma metamorfose, assistindo-se ao agrupamento de vários Estados, de forma a poderem desempenhar um papel que sozinhos não conseguem ter. A expressão mais significativa desta tendência é, sem dúvida, o processo de UE. Neste quadro, os EUA necessitam de velhas e seguras organizações, nomeadamente, da ONU e da OTAN. Por um lado, a ONU tem um peso político de que os EUA necessitam para a legitimação sob a forma de um compromisso universal de prioridade da guerra ao terrorismo e para a implementação de uma política global de não proliferação. Por outro lado, os EUA nem sempre desejam, nem têm capacidade para actuarem sozinhos, necessitando de partilhar o fardo militar e a interoperacionalidade de uma pool de forças, militares e de inteligência aliadas e organizadas pelos EUA, para várias situações de emergência – daí a importância da OTAN. 1. A OTAN NO MUNDO 1.1. A Evolução e Objectivos da OTAN A OTAN foi fundada a 04 de abril de 1949, através da assinatura do Tratado do Atlântico Norte, em Washington, dando origem a uma Aliança de Defesa Colectiva, de acordo com o definido no artigo 51º1 da Carta das Nações Unidas, não necessitando de autorização do Conselho de Segurança da ONU para qualquer acção. O Tratado tem uma duração indefinida. 1 Artigo 51 da Carta das Nações Unidas: direito inerente dos Estados independentes à defesa individual ou colectiva. 200 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes Os Estados fundadores foram 12: dois do continente americano – EUA e Canadá; dez do continente europeu – Bélgica, Dinamarca, França, Holanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal2 e Reino Unido. De acordo com o artigo 10 do Tratado, a Aliança está aberta à adesão de outros Estados europeus que estejam em condições de defender os seus princípios e contribuir para a segurança da zona do Atlântico Norte. Daí que já tenham tido lugar alargamentos a outros países (conforme se analisará mais à frente), tendo actualmente a aliança 26 membros. Contexto Político e diplomático da criação da OTAN A OTAN surge devido ao fim da II Guerra Mundial, facto que marca o fim do euro-mundo. Com efeito, emergem dois impérios opostos, quer geográfica, quer politicamente – EUA e URSS. A cadência universal irá ser marcada pelo jogo político e militar destes dois blocos. Em 1945, os EUA confrontam-se com o enfraquecimento dos Estados europeus: a França e o Reino Unido estavam económica e moralmente de rastos; a Alemanha era um país derrotado e ocupado pelos aliados. Entre 1945 e 1949, os EUA e os países da Europa Ocidental assistiam com preocupação às políticas e aos métodos expansionistas da URSS. Os líderes soviéticos mantinham intacta a potência das suas forças armadas. A imposição de formas de governo não democráticas e a repressão de uma oposição efectiva dos direitos humanos e civis básicos e de liberdade em muitos países da Europa Central e de Leste, bem como noutras partes do mundo. Passara a esperança do tempo de Elba, a Guerra Fria começava a tomar os seus contornos. Entre 1947 e 1949 ocorrem uma série de eventos políticos dramáticos que vão precipitar os acontecimentos. Ameaças directas à soberania da Noruega, da Grécia, da Turquia e de outros países da Europa Ocidental; o golpe de Estado na Checoslováquia (1948); o Bloqueio de Berlim (1948). É curioso notar que, numa primeira fase, no rescaldo da II Guerra Mundial, a França e o Reino Unido ainda temendo a Alemanha e outros perigos eventuais, sentiram a necessidade de se unirem, assinando o Tratado Bilateral de Dunquerque, em Março de 1947. Este Tratado contemplava a defesa mútua face a um ressurgimento da ameaça alemã; e, representou o princípio da cooperação militar entre os Estados europeus, no pós-1945. No entanto, após o Tratado de Dunquerque, dá-se o Golpe de Praga. Com o apoio dos EUA, em Março de 1948, era assinado o Tratado de Bruxelas entre os países do BENELUX, França e Reino Unido, com o objectivo de desenvolverem um sistema de defesa comum e de 2 Portugal deve a sua entrada como membro fundador devido ao arquipélago dos Açores. Com efeito, para os EUA, os Açores representavam uma posição geoestratégica decisiva para a sua segurança a Leste e para a projecção de forças para a Europa e a toda a zona do Mediterrâneo. Departamento de Prospectiva e Planeamento 201 Informação Internacional, Vol. I, 2004 reforçarem os laços existentes entre si de maneira a poderem enfrentar qualquer ameaça de natureza ideológica, política e militar que pudesse colocar em causa a sua segurança. Este Tratado já era claramente vocacionado contra a ameaça soviética.3 Entretanto, o Bloqueio de Berlim vai originar um giro histórico na diplomacia norteamericana: em 11 de Junho de 1948, o Congresso aprovava a Resolução Vandenberg4, mediante a qual o poder executivo norte-americano passava a ter autorização para realizar alianças em tempo de paz, fora do continente americano. Esta resolução marcou o fim do isolacionismo norte-americano. A partir de então iniciam-se os contactos entre os EUA, Canadá, os cinco Estados-membros do Tratado de Bruxelas, Dinamarca, Islândia, Noruega, Itália e Portugal para a edificação de uma organização que congregasse esforços da América do Norte e da Europa Ocidental, numa defesa colectiva das duas margens do atlântico. Assim, nascia a OTAN. Objectivos, Evolução do Conceito Estratégico e Estrutura da OTAN Em 1950, com o desencadeamento da Guerra da Coreia, foi criada uma estrutura militar permanente – a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Apesar de Aliança do Atlântico e OTAN não serem exactamente o mesmo, utilizam-se como sinónimos. Seis anos após a criação da OTAN surgiu o Pacto de Varsóvia5, consolidando a aliança entre a URSS, a Polónia, a Checoslováquia, a Hungria, a Roménia, a Bulgária, a Albânia, e, a partir de 1956, a RDA. De acordo com o artigo 10º, a OTAN é uma organização aberta, que em determinadas condições aceita novos membros (um Estado é convidado por unanimidade). Em 1952 a Turquia e a Grécia aderiram à Aliança, em 1955 entrava a RFA e em 1982 a Espanha. A 3 Com base no Tratado de Bruxelas (1948) e no Tratado de Paris (assinado em 1954) nasceu a União Europeia Ocidental (UEO) – uma organização de simples cooperação, cuja importância foi diminuta devido à criação da OTAN. 4 A Resolução Vandenberg deve o seu nome ao facto de ser esse o nome do Presidente Republicano da Comissão dos Assuntos Externos do Senado. 5 O Pacto de Varsóvia surge em Maio de 1955, por um conjunto de razões intimamente ligadas à política externa soviética: por um lado, foi a resposta à entrada da RFA na OTAN, enfrentando a política do Ocidente; por outro, visou estabilizar e dar coesão ao seu cordão sanitário, às suas conquistas pós-45 e em função deste, permitir preocupar-se com os problemas da RPC. Foi, portanto, um instrumento criado para garantir a criação do comunismo e do socialismo. Concretamente, o Pacto de Varsóvia formalizava uma série de Tratados de Defesa Bilaterais entre os países da Europa Oriental e de Leste. Encarregado da defesa mútua, reuniu e organizou, sob o comando soviético, as forças armadas dos Países de Leste. O Pacto de Varsóvia serviu de enquadramento às intervenções militares na Hungria (1956) e na Checoslováquia (1968). O Pacto de Varsóvia foi dissolvido em 1991. 202 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes Republica Checa, a Hungria e a Polónia aderiram em 1999. Recentemente, em 2004, entraram a Estónia, a Letónia, a Lituânia, a Eslovénia, a Eslováquia, a Bulgária e a Roménia. O artigo 5º é a chave do Tratado, em caso de agressão contra um Estado-membro, todos os restantes comprometem-se a tomar as medidas necessárias, incluindo o emprego da defesa armada para restabelecer e assegurar a segurança na região do Atlântico Norte. A OTAN tem dois tipos de objectivos, nomeadamente: ◆ Objectivos de carácter geral o Consagrados no preâmbulo do Tratado (os quais correspondem ao artigo 52º da Carta das Nações Unidas), nomeadamente, salvaguardar a liberdade dos seus povos, a sua herança comum e a sua civilização, fundadas nos princípios da democracia, das suas liberdades individuais e do respeito pelo direito; o Garantir a estabilidade e o bem-estar na área do Atlântico Norte6. ◆ Objectivos específicos o Têm um carácter gradativo estando estatuídos nos vários artigos do Tratado de Washington e sempre de acordo com o artigo 5º do mesmo, a saber: 1. A resolução pacífica de qualquer conflito em que os Estados-membros se encontrem inseridos, tal como na carta das N.U (artigo 1º); 2. Promover as relações internacionais pacíficas e amigáveis e estimular a cooperação económica entre os Estados-membros (artigo 2º); 3. Desenvolver da capacidade individual e colectiva para resistir a um ataque armado - capacidade de resposta eficaz a um conflito (artigo 3º); 4. Cooperação defensiva e assistência mútua, enquanto objectivos centrais da Aliança (artigo 5º); tendo como particularidade que cada Estadomembro tem a liberdade de tomar as medidas que considere necessárias para responder à ameaça. Isto significa que a intervenção militar de um Estado-membro na defesa de outro Estado-membro não é de carácter obrigatório7. 6 Segundo o artigo 6º do Tratado de Washington, a OTAN auto-limitou-se geograficamente ao Norte do Trópico de Câncer. Trata-se de uma particularidade, dado que em 1966 com a retirada da França, sob a égide de DeGaulle, cessaram alguns Tratados Bilaterais em relação à França (entre eles, o de salvaguardar o território da Argélia – antiga colónia Francesa). 7 Ao contrário do que se verificará no Tratado de Paris que funda a UEO em que, face a um ataque a um dos membros, todos os outros são obrigados a responder – automaticidade de resposta. Departamento de Prospectiva e Planeamento 203 Informação Internacional, Vol. I, 2004 Segundo Pezarat Correia (2004:121), a OTAN tinha dois objectivos explícitos e um implícito, nomeadamente: ◆ Objectivos explícitos – contenção da expansão da URSS e a manutenção da Alemanha (RFA) controlada dentro do sistema de segurança colectiva; ◆ Objectivo implícito – a constituição da OTAN como instrumento de liderança norteamericana no bloco ocidental, ou seja, a assunção do papel de suporte militar de um dos pólos do sistema bipolar. Com efeito, citando um excerto do livro de Pezarat Correia (2004:121), Lord Ismay, que foi o primeiro Secretário-Geral da organização, cargo criado em 1952, terá afirmado que a “Organização do Tratado do Atlântico Norte tem três funções: manter os EUA dentro, os russos fora e os alemães em baixo”. Creio que, usando a mesma lógica será mais rigoroso afirmar que as três funções da OTAN eram manter a Alemanha dentro, a URSS fora e os EUA por cima. O Pacto do Atlântico tentava conciliar dois princípios chave das relações internacionais: por um lado, o princípio de equilíbrio de poder; por outro, o princípio de segurança colectiva. De acordo com o princípio de equilíbrio de poder, este era vocacionado para o exterior, traduzindo-se na pretensão dos EUA assegurarem o seu papel a nível global. Daí que, durante a Guerra Fria, no sistema bipolar que então caracterizava as relações internacionais, a OTAN garantiu o equilíbrio Leste-Oeste, a partilha da Europa e da Alemanha divididas pela Cortina de Ferro, mas comprometendo-se a actuar no quadro da ONU para a manutenção da paz e da segurança mundial. Quanto ao princípio de segurança colectiva, este era vocacionado para o interior, nomeadamente, através da própria natureza da organização ser intergovernamental (permitindo aos vários Estados-membros conservarem a sua soberania). Os Estados tinham liberdade de decisão em relação aos seus interesses, apenas se comprometendo a actuar de acordo com os outros parceiros, em conjunto, no caso de qualquer um deles ser atacado, nos termos previstos pelo Tratado fundador. Evolução do Conceito Estratégico da OTAN Desde 1949 que a OTAN tem um Conceito Estratégico que ao longo dos anos tem sofrido alterações devido à própria evolução da conjuntura internacional. O conceito estratégico da Aliança Atlântica foi sempre identificado com o dos EUA e, por isso, sofreu as mesmas evoluções que foram provocadas pelas contradições da Guerra Fia e da NOM (Pezarat Correia, 2004:122). Durante a Guerra Fria, os EUA através da OTAN sempre mantiveram uma importante presença militar na Europa. 204 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes A corrida ininterrupta aos armamentos fez evoluir a Doutrina Estratégica dos Aliados. Desde a “Resposta Nuclear Maciça”, adoptada em 1953, enquanto os EUA são a única potência nuclear, à “Resposta Graduada” (ou “Controlada”) concebida em 1956 que, em caso de ataque, faria intervir sucessivamente as forças convencionais, as armas nucleares tácticas e os sistemas estratégicos intercontinentais – pois havia uma situação de igualdade nuclear, até à “Resposta Flexível” adoptada em 1967, após o Relatório Harmel, que considerava que as “crises e os conflitos fora da área” influenciavam a segurança da área do Atlântico Norte. Todavia, a URSS tinha superioridade de mísseis balísticos intercontinentais. Em 1969, a estratégia era deter a agressão a qualquer nível, convencional ou nuclear. O conceito estratégico da OTAN passou a assentar nos princípios de defesa avançada e de resposta flexível que os norte-americanos haviam introduzido na sua estratégia de dissuasão nuclear, graduando os patamares de dissuasão. Desde 1967 até 1990 vigorou o conceito estratégico designado de “Resposta Flexível”. Nos anos 80, teve lugar a Crise dos Euromísseis. Desde 1975, que a URSS decidira instalar os SS-20 (com um alcance de 3000 km e uma grande precisão) na Europa. A OTAN respondeu com a instalação de armas equivalentes – os Pershing II e os Mísseis Cruzeiro – instalando-os na RFA, em Itália, na Holanda e na Bélgica. A situação só ficou resolvida pelo Tratado de Washington, a 08 de Dezembro de 1987, com a consagração da “Opção Zero” (eliminação do teatro europeu de todos os mísseis nucleares com um alcance superior a 500 km). Com a derrocada da URSS e o fim do Pacto de Varsóvia em 1991, assistiu-se a uma revolução na geopolítica europeia, transformando as bases da arquitectura da segurança da Europa. Os Chefes de Estado e de Governo da Aliança reuniram-se em Roma, em Novembro de 1991, ratificaram o fim da Guerra Fria, adoptando um novo conceito estratégico. A noção de “ameaça directa” é substituída pela de “risco”, que inclui os efeitos para a segurança ocidental da possível destabilização de países limítrofes, bem como o terrorismo internacional e a disseminação nuclear incontrolada. É, portanto, delineada uma abordagem abrangente para a segurança baseada no diálogo, na cooperação e na manutenção de uma capacidade de defesa colectiva. O conceito levou a uma dependência reduzida de armas nucleares e a importantes alterações nas forças militares integradas da OTAN, incluindo reduções substanciais da sua dimensão e disponibilidade, melhorias na sua mobilidade, flexibilidade e capacidade de adaptação a diferentes contingências, e a uma maior utilização de forças multinacionais. Foram criados os chamados Grupos de Forças Interarmas multinacionais – Combined Joint Task Forces (CJTF). Foram tomadas medidas para a redução da estrutura do comando militar da OTAN e para a adaptação dos preparativos e procedimentos do planeamento da defesa da aliança, particularmente no âmbito de requisitos futuros para a gestão de crises e de manutenção da paz. Passou-se de um conceito restrito de defesa para um conceito alargado de defesa, podendo incluir intervenções fora das suas fronteiras. Em 1999, aquando da Cimeira de Washington, no momento em que a OTAN celebrava o seu cinquentenário, foi aprovada uma nova e mais profunda alteração no seu conceito Departamento de Prospectiva e Planeamento 205 Informação Internacional, Vol. I, 2004 estratégico. O novo conceito estratégico reflectia o panorama alterado da segurança euroatlântica, do final do século XX, nomeadamente, o surgimento de novos riscos complexos para a paz e para a estabilidade euro-atlântica, que incluíam a opressão, conflitos étnicos, os problemas económicos, o colapso da ordem política e a proliferação de armas de destruição maciça. O novo conceito estratégico foi marcado por três aspectos fundamentais, a saber: 1. Os EUA assumiram e estão determinados a afirmar a liderança do sistema global e unipolar; 2. Face ao movimento de aprofundamento da UE no sentido de deixar de ser uma comunidade económica para ascender ao patamar de uma comunidade política, os aspectos de defesa e de segurança tornaram-se num dos centros de discussão. Havia que fomentar o processo de desenvolvimento da Identidade Europeia de Segurança e Defesa no seio da Aliança. Não obstante, os EUA encaravam com um certo receio que a UEO pudesse consolidar-se autonomamente, colocando em perigo a coesão da OTAN8; 3. A Cimeira realizou-se durante a crise da Jugoslavia/Kosovo. Face a esta crise a intervenção de forças da Aliança actuara na Jugoslávia fora da área OTAN, sem um mandato da ONU e sem que qualquer Estado-membro tivesse sido atacado. Isto contrariava o Artigo 5 do Tratado, dado que não estava em causa a legítima defesa. Face a este contexto, o novo conceito estratégico apresentou as seguintes alterações: ◆ Possibilidade da OTAN intervir fora-de-área, o que significa que a OTAN deixou de ser uma organização defensiva; ◆ Dispensabilidade de mandato do Conselho de Segurança das Nações Unidas para as intervenções fora-de-área e sem ser em resposta a um ataque directo; ◆ Manutenção da opção nuclear como componente fundamental da defesa da OTAN e dos Estados-membros; ◆ Definição da Identidade Europeia de Segurança e Defesa (IESD), transformando-a no pilar europeu da OTAN. Finalmente, na Cimeira de Praga, em Novembro de 2002, assistiu-se a um aprofundamento da reformulação do conceito estratégico. Esta reformulação teve em conta os ataques de 11 de Setembro. Assim, foi reafirmado o papel da OTAN como instrumento militar da 8 Nas vésperas da Cimeira, a então Secretária de Estado norte-americana, Madeleine Albright, lançou um aviso para impedir os três D’s: Desacoplagem entre os parceiros de um lado e do outro do Atlântico; Duplicação dos objectivos e funções; Discriminação entre os Estados-membros pertencentes e não pertencentes à Aliança Atlântica. 206 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes hiperpotência global. Foi, também, reforçada a capacidade para enfrentar quaisquer ameaças – “venham de onde vierem” (terrorismo, armas de destruição maciça em mãos hostis). Para tal, a OTAN está a dotar-se de forças de intervenção rápida capazes de se manterem em qualquer parte do mundo durante tempos longos e a longas distâncias. 1.2. A Estrutura da OTAN A Organização do Tratado do Atlântico Norte fornece a estrutura que permite implementar os objectivos da Aliança. Trata-se de uma organização inter-governamental, em que os países membros mantêm a sua inteira soberania e independência. Desde a sua fundação, a Aliança sempre dispôs de uma estrutura dirigente e funcional. Com excepção da Estrutura de Comandos, poucas têm sido as alterações empreendidas. Naturalmente que com os sucessivos alargamentos, a OTAN tem evoluído na composição dos seus órgãos e a articulação entre eles tem-se mantido. De acordo com o Tratado de Washington, no seu artigo 9º, apenas vem estabelecido um órgão – um Conselho – ao qual foi conferido o poder para criar organismos que possam ser necessários de acordo com as necessidades. Assim, surge o Conselho do Atlântico Norte (NAC), autoridade suprema, com poder de decisão, composto pelos Representantes Permanentes dos Estados-membros. Reúne-se a dois níveis: Ministerial e através dos Representantes Permanentes. Anualmente, este Conselho é presidido, por rotação, pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros de um Estado-membro. Para discutir e decidir sobre as questões político-militares foi criado, pelo Conselho do Atlântico Norte, o Comité de Planeamento de Defesa (DPC). Este Comité é, normalmente, composto pelos Representantes Permanentes dos Estados-membros, ocupando-se da maioria das questões relacionadas com a defesa e com os planos de defesa colectiva. Reúne-se a dois níveis: Ministerial e através dos Representantes Permanentes9. Os Ministros da Defesa dos países membros que participam no Comité de Planeamento de Defesa da OTAN reúnem-se periodicamente no Grupo de Planeamento Nuclear (NPG), cuja missão é dar resposta a questões de âmbito nuclear. A OTAN tem dois tipos de Estruturas: ◆ Estrutura Civil; ◆ Estrutura Militar; 9 Com excepção da França, todos os países membros estão representados neste fórum. Com efeito, a França retirou-se da estrutura militar integrada da aliança em 1966, permanecendo dentro das suas estruturas políticas como membro de pleno direito. Departamento de Prospectiva e Planeamento 207 Informação Internacional, Vol. I, 2004 Figura 1 ORGANIGRAMA ESTRUTURA DA OTAN Comité de Planeamento de Defesa Conselho do Atlântico Norte (DCP) (NAC) Estrutura civil Grupo de Planeamento Nuclear (NPG) Estrutura militar Em termos de Estrutura Civil, a nova estrutura10 da OTAN é composta pelo Secretariado Internacional e por Divisões Especializadas. Na década de 50 foi criado o Secretariado Internacional com a figura do Secretário-Geral. Desde então a OTAN já teve 11 Secretários-Gerais11, sendo o actual Secretário-Geral o holandês Jaap de Hoop Scheffer. O Secretário-Geral é nomeado pelos governos membros, acabando a sua eleição por ser o reflexo de um jogo de poderes. As Divisões Especializadas – assuntos políticos e política de segurança, operações, política de defesa e de planeamento, diplomacia pública e investimento de defesa − são presididas por Secretários-Gerais Adjuntos, com excepção do Gabinete de Segurança da OTAN, que é presidida por um Director. Assim são cobertas as várias áreas: orçamento, armamentos, infra-estruturas, economia e finanças, ciência, planos civis de emergência, comunicações, ambiente, desafios da sociedade moderna, defesa nuclear. Figura 2 ORGANIGRAMA ESTRUTURA CIVIL Fonte: OTAN (25/05/04). [On-line] Disponível em http://www.OTAN.int/issues/restructuring/chart.htm 10 A nova estrutura da OTAN foi aprovada na Cimeira de Praga, em Novembro de 2002. Secretários-Gerais da OTAN: Lord Ismay (1952-1957), Paul Henri Spaak (1957-1961), Dirk U. Stikker (1961-1964), Manilo Brosio (1964-1971), Joseph Luns (1971-1984), Lord Carrington (1984-1988), Manfred Wörner (1988-1994), Willy Claes (1994-1995), Javier Solana (1995-1999), Lord Robertson (1999-2003), Jaap de Hoop Scheffer (2004-...). 11 208 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes A Estrutura Militar é diferente da civil dado que apresenta uma hierarquia. No seu topo surge o Comité Militar, cuja finalidade é a elaboração de recomendações ao Comité dos Planos de Defesa e pode ainda enviar directrizes aos diversos Comandos Aliados. Reúne-se em Cimeiras bianuais ao nível dos responsáveis militares máximos de cada Estadomembro12. A continuidade do Comité Militar é assegurada pelos representantes militares permanentes, que se reúnem com uma periodicidade variável. A presidência deste Comité cabe a um Chefe de Estado Maior eleito pelos seus pares. No âmbito do Conselho de Parceria Euro-Atlântico (EAPC) e da Parceria para a Paz (PfP), o Comité Militar reúne regularmente com os países parceiros (EAPC/PfP) a nível de Representantes Militares nacionais e a nível de CHODS para tratar de questões relacionadas com a cooperação militar. O Comité Militar tem um órgão de apoio e de assistência que se designa de Estado Maior Militar (IMS), chefiado por um General ou um Almirante, que funciona como órgão executivo e vela pela garantia da aplicação das directrizes e decisões do Comité. Cabe-lhe, também, a preparação de estudos relativos aos assuntos de carácter militar. Dependem do Comité Militar várias Agências Especializadas vocacionadas para comunicações e transmissões, investigação aero-espacial, normalização e estandardização, formação de quadros, pesquisa anti-submarina, produção. Em relação aos Comandos Supremos da OTAN, estes têm sido objecto de ajustamentos tendo em conta a evolução do conceito estratégico. Cobrem três áreas: 1. Comando para as áreas marítimas transatlânticas; 2. Comandos para as áreas terrestres europeia e norte-americana; 3. Comandos Operacionais. Não se trata de um órgão porque é uma estrutura militar, uma hierarquia de comando. A organização da OTAN subdividiu a área em três regiões, com base no artigo 6º. A cada uma dessas regiões correspondia um Comandante Supremo: ◆ Comandante Supremo Aliado na Europa – SACEUR (Shape, Costeau na Bélgica); ◆ Comandante Supremo Aliado do Atlântico – SACLANT (Norfolk, Virgínia nos EUA); ◆ Grupo de Planeamento regional Canadá-EUA-CURSPG (Arlington, EUA); 12 Como a Islândia não possui forças armadas, está representada nestas reuniões por um elemento civil. Departamento de Prospectiva e Planeamento 209 Informação Internacional, Vol. I, 2004 Na sequência da Cimeira de Praga (realizada a 21 de Novembro de 2002), foi aprovada na Cimeira de Ministros de Defesa, em Junho de 2003, uma simplificação dos comandos estratégicos que está relacionada com o desejo de conseguir uma maior flexibilidade na constituição de eventuais Comandos Operacionais que podem ser atribuídos aos Comandos Estratégicos. Assim, o Comité Militar passa a ter dois Comandos Estratégicos, com duas finalidades diferentes: ◆ Comando Aliado de Transformação (ACT), um comando funcional, situado em Norfolk (EUA). Este Comando é responsável pela permanente transformação das capacidades militares (aumentar a formação, melhorar as capacidades, testar e desenvolver as doutrinas e orientar ensaios para estabelecer novos conceitos) e pela promoção da interoperacionalidade das forças da Aliança. O ACT será comandado pelo SACT (Comando Supremo Aliado de Transformação); ◆ Comando Aliado Operacional (ACO), será comandado pelo SACEUR, tendo como seu quartel-general o SHAPE, situado perto de Mons (Bélgica), é responsável por toda a actividade operacional da Aliança, do qual dependem dois Comandos de Forças Combinadas Conjuntas – JFCS – (uma localizada em Brussum e a outra em Nápoles). Em suma, a nova Estrutura Militar apresenta as seguintes alterações: ◆ A nível de Comando Estratégico verificou-se a redução de dois Comandos Estratégicos Operacionais para apenas um, mas verificou-se a criação de um Comando Estratégico Funcional de Transformação; ◆ A nível abaixo do Comando Estratégico, assistiu-se a uma redução de cinco comandos operacionais regionais para dois Comandos de Forças Combinadas Conjuntas e um Quartel-General conjunto; os trinta comandos operacionais subordinados foram reduzidos para seis; ◆ Isto implica uma redução de vinte para onze headquarters commands; ◆ O número de Centros de Operações de Combate aéreo (CAOCs) foi reduzido de 10 para seis. Estas alterações visam tornar o Comando da Estrutura Militar mais ágil, mais flexível, mais eficiente e com uma melhor capacidade de comandar o conjunto total das missões da Aliança13. Foi neste novo contexto que na Cimeira de Praga foi aprovada a constituição de 13 A OTAN deve estar dotada da capacidade para cumprir com todo o seu leque de funções e missões, que vão desde a sua tarefa tradicional de assumir a defesa colectiva até ao desempenho de novas funções em circunstâncias de mudança, o que inclui as missões não previstas no artigo 5º, tais como as operações de manutenção de paz. 210 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes Forças de Resposta Rápida (OTAN Response Force – NRF)14 com capacidade para actuarem em todo o mundo. Figura 3 ORGANIGRAMA DA ESTRUTURA MILITAR Comité Militar (MC) Estado Maior Internacional (IMS) Bruxelas Bélgica Comando Aliado de Transformação (ACT) Comando Aliado Operacional (ACO) Norfolk EUA Mons Bélgica Existem também organismos e agências que levam a cabo tarefas mais específicas e que formam parte da estrutura global da OTAN. Proporcionam um elemento de investigação e consultoria especializadas para a implementação das decisões da Aliança e para a gestão e funcionamento dos programas e sistemas de cooperação para formação e treino. Finalmente, existem ainda Organizações Parlamentares e Não-Governamentais que, embora independentes da OTAN, têm laços com ela: ◆ Assembleia Parlamentar da OTAN (OTAN PA) – Uma espécie de Parlamento onde têm assento representantes dos respectivos parlamentos nacionais. É um órgão consultivo que existe desde 1955. A sua função principal é a formação e fomento de consenso; ◆ Associação do Tratado do Atlântico (ATA) – Criada em 1954, reúne na qualidade de membros, organizações nacionais de voluntários e não governamentais dos países membros da Aliança para apoiar as actividades que a OTAN realiza e promover os objectivos do Tratado do Atlântico Norte; ◆ Confederação Interaliada de Oficiais na Reserva (CIOR) – Fundada em 1948 pelas Associações de Oficiais na Reserva da Bélgica, França e Holanda, reúne actualmente as Associações de Oficiais na Reserva existentes nos países da OTAN; 14 A Estrutura Militar integrada inclui forças dos países membros que participam na referida estrutura e que os colocam à disposição da OTAN, de acordo com uma série de condições pré-estabelecidas. Actualmente, estas forças são estruturadas em três categorias: Forças de Reacção Imediata e Rápida, Forças Principais de Defesa e Forças de Reforço. Departamento de Prospectiva e Planeamento 211 Informação Internacional, Vol. I, 2004 ◆ Confederação Interaliada de Oficiais Médicos na Reserva (CIOMR) – Criada em 1948 como uma organização oficial de médicos das forças da OTAN na reserva, conta com a participação de todos os países membros da CIOR. Os seus objectivos estão ligados a questões dos desenvolvimento de relações médicas, formação médica militar, etc.. 1.3. O Alargamento da OTAN Quando se aborda o tema de alargamento existe sempre a tendência para associar este aspecto apenas ao alargamento a novos membros. Não obstante, desde a sua fundação que se pode falar em três tipos de alargamento: área geográfica, parceria e a novos países. Em termos gerais, até 1994, os EUA eram um país dividido em relação ao processo de alargamento15; a Rússia considerava que o alargamento criaria novas linhas divisórias na Europa, o que representaria um gesto hostil. Assim, a Rússia defendia a revalorização da OSCE para a arquitectura da segurança europeia. No entanto, existiam razões para o alargamento: ◆ OTAN should expand or die, OTAN should go out of area or go out of business16, para sobreviver, a OTAN precisava de encontrar novas funções para além da defesa colectiva, ou seja, funções fora do âmbito do artigo 5º e fora da área do Atlântico Norte; ◆ o alargamento deveria ser político e não estratégico, ou militar. Fazia parte de uma solução que visava privilegiar a OTAN como núcleo central da nova segurança europeia, ou melhor euro-atlântica; ◆ manter os EUA interessados na segurança europeia, reforçando a sua voz e presença na Europa. Foi na Cimeira de Madrid de Julho de 1997 que a Polónia, a República Checa e a Hungria foram convidadas a tornarem-se membros da OTAN em 1999. Em 2002, na Cimeira de Praga, foi a vez de serem convidados a aderir a Estónia, a Letónia, a Lituânia, a Eslovénia, a Eslováquia, a Bulgária e a Roménia, tendo-se tornado membros em Abril de 2004. Alargamento Geográfico de actuação Em 1949, ficou definido no artigo 6º do Tratado de Washington que, considera-se ataque armado contra uma ou várias das partes um ataque contra o território de qualquer delas na 15 Os EUA sabiam que, por um lado, a estabilidade e a transição democrática na Rússia era a chave da segurança europeia, mas, por outro, não admitiam que a Rússia tivesse um poder de veto na questão do alargamento. 16 Lord Robertson. 212 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes Europa ou na América do Norte, contra os Departamentos franceses da Argélia17, contra o território da Turquia ou contra as Ilhas sob jurisdição de qualquer das partes situadas na região do Atlântico Norte ao norte do Trópico de Câncer. A OTAN tinha por objectivo a defesa dentro das suas fronteiras, em que o planeamento operacional baseava-se numa estratégia defensiva. Em 1991, na Cimeira de Roma, a OTAN, em consequência do novo contexto internacional, abandonou a sua vocação defensiva, alargando-a para a possibilitando uma actuação forade-área. Surgiu, deste modo, o conceito de área estratégica que abarca duas modalidades, nomeadamente: ◆ Área de Responsabilidade OTAN/ARO – diz respeito à totalidade dos territórios incluídos dentro das fronteiras dos Estados-membros; ◆ Área de Interesse OTAN/AIO – abarca os territórios contíguos à ARO e cuja instabilidade pode pôr em causa a segurança dos Estados-membros; Esta nova postura implicou a passagem de um conceito de defesa delimitado para um conceito alargado de intervenção fora-de-área18. Alargamento a Parcerias Desde o final da Guerra Fria que o alargamento se tem materializado através de parcerias. Daí que tenham sido criadas instituições de Parceria em Cooperação e Diálogo, nomeadamente: ◆ Conselho de Parceria Euro-Atlântico (EAPC) – Na Cimeira de Roma (1991) foi criado o Conselho de Cooperação Norte-Atlântica (NACC) que estabelecia a nova estrutura de cooperação com os países saídos do Pacto de Varsóvia. Na sua sequência, na Cimeira de Bruxelas (1994), é lançada a Parceria para a Paz (PfP), convidando todos os países parceiros do NACC e os Estados da CSCE que pudessem ou desejassem a participar. O NACC foi substituído pelo Conselho de Parceria Euro-Atlântico (EAPC), criado em conformidade com o Documento Base do EAPC de Maio de 1997, que serve de quadro geral para as consultas políticas e de segurança e para uma melhor cooperação ao abrigo do Programa da Parceria para a Paz (PfP); ◆ Conselho Conjunto Permanente OTAN-Rússia (PJC) – Criado de acordo com o Acto Fundador OTAN-Rússia, de 27 de Maio de 1997. Trata-se de um fórum de consulta, 17 A 16 de Janeiro de 1963 o Conselho constatou que, a partir de 03 de Julho de 1962, todas as disposições deste Tratado respeitantes aos antigos Departamentos Franceses da Argélia deixariam de poder ser aplicadas. 18 Com base nesta alteração a OTAN interveio nos Balcãs, no Kosovo e na Macedónia. Departamento de Prospectiva e Planeamento 213 Informação Internacional, Vol. I, 2004 cooperação e consenso entre a OTAN e a Rússia. É constituído pelos países membros da OTAN e da Federação russa; ◆ Comissão OTAN-Ucrânia (NUC) – É constituído pelos países da OTAN e pela Ucrânia. Foi criado em Julho de 1997 pela Carta OTAN-Ucrânia. Assim, o Conselho do Atlântico Norte reúne periodicamente, pelo menos duas vezes por ano, com a Ucrânia sob a forma de Comissão OTAN-Ucrânia para avaliar a implementação da relação e analisar o seu desenvolvimento futuro; ◆ Grupo de Cooperação Mediterrânico (MCG) – É constituído pelos países da OTAN, juntamente com a Argélia, Egipto, Israel, Jordânia, Marrocos, Mauritânia e Tunísia. Visa parcerias com os Estados da margem sul fortemente atingidos pela instabilidade interna promovida por grupos radicais e que, por via da emigração, tem fortes reflexos nos países do sul da aliança. A sua função é de direcção política. Em 2002, na Cimeira de Praga, na sua Declaração Final, os Chefes de Estado e de Governo, sublinharam a importância e a necessidade de aprofundamento destas parcerias19. Alargamento a novos Estados-membros Tendo em conta o artigo 10º do Tratado de Washington, As partes podem, por acordo unânime, convidar qualquer outro Estado europeu a aderir a este Tratado, que esteja em condições de favorecer o desenvolvimento dos princípios do Tratado e de contribuir para a segurança da zona do Atlântico Norte. Desde a sua criação, a OTAN foi palco de cinco novas adesões. Até hoje catorze países já se juntaram ao grupo dos doze países fundadores constituído pela Bélgica, Canadá, Dinamarca, EUA, França, Holanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal e Reino Unido. O primeiro alargamento ocorreu em 1952, com a entrada da Turquia e da Grécia. A Grécia e a Turquia, devido à sua posição geográfica, dominam o Bósforo e o Dardanelos que são a única porta para o Mar Negro. A entrada da Grécia deveu-se também ao facto desta estar a ser objecto de assédio de uma política expansionista por parte da Jugoslávia que dava apoio ao partido comunista grego e à sua força militar. Em relação à Turquia pesou o facto de ser o único país da Aliança com fronteiras directas com a URSS, na região do Cáucaso, funcionando como um tampão entre a URSS e a região petrolífera do Médio Oriente. O segundo alargamento teve lugar três anos depois, em 1955, à RFA. Seguiu-se, em 1982, o da Espanha. No pós-Guerra Fria, com o fim da ameaça soviética, com a emergência do novo ambiente estratégico, em consequência da necessidade de combater o terrorismo global, para além da 19 Pontos 7, 8, 9 e 10 da Declaração. 214 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes alteração de conceitos da OTAN, assiste-se a uma expansão em direcção a Leste. A OTAN foi, desde então, palco de duas vagas de adesões. A primeira destas adesões ocorreu a partir do convite formalizado na Cimeira de Madrid, em Julho de 1997. Nesta Cimeira, os EUA acabaram por impor que só três dos antigos países do Pacto de Varsóvia – Polónia, Hungria e República Checa – é que poderiam aderir à OTAN até 1999. Esta decisão foi tomada contra a opinião de nove dos Estados-membros europeus, liderados pela França e Itália que pretendiam que a Aliança se estende-se até à Roménia e à Eslovénia, para garantir a segurança dos países próximos das zonas de perigo do Mar Negro e dos Balcãs. Moscovo não concordou com o alargamento e opôs-se à entrada das antigas Repúblicas Soviéticas na Aliança. Por isso, ameaçou rever a cooperação entre a Rússia e a OTAN, estabelecida pelo “Acto Fundador”. A antiga República Soviética da Ucrânia assinou um Pacto separado com a OTAN e, embora não se tenha candidatado a entrar, admitiu a possibilidade de o fazer após o ano 2000. Assim, em 1999, apenas se tornaram membros de pleno direito da Aliança a Republica Checa, a Hungria e a Polónia20. Três anos passados, na Cimeira de Praga, em 2002, saiu uma nova decisão de alargamento em relação aos três Estados Bálticos – Estónia, Letónia e Lituânia – a dois da Europa Central – Eslovénia e Eslováquia – e a dois do Sudeste Europeu - Bulgária e Roménia21. A Bulgária, tal como a Roménia têm um posicionamento geoestratégico importante, dado que o Mar Negro é um verdadeiro trampolim para o Cáucaso, podendo ser canalizadas muitas riquezas do Mar Cáspio. Daí que, estes dois países tenham merecido o apoio da França, da Grécia e da Turquia. Com as novas adesões a OTAN assegurou a ligação territorial com a Turquia, o segundo exército da OTAN e o Estado-membro mais posicionado a Leste. Os novos candidatos vêem na adesão um meio para a consolidação da democracia na região e um compromisso de defesa por parte dos EUA, através do Artigo 5 do Tratado da Aliança. A entrada destes sete Estados na OTAN antes da sua entrada na UE, deveu-se a questões de segurança. Assim, a OTAN tem actualmente 26 membros, em que 40% dos seus membros são oriundos do Pacto de Varsóvia, estando aberta a novas adesões, conforme foi confirmado pela Declaração da Cimeira de Praga. É provável que o próximo alargamento seja à Croácia, Macedónia e Albânia. 20 Esta vaga de expansão da OTAN a Leste registou-se em Abril de 1999 quando a Aliança estava empenhada nos ataques aéreos contra a ex-Jugoslávia. 21 Dos sete novos membros da OTAN, cinco tornaram-se membros da UE a 01 de Maio de 2004, prevendo-se a entrada da Bulgária e da Roménia em 2007 (na UE). Departamento de Prospectiva e Planeamento 215 Informação Internacional, Vol. I, 2004 Em conclusão, o processo de alargamento Pós-Guerra Fria – geográfico, parcerias e adesão de novos países – teve e tem consequências, nomeadamente: ◆ Política de Porta Aberta – nas Declarações Finais de Madrid e de Praga ficou estabelecido que outros alargamentos teriam lugar; ◆ Criação do Conselho de Parceria Euro-Atlântico, em Sintra, em Maio de 1997, instituíndo um quadro de diálogo permanente com os PECOs, integrando-os num sistema de segurança atlântica; ◆ Reforço da Parceria para a Paz; ◆ Foram dadas concessões à Rússia: 1. A OTAN assinou com a Rússia, em Paris, a 27 de maio de 1997, um Acto Fundador criando o conselho Conjunto OTAN-Rússia com a finalidade de manter um clima de confiança. Através deste Conselho criou-se a possibilidade da Rússia participar nas decisões da Aliança em matérias como a luta contra o terrorismo e contra a proliferação das armas de destruição maciça, a emergência civil, as crises humanitárias, os conflitos étnicos e a luta contra o terrorismo; 2. Foram atribuídas compensações financeiras; 3. A Rússia aderiu ao G-7; 4. Procedeu-se a uma revisão do Tratado sobre o Desarmamento Convencional CFE; 5. A Rússia aderiu ao Grupo de Paris como país credor; 6. A Rússia tornou-se membro do Conselho da Europa; 7. Ficou acordado o não estacionamento de armas nucleares nos três novos membros da OTAN; ◆ Assinatura de uma Carta com a Ucrânia, em Madrid, em Julho de 1997, revelando a importância política e estratégica deste país, incontornável na segurança europeia. De referir que, em Madrid, a OTAN também referiu o seu interesse pelo mediterrâneo; ◆ Riscos de redução dos compromissos de defesa colectiva do artigo 5º, devido ao alargamento e às novas tarefas não contempladas no artigo 5º, dado que a OTAN só dispõe de um orçamento único e a “26” terá mais dificuldade em encontrar consensus; ◆ Custos do alargamento – modernização das forças armadas dos novos membros e da adaptação das estruturas dos aliados; ◆ Interacções entre o alargamento da OTAN e o da UE – Estes dois alargamentos são complementares e os candidatos a ambas as organizações são sensivelmente os 216 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes mesmos. Para uns a adesão à UE era prioritária dado que permitirá a consolidação da transição para a economia de mercado e por conseguinte a afirmação de sociedades democráticas, abertas e pluralistas. Para outros, a adesão à OTAN é fundamental para evitar o vazio de segurança regional e para criar um ambiente regional e interno estável facilitando desse modo a transição democrática; ◆ Reforço do eixo europeu da OTAN; ◆ A actual vaga de adesões faz do alargamento uma oportunidade única de contribuir para a paz, para a estabilidade do espaço euro-atlântico; ◆ Alguns membros da Aliança receiam que o alargamento da OTAN e a sua assunção de novas tarefas (Petersberg) levem a uma diluição dos compromissos de defesa colectiva; ◆ Poderão ter lugar alterações na tomada de decisão da organização militar, que ainda depende do consenso de todos os países membros; ◆ Este último alargamento, direccionado às fronteiras Russas, entra no território da exUnião Soviética, o que, por um lado, implicará repercussões no comportamento e percepção da Rússia em relação à OTAN; e, por outro, porque os novos membros têm uma ligação particular com os EUA22; ◆ A Aliança reforça a sua tendência de actuar no conjunto do planeta, que já implicou a criação de uma Força de Reacção Rápida de 20 mil soldados com capacidade para actuar em todas as regiões. 1.4. A Transformação da OTAN Pós-Guerra Fria A alteração do ambiente geopolítico e geoestratégico no pós-Guerra Fria – resultante do fim do Pacto de Varsóvia e da implosão da sua superpotência hegemónica, a URSS – colocaram à OTAN um problema existencial. Qual era agora o papel da Aliança? A resposta ao novo contexto conduziu a OTAN, desde a Cimeira de Londres, em Julho de 1990, até à sua última Cimeira em Istambul, em Junho de 2004, a proceder à sua reforma interna e externa, reformas estas que, sem dúvida, prosseguirão ao longo dos tempos. Em termos de adaptação externa da Aliança: ◆ Para evitar a criação de um vácuo de poder e de segurança na área do antigo Pacto de Varsóvia (entre a RFA e a Federação Russa), a OTAN criou em 1991 o Conselho de 22 Todos os novos Estados que aderiram contribuíram com forças para o Iraque, e a Bulgária e a Roménia, em particular, proporcionaram facilidades especiais no seu território às tropas americanas. Departamento de Prospectiva e Planeamento 217 Informação Internacional, Vol. I, 2004 Cooperação do Atlântico Norte (NACC)23, com a finalidade de acolher os seus antigos adversários, tornando-os parceiros e diálogo e de cooperação. Em 1997, o NACC foi substituído pelo EAPC; ◆ Em resposta às críticas que os Países da Europa Central faziam em relação ao NACC, a OTAN adoptou na Cimeira de Bruxelas, em Janeiro de 1994, a Parceria para a Paz (PfP)24, permitindo uma cooperação política e militar com os PECOs e os neutros, contribuindo para o êxito da IFOR e da SFOR; ◆ O alargamento tornou-se pertinente face à nova arquitectura de segurança. Desde 1989, a OTAN foi palco de dois alargamentos (abordados no ponto anterior), contando actualmente com 26 membros. Daí que, se verifique o alargamento da ARO que, em conjugação com a ampliação da AIO (intervenção fora-de-área e pelos acordos de parceria com Estados não membros), confere à OTAN uma capacidade de intervenção muito mais ampla. Em relação à adaptação interna da Aliança: ◆ Revisão da Estratégia: a Cimeira de Roma (1991) adoptou o novo conceito estratégico da Aliança, mediante o qual a OTAN para além da sua tradicional função de defesa colectiva deve desempenhar missões não contempladas no artigo 5º (gestão de crises, manutenção de paz, assistência humanitária). A OTAN actua, se possível, subordinada à ONU, mas à margem da ONU, se conveniente, e até substituindo-se a ela, se necessário. Por outro lado, o Conceito de “Defesa Avançada” foi substituído pelo de “Defesa Reduzida”, a Estratégia de “Resposta Flexível” foi modificada e novas doutrinas adoptadas; ◆ Reforma da Estrutura de Forças - a Aliança aprovou na Cimeira de Berlim, em Junho de 1996, o conceito de Forças Combinadas Conjuntas (Combined Joint Task Forces) que permitirão à Aliança desempenhar as suas novas missões fora do artigo 5º, projectando estabilidade para o Leste (os PECO’s podem participar com a OTAN em missões de gestão de crise, como já acontece na SFOR, na IFOR) e apoiar a IESD concedendo meios e capacidades da OTAN aos europeus ou à UEO para desempenhar missões Petersberg, dando assim visibilidade à Identidade Europeia de Segurança e Defesa; ◆ Adopção da Estrutura de Comandos − A reforma da Estrutura de Comandos visa preservar uma estrutura única, capaz de planear e de conduzir vários tipos de 23 No NACC participavam, para além dos aliados, os três países Visegardo, a Roménia, a Bulgária, as três Repúblicas Bálticas e as antigas Repúblicas da União Soviética (com excepção da Geórgia). 24 A Parceria para a Paz visou no plano político facilitar a transparência nos processos de planeamento e dos orçamentos de defesa nacionais e o controlo democrático das forças armadas. Na área militar, a Parceria procurava desenvolver a cooperação no planeamento, no treino e nos exercícios conjuntos para executar missões de manutenção de paz, operações humanitárias e de busca e salvamento. 218 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes operações, designadamente, para além da defesa colectiva (que permanece como a função fundamental), operações não abrangidas pelo artigo 5º do Tratado de Washington. Acresce que, a nova estrutura visa apelar à multinacionalidade (permitindo a participação de países não membros da OTAN nas operações fora-deárea), à representatividade das três componentes (naval, aérea e terrestre) e à distribuição geográfica (centralizando a coordenação e descentralizando a execução). Por último, consagrou-se o conceito de defesa regional que consiste na existência de quartéis-generais com capacidade para planear e conduzir todas as actividades militares, a nível regional; ◆ Criação de uma Força de Resposta Rápida pela OTAN (NRF) – Na sequência da proposta do Secretário de Defesa norte-americano, Donald Rumsfield, na Cimeira dos Ministros de Defesa, na Polónia, em Outubro de 2002, foi criada a 17 de Outubro de 2003, uma Força de Resposta Rápida da OTAN com capacidade de resposta imediata em qualquer parte do mundo, a estar completa em Outubro de 2006 (com capacidade para em 30 dias enfrentar tarefas de tipo de manutenção de paz, evacuações, contraterrorismo e combates de grande intensidade). No início contará com 6000 tropas, prevendo-se um total de 21 000, em 2006. Quando a OTAN decidir o seu emprego a NRF deverá estar disponível em 5 dias e ser auto-sustentável por um período de 30 dias. A Aliança no seu processo de reforma deve saber manter e garantir a sua eficácia política e militar (ela é antes de tudo um pacto de defesa colectiva) e preservar os laços transatlânticos, sem prejuízo da afirmação da IESD. Na Cimeira de Istambul, realizada em finais Junho de 2004, a OTAN viu-se confrontada com o seu futuro, numa conjuntura internacional em permanente evolução, dominada pela questão do Iraque. Foram discutidas várias matérias, entre as quais: aumentar a presença da OTAN no Afeganistão (com o envio de mais 3000 homens), permitindo que a Aliança desempenhe o papel central no apoio às eleições; oferta da assistência ao governo do Iraque para treino das suas forças de segurança (forças militares e paramilitares); terminar a missão da OTAN (SFOR) na Bósnia até ao final de 2004, passando a ser responsabilidade da UE; confirmação de uma “robusta presença “ da KFOR, no Kosovo; adopção de medidas para reforçar a Parceria Euro-Atlântica, através do envolvimento em regiões estrategicamente importantes como o Cáucaso e a Ásia Central; relações com a Ucrânia; reforço do Diálogo Mediterrâneo25 (alargando à Líbia) e oferta de cooperação à região Grande Médio Oriente; aprofundamento da transformação militar da OTAN26 de forma a torná-la mais moderna e 25 Desde 1997, que a OTAN desenvolve o “Diálogo com o Mediterrâneo”, isto é, com sete países da margem Sul – Argélia, Egipto, Israel, Jordânia, Mauritânia, Marrocos e Tunísia. 26 Fala-se na criação de uma Força de Estabilização e de Reconstrução pela OTAN. A guerra no Iraque demonstrou que a OTAN deve juntar às suas tropas de combate forças com capacidade de reconstruir e estabilizar um país ou uma região. Esta Força de Estabilização e Reconstrução da OTAN será maior do que a Força de Reacção Rápida da OTAN, a sua presença será mais longa de forma a se colocar e a seguir a Força de Resposta Rápida. Departamento de Prospectiva e Planeamento 219 Informação Internacional, Vol. I, 2004 mais flexível para as missões; pacote de medidas contra-terrorismo (reforço da contribuição individual e colectiva da OTAN para a luta contra o terrorismo e reforço da contribuição na “Operação Active Endeavour”, uma operação marítima no Mediterrâneo, na luta contra o terrorismo); e a confirmação da política de porta aberta da OTAN, nomeadamente, em relação à Albânia, Croácia e Antiga República da Jugoslávia. A Cimeira de Istambul demonstrou, uma vez mais, que as feridas continuam abertas nas relações transatlânticas. As divergências entre a França e os EUA mantêm-se Ao pedido do Presidente G. W. Bush da entrada da Turquia na UE, o Presidente Jacques Chirac respondeu que se trata de uma matéria que não diz respeito aos EUA27. Em relação ao Afeganistão, a França não aceitou o envio da NRF, mas aceitou o envio de mais 3 000 homens. Cinquenta e cinco anos separam o momento da criação da OTAN dos dias de hoje. Durante grande parte deste tempo, o objectivo central da Aliança era zelar pela defesa imediata e pela segurança dos seus países membros. Actualmente, esta ainda é a sua missão principal, no entanto, o seu centro de atenção mudou radicalmente. Os conflitos pós-Guerra Fria, o 11 de Setembro e, mais recentemente, o 11-M, obrigam a OTAN a repensar as suas alianças militares e a sua capacidade de resposta. A Aliança tem de lidar com a emergência de uma força de defesa europeia, e aproximar-se à Rússia. 2. A UE E A DEFESA 2.1. Da CED à PESD Apesar do caminho da integração europeia se ter iniciado em 1951, com a assinatura do Tratado de Paris que instituiu a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), em relação à política de segurança e de defesa comum europeia deve-se retroceder até ao pósII Guerra Mundial. Como já foi indicado atrás, no pós-II Guerra Mundial a situação europeia era bastante complicada, a sua fragilidade era elevada. Duas potências emergiram da II Guerra Mundial – os EUA e a União Soviética. Em 1947 celebrou-se o Tratado de Dunquerque, começaram a desenhar-se os primeiros contornos conducentes à Guerra Fria. Em 1948 foi assinado o Tratado de Bruxelas, dando lugar à criação da União Ocidental. Com base no Tratado de Bruxelas e nos Tratados de Paris, em 1954, foi criada a União Europeia Ocidental (UEO). O grande problema dos estrategas da época era o de estudar o modo como a Alemanha poderia participar na defesa europeia, pois o povo alemão, além de ser indispensável, encontrava-se na primeira linha em relação à visão soviética. Em 1950, o Conselho do Atlântico Norte da OTAN admitia o rearmamento da Alemanha, seguindo a visão dos EUA. A defesa europeia tinha implícita a ideia de que a defesa do território alemão competia aos próprios alemães. 27 Chirac terá respondido It’s a bit like if I told the United States how they shoud manage their relations with Mexico. 220 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes Ainda em 1950, Churchil defendeu a criação de um exército europeu que deveria agir em cooperação com os EUA e com o Canadá, sob a égide dum Ministro Europeu. Paralelamente, a França apresentou uma proposta para a criação de uma Comunidade Europeia de Defesa, que implicaria a criação de um Exército Europeu Comum, sob a autoridade de um Ministro Europeu de Defesa – o Plano Pleven. Grande parte das propostas do Plano Pleven foram aceites, em 1952, aquando da assinatura de um Tratado que se propunha instituir uma Comunidade Europeia de Defesa, no seio dos Estados-membros da CECA. Há que referir que ao se instituir uma Comunidade de Defesa tornava-se essencial a criação de uma Comunidade Política, em que o exército europeu seria o seu braço armado. Daí que, quando a CECA nasce é deixado em aberto o estudo de uma estrutura confederal ou federal, que uniria a CECA a uma Comunidade Europeia de Defesa, dando lugar a uma Comunidade Política. Isto representaria, sem dúvida, um salto qualitativo no processo de integração europeia. Entretanto, os Ministros dos Estados-membos da CECA avançam para a Comunidade Política antes da ratificação da Comunidade Europeia de Defesa. Formou-se uma assembleia ad hoc para a instituição da Comunidade Política. Concomitantemente, em 1954, aquando do processo de ratificação da Comunidade Europeia de Defesa, a Assembleia Nacional Francesa rejeita-a, o que se traduziu pelo fracasso da CED, bem como da Comunidade Política. A ambição de se criar uma estrutura política federal e centralizada, a partir das áreas de defesa e da diplomacia, era prematura (Marques de Almeida & Rato, 2004:27). Face a esta situação, a Comunidade dos 6 optou por avançar no plano económico. Em 1957, foram assinados os Tratados de Roma que instituíram a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia de Energia Atómica (CEEA). Os aspectos políticos e de defesa foram, então, momentaneamente, refreados. Na década de 60, surgiram algumas iniciativas que procuraram avançar no processo de cooperação política europeia. A França apresentou um projecto de união política através dos dois Planos Fouchet (1961-62), que serviram de base para uma série de negociações relativas ao estreitamento da cooperação política, a uma União de Estados e à definição de políticas comuns nos domínios das relações externas e da defesa. Infelizmente, em 1962, na ausência de um acordo sobre as propostas do Comité Fouchet, então criado, as negociações entre os Estados-membros fracassaram. Em 1969, teve lugar a Cimeira de Haia, onde foram aprovados os três A’s – Aprofundamento, Alargamento e Acabamento. Em 1970, foi aprovado o Plano Werner para se prosseguir com uma União Económica e Monetária28. A partir desse momento, a União 28 A UEM aprovada pelo Plano Werner seria prosseguida em três fases. Departamento de Prospectiva e Planeamento 221 Informação Internacional, Vol. I, 2004 Política e de Defesa sofre um impulso. Com efeito, aquando da Cimeira do Luxemburgo, foi apresentado o Relatório Davignon que está na origem da Cooperação Política Europeia (CPE), lançada de modo informal em 1970 e, posteriormente, institucionalizada pelo Acto Único Europeu (AUE), em 1987. A CPE estabelecia a consulta entre os Estados-membros sobre questões de política externa, deixando a execução de acções comuns sob a competência da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). O acordo sobre a CPE foi facilitado por se tratar de um instrumento menos coercivo e implicar uma coordenação menor que os instrumentos precedentes. O Relatório Davignon foi completado por mais dois Relatórios: o Relatório de Copenhague, em 1973, e o Relatório de Londres, em 198129. Assim, nasceu o Esquema Davignon30. Em 1974, a instituição do Conselho Europeu contribuiu para uma melhor coordenação da CPE devido ao papel desempenhado pelos Chefes de Estado e de Governo na definição da orientação da política geral dada à construção comunitária. A partir desta data, o papel da presidência, assim como a publicidade dada aos trabalhos da CPE, começaram a ser mutuamente reforçados através da definição de posições oficiais da Comunidade Europeia. O Esquema Davignon perdurou até à instituição do Acto Único Europeu (AUE). Não obstante, até ao AUE tiveram lugar várias iniciativas com a finalidade de relançar a cooperação/integração política, nomeadamente: ◆ Relatório Tindemans, em 1975; ◆ Iniciativa Gensher-Colombo; ◆ Declaração Solene de Estugarda, a 19/06/83; ◆ Aprovação pelo Parlamento Europeu de um Projecto de Tratado para a instituição de uma União Europeia, em 1984; ◆ O Relatório do Comité Dooge, elaborado em 1985 com vista à Conferência Intergovernamental (CIG) que culminou na aprovação do AUE. 29 Na sequência da invasão do Afeganistão pela União Soviética e da revolução islâmica no Irão, os Estados-membros tomaram consciência da impotência crescente da CE na cena internacional. Determinados a reforçar a CPE, em 1981, adoptaram o Relatório de Londres que obrigava os Estadosmembros a proceder a consultas previamente e a envolver a Comissão Europeia em todas as matérias de política externa susceptíveis de afectar os interesses dos Estados-membros. 30 O Esquema Davignon tinha dois objectivos: por um lado, assegurar através de mecanismos de cooperação, troca de informações e consultas regulares o alcance uma melhor visão das questões internacionais; e, assegurar a solidariedade entre os Estados-membros visando aproximar atitudes, harmonizar pontos de vista e, sempre que possível e desejável, adoptar acções comuns. 222 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes As disposições introduzidas, no Tratado, pelo AUE permitiram institucionalizar a CPE, um grupo de correspondentes europeus, assim como um secretariado colocado sob a tutela directa da Presidência. Os objectivos da CPE foram alargados a todas as questões de política externa de interesse geral e, com a entrada em vigor do AUE, em 1987, a CPE, dezassete anos após o seu lançamento, obteve uma base jurídica própria. Em suma, não houve uma preocupação de chegar a uma acção comum; nenhum Estado estava impedido de adoptar uma posição contrária. Tratava-se de uma política intergovernamental e não comum. Não existia uma obrigatoriedade, mas sim um desejo de chegar a uma posição comum. Deste modo, a CPE passou a dispor com o AUE: ◆ De uma estrutura de cooperação com regras próprias à qual se acrescentava a estrutura comunitária com muitos poucos contactos; ◆ Uma diplomacia concertada, através de informação, de consulta entre os Estadosmembros, tentando-se alcançar através do consenso princípios, objectivos e acções comuns. Foi este o esquema que perdurou até à entrada em vigor do Tratado de Maastricht, em Novembro de 1993, que introduziu o 2º Pilar da PESC. A PESC surgiu como uma consequência do contexto internacional caracterizado por diversas ameaças e necessidades de nova índole, associadas ao fim da Guerra Fria, à unificação da Alemanha e ao colapso da ex-Jugoslávia. Com a entrada em vigor do Tratado da União Europeia (TUE)31, o Título V substituía a CPE, no edifício comunitário, por um pilar intergovernamental. No artigo 11 TUE são definidos os cinco objectivos principais: a salvaguarda dos valores comuns, dos interesses fundamentais da União; o reforço da segurança da União; a manutenção da paz e o reforço da segurança internacional; o fomento da cooperação internacional; e, o reforço da democracia e do Estado de Direito, bem como, o respeito dos direitos do Homem. A PESC é igualmente abordada no artigo 2º das disposições comuns do TUE, que prevê que um dos objectivos da União é a afirmação da sua identidade na cena internacional, nomeadamente, através da execução de uma política externa e de segurança comum, que inclua a definição gradual de uma política de defesa comum, que poderá conduzir a uma defesa comum. O Título V constitui um pilar distinto da União Europeia, dado que os seus procedimentos de funcionamento, de carácter intergovernamental, se distinguem dos adoptados nos sectores comunitários tradicionais, como o mercado interno ou a política comercial. Esta diferença é sobretudo evidenciada a nível do procedimento de decisão que requer o consenso entre os Estados-membros, enquanto que as decisões de âmbito comunitário se caracterizam pelo 31 O Tratado de Maastricht, que dá origem à União Europeia, assenta em três pilares: 1º Pilar CE – Comunidade Europeia; 2º Pilar PESC – Política Externa e de Segurança Comum e 3º Pilar CJAI – Cooperação da Justiça e Assuntos Internos. Departamento de Prospectiva e Planeamento 223 Informação Internacional, Vol. I, 2004 recurso generalizado ao voto maioritário. Por outro lado, tanto os instrumentos da PESC, como os do terceiro pilar (CJAI), são diferentes dos da Comunidade Europeia. Em relação ao 2º Pilar, a PESC cria um processo evolutivo e progressivo no sentido da Comunidade passar a falar a uma só voz e dos “12” agirem em conjunto na cena internacional. Assim, o Tratado de Maastricht dotou a PESC dos seguintes instrumentos principais: ◆ Posições Comuns, com base nas quais os Estados-membros devem adoptar políticas nacionais conformes à posição definida pela União sobre questões específicas; ◆ Acções Comuns, ou seja, intervenções operacionais dos Estados-membros no âmbito da PESC. A União, por sua parte, pode exprimir-se através de decisões, da conclusão de acordos internacionais, de declarações e de contactos com países terceiros. No âmbito da PESC, a adopção de acções pelos “12” tinha de ter sempre o reconhecimento unanime da partilha de interesses importantes e o desejo de os prosseguir em comum. O processo de acção comum visou garantir os pontos de vista de cada Estado-membro tendo em conta as suas tradições históricas. As orientações gerais da PESC passaram a ser dadas pelo Conselho Europeu. Para a implementação das acções comuns, passou a ser necessário a maioria qualificada reforçada (o que implicava pelo menos a aceitação por oito Estados-membros). Foi acordada a necessidade de se criar uma Identidade Europeia de Segurança e Defesa (IESD) e assumir responsabilidades acrescidas em matéria de Defesa. No âmbito da Defesa, o Tratado apontou um caminho para, a prazo, se alcançar uma política de defesa comum. Assim, incluiu as questões de defesa no âmbito da PESC, o que implicou que estas não estão sujeitas aos procedimentos de tomada de acções comuns (artigo J4º nº 3, TUE). A União Europeia Ocidental (UEO) passou a ser considerada parte integrante no desenvolvimento da União, representando um grande salto da PESC, pois a UEO (artigo J4 nº 2, TUE) ficou incumbida de executar as acções que tivessem repercussões no domínio da defesa. Em contrapartida, estabeleceram-se uma série de medidas destinadas a contemplar situações específicas. Em relação à OTAN, o artigo J4º nº4 TUE, sossegou de certa forma os atlanticistas. Por outro lado, ficou também consagrado pelo artigo J4 nº5 TUE a total liberdade de compromissos que não pusessem em causa a PESC. 224 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes No Tratado de Maastricht, as suas disposições reflectiram a dificuldade da obtenção de um compromisso. Houve ausência de consenso relativamente ao protagonismo organizativo em matéria de defesa europeia. Os papéis da UEO e da OTAN não ficaram totalmente definidos e verificou-se uma indefinição do conceito de defesa europeia. Assim, no contexto de um balanço relativamente negativo, o objectivo das negociações da CIG seguinte32 consistiu em introduzir as reformas institucionais necessárias para assegurar a eficácia da PESC. Assinado em Outubro de 1997, o Tratado de Amsterdão entrou em vigor em Maio de 1999. Com esta revisão, o novo Tratado visou dotar a União com os instrumentos necessários para dar uma resposta adequada aos desafios que se lhe colocavam no virar do século, quer externos – a rápida evolução da situação internacional, a globalização da economia mundial e o seu impacto sobre o emprego, a competitividade e a criação de postos de trabalho, o terrorismo, a criminalidade, o tráfico de droga, a pressão migratória, os desequilíbrios ecológicos, as ameaças à saúde pública – quer internos – o futuro alargamento e a necessidade de dotar a UE de instrumentos adequados para poder assumir as responsabilidades assumidas pelo Tratado da UE. Em termos de política externa e de defesa, este Tratado (Título V), teve como grande objectivo tornar a UE mais eficaz na utilização da sua influência diplomática e do seu peso económico nas relações com países terceiros, na promoção da paz e na estabilidade e prosperidade do mundo. Daí que a PESC tenha sido melhorada em vários aspectos: ◆ Estabelecimento dos princípios que devem orientar a PESC – por um lado, a salvaguarda dos valores comuns dos interesses fundamentais, da independência e da integridade da União e da sua segurança; por outro, a manutenção da paz, o reforço da segurança e da cooperação internacionais, da democracia, do Estado de Direito e dos Direitos Fundamentais. A promoção destes princípios é feita com base na Carta das NU e nos Acordos Europeus; ◆ Aumento da coerência global pelo reforço do papel do Conselho Europeu, na definição das estratégias comuns para a política externa da União que especificarão os seus objectivos, a sua duração e os meios a facultar pela União e pelos Estados-membros; ◆ Nomeação de um Alto Representante para a PESC, assistido por uma Unidade de Planeamento de Política e de Alerta Precoce, encarregada de centralizar e de analisar as informações provenientes dos Estados-membros, da Comissão Europeia e da UEO; ◆ Melhoria dos processos de decisão. A União Europeia pode recorrer a um novo instrumento: a Estratégia Comum. Este instrumento é mencionado no artigo 12 do 32 CIG preparatória para a revisão do Tratado de Maastricht. Departamento de Prospectiva e Planeamento 225 Informação Internacional, Vol. I, 2004 TUE. O Tratado de Amsterdão instaurou igualmente a possibilidade de se recorrer, em determinadas condições, ao voto por maioria qualificada; ◆ A UE passou a dispor de capacidade para negociar e celebrar acordos internacionais com vista a implementar a sua PESC; ◆ Na política comercial comum o Conselho passou a ter faculdade de decisão, por unanimidade, nas questões relativas aos sectores de serviços e de direitos de propriedade intelectual; ◆ Em matéria de segurança e defesa, os objectivos da UE foram reformulados, nomeadamente: a. As denominadas Missões Petersberg – missões humanitárias e de evacuação, de manutenção da paz e de gestão de crises – passaram a estar explicitamente mencionadas no Tratado como aspectos da política de segurança da União – artigo 17º nº 2; b. Um dos factores de complexidade em matéria de segurança é o facto de quatro Estados-membros – Áustria, Finlândia, Irlanda e Suécia – serem tradicionalmente ou constitucionalmente neutros e portanto não participam em alianças militares, enquanto os restantes onze Estados-membros são aderentes da Aliança Atlântica. Além disso, muitos dos Estados-membros desenvolveram entre si formas de cooperação bilateral ou multilateral – daí o Tratado de Amsterdão prever a prazo uma verdadeira política de defesa comum. A UE passou a dispor de capacidade militar operacional recorrendo aos meios da UEO. Ainda que não haja uma coincidência perfeita entre as filiações na UE e na UEO, o Tratado de Amsterdão estatuiu que a UEO passaria a fazer parte integrante do desenvolvimento da UE. Por outro lado, o Tratado permitiu a plena integração da UEO na UE. Em concreto, o Tratado previu um processo que permite, desde logo, a cooperação entre as duas organizações: o Conselho Europeu passou a poder definir as orientações para uma acção comum que implique o recurso à UEO. Os Estadosmembros da União que não sejam membros da UEO, mas que contribuam para uma acção comum passaram a poder participar plenamente e em pé de igualdade no planeamento e na tomada de decisões, no âmbito da UEO. Vários protocolos, bem como decisões da UEO definiram as modalidades específicas desta cooperação. Em suma, foi reforçado o carácter operacional da PESC, dotando-a de instrumentos mais coerentes e de um processo de decisão mais eficaz. Foi aceite a possibilidade de se recorrer ao voto por maioria qualificada graças à dupla garantia que representa a abstenção 226 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes construtiva e a possibilidade de remeter a decisão para o Conselho Europeu em caso de veto excepcional de um Estado-membro (denominado "travão de emergência"). À Comissão foi reconhecido um papel crescente a nível de representação e de execução. Por outro lado, foi estabelecida uma relação mais estreita com a UEO, pelo que a UE pode delegar na UEO a execução das missões de Petersberg. Graças a um acordo posterior, algumas competências da UEO foram transferidas para a UE. Desde a assinatura do Tratado de Amsterdão, a PESC tem evoluído praticamente através dos Conselhos Europeus. Paralelamente, a partir de 1997 o Governo de Tony Blair apercebendo-se das divergências entre os EUA e a França, levou a que na Cimeira de Saint-Malô se verificasse uma mudança de posição do Reino Unido. Foi adoptada a decisão de que a União Europeia teria de ter capacidade de condução de acções autónomas apoiadas por forças credíveis, os meios de decisão para usá-los e a capacidade de resposta rápida a crises internacionais, desde que a OTAN não estivesse empenhada33. Assistiu-se à alteração da postura britânica: de rígidos opositores passaram a activos promotores da Política Externa de Segurança Comum e de Defesa (PESC-D). Em 1999, aquando do Conselho Europeu de Colónia, a Alemanha aceitou o consenso francobitânico e foi criada a PESD que tem por objectivo permitir à União desenvolver as suas capacidades civis e militares de gestão das crises e de prevenção dos conflitos à escala internacional, contribuindo assim para a manutenção da paz e da segurança internacionais, em conformidade com a Carta das Nações Unidas. A PESD, que não implica a criação de um exército europeu, deverá evoluir de forma compatível e coordenada com a OTAN. A partir de então, a PESC-D conheceu um enorme desenvolvimento não apenas devido ao desbloqueamento que teve lugar em Saint Malô, mas também em consequência do conflito do Kosovo. Com efeito, a ruptura da ex-Jugoslávia, ao longo dos anos 90, expôs a fraqueza militar da Europa e a sua dependência em relação aos EUA. Durante anos os Americanos defenderam que a Europa tinha de fazer mais por si própria e assim permitir que os EUA não tivessem de despender tanto nas despesas militares com a Europa. Os Europeus deveriam vocacionar mais os seus orçamentos nacionais mais para as questões de defesa. Daí que, após a experiência dos Balcãs concluíram que era necessário terem uma força de reacção rápida dado que a Europa já tem organizações militares e conhecimento tecnológico para criar uma força de sucesso. No entanto, a intervenção da OTAN na crise do Kosovo revelou que a 33 A decisão franco-britânica adoptada na Cimeira de Saint-Malô foi aceite por todos os Estadosmembros da UE, com excepção da Dinamarca que usufrui nesta matéria do estatuto de opting out. Esta decisão foi também ratificada na Cimeira de Washington da OTAN, em Abril de 1999, designado-a como Berlim Plus, mediante a qual a OTAN reconhece que passará a ser a UE e não a UEO a desenvolver capacidades para uma acção autónoma nos cenários em que a Aliança não estiver envolvida. Departamento de Prospectiva e Planeamento 227 Informação Internacional, Vol. I, 2004 Europa era bastante apagada na sua capacidade militar e de coordenação em comparação com os EUA. Assim, na sequência da entrada em vigor do Tratado de Amsterdão, em 1999, juntou-se às missões de gestão das crises civis e militares, a componente prevenção dos conflitos da PESD. O Comité Político e de Segurança (COPS)34 passou a ser assistido pelo Comité Militar da UE (CMUE) e pelo Estado Maior Militar da UE (EMUE) que constituem as estruturas políticas e militares permanentes que consagram uma política de defesa autónoma e operacional da União. Foi nomeado Sr. PESC – Javier Solana. Além disso, o Conselho Europeu de Helsínquia, em Dezembro de 1999, instaurou o Helsinki headline goal, isto é, o poder da União dispor de capacidades próprias militares para posicionar, num prazo de 60 dias e por um período de, pelo menos, um ano, até 60 000 homens efectivos, capazes de desempenhar todo o leque de tarefas previstas na Declaração Petersberg e de capacidades civis, nomeadamente, polícia, peritos em acções de nation building nas suas dimensões de Estado de Direito, protecção civil e administração civil. Ou seja, a criação de um corpo europeu de reacção rápida destinado a operações de manutenção da paz e gestão de crises regionais. Em Maio de 2000, na Cimeira da UEO, em Santa Maria da Feira, foi decidida a preservação e defesa, apesar das suas competências, estruturas e património doutrinário terem sido transferidas na integra para a PESD. Ou seja, assistiu-se à extinção da operacionalidade da UEO. Neste contexto, o que esteve e está na origem da construção da defesa europeia é a satisfação das missões Petersberg. Visa-se desenvolver as capacidades militares – e os mecanismos de decisão, planeamento e condução de operações – dos países europeus para lhes permitir conduzir autonomamente operações de gestão de crises. As missões Petersberg tiveram a sua origem na UEO, foram integradas no Tratado de Amesterdão e até ao desaparecimento da UEO, a UE usava-as para as desempenhar, dado que a UEO garantia o acesso a uma capacidade operacional que a própria UE ainda não dispunha. A PESC-D significa, do ponto de vista institucional, o desenvolvimento pela União de capacidades militares e civis para fazer face aos riscos e à instabilidade que afectem a sua segurança. Enquanto a União Europeia não tiver uma capacidade militar capaz de sustentar os seus esforços em matéria paz e de estabilidade, a sua acção no exterior estará sempre limitada. O desenvolvimento da PESD contribui para a vitalidade de um elo transatlântico renovado. Esse desenvolvimento traduz-se igualmente numa verdadeira parceria estratégica entre a UE e a OTAN na gestão de crises, no respeito da autonomia de decisão de ambas as organizações. O Tratado de Nice, assinado a 26 de fevereiro de 2001, introduziu a possibilidade de, em determinadas condições, instaurar cooperações reforçadas (com um número mínimo de oito 34 O Comité Político e de Segurança (COPS) substitui o Comité Político (COPO). 228 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes Estados-membros) no domínio da PESC, tendo em vista a realização de uma acção comum ou de uma posição comum. Essas cooperações reforçadas não podem incidir sobre questões que tenham implicações ao nível militar ou relativas à área da defesa. Ficou consagrado, no Tratado, a PESD, bem como o acordo entre os Estados-membros e da sua institucionalização. Passou-se, então, a ter uma União Europeia com uma dimensão militar35. Em Outubro de 2002, no Conselho Europeu de Bruxelas foram adoptadas as modalidades de participação dos aliados europeus não membros da UE em operações efectuadas pela União, no caso de uso de capacidades e meios da OTAN. A 16 de Dezembro de 2002, a UE e a OTAN assinaram o acordo de parceria estratégica garantindo o acesso aos recursos e às estruturas da OTAN. Assim, em 2003 foram aprovadas quatro operações e duas em 2004, desempenhadas pela PESD, nomeadamente: ◆ 01 de Janeiro de 2003 – ainda em curso – Operação de Polícia – Bósnia Herzegovina; ◆ 31 de Março de 2003 – 15 de Dezembro 2003 – Operação Concórdia – Macedónia; ◆ Junho 2003 – 01 de Setembro de 2003 – Operação Artemis – Congo; ◆ 15 de Dezembro de 2003 – Dezembro de 2004 - Operação de Polícia – PROXIMA – Macedónia; ◆ 28 de Junho de 2004 – Junho de 2005 – Missão da União Europeia para o Estado de Direito da Geórgia – República da Geórgia; ◆ 12 de Julho 2004 – Julho 2007 – Operação Althea – Bósnia-Herzegovina36. Destas seis operações PESD, três são militares – “Operação Concórdia”, “Operação Artemi” e “Operação Althea” – duas são Missões de Polícia – “Bósnia-Herzegovina” e “PROXIMA” – e uma é vocacionada para auxiliar a população civil – “Missão da União Europeia para o Estado de Direito da Geórgia”. 35 A. Rogério Leitão, (2002), Política Europeia de Segurança e Defesa – Que futuro?, Estratégia (2003). Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais (IEEI). Nº18-19. Lisboa: Principia, p. 339. 36 Esta operação teve início em Dezembro de 2004. A Força da União Europeia (Eurofor) substituiu a OTAN na chefia da força multinacional de estabilização na Bósnia-Herzegovina (SFOR). A nova força europeia – Eurofor – é composta por 7 000 soldados com a missão de assegurar a segurança na Bósnia. Mais de 30 países (22 dos quais membros da UE) contribuem para a nova “Operação Althea”, cabendo ao Reino Unido a chefia desta nova força. Nesta missão a UE conta com o apoio da OTAN, ao abrigo do Acordo Berlim Plus. É o Comité Militar da UE que supervisiona toda a execução da operação. Nesta operação a OTAN mantém uma pequena presença em Sarajevo e em conjunto com as forças “Althea” terá a tarefa de apanhar criminosos de guerra e aconselhar o Governo Bósnio sobre as reformas a introduzir no âmbito da defesa. Trata-se da primeira grande autónoma da UE em solo europeu. Departamento de Prospectiva e Planeamento 229 Informação Internacional, Vol. I, 2004 No Conselho Europeu, realizado 25 de Março de 2004, após os atentados terroristas em Madrid, foi emitida uma Declaração sobre a Luta contra o Terrorismo. Nesta Declaração os quinze acordaram: ◆ A implementação urgente da totalidade das medidas da luta contra o terrorismo; ◆ Desenvolver o contributo da PESD no combate ao terrorismo; ◆ Criação do cargo de Coordenador da Luta Antiterrorismo. O Conselho dos Ministros de Negócios Estrangeiros da UE aprovou, a 14 de Junho de 2004, a criação de uma Agência Europeia de Armamento, Investigação e Capacidades Militares com a finalidade de melhorar as capacidades militares da Europa e apoiar as suas políticas de segurança e de defesa. Esta Agência implicará aos Estados melhoraram a sua cooperação na investigação e desenvolvimento, bem como no desenvolvimento das capacidades de defesa e de armamentos. Somente através do aumento de orçamentos para a investigação é que os Estados da UE conseguirão competir com o orçamento de defesa norte-americano. A 18 de Junho de 2004 foi aprovada no Conselho Europeu de Bruxelas, sob a égide da Presidência Irlandesa, a Constituição Europeia37, tendo sido assinada a 29 de Outubro. Nela é proposta a criação da figura do Ministro dos Negócios Estrangeiros Europeu (artigo III197º da Constituição Europeia)38, responsável pela condução e participante activo na formulação da política externa, de segurança de defesa europeia, devendo velar pela geral harmonia da acção externa da UE e representá-la em organismos ou conferências internacionais. Segundo o artigo I-40º nº 3 da Constituição Europeia, é instituída a Agência Europeia de Armamento, Investigação e Capacidades Militares. Na reunião de 22 de Novembro de 2004, entre os Ministros de Defesa dos Estados-membros da UE, foi aprovado o orçamento de 21 milhões € para a nova Agência. A Constituição Europeia prevê a criação de um novo mecanismo de cooperação estruturada (artigos I-40º nº 6 e III-213º) que permite a alguns países avançarem para uma defesa integrada e autónoma, sem esperar concordância de todos os Estados-membros. A implementação deste tipo de cooperações estruturadas permite aos Estados que prefiram começar a integrar as suas capacidades militares e a dotá-las da mobilidade e flexibilidade necessárias, terem capacidade de agir rapidamente em qualquer parte do mundo. Estas 37 A Constituição Europeia é o resultado de um processo que começou em Outubro de 2003 com o início da CIG de Roma, cuja finalidade foi a de analisar as propostas formuladas pela Convenção a fim de propor a adopção de uma nova Constituição Europeia. A Constituição Europeia abarca já uma Europa a 27 (incluindo a Bulgária e a Roménia, os quais apesar de não ter entrado em Maio de 2004, brevemente serão membros de pleno direito, tendo já como obrigação a ratificação da Constituição). 38 O Ministro dos Negócios Estrangeiros Europeu substituirá o actual Alto Representa da PESC – Sr. PESC – e será também Vice-Presidente da Comissão Europeia. 230 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes forças deverão estar prontas em 2007. Não obstante, este princípio só pode ser aplicado desde que não ponha em causa a OTAN. Foi aceite a cláusula de solidariedade (artigo III-213º da Constituição Europeia) que diz respeito à mobilização dos meios civis e militares, no interior da UE, na eventualidade de um acontecimento semelhante aos ataques de 11 de Setembro de 2001 e, recentemente, de 11 de Março de 200439, ou se um Estado-membro for vítima de uma catástrofe natural ou de origem humana. Surge também pela primeira vez aquilo a que se poderá chamar de embrião de uma defesa europeia dado que se cria o conceito de defesa europeia que poderá conduzir à futura identidade militar da UE. Em conclusão, a política de segurança e de defesa continua a fazer parte da política externa da União. A defesa europeia é necessária porque a Europa tem consciência que sem ela não dispõe de uma política internacional digna de tal nome e porque os europeus sabem que sem uma defesa cada vez mais europeia, a totalidade da capacidade militar dos seus membros impede a credibilidade de posições adoptadas pela a UE na cena internacional. Por outro lado, várias sondagens mostram que os cidadãos europeus desejam uma UE forte, solidária e interveniente, dispondo de uma política externa e de segurança e defesa própria. Talvez com a Constituição se possa caminhar para uma Europa dotada de uma política externa, de segurança e defesa que lhe proporcione maior peso e maior coerência na cena internacional, ao contrário do que se passou no Iraque. A política externa e de defesa correspondem ao núcleo duro de competências próprias dos Estados. A partir do Relatório Davignon, em 1971, o processo de constituição de uma União Política Europeia começou-se a delinear. Sempre se verificaram tentativas de reforço de uma União Europeia cada vez mais forte, não obstante também se ergueram muitas resistências. 2.2. A Cooperação UE-UEO-OTAN no Século XXI A OTAN, a UE e a UEO emergem no pós-II Guerra Mundial, atravessam a Guerra Fria, enfrentando actualmente os novos e imprevisíveis desafios de segurança que o século XXI lhes está a colocar. Ao longo das décadas houve alguns pontos de contacto entre estas organizações, mas é sobretudo no pós-Guerra Fria que as suas relações se estreitam e se assiste a pontos de contacto, de acções e de actividades em comum. Antes de avançar há que fazer um breve apontamento acerca da evolução da UEO. 39 No Conselho Europeu de Bruxelas de 25 de Março de 2004, foi reiterado o compromisso político desta cláusula, constante do artigo 42 do projecto da Constituição para a Europa. Departamento de Prospectiva e Planeamento 231 Informação Internacional, Vol. I, 2004 A UEO foi criada em 1954, contando com 28 Estados. Esta organização tem as suas origens no Tratado de Bruxelas para a colaboração económica, social e cultural e para a auto-defesa colectiva, de 1948, assinado pela França, Reino Unido e Benelux. A UEO constitui um verdadeiro quadro de diálogo e de cooperação, em matéria de defesa e de segurança para os seus membros. Os seus 28 Estados-membros possuem quatro estatutos diferentes: Estados-membros, membros associados, observadores e parceiros associados. Os países da União Europeia têm o estatuto de Estado membro, com excepção da Dinamarca, da Irlanda, da Finlândia e da Suécia que têm o estatuto de observador. Os seis membros associados são a Hungria, a Islândia, a Noruega, a Polónia, a República Checa e a Turquia. Por fim, os sete parceiros associados são a Bulgária, a Estónia, a Letónia, a Lituânia, a Eslovénia, a Eslováquia e a Roménia. A diferença de estatutos criou um sistema de geometria variável, com três níveis diferentes de membros e afiliados, para além do estatuto de observador: ◆ Membros, também membros da OTAN e da UE; ◆ Membros associados, membros da OTAN, mas não da UE; ◆ Parceiros associados, não membros da OTAN, nem da UE; ◆ Observadores, membros da UE, mas não da OTAN. A Dinamarca também optou pelo estatuto de observador. Com a assinatura do Tratado de Washington que instituiu a OTAN, em 1949, o exercício das capacidades militares da UEO foi transferido para a Aliança do Atlântico Norte. De acordo com os Tratados de Paris de 1954, a RFA e a Itália aderiram ao Tratado de Bruxelas e a organização passou a designar-se por União Europeia Ocidental (UEO), tendo continuado a desempenhar as suas funções de acordo com as condições e objectivos definidos nos Acordos de Paris. No período que medeia entre 1954 e 1984, esta organização foi perdendo a sua importância e o seu protagonismo foi-se diluindo: os assuntos militares passaram para a OTAN, os aspectos sociais e culturais para Conselho da Europa (criado em 1949); os assuntos económicos para a OCDE. Nos anos 80, assiste-se ao relançamento da UEO no plano político e operacional, assente em duas ideias chave: dotar a integração europeia de uma dimensão de segurança (braço armado da UE) e reforçar a solidariedade com a OTAN (pilar europeu de defesa). Assim, em 1984 pela Declaração de Roma a organização procurou desenvolver uma identidade europeia comum de defesa, mediante a cooperação entre os seus membros na área da segurança e do reforço do pilar europeu da Aliança do Atlântico Norte. Em 1987, foi adoptada, em Haia, a “Plataforma Comum”, cujo objectivo foi o reforço do pilar europeu da OTAN e contribuir com uma Europa integrada com dimensão de segurança e de 232 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes defesa. A Plataforma definia as relações da UEO com a OTAN e com outras organizações, o alargamento da UEO e as condições para o posterior desenvolvimento do seu papel como fórum de debate regular para as questões de defesa e de segurança que afectavam a Europa. Em 1988, verificou-se uma coordenação das forças navais e operações no Golfo Pérsico, após a Guerra Irão-Iraque. É, também, em 1988, que Portugal e Espanha assinaram a adesão à UEO, tendo-se tornado membros em 1990. Com a assinatura do Tratado de Maastricht, em 1991, foi criada a PESC como um dos três pilares da UE, prevendo-se a constituição de uma política de defesa comum, a prazo, em que a UEO seria o “braço armado” da União. Foram definidas as relações e o papel da UEO com a UE e com a OTAN. As missões de Petersberg foram criadas em Junho de 1992, aquando do Conselho Ministerial da União da Europa Ocidental (UEO) realizado no Hotel de Petersberg, nas proximidades de Bona. Nessa altura, os Estados-membros da UEO declararam-se prontos a colocar à disposição da UEO unidades militares provenientes de qualquer ramo das suas forças convencionais, com vista à realização de missões militares sob a autoridade da UEO. Foram definidos os diferentes tipos de missões militares que podem ser realizadas pela UEO: para além de contribuírem para a defesa colectiva no âmbito da aplicação do artigo 5º do Tratado de Washington e do artigo V do Tratado de Bruxelas alterado, as unidades militares dos Estados-membros da UEO podem ser utilizadas para: ◆ Missões humanitárias ou de evacuação de cidadãos; ◆ Missões de manutenção da paz; ◆ Missões executadas por forças de combate para a gestão de crises, incluindo operações de restabelecimento da paz. Estas missões estão expressamente integradas no artigo 17º do Tratado da União Europeia e fazem parte integrante da Política Europeia de Segurança e de Defesa (PESD). Em Novembro de 1996, teve lugar a primeira aplicação das disposições estabelecidas no Tratado de Maastricht em relação à UEO (artigo J4º nº 2 TUE), altura em que o Conselho da União Europeia adoptou a decisão de solicitar à UEO que analisasse com urgência a forma como poderia contribuir para os esforços humanitários da UE no apoio aos refugiados deslocados de guerra na região dos Grandes Lagos, em África. A cooperação UEO-UE verificou-se, de igual modo, no planeamento de operações de evacuação de forças, colaborando com os países africanos nos seus esforços de manutenção de paz e de desminagem do terreno. Departamento de Prospectiva e Planeamento 233 Informação Internacional, Vol. I, 2004 O Tratado de Amsterdão consagrou a UEO como parte integrante do desenvolvimento da União uma vez que esta organização lhe confere uma capacidade operacional no domínio da defesa. Com efeito, a UEO desempenhou um papel importante no lançamento das primeiras missões de Petersberg, como por exemplo o destacamento de polícia em Mostar, ou a cooperação com a polícia na Albânia. Todavia, actualmente este papel foi abandonado em favor do desenvolvimento de estruturas e capacidades próprias à União, no âmbito da Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD). A prová-lo está a transferência das capacidades operacionais da UEO para a União. A este título, os órgãos subsidiários da UEO e o Instituto de Estudos de Segurança e o Centro de Satélites, deixaram de integrar a organização desde 01 de Janeiro de 2002, passando a constituir agências da União. Além disso, o Tratado de Nice suprimiu determinadas disposições do Tratado da União Europeia relativas às relações entre a UEO e a União. Deste modo, a principal competência que se mantém no âmbito da UEO diz respeito ao artigo V - a defesa colectiva. Segundo o Embaixador António Monteiro Portugal (2001:80), não só a complexidade institucional da UEO, com diferentes estatutos de participação por um alargado número de países, como o sistema configurado no Tratado da UE para ela, complicava e prejudicava a utilização com eficiência da sua capacidade operacional. Era assim imperativo evoluir e clarificar os aspectos institucionais e tornou-se evidente a existência de uma convergência em torno da necessidade da UE assumir por ela própria a condução de operações de gestão de crises. No que toca às relações entre a UEO e a OTAN, ficou estipulado na “Declaração Sobre o Papel da UEO e as suas Relações com a UE e a Aliança Atlântica” (constante do Tratado de Amsterdão) que a UEO teria um papel no desenvolvimento da IESD no seio da OTAN40. Paralelamente, assistiu-se a uma cooperação OTAN-UEO. Como consequência da decisão de desenvolver uma IESD no seio da OTAN, foram elaboradas disposições necessárias para assegurar que a posterior adaptação da Aliança incluiria todos os aspectos do apoio da OTAN às operações dirigidas pela UEO. Foram estabelecidos dispositivos concebidos para garantir que, caso ocorresse uma crise em que a UEO decidisse intervir (e a Aliança preferisse não o fazer) esta poderia solicitar a utilização dos meios e capacidades da Aliança, incluindo um centro de comando CJTF para realizar operações sob o seu controlo político e direcção estratégica. A decisão de dotar a UE dos meios e capacidades necessárias para a implementação de uma PESD foi tomada na Cimeira de Colónia de 1999. De acordo com esta decisão, o papel assumido pela UEO relativamente ao desenvolvimento da IESD foi progressivamente transferido para a União Europeia. 40 Na “Declaração da UEO estabelecido no ponto 9 Europeia de Segurança e cooperação institucional e 234 sobre o Papel da UEO e as suas Relações com a UE e a Aliança Atlântica” ficou A UEO constitui um elemento essencial do desenvolvimento da Identidade Defesa no seio da Aliança Atlântica, e, nesse sentido continuará a reforçar a prática com a OTAN. Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes Durante este período, a OTAN continuou a trabalhar com a UEO no sentido de completar e implementar os dispositivos que facilitassem a cooperação entre ambas as organizações em caso de uma operação de gestão de crise comandada pela UEO, que utilizasse equipamento e capacidades da OTAN. No que se refere às relações entre a UE e OTAN, a ideia de desenvolver uma Identidade Europeia de Segurança e de Defesa resulta da verificação de dois factos: ◆ A Europa viu-se confrontada, desde há vários anos, com uma conjuntura caracterizada pelo aparecimento de diversos focos de instabilidade a Leste (Bósnia-Herzegovina, Kosovo …); ◆ O redimensionamento relativo do empenhamento dos Estados Unidos no que toca à defesa europeia criou um vazio que a Europa não foi capaz de preencher. Nos últimos anos tornaram-se, assim, evidentes as limitações de uma aliança (a OTAN) que se definia essencialmente em função de uma ameaça exterior, numa altura em que, para enfrentar os novos desafios da segurança europeia, se faz sentir na necessidade de uma entidade política animada pela consciência de que existem interesses comuns. Neste contexto, o Conselho da OTAN, realizado em Bruxelas, em Janeiro de 1994, reconheceu a importância de definir uma identidade europeia específica em matéria de segurança e de defesa. Essa identidade, afirmada na Cimeira de Roma da OTAN, em 1991, começou a tomar forma em Berlim, por ocasião do Conselho da OTAN de 3 de Junho de 1996, graças ao desenvolvimento do conceito de Grupos de Forças Interarmadas Multinacionais (GFIM), aprovado pelos Ministros da Aliança por ocasião da Cimeira de Janeiro de 1994. Os referidos grupos permitiram a utilização de capacidades militares da OTAN em operações conduzidas pela União da Europa Ocidental (UEO) e executadas sob o controlo político e a direcção estratégica da UE. Desde então, a União Europeia dotou-se das suas próprias estruturas políticas e militares permanentes para assegurar o controlo político e a direcção estratégica das crises. Em Dezembro de 2002, no âmbito dos acordos permanentes sobre as consultas e a cooperação entre a UE e a OTAN, os denominados “Berlim plus”, a União e a OTAN assinaram um acordo de parceria estratégica em matéria de gestão de crises. Graças a esse acordo, a União passou a dispor de um acesso, com efeito imediatos, aos meios logísticos e de planificação da Aliança Atlântica, incluindo no que respeita a informações militares. Assim, a União pode utilizar esses meios para conduzir as suas operações de manutenção da paz. Desde 2003, a UE dotou-se de uma força de reacção rápida que, a prazo, compreenderá 60 000 homens. O desenvolvimento da IESD no seio da OTAN permite, por um lado, um “bundersharing” financeiro e militar, num contexto em que os EUA não querem ser os que mais contribuem para a defesa e segurança europeia. Por outro lado, como a IESD é desenvolvida no seio da OTAN, os EUA podem continuar a controlá-la e por conseguinte a ter uma voz e até um veto na segurança e defesa europeia – os EUA continuam a ser um poder europeu. A IESD, num quadro euro-atlântico, tal como a UE hoje a concebe, apenas existirá nas condições e nos limites em que os EUA quiserem. Departamento de Prospectiva e Planeamento 235 Informação Internacional, Vol. I, 2004 O problema da preponderância americana é que inviabiliza o objectivo de transformar a OTAN numa aliança global entre a UE e os EUA, com vocação não apenas para a defesa europeia, mas para a defesa dos interesses europeus à escala planetária. Com efeito, para além da segurança europeia, parece não haver à escala mundial uma coincidência de interesses tão sólida como aquela que continua a existir em relação à preservação da paz e estabilidade no velho continente. O choque de interesses poderá levar a prazo os europeus a criarem uma efectiva IESD. Assim, torna-se claro que face à tentação imperial americana que tende a tratar os europeus como “juniors partners”, a Europa, e a UE em particular, tem de se afirmar no plano político e militar dentro da aliança. No Conselho Europeu de Helsínquia, celebrada em 1999, foi estabelecido o Helsinki headline goal para os Estados-membros da UE, relativamente às suas capacidades militares para operações de gestão de crises. Ficou acordada a criação de uma Força de Reacção Rápida. Esta Força tem o papel de realizar operações militares comandadas pela UE de resposta a crises internacionais em que a OTAN, no seu todo não esteja implicada em termos militares. Isto significa que esta força só intervêm quando os EUA não se querem envolver, não ocorrendo o dual helmet na OTAN. Este processo faz parte da determinação da UE de desenvolver uma política europeia de segurança e de defesa, que funciona como a base militar para a sua PESC (não ocorrendo a duplicação desnecessária de estruturas da OTAN, nem a criação de um exército europeu). A Força de Reacção Rápida Europeia actuará em conjunto com outras organizações internacionais e pode actuar a pedido da OSCE e da ONU; pode partilhar recursos com a OTAN. A UE criou um Mecanismo de Desenvolvimento de Capacidades (MDC) que tem como principal missão evitar a duplicação de tarefas entre a UE e a OTAN e facilita a comunicação entre as duas organizações. Neste contexto, tendo em conta o compromisso acordado há cinco anos sobre a criação de uma Força de Reacção Rápida da UE, a 22 de Novembro de 2004, os Ministros de Defesa da UE concordaram em criar 13 Unidades de Reacção Rápida com capacidade de intervenção em crises internacionais – missões humanitárias e de manutenção da paz em qualquer parte do mundo. A sua operacionalidade está prevista para 2005. Cada Unidade deverá ter 1500 soldados capazes de serem mobilizados em 10 dias. Das 13 Unidades de Reacção Rápida, quatro grupos serão limitados a um único Estadomembro – França, Reino Unido, Itália e Espanha. Os restantes terão uma composição multinacional, agindo sob comando dos grandes Estados-membros. Dos 25 Estados-membros da UE, Malta e Dinamarca já tomaram a posição de não participarem41, a Irlanda e a Estónia ainda estão a decidir. Todavia, a Noruega, que não é 41 Malta alega ter uma força armada reduzida e a Dinamarca beneficia da claúsula de “opting out” para as questões de defesa. 236 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes membro da UE, declarou a sua intenção de participar na Unidade de Reacção Rápida, juntamente com os seus vizinho nórdicos – Suécia e Finlândia. A UE trabalhará em conjunto com a OTAN de modo a estabelecerem uma coordenação entre esta Unidades de Reacção Rápida e a NRF. Não é provável que a Força de Reacção Rápida Europeia se torne numa estrutura militar que compita com a OTAN. Na verdade, a Força de Reacção Rápida Europeia, nos seus contorno actuais, não tem capacidade de empreender uma missão do tipo daquela conduzida pela OTAN no Kosovo, em 1999. Com efeito, as duas forças são distintas nos seus propósitos. A NRF será sobretudo uma força de ataque dotada com grande capacidade bélica para usar em operações de combate de elevada intensidade, e sobretudo fora do continente europeu. A Força de Reacção Rápida Europeia está principalmente vocacionada para missões de paz e de estabilização na Europa ou na sua periferia imediata. Daí se poder concluir que deverão ser complementares. Na sequência das reuniões de Dezembro de 2000, passou-se a assistir a um compromisso para a realização de reuniões conjuntas a nível de Embaixadores e de Ministros, aumentando as consultas entre as duas organizações em caso de crise. Face à guerra do Iraque, ficou demonstrado que a OTAN deve juntar às suas tropas de combate, forças com capacidade de reconstruírem e de estabilizarem um país ou uma região, reerguendo a nação civil. Os europeus dispõem deste tipo de forças. Os alemães e os italianos estão a desenvolver unidades especializadas em missões de estabilização e de reconstrução. Os franceses e os britânicos contam com tropas de “frontline”. Daí que, verifica-se que a OTAN neste momento não está organizada para retirar as devidas vantagens e treino destas forças militares nacionais. Uma solução possível é a criação de uma força de estabilização e reconstrução. No entanto, a criação desta força é encarada por alguns oficiais de ambos os lados do Atlântico com alguma preocupação, dado que: ◆ poderá secundarizar o papel da Força de Resposta Rápida da OTAN; ◆ levar os europeus a abandonarem as missões de conflito a favor de missões de paz (mais populares). Esta situação criaria uma divisão de trabalho transatlântica e poderia condenar a OTAN; ◆ esta nova força poderá competir com a força de reacção rápida da UE. Apesar destas reticências, a verdade é que a OTAN deve ser capaz de realizar as duas missões. Sem um força de estabilização e reconstrução, a OTAN terá de usar a NRF para esse tipo de missões. A criação de uma força de estabilização e reconstrução poderia Departamento de Prospectiva e Planeamento 237 Informação Internacional, Vol. I, 2004 também incentivar os Estados europeus a investirem nesta força, dado que desde o fim da Guerra Fria, a Europa tem diminuído a sua contribuição financeira, no plano militar. Ressalta desta análise que a OTAN continua a ser uma organização preponderante da arquitectura de segurança europeia; é ela a responsável pela defesa colectiva dos seus membros. O desenvolvimento das capacidades militares no quadro europeu exige naturalmente um relacionamento forte entre a OTAN e a UE. Esta relação permite à UE recorrer a meios e capacidades da OTAN, mas também porque ambas as organizações têm objectivos comuns. Daí a importância de mecanismos que permitam o diálogo, a cooperação e consultas recíprocas entre a UE e a OTAN, evitando-se a duplicação de esforços e no respeito pelo princípio da manutenção da autonomia de decisão de ambas as organizações, permitindo uma actuação eficaz e coerente. A UE e a UEO submetem-se assim à OTAN e aos EUA mas poderá acontecer que os choques de interesses entre a UE e os EUA levem progressivamente a UE a afirmar a sua IESD e assim afastar-se política e militarmente, de maneira progressiva, dos EUA. Mas este não é um cenário a curto prazo dado que a UE deverá, antes de tudo atenuar as contradições entre os seus Estados-membros – entre Atlanticistas/Europeistas – e convencer os neutros, ou seja, a UE deverá provar a sua capacidade de coerência e independência. E, para terem uma IESD não podem continuar a diminuir as despesas para com os seus orçamentos militares. No contexto da arquitectura de segurança europeia é a OTAN que parece agir como força motora. A Aliança Atlântica e a União Europeia são verdadeiramente significativas, porque resultam de uma revolução ideológica na política europeia, que substitui uma ideologia nacionalista e expansionista por um conjunto de valores liberais e democráticos, hoje determinantes para a política externa dos países europeus e ocidentais. Como resultado, estas duas organizações são fundamentais para se consolidar estes valores nos Estadosmembros e para os promover no interior de outros Estados, como é notório nos respectivos processos de alargamento da NATO e da UE (João Marques de Almeida & Vasco Rato, 2004: 42). 3. 2001 E AS MUDANÇAS NOS EUA 3.1. Novas Ameaças Desde o Renascimento até à II Guerra Mundial viveu-se num mundo multipolar (confirmado pelo Congresso da Vestefália, de 164842), em que existiam várias potências com capacidades materiais idênticas. Seguiu-se o sistema bipolar que prevaleceu durante a Guerra Fria, em que apenas duas grandes potências tinham capacidades materiais superiores às demais. 42 O fundamento do Tratado era a Doutrina da Soberania, que estabelecia que a conduta interna e as instituições do Estado estavam fora da ingerência dos outros Estados. 238 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes Desde a implosão da União Soviética, apenas os EUA são a maior potência mundial, em termos militares e económicos, pelo que se assiste à emergência de um mundo unipolar. Com efeito, com o fim da Guerra Fria acabou a ameaça comum entre as duas margens do atlântico face à União Soviética. Os EUA emergiram como a única superpotência com capacidade de intervenção decisiva global. São os detentores da superioridade militar (em termos nucleares, força aérea e armada poderosas e capacidade singular de projectar poder em termos globais) e económica. Segundo Loureiro dos Santos43 a afirmação dos EUA como única superpotência ocorre num contexto internacional, caracterizado pela globalização económica, comunicacional, cultural e de violência: uma Europa economicamente debilitada e militarmente fraca em fase de reconstituição do seu espaço geopolítico tradicional (...); a reentrada da Ásia (especialmente da China) no comércio mundial retomando a sua posição na economia internacional, e a procurar o poder político e militar que lhe corresponde – aparecendo como a próxima competidora estratégica da América do Norte; outras grandes potências emergentes, como a Índia, o Brasil e a África do Sul, a procurarem afirmar-se internacionalmente (...); e um conjunto de ameaças novas transnacionais, provenientes de actores não estatais, onde se interpenetram diversas formas de criminalidade multinacional e projectos políticos com motivações culturais fundamentalistas, entre as quais avulta a combinação explosiva do terrorismo de martírio, massacrando inocentes, com a proliferação de armas de destruição maciça. Entre o fim da Guerra Fria e o 11 de Setembro (1989/1991-2001) viveu-se um período de transição e de incerteza. No pós-11 de Setembro começou-se a definir o modelo de ordenamento internacional do pós-Guerra Fria. A viragem unipolar iniciou-se com Bill Clinton, como uma resposta americana ao novo contexto estratégico gerado pelo colapso da bipolaridade. Com George W. Bush a unipolaridade norte-americana “consolida-se”. Após os eventos trágicos de 11 de Setembro de 2001, as preocupações quanto ao unilateralismo intensificaram-se. A consciência de que se vive numa era caracterizada por terrorismos, por extremismos (culturais e práticas de violência que ultrapassam as fronteiras do mundo árabo-islâmico) e militarismos permitem desenhar um quadro de novas ameaças: a natureza do terrorismo actual, a avaliação das armas de destruição maciça e a possibilidade de uma sinergia destes dois elementos serem utilizados por Estados pária, emergindo novas confrontações de raiz ideológica baseadas em fundamentalismos religiosos, étnicos e nacionalistas. 43 SANTOS, José Loureiro dos (2004) – Que futuro para a NATO? – Público. 28 de Junho, p. 16 Departamento de Prospectiva e Planeamento 239 Informação Internacional, Vol. I, 2004 Concomitantemente, como que para caracterizar estas novas ameaças, e ao mesmo tempo traduzindo uma linguagem imperialista dos EUA, novos termos tornam-se frequentes: Estados párias, eixo do mal, alteração de regime, nation building, guerra contra o terrorismo, guerra preventiva, Arco da Crise. CAIXA 1 Definições de alguns dos novos termos do século XXI Estados párias De acordo com o documento “The National Securaty Strategy for the United States”, (NSS 2002:14) , os Estados pária apresentam cinco características: ▪ apoiam o terrorismo; ▪ mostram uma a determinação em adquirir armas de destruição maciça; ▪ constituem uma ameaça para os seus vizinhos; ▪ têm regimes políticos tirânicos; ▪ não respeitam as liberdades e os direitos humanos fundamentais. Actualmente, encontram-se abrangidos por esta denominação o Iraque, o Irão e a Coreia do Norte. O novo Terrorismo Trata-se de uma ameaça com quem é impossível negociar – tem origens e direcções pulverizadas, desligadas, basicamente orientadas por uma ideia político-religiosa (..) massacrando o maior número possível de inocentes, com a finalidade de substituir a liberdade e a democracia, pelo totalitarismo e a repressão (Loureiro dos Santos, 2004:16). No entanto, o novo terrorismo que se verifica no século XXI é diferente do tradicional relacionado com a conquista do poder sobre a população de uma determinada área territorial, com os quais se tem negociado, normalmente in extremis (Loureiro dos Santos, 2004:17). É um terrorismo global na sua organização, no seu alcance e nos seus objectivos. Este terrorismo não tem fronteiras, não tem limites geográficos. Deve, talvez, ser encarado como a principal ameaça deste princípio de século. Para os EUA, a definição de terrorismo passou a abranger as redes terroristas transnacionais, nacionais ou subnacionais e três tipos de Estados: Estados que utilizam o terrorismo; Estados forada-lei, detentores de armas de destruição maciça à margem da legalidade internacional; e os Estados falhados, perturbadores regionais e que acolhem organizações terroristas e criminosas. Al Qaeda A Al-Qaeda é um actor geopolítico não estatal, movimento político radical, que usa métodos terroristas, e está disposto a dar uma nova solução política unificadora ao mundo árabe, utilizando o islão como factor legitimador. A Al-Qaeda supõe o acesso armas de destruição maciça sob controlo árabe, uma utilização agressiva da arma do petróleo e uma alteração radical das expectativas das sociedades árabes, que torne possível gerir com maior liberdade as receitas do petróleo. Tem por objectivo principal alterar a ordem internacional actual, de natureza imperial, liderada pelas democracias sob o comando do império norte-americano. 240 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes A Al Qaeda é autora de atentados terroristas de grande dimensão: ataque aos EUA, em Nova York e em Washington; ataque sobre a Turquia, em Istambul, e às portas da sua fronteira da Sul; em Marrocos, em Casablanca; o atentado em Madrid. Guerra Preventiva É contra os grupos terroristas e o Estados párias que surge a guerra preventiva, defendida pelos EUA. Este tipo de guerra justifica-se devido à impossibilidade de dissuadir grupos terroristas e Estados párias. Enquanto que durante a Guerra Fria, ambos os blocos estavam empenhados em manter o status quo, dissuadindo-se mutuamente. Ambos sabiam que em caso de ataque sobre o seu território e população as consequências seriam dramáticas, esta questão coloca-se em termos diferentes para os terroristas e mesmo para os Estados párias, em que a dissuasão não surte efeito. Os novos terroristas não exercem domínio sobre território, não estando sujeitos a retaliação e muitos deles aceitam morrer pela causa que defendem. Daí a justificação de desencadear uma guerra preventiva. Foi com esta justificação que os EUA intervieram no Iraque, em 2003. A guerra preventiva é suportada pela doutrina militar “pre-emption”, isto é, as novas ameaças exigem uma nova resposta. Arco de crise Após o fim da Guerra Fria assistiu-se à deslocação do centro de gravidade das tensões mundiais da Europa, onde residiu durante a Guerra Fria, para a Ásia, emergindo e evidenciando como actores fundamentais das décadas que se seguem, países como a Índia, a China, o Irão e a Turquia, pertencentes a civilizações bem distintas das do Ocidente. O Arco de crise abarca, em termos de geopolítica mundial e de relações estratégicas, a Ásia Central, o Médio Oriente, o Golfo Pérsico, a Ásia do Sul e a Ásia-Pacífico (Coreias, Curilhas, Estreito da Formosa e Mar do Sul da China). Em suma, após o 11 de Setembro, a segurança internacional caracteriza-se pela conjugação de três factores: uma enorme supremacia militar dos Estados Unidos, a natureza radical da ameaça terrorista e o empenho dos Estados Unidos em promoverem a democracia e os valores liberais (Marques de Almeida & Rato, 2004:120) Naturalmente que existem outras ameaças: reflexos do conflito Norte-Sul na pressão demográfica que se traduz no forte crescimento dos fluxos migratórios no sentido Sul-Norte; as novas ameaças à saúde pública, o crime organizado. 3.1. A Nova Doutrina Desde sempre que a política externa norte-americana oscila entre o intervencionismo e o isolacionismo, verificando-se uma opção pelo intervencionismo sempre que os interesses e valores dos EUA são postos em causa. Durante a Administração de Bill Clinton44, a sua Doutrina fundava-se no alargamento da globalização e da democracia. Clinton acreditava que o desenvolvimento dos mercados fomenta a democracia; a política externa devia estimular investimentos e reformar economias em regimes não democráticos para conduzir a mudanças políticas. Daí o 44 Bill Clinton foi Presidente dos EUA entre 1993-2001, durante dois mandatos consecutivos. Pertence ao Partido dos Democratas. Departamento de Prospectiva e Planeamento 241 Informação Internacional, Vol. I, 2004 desenvolvimento da centralidade das alianças multilaterais, a democratização e a liberalização económica, como pilares da política externa norte-americana, então praticada. Para George W. Bush45 existe também uma correlação entre a democracia política e os mercados, mas defende que é a democracia que produz crescimento. A política externa deve “exportar” regimes democráticos. No entanto, esta exportação não deve ser feita através da força. Apenas regimes párias que abdicaram da sua legitimidade internacional deverão e poderão ser alvos de uma guerra preventiva. A guerra preventiva justifica-se devido à impossibilidade de dissuadir grupos terroristas e Estados párias, e segundo, devido à catastrófica devastação resultante de ataques perpetuados por Estados párias ou grupos terroristas possuidores de armas químicas, biológicas e nucleares (Marques de Almeida & Rato, 2004:82). As intervenções militares preventivas norte-americanas são justificadas como um meio de travar as intenções agressivas e expansionistas destes regimes. Não existe uma distinção entre os terroristas e os que lhes concedem refúgio. Foi neste contexto que Bush terá afirmado connosco ou contra nós. Neste começo de século, segundo Pezarat Correia, são três os interesses vitais dos EUA, que englobam três grandes áreas de preocupações: 1. Manutenção da invulnerabilidade do território nacional e das suas instalações no exterior; 2. Impedir a reconstituição de blocos, nomeadamente, na Euroásia, que possam pôr em causa a hegemonia norte-americana; 3. Assegurar o controlo das principais reservas petrolíferas e de gás natural em todo o mundo, tendo como objectivo a manutenção dos seus stocks e o controlo dos preços. Em finais de Setembro de 2002, a Casa Branca apresentou o documento intitulado The National Security Strategy of the United States (“A Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América” – NSS). Este documento identifica as novas ameaças à segurança internacional, desenvolve a doutrina da guerra preventiva, defende a promoção da democracia e da expansão dos mercados livres e do comércio internacional à escala global, e finalmente defende que os EUA devem procurar preservar a unipolaridade. A partir deste documento está desenhada a Doutrina Bush46. Esta Doutrina aborda: ◆ Segurança; 45 George W. Bush foi eleito em Novembro de 2000, sendo Presidente dos EUA desde 2001, continuando em funções no seu 1º mandato até Janeiro de 2005. Foi reeleito para o seu segundo mandato em 02 Novembro do corrente. Pertence ao Partido Republicano. 46 A Doutrina Bush recolhe o contributo da visão Wilsoniana assente na promoção da democracia, nos mercados e na segurança colectiva – “missão universal”. 242 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes ◆ Novo tipo de desenvolvimento que visa evitar a emergência de Estados falhados que acolhem organizações terroristas. A ajuda externa e a cooperação passam a ser concebidas como instrumentos de regulamentação da ordem internacional e da governabilidade. É neste contexto que surge a tão contestada guerra preventiva de Bush. Segundo o documento The National Security Strategy of the United States (2002:14), antes dos EUA optarem pela Guerra preventiva, Washinton assegura que efectuará consultas com os aliados, mas, igualmente, não se coibirá de agir unilateralmente se os seus interesses vitais estiverem directamente ameaçados. Segundo o mesmo documento, o sistema unipolar vigente permite estabelecer coligações de dois tipos: 1. Institucionalizada – por exemplo, através da OTAN; 2. Variáveis – formadas para cumprirem uma missão específica, desfazendo-as aquando da situação resolvida (a Guerra do Iraque de 2003 ilustra bem este tipo de coligação). Em consequência dos atentados de 2001, tornou-se óbvia a preferência por coligações de tipo variável. A resposta à ameaça terrorista não se reduz à guerra preventiva, mas também inclui a estratégia da promoção da democracia. Daí a proposta do NSS defender a expansão do círculo da democracia para combater o terrorismo. A verdade é que Bush prossegue, por um lado, uma postura unilateralista – rejeitou o Protocolo de Quioto e o Tratado Tribunal Penal Internacional (TPI)47, o Tratado ABM; mas, por outro, também prossegue uma postura multilateralista – através das instituições económicas internacionais e das suas alianças militares institucionalicinalizadas. É neste contexto de novas ameaças, em que o território norte-americano passou a ser vulnerável que o Secretário de Defesa Donald Rumsfeld48, apresentou, em Janeiro de 2002, a Doutrina Militar norte-americana, segundo a qual os EUA devem agir para ter capacidade de dissuasão em quatro teatros de operações importantes, obtendo meios para vencer dois 47 O Tratado de Quioto não foi ratificado em virtude de ser lesivo para os interesses norte-americanos, em termos de competitividade económica; em relação ao TPI a sua ratificação era difícil pois a obrigatoriedade de em determinados casos de transferência de cidadãos americanos para tribunais estrangeiros violar as normas da Constituição norte-americana. 48 Donald Rumsfield pertence à ala dos neoconservadores do partido republicano norte-americano. Para esta ala, os EUA são a única potência que deverá submeter todas as outras, concretamente, assegurando na Ásia o equilíbrio entre China e Japão; na Europa o equilíbrio entre ingleses e alemães, isolando a França; no Médio Oriente, conciliando interesses turcos, israelitas e sauditas. Os neoconservadores são chefiados por um triângulo formado pelo Vice-Presidente dos EUA, Dick Cheney, por Rumsfield e pelo subsecretário de Defesa Paul Wolfwitz. Departamento de Prospectiva e Planeamento 243 Informação Internacional, Vol. I, 2004 agressores simultâneos, tendo ainda a possibilidade de desencadear uma contra-ofensiva de envergadura e de ocupar a capital de um inimigo para aí instalar um novo regime. Rumsfield multiplica a eventualidade dos conflitos alargando para quatro os “Major Theater Wars”. Daí que tenha sido aumentado o orçamento de defesa dos EUA. O conceito central é o de alcançar o objectivo do “controlo estratégico”, ou seja, a supremacia indiscutível. A Doutrina Militar de Rumsfield colide com a Doutrina Powell, do Secretário de Estado Collin Powell49, que defende que Washington só deverá intervir militarmente quando se reunam duas condições: estar em jogo o interesse vital norte-americano e poder desencadear um potencial ataque militar esmagador; caso contrário os EUA abster-se-ão de intervir. Segundo Loureiro dos Santos (2004:228), em rigor, não se deveriam comparar estas duas doutrinas, porquanto não se situam no mesmo patamar da acção estratégica. A primeira, da autoria de Powell, respeita à estratégia militar operacional – atribuição das forças a um teatro de operações (TO), a sua articulação e manobra para alcançar os objectivos definidos politicamente. Logo, refere-se ao tipo de potencial de combate desejável no TO, face à ameaça nele previsível. Foi praticada com êxito durante a primeira Guerra do Golfo, em 1991, quando o General Powell era o chefe do EstadoMaior General das FA norte-americanas. A doutrina Rumsfield é do âmbito das estratégias genética e estrutural da acção militar, visando gerar e articular o mais adequado tipo e quantidade de forças, que a tecnologia existente permite, capazes de responderem às ameaças com que os EUA se possam confrontar, no actual contexto estratégico. Aquando da intervenção no Iraque, em 2003, Powell sofreu uma derrota na esfera política, ao longo do processo diplomático que conduziu ao desencadeamento da guerra. A esta derrota não foi a alheia a influência/interferência de Rumsfield e de outros membros da administração. Não obstante, Rumsfield também não saiu vitorioso em consequência da posição da França. No final do Verão de 2003, após a ocupação do Iraque, com a segunda resolução do Conselho de Segurança, proposta pelos EUA, assistiu-se a uma inversão da estratégia global norte-americana. Os resultados inesperados da ocupação do Iraque obrigaram a Administração norte-americana a reflectir sobre a estratégia até então posta em prática. Esta 49 Collin Powell pertence ao lado conservador do partido republicano (mais moderado). A “Doutrina Powell”, inspirada na tese de Paul Kennedy, defende que existe uma sobreposição da potência americana, donde os EUA deveriam adoptar uma postura comparável à da Inglaterra após a Guerra dos Boers, quando a Grã-Bretanha assumiu uma posição moderada e moderadora, conciliatória com os interesses dos principais aliados favoráveis ao estabelecimento de alianças. Os conservadores tradicionais são chefiados por Powell, pelo seu adjunto Dick Armitage e pelo chefe do “Policy Planning Staff” do Departamento de Estado, Richard Haas. 244 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes reflexão abarcou não só no Iraque, mas todo o mundo. De uma postura praticamente unilateral, recorrendo a coligações variáveis passou-se para a procura do entendimento e da negociação, embora não pondo de lado a eventual necessidade de intervenções duras, através do envolvimento das organizações internacionais, nomeadamente, da ONU. Esta nova orientação estratégica segue e acompanha uma profunda modificação nas relações de força no interior da administração norte-americana. De uma posição preponderante do Cheney-Rumsfield (que resistiram e continuam a resistir à inversão, como se vê no Iraque, onde pretendem que a ONU seja solicitada para actuar, mais como apoiante do que como poder responsável) e consequente apagamento de Powell, transita-se para uma situação em que o Secretário de Estado reassume o lugar que lhe corresponde na hierarquia interna do Governo e Condoleeza Rice retoma o papel de coordenadora dos vários braços de segurança nacional. (...) A alteração da estratégia anterior deve-se, principalmente aos crescentes obstáculos com que se estava a deparar e impediam o seu êxito. Provavelmente os efeitos da nova estratégia foram potenciados pelas posições vantajosas entretanto adquiridas – país localizado centralmente na região do Golfo – com a ocupação do Iraque. (...) Mas teve também muito a ver com as próximas eleições presidenciais norte-americanas (Loureiro dos Santos, 2004:29-30). A inversão da estratégia global já teve resultados positivos: alteração do comportamento da Líbia50, do Irão, da Síria, do Sudão, do Paquistão e da Arábia Saudita, num relacionamento mais amistoso com a Alemanha, Rússia, China e talvez alguma compreensão com a França. Paralelamente, verificou-se o avanço da Iniciativa Estratégia de Contra proliferação (Proliferation Security Iniciative – PSI) lançada, em finais de Maio de 2003, pela América em aliança com vários países (cujo número está a crescer), tendo por finalidade o controlo de tráfego ligado a tecnologias de armas de destruição maciça; bem como, a apresentação de uma proposta de aprofundamento do Tratado de Não proliferação Nuclear51. Assistiu-se ainda ao projecto denominado Grande Médio Oriente. 50 Reconhecido pelo documento Policy in focus: National Security, do National Security Council, 11 de Fevereiro de 2004. 51 Op. Cit. Departamento de Prospectiva e Planeamento 245 Informação Internacional, Vol. I, 2004 Caixa 2 O Plano Grande Médio Oriente – Great Middle East Plan Trata-se de um plano de reforma política, social e cultural que engloba o Grande Médio Oriente e o Norte de África (desde Marrocos ao Afeganistão), ou seja, destina-se ao mundo islâmico e é considerada por Bush vital para a guerra anti-terrorista. Este plano é constituído por três grandes linhas: 1. Iniciativas, contactos, e assistência, para a promoção de comportamentos democráticos; 2. Aprofundar o conhecimento nas sociedades muçulmanas; 3. Ampliar as actividades económicas, através de assistência e incentivos. Os EUA desejam a participação dos Europeus, em termos multilaterais, para pôr em prática este plano. Os Árabes – Arábia Saudita, Egipto, Síria - vêem nesta iniciativa o propósito de promover reformas de fora para dentro (reforms must spring from the specifics of the region and not through the diktats of external forces52), enquanto a UE considera, tal como os Árabes, que a resolução do conflito israelopalestianiano é uma condição prévia e essencial para a paz na região e para o êxito das próprias reformas. Paralelamente, a OTAN quer, com os países do Mediterrâneo (através do diálogo com o Mediterrâneo), desenvolver projectos de parceria individualizados com cada um, à medida de cada um53, de forma a pôr em prática este plano do Grande Médio Oriente. Em suma, após o 11 de Setembro, os EUA foram obrigados a recorrer à força militar – Afeganistão e Iraque – o que inevitavelmente projectou a sua hegemonia a nível da segurança internacional As estratégias vigentes durante a Guerra Fria (ex: a doutrina de dissuasão) deixaram de funcionar com a nova ameaça terrorista. Segundo João Marques de Almeida e Vasco Rato (2004:54, 88-89), a consolidação da liderança americana no pós-Guerra Fria passa pela reformulação de conceitos estratégicos tradicionais, pela redefinição de ameaças e interesses, e pela reexaminação de tratados e instituições internacionais. (...) Este processo foi iniciado pela primeira Administração de Bill Clinton. A investida da Al Qaeda de 11 de Setembro clarificou os contornos do mundo pós-Guerra Fria, e acelerou a transição para a unipolaridade já em curso. (...) Mantém-se uma considerável relutância em envolver os Estados Unidos em operações de paz e missões afins se os interesses vitais do país não se encontram directamente ameaçados. Em resumo, dir-se-á que a opção preferencial dos EUA é o multilateralismo, mas o direito de agir unilateralmente, incluindo a tomada de medidas preemptivas de 52 In EU should get tough when Middle East fails to reform. Judy Dempsey, Finantial Times. 01 de Março 2004. 53 Esta iniciativa terá o nome de Iniciativa de Cooperação de Istambul. 246 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes autodefesa contra ao terroristas que ameaçam o país não é alienado em circunstância alguma (Marques de Almeida & Rato, 2004:88-89). 3.3. Novos Teatros de Guerra Após a Guerra Fria, os EUA desenvolveram operações de curto prazo e de fraca intensidade na Somália, no Haiti e no Panamá; lideraram outras de maior intensidade nos Balcãs, nomeadamente, na Bósnia e no Kosovo; e, empreenderam guerras de grande intensidade no Afeganistão e no Iraque. Naturalmente, estes envolvimentos militares norte-americanos são distintos quanto aos contextos e aos motivos. No pós-11 de Setembro, os EUA envolveram-se no Afeganistão em 2001, e em 2003 intervieram no Iraque. Em ambos os casos fizeram-no com coligações formadas e lideradas por eles. Com efeito, assistiu-se a uma relutância por parte dos EUA em conceder à OTAN missões de combate no Afeganistão e, posteriormente, no Iraque. Este facto deve-se à percepção de que os parceiros eram um impedimento à sua liberdade de fazer a guerra da forma como consideravam mais adequada. Afeganistão Com o colapso da URSS, os EUA procuraram aproximar-se das repúblicas turcófonas, tendo tido êxito, sobretudo, com o Uzbequistão. Paralelamente, o Afeganistão tornara-se na sede da Al Qaeda e os Talibans encontravam-se no poder. A estreita ligação entre o Afeganistão e o Paquistão não era bem vista pelos EUA. Com os atentados de 11 de Setembro e a importância dos hidrocarbonetos na Bacia do Mar Cáspio, estes dois factos conseguiram conjugar-se tornando o Afeganistão no principal alvo da guerra contra o terrorismo internacional. Na verdade, o anti-terrorismo passou a ser o novo paradigma da política internacional dos EUA, com reflexos imediatos no desenvolvimento de guerras locais, na configuração das alianças e nas estratégias a seguir. Neste contexto, menos de um mês após os atentados às Torres Gémeas e ao Pentágono, os EUA obtiveram um mandato da ONU54 reconhecendo o direito ao exercício da legítima defesa contra a agressão terrorista de que tinham sido alvo. Assim, a 07 de Outubro de 2001 teve início a intervenção no Afeganistão. O seu objectivo foi o de derrubar os Talibans e destruir a Al-Qaeda. Tratou-se de uma intervenção em que os 54 O Conselho de Segurança adoptou duas resoluções: a 1368/2001, a 12 de Setembro e a 1373/2001, a 28 de Setembro, em que condena os ataques terroristas nos EUA, considerando-os uma ameaça à paz e à segurança internacionais. A Resolução 1377/2001 confirmou estas duas, declarando que actos de terrorismo internacional constituem uma das mais sérias ameaças à paz e segurança internacionais, no século XXI. Departamento de Prospectiva e Planeamento 247 Informação Internacional, Vol. I, 2004 EUA escolheram uma coligação por eles dominada, em detrimento de uma aliança formal como a OTAN. Na Guerra Afegã, o Paquistão, o Uzbequistão e o Tadjiquistão constituíram a linha da frente e tornaram-se fulcrais na destruição de movimentos e de organizações pan-islâmicas armadas na Ásia Central e em Caxemira. O sucesso militar criou condições internas para a reconstrução de um Estado falhado transformando-o numa entidade política independente, com instituições fortes e legítimas. Nesta intervenção ficou patente a existência de uma interacção eficaz entre as forças aéreas, terrestres e baseadas no mar, numa sintonia coordenada por meios de informação e comunicação ultramodernos que permitiram ao comando central, na Florida, controlar operações em tempo real. Verificou-se um rápido avanço no terreno, tomando sucessivas cidades até à rendição da capital. A intervenção no Afeganistão demonstrou o crescente fosso militar existente entre os EUA e o resto do mundo. Com efeito, o poderio militar norte-americano é patente em virtude do seu poderio aéreo, munições de precisão e redes integradas de comando e controlo, comunicações e informática que permitem a condução táctica da campanha militar dia e noite, a longa distância. A 27 de Novembro de 2001, após o abandono dos Talibans da capital, começou em Bona a Conferência de líderes das várias facções étnias afegãs, sob a égide da ONU, que escolheu Hamid Karzai (pashtun) para liderar a transição. Assistiu-se a um grande empenhamento da Alemanha (por isso as decisões foram tomadas em Bona). Em Dezembro do mesmo ano, o Governo interino tomou posse. Uma nova Constituição foi aprovada, as primeiras eleições presidenciais foram marcadas para Outubro de 2004. A comunidade internacional assegurou a segurança às instituições e ao governo em Cabul, através da Força de Assistência e Segurança mandatada pela ONU. No entanto, a incapacidade de assegurar garantir a segurança levou os EUA (que tem 20 000 homens no terreno) a apelar à OTAN para que se envolvesse neste país. Assim, a OTAN assumiu o comando e controlo da Força Internacional de Assistência e Segurança (ISAF), em Agosto de 2003. Esta força composta por 6 500 peacekeepers, de 35 países55, comandada pelo Europcorps, actua sob mandato da ONU. Inicialmente ficou circunscrita a Cabul, Mas, em Outubro de 2003, a Resolução 1510 do Conselho de Segurança alargou a área de intervenção do ISAF para além de Cabul. 55 Países que participam na ISAF: Membros da Aliança – Alemanha, Bélgica, Bulgária, Canadá, Dinamarca, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estónia, França, Grécia, Hungria, Islândia, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Polónia, Portugal, Roménia, Turquia, Reino Unido, Republica Checa, EUA; Nações Parceiras – Albânia, Áustria, Azerbaijão, Croácia, Finlândia, Irlanda, Macedónia, Suécia; Nações Não OTAN/ Não EAPC – Nova Zelândia e Afeganistão. 248 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes O Afeganistão foi a primeira intervenção da OTAN fora da área da OTAN. Em Istambul, na última Cimeira da OTAN, ficou acordado o aumento do contingente para mais 3 000 homens e o alargamento do papel da OTAN ao Norte do Afeganistão. A OTAN tem como desafio encontrar os recursos militares necessários para completar o plano de expansão e implementar o conceito PRT (Provincional Reconstruction Teams – equipas mistas civis-militares para a reconstrução), seguindo os exemplos do PRT que funcionou, em Kunduz, sob a égide alemã, e o PRT em Mazar-Sharif sob a liderança britânica. O Afeganistão é a principal prioridade para a Aliança, sendo vista como um teste de habilidade da OTAN em actuar fora da área. Com a intervenção norte-americana os Talibans foram expulsos do poder, mas o novo Estado sobrevive apoiado nas forças militares de ocupação da OTAN e só controla verdadeiramente Cabul. O Afeganistão continua um Estado falhado onde os clãs, os senhores da guerra e os líderes religiosos disputam o poder e mantém o papel de perturbador regional, que tem sido sempre o seu (Pezarat Correia, 2004: 398). Com um papel dito de estabilizador regional os EUA mantêm a sua presença na Ásia Central, apesar dos protestos da Rússia e da RPC. Bush quer obter mais tropas estrangeiras permitindo-lhe retirar soldados antes das eleições de Novembro. Iraque Desde o final do século XX até ao início do século XXI, o Iraque foi palco de três intervenções: “Escudo do Deserto” em 1991, “Raposa do Deserto”, em 1998, e “Liberdade para o Iraque”, em 2003. Com efeito, desde a invasão do Kuweit, em 1991, que o regime de Saddam Hussein foi alvo de 12 resoluções do Conselho de Segurança da ONU, condenando o comportamento do país. Várias delas foram infringidas, conduzindo à intervenção norteamericana no Iraque com o apoio de uma coligação. No entanto, a última intervenção, em 2003, provocou algumas fricções na OTAN, na UE e na ONU. Apesar do regime de Saddam ter sido derrubado, a reconstrução do país está-se a revelar complexa e difícil e ao mesmo tempo “relembrou” aos EUA a importância dos aliados. Logo após o 11 de Setembro, em Janeiro de 2002, George W. Bush no discurso anual obre o “Estado da Nação” introduziu o termo eixo do mal, composto pela Coreia do Norte, Irão e Iraque. Seguidamente, foi aprovada a Resolução 1441, pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, em Novembro de 2002, no sentido de obrigar Bagdade a revelar todos os programas de armas de destruição maciça. Os EUA sempre alegaram que o Iraque dispunha de um arsenal de armas de destruição maciça, representando uma ameaça para a segurança internacional, bem como, a existência de uma forte articulação entre o regime de Saddam Hussein e a Al-Qaeda. No início de 2003, assistiu-se à cisão no seio da Aliança Atlântica, com reflexos imediatos na UE e na própria ONU. A postura da França e da Alemanha opondo-se claramente a uma Departamento de Prospectiva e Planeamento 249 Informação Internacional, Vol. I, 2004 intervenção armada no Iraque foi totalmente contrária aos objectivos norte-americanos e, no seio da UE, aos de Espanha, de Portugal, de Itália, do Reino Unido, da Republica Checa, da Hungria, da Polónia e da Dinamarca. Estes oito países europeus assinaram o célebre documento “A Europa e a América devem Permanecer Unidas”. Em relação à postura da Rússia e da China, dois actores importantes na cena internacional, a Rússia, apesar de ser o maior parceiro comercial do Iraque, cedeu em relação a Bagdade, a China fez o mesmo. Um mês mais tarde, Collin Powell acusou o governo iraquiano de impedir o prosseguimento das inspecções da ONU, violando claramente a resolução 1441. Os EUA receberam o apoio de 10 países da Europa de Leste – o grupo de Vilnius e, mais uma vez, o protesto da França. O pedido dos EUA feito à OTAN no sentido de prestar protecção à Turquia na sequência de um eventual ataque iraquiano foi de imediato rejeitado pela França, pela Alemanha e pela Bélgica. Os desentendimentos entre os defensores da intervenção no Iraque e os seus opositores continuaram, expondo publicamente a fractura no seio da OTAN e da UE, com as inevitáveis consequências na ONU, reflectindo o seu desasjustamento ao novo contexto internacional. No dia 20 de Março de 2003, teve início a intervenção no Iraque56. Começaram os bombardeamentos aéreos norte-americanos sobre o centro de Bagdade e o desembarque da marinha inglesa na Península de Faw (a Sul). Em Abril caiu o regime de Saddam Hussein e em Agosto de 2003 foi nomeado um administrador civil do Iraque, o diplomata norteamericano, Paul Bremer. O Conselho de Governo Provisório do Iraque reuniu-se pela primeira vez a 13 de Julho. Ao abrigo do artigo 4º do Tratado de Washington a Aliança adoptou uma série de medidas de defesa para assegurar a segurança do território e da população da Turquia (entre Fevereiro e Abril de 2003). Em Maio de 2003, a Aliança também apoiou a Polónia a desempenhar o papel de liderança de uma força de estabilização multinacional no Iraque. Em Outubro de 2003, a equipe responsável pela inspecção de armas de destruição maciça não encontrou nenhuma prova. No final do ano, Saddam Hussein foi finalmente capturado. Em Março de 2004 e após mais um período de violência foi assinada a nova Constituição provisória do Iraque. No mês seguinte, o Governo Espanhol anunciou a retirada de 1 300 soldados. A 01 de Junho arrancou o novo Governo transitório; no dia 08 o Conselho de Segurança aprovou o fim da ocupação57 e autorizou a força multinacional sob liderança norte-americana. 56 A força multinacional que interveio no Iraque agregou até ao momento 33 países, 16 dos quais membros da OTAN. Os EUA têm 140 000 efectivos. 57 Em 08 de Junho, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a resolução nº 1546, mediante a qual devolve a soberania ao Iraque, marca eleições e legitima o novo governo do Iraque. 250 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes No dia 16 de Junho, a Comissão de Investigação do 11 de Setembro concluiu que não existiu ligação entre a Al-Qaeda e o regime de Saddam Hussein. No dia 28 de Junho de 2004 (2 dias antes do previsto por razões de segurança) foi finalmente transferida a soberania para os Iraquianos, para um Governo transitório dirigido pelo Primeiro Ministro Ayad Alaui (xiita), e um Presidente Ghazi Al-Yawar (sunita) dissolvendo-se a Autoridade Provisória da Coligação. Terminada a guerra, a tarefa de estabilização está-se a revelar muito mais complicada e de difícil de resolução. De acordo com o Instituto de Estudos Estratégicos Global Security, estão a actuar no Iraque cerca de 30 grupos armados. A violência prolifera por todo o país, tendo os EUA conseguido angariar uma série de reacções favoráveis à adesão de potências europeias, (que tinham sido contrárias à intervenção) aos esforços de manutenção de paz. Na reunião realizada em Ennis (Irlanda), a 27 de Junho, entre os Estados-membros da UE e os EUA, ficou acordado a formação de forças de segurança Iraquianas Na Cimeira de Istambul da OTAN ficou acordado o treino das futuras forças de segurança iraquianas. No entanto, a Alemanha e a França aceitam treinar estas forças apenas fora do país e o envio de novas tropas não foi aceite pela França, pela Alemanha, pelo Canadá e pela Espanha. A designação do Conselho Nacional Interino deverá reflectir a diversidade do país. Em Janeiro de 2005 deverão ser realizadas eleições democráticas nacionais para a eleição de uma Assembleia Nacional Transitória. Em meados de Agosto espera-se que a Assembleia, então eleita, tenha concluído a redacção da Constituição. O novo texto constitucional será sujeito a referendo a 15 de Outubro. No último mês do próximo do ano terão lugar as eleições legislativas para um novo Governo e para um novo Presidente, que tomarão posse, se tudo correr conforme estipulado, em Janeiro de 2006. O mandato da ONU para a força multinacional expira no final de 2005, implicando a retirada das tropas estrangeiras do território iraquiano. A intervenção no Iraque teve consequências, nomeadamente: ◆ Redução das forças norte-americanas na Europa Ocidental e aumento do seu dispositivo no Golfo, ou seja, a grande preocupação securitária passou a ser o Golfo; ◆ A crise transatlântica da primeira metade de 2003 pôs em causa a coesão da comunidade atlântica; ◆ O unilateralismo dos EUA gerou desconfiança na ONU; ◆ Os EUA têm poder para ganhar guerras, unilateralemnte, mas precisam de aliados para fazerem a paz; ◆ Reforço do eixo Franco-Alemão, no seio da UE (embora possa ser temporário); Departamento de Prospectiva e Planeamento 251 Informação Internacional, Vol. I, 2004 ◆ A crise iraquiana legitimou a construção de uma defesa europeia autónoma: 78% dos europeus desejam que a Europa tenha capacidade de intervir sem o apoio dos EUA, e 38% consideram uma política comum de defesa como essencial58. Em suma, o Iraque demonstrou e expôs publicamente a fractura no seio da UE e da OTAN, com os inevitáveis reflexos na ONU, reflectindo os seu desajustamento ao novo contexto internacional. O papel da OTAN no Iraque é curioso: apesar de 16 Estados-membros da OTAN terem tropas neste país, a participação da Aliança enquanto tal limitou-se ao apoio logístico da força multinacional de 6 000 homens, que controla o sector sul de Bagdade, sob liderança da Polónia. Para assumir o controlo político do Iraque, a coligação não precisa somente de conquistar Bagdade e daí exercer o poder (objectivo estratégico central). Tem de garantir a integridade territorial do país, preservar as suas riquezas petrolíferas, e impedir o emprego de armas de destruição maciça e eliminá-las. Também necessita de completar a missão em pouco tempo, evitar baixas numerosas dos seus combatentes e das populações civis, e mostrar às lideranças e aos combatentes inimigos que não vale a pena resistirem por um regime condenado (Loureiro dos Santos, 2004:223). 3.4. Nova Estrutura das Forças Após a II Guerra Mundial, as tropas norte-americanas permaneceram na Europa e no Japão, depois da Guerra da Coreia ficaram na Coreia do Sul, em Taiwan e no Sudeste Asiático; com as crises sucessivas no Médio Oriente, estabeleceram bases na Bacia Mediterrânea. Após o fim da Guerra Fria, em 1991, com a Guerra do Golfo, os EUA reforçaram a sua presença na Arábia Saudita e no Kuwait; e, com a Guerra nos Balcãs começaram a alargar a sua presença em países da Europa do Leste. Com efeito, no início do Verão de 1991, a antiga Jugoslávia entrava num período de guerras civis que iriam durar até finais de 1995: as primeiras começaram na Eslovénia e na Croácia e, no início de 1992, expandiram-se até à Bósnia-Herzegovina. Foram os EUA e a OTAN que impuseram a paz na Bósnia, em 1995, com os Acordos Dayton. O mesmo acontecendo, quatro anos mais tarde, no Kosovo. A Conferência de Rambouillet, em Fevereiro-Março de 1999, organizada por Paris e Londres não conseguiu pôr termo ao conflito entre Belgrado e os Kosovares. Dai, os EUA terem sido pressionados pelo Reino Unido e pela França para intervirem. O problema acabou por ser solucionado pelos EUA e pela OTAN. No limiar do século XXI, a Guerra no Afeganistão e a importância crescente da bacia petrolífera do Mar Cáspio chamaram a atenção dos EUA para a criação de bases militares no Caúcaso e nos países da Ásia Central que tinham pertencido à União Soviética. Em 2003, 58 __________ (2004), Huit Européens sur dix pour une Europe de la défense autonome, Vigie info. Boletim electrónico mensal da Associação Futuribles Internacional, nº 3, Maio. 252 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes com a Guerra do Iraque, os norte-americanos anunciaram a sua intenção de manter bases militares permanentes neste país. Desde os atentados de 11 de Setembro aos EUA, as intervenções norte-americanas – no Afeganistão em Outubro de 2001 e no Iraque em 2003 – demonstraram o fosso militar existente entre os EUA e o resto do mundo. Talvez por isso os norte-americanos tenham optado, em ambas as intervenções, por actuar com coligações por eles dominadas em vez de uma aliança formal com a OTAN. Com base no Base Structure Report 2002, do Pentágono e do Center for Defense Information, os EUA: ◆ Têm uma presença militar em 156 países (apenas 46 não têm presença militar norteamericana); ◆ 63 países têm bases e tropas norte-americanas; ◆ 7 países têm 13 novas bases americanas, desde os atentados de 2001; ◆ o orçamento de defesa norte-americano para 2004 rondou os 400 mil milhões de dólares. Os americanos investem mais nas suas forças armadas do que quase todos os outros governos do mundo juntos. No entanto, esta quantia representa apenas uma percentagem mínima do seu PNB; ◆ o Pentágono detém 845 441 instalações e estruturas espalhadas pelo mundo. Desde os atentados de Setembro de 2001, a segurança militar passou a estar intimamente vinculada à segurança económica e assistiu-se a uma reestruturação das forças armadas norte-americanas, em termos de projecção mundial. A nova estrutura ficou pronta a 01 de Outubro de 2002. Foram estabelecidos cinco Comandos de tipo funcional e cinco Comandos geográficos. Os dez Comandos são presididos por Generais. Em relação aos Comandos de tipo funcional são os seguintes: ◆ Comando Espaço; ◆ Comando Estratégico; ◆ Comando Transportes; ◆ Comando Forças Aliadas; ◆ Comando Operações Especiais. Departamento de Prospectiva e Planeamento 253 Informação Internacional, Vol. I, 2004 Quanto aos Comandos geográficos, estes, têm por missão a defesa do espaço aéreo, marítimo e terrestre das respectivas zonas contra qualquer tipo de ataque – terrorista, nuclear, químicos, bacteriológicos ou militar – coordenado-se entre si. Estes Comandos podem ainda intervir em catástrofes naturais, narcotráfico, migrações clandestinas, prestar assistência às populações civis e participar em manobras e exercícios militares. Estes Comandos são os seguintes: ◆ Comando Norte – inclui os EUA, o Canadá, o México e uma parte das Caraíbas (até esta data nenhum destes comandos englobava o território norte-americano, com excepção do Plano NORAD para a defesa anti-aérea dos EUA e do Canadá. Esta alteração deve-se à vulnerabilidade do território dos EUA, patente no atentados de 11 de Setembro; ◆ Comando Europa – superintende a Gronelândia, quase toda a África e a totalidade da Rússia (Moscovo não viu com bons olhos esta opção); ◆ Comando Pacífico – abarca a Antárctida, atinge Madagáscar e partilha o Alasca com o Comando Norte; ◆ Comando Sul – coincide com a quase totalidade da América do Sul; ◆ Comando Central – a sua sede é no Qatar e está vocacionado para a Ásia Central e do Sul. Os EUA dispõem de 1 500 000 voluntários. As forças armadas americanas detêm superioridade quantitativa e qualitativa total, tendo em conta as novas tecnologias. A maior parte dos dispositivos militares norte-americanos espalhados pelo mundo são, como já se viu, uma herança da Guerra Fria e das alianças estabelecidas em resultado da confrontação bipolar, em particular na Europa via OTAN – Alemanha, Itália, Grã-Bretanha, Itália, Turquia, Espanha, Islândia, Bélgica e Portugal – e na Ásia – Coreia do Sul e Japão. Entretanto, os EUA aumentaram os seus contingentes permanentes no Golfo Pérsico – no Catar, no Barém e em Omã – e, no âmbito da campanha contra o terrorismo, apoiam financeira e militarmente ou com Intelligence outros Estados – Israel, Egipto, Jordânia, Turquia, Colômbia, Paquistão, Rússia, Filipinas, Geórgia, Uzbequistão, Azerbaijão, Índia, Indonésia, Malásia e Singapura. Desde o primeiro trimestre de 2004 que o Pentágono tem planos para um “realinhamento global” das suas forças estacionadas no estrangeiro. Trata-se do maior realinhamento de forças a nível mundial desde o final da Guerra Fria. O plano foi discutido numa reunião em 20 de Maio de 2004 entre os “Top U.S. Officials”. Este plano visa realinhar e retirar forças da Europa e da Ásia, concentrando a sua atenção no chamado arco de crise (situado entre as ex-Repúblicas Soviéticas da Ásia Central até à Ásia 254 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes do Sul59), no Médio Oriente e na Bacia do Pacífico. Aposta na multiplicação e reforço de laços com aliados (Leste Europeu, Ásia Central, África e Sudeste Asiático), desvalorizando a Europa Ocidental, visando dispor da máxima flexibilidade das suas forças, sobretudo, em zonas potencialmente “explosivas” (Médio Oriente, Ásia Central e Norte de África). Em relação à Europa, actualmente encontram-se estacionadas 118 000 tropas, a maior parte na Europa Ocidental e mais de metade na Alemanha. Com efeito, a Alemanha há mais de um século tem sido o país europeu que acolheu o maior contingente de forças, o Pentágono deseja retirar por volta de 30 000 soldados (actualmente tem o dobro). Em relação à força aérea foram também manifestadas intenções de mover alguns dos F-16 da Alemanha para a Turquia (onde ficariam mais próximos do Médio Oriente). No entanto, os EUA, manterão bases em Itália, na Grã–Bretanha, mas trocarão outras por instalações na Europa de Leste, nomeadamente, para a Roménia, Bulgária e Polónia. Em relação à Ásia, o Pentágono manifestou a intenção de proceder a uma redução de 15 000 soldados dos actuais 100 000. Esta redução verificar-se-á sobretudo na Coreia do Sul (o objectivo é o de até Dezembro de 2005 retirar 1/3 das actuais 37 000 tropas aí estacionadas) e no Japão. Paralelamente, desejam criar novas bases, por exemplo, na Austrália e querem reforçar laços militares com Singapura60 e com a Tailândia. Quanto ao arco de crise, os norte-americanos já detêm ou utilizam instalações militares na Turquia, Iraque, Arábia Saudita, Kuwait, Barém, Catar, Emirados Árabes Unidos, Omã, Etiópia, Paquistão, Uzbequistão, Tadjiquistão e Quirguízia. Dispõem ainda de uma bases na ilha de Diego Garcia. Para além destas áreas, os EUA prevêem ainda “locais cooperativos de segurança”, isto é, áreas que poderão ocupar em caso de conflito, onde não manterão uma presença permanente, mas que usarão com frequência para exercícios militares. Naturalmente, este plano tem sido alvo de críticas. Se é verdade que de um ponto de vista estratégico faz mais sentido mover as tropas da Alemanha para a Bulgária e para a Roménia (defende o General norte-americano e Comandante da OTAN, Joseph Ralston), também é verdade que uma redução militar substancial na Europa irá reduzir a influência dos EUA, reforçando a noção de unilateralismo de Bush e a noção de que a Europa deve contar consigo própria. Outros especialistas avisam que o maior risco são os estragos que este realinhamento poderá vir a criar nas relações entre os aliados, a nível militar, político e diplomático. 59 Alguns países muçulmanos englobados neste arco têm demonstrado a sua oposição. Naturalmente, os EUA defendem-se dizendo que a sua presença militar é temporária, terminando com o combate da Al Qaeda e com a normalização das situações no Afeganistão e no Iraque. 60 Os EUA celebraram com Singapura um acordo de comércio livre bilateral (USSFTA), em Maio 2003 Departamento de Prospectiva e Planeamento 255 Informação Internacional, Vol. I, 2004 Segundo o International Herald Tribune o Pentágono parece ter uma preferencia crescente em estacionar as suas tropas ou em casa ou em territórios de aliados prontos a aceitarem as noções de guerra preventiva unilateral do Presidente George W. Bush. Os EUA oscilam entre a explosão democrática e a regressão autoritária longa: A tentação imperial está enfraquecida, mas ela não está aniquilada. A 14 de Janeiro de 2004, o vicepresidente norte-americano, M. Richard Cheney, dizia orgulhosamente no Los Angeles World Affairs Council, entre as heranças desta administração, contar-se-ão (...) as transformações profundas e dramáticas na estrutura das nossas forças armadas, na nossa estratégia de segurança nacional e na maneira de como utilizamos as nossas forças desde a 2ª Guerra Mundial. E para M. Richard Perle61 a via é clara os regimes iraniano e norte-coreano representam uma ameaça intolerável para a segurança americana. Nós devemos agir vigorosamente contra eles e contra todos os outros sponsors do terrorismo: a Síria, a Líbia e a Arábia Saudita. E nós não temos muito tempo62. Em conclusão, para além da Europa e da América Latina, regiões que se inscrevem tradicionalmente na área de influência dos EUA, Washington dispõe actualmente de bases militares espalhadas por milhares de quilómetros que se estendem desde o Médio Oriente até ao Oriente Asiático, muitas delas em zonas até há pouco consideradas como hostis. Em conjugação com a actividade das suas esquadras navais e com o sistema de vigilância por satélites pode dizer-se, com propriedade, que na entrada do século XXI as forças armadas norte-americanas patrulham o mundo inteiro. E de nenhuma dessas bases a América dá sinais de pretender retirar-se. (Pezarat Correia, 2004: 79). CONCLUSÃO Num mundo globalizado como o do século XXI, vive-se uma era particularmente conflitual. Os elementos que a caracterizam não são tranquilizantes confrontando-nos com momentos, por vezes inquietantes, em que o binómio previsibilidade-imprevisibilidade desempenha um papel fundamental. Por um lado, as hard threats – proliferação de armas de destruição maciça e os riscos inerentes, as erupções fundamentalistas, o terrorismo à escala mundial; por outro, as soft threats – pobreza, sida – afectam o nosso quotidiano. Neste contexto, após a Cimeira de Praga, em 1999, a OTAN consolidou a sua posição na segurança internacional: admitiu novos membros, tomou iniciativas de ordem estratégica de forma a poder combater eficazmente o terrorismo internacional, assumiu o comando da 61 Citado por Thomas Powers “Tomorrow the World”, New York Review of Books, 11 de Março de 2004 62 GOLUB, Philip S. (2004) – Aux Etats-Unis, du consensus au doute. Le monde diplomatique, nº 603, Junho, p. 12 256 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes Força Internacional de Segurança que se encontra no Afeganistão, na sequência da intervenção militar contra a Al Qaeda e o regime talibã. A OTAN tornou-se numa instituição de alcance mundial vocacionada para combater o mega-terroismo e as demais “novas ameaças” do pós-Guerra Fria. Apesar de ser um gigante económico a UE continua um anão político. Encarada como o bloco que a priori parece reunir as melhores condições para balancear o sistema unipolar liderado pelos EUA, a verdade é que em termos geoestratégicos encontra-se numa situação de dependência em relação a Washington através da OTAN. A UE tem de ser capaz de erguer uma verdadeira PESD e ser capaz de ultrapassar as cisões entre os seus membros europeistas e atlanticistas (que ficou claramente patente na questão do Iraque) e aumentar as despesas para com a defesa. Actualmente, o mundo assiste ao dilema norte-americano que oscila entre ser uma força propulsora do multilateralismo (edificação de uma comunidade internacional fundada em valores e regras comuns) ou manter da opção do unilateralismo (o que lhe permite agir de forma independente através da OTAN). Se é verdade que os EUA podem forçar os seus aliados europeus a irem para além da Europa expandindo-se de acordo com os interesses globais norte-americanos, também é verdade que a emergência da UE traduz que o real dinamismo nas relações transatlânticas já não se funda na Cimeira da OTAN, mas sim na Cimeira UE-OTAN (com efeito, os soldados da UE estão a substituir as forças da OTAN na Bósnia; a Grã-Bretanha, a França e a Alemanha acordaram em desenvolver uma política comum de compromisso diplomático e económico com o Irão, desenvolvido em cooperação com os EUA; e o novo sistema Galileu será coordenado com o sistema americano GPS). Em suma, nos últimos 60 anos, Europeus e Americanos demonstraram repetidamente que paz, segurança e liberdade dependem de um forte relacionamento transatlântico, construído sob mútua confiança. O pós 11 de Setembro demonstrou que em termos de segurança e face ao crescimento do papel económico da UE, a OTAN e a UE têm de olhar em conjunto para os desafios e para as oportunidades globais. Assim, face ao mundo de hoje, a complementaridade entre a UE (PESD) e a OTAN deve-se sobrepor a qualquer tipo de antagonismo. Departamento de Prospectiva e Planeamento 257 Informação Internacional, Vol. I, 2004 BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, João Marques de; RATO, Vasco – A Encruzilhada. Bertrand: Lisboa 2004 AMBY, Kristian, – Organizações classificadas como terroristas pela UE e pelos EUA, JANUS 2003. Lisboa: Público e Universidade Autónoma de Lisboa, 2002, p.119-121 __________ – L’Année Diplomatique 2004. Ed. Jean Pierre Ferrier com a colaboração de Fadi Assaf. Gualino: Paris, 2003 BATALLA, Xavier – El paradigma de Bush. Política Exterior, Vol. XVIII, nº 97, Jan-Fev, 2004, p. 83-94 BERDAL, Mats – The UN Security Council: ineffective but indispensable. Survival – The ISS Quartely, Vol. 45, nº 2, 2003, Verão, p. 07-30 BEREUTER, Doug; LIS, John – Broadening the Transatlantic Relationship. The Washington Quarterly, Vol. 27. The Center for Strategic and International Studies and the Massachusetts Institute of Technology: Washington. Winter 2003-04, p. 147-162 BERNSTEIN, Richard – Germans fear problems if U.S. removes troops. Herald Tribune, 05 de Junho 2004 __________ – Beware the phony defense-budget prognosticators. Defense Week, 02 de Fevereiro de 2004 BINNENDIJK, Hans – A new, but necessary, job for NATO. International Herald Tribune, 09 de Abril 2004 BLAIR, Tony – A NATO adapta-se a um mundo em mudança. Público. 01 de Julho 2004, p. 16 BLINKEN, Anthony J. – From preemption to engagement. Survival – The ISS Quartely, Vol. 45, nº 4, 2003, Inverno, pp. 33-60 CASAJUANA, Carles – La política europea de seguridad y defensa. Política Exterior, Vol. XVIII, nº 97, Jan-Fev. 2004, p. 127-137 CORREIA, Ângelo – Consequências da intervenção dos EUA no Iraque, JANUS 2004. Lisboa: Público e Universidade Autónoma de Lisboa, 2004, p.14-15 CORREIA, Pedro de Pezarat – Manual de Geopolítica e Geoestratégia, Vol. II – Análise geoestratégica de um mundo em conflito. Coimbra, 2004: Quarteto CUTILEIRO, José – A NATO aos 55 anos. Expresso. 03 de Julho 2004 258 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes DAALDER, Ivo – The end of Atlanticisms. Survival – The ISS Quartely, Vol. 45, nº2, Verão 2003, p. 147-166 DEMPSEY, Judy - EU should get tough when Middle East fails to reform. Finantial Times. 01 de Março de 2004 DEMPSEY, Judy – Nato warned of danger to Afghan role. Finantial Times. 05 de Maio, 2004 p.1 e 7 DEMPSEY, Judy – Nato ready to take wider role in Afghanistan. Finantial Times. 11 de Março 2004 DEMPSEY, Judy; SPIEGEL, Peter – EU defence agency approved. Finantial Times. 15 de Junho 2004 EDMUNDS, Thimothy – Nato and its news members. Survival – The ISS Quartely, Vol. 45, nº 3, Outono, 2003 p.145-166 ESTERUELAS, Bosco; EGURBIDE, Peru – Los países de la OTAN aceptan por separado adiestrar al futuro Ejército de Irak. El País. 28 de Junho 2004, p.3 ESTERUELAS, Bosco – One eye on Brussels, the other on Washington. International Herald Tribune, 08 de Abril 2004 Estratégia – Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais (IEEI). Nº18-19, Principia Lisboa: 2003 __________ – EU agrees to develop battle groups crisis teams. International Herald Tribune, 23 de Novembro 2004, p.3 __________ – Europa pode ter base antimíssil dos EUA. Público. 14 de Julho 2004, p. 22 __________ – Europe’s Rapid Reaction Force. International Herald Tribune, 27 de Novembro 2004 EVERTS, Steven; KEOHANE, Daniel – The European Convention and EU foreign policy: learning from failure. Survival – The ISS Quartely, Vol. 45, nº 3, Outono 2003, p.167-186 FÉLIX RIBEIRO, José M. – A fragmentação Geopolítica, o 11 de Setembro e o caso da Europa. JANUS 2003. Lisboa: Público e Universidade Autónoma de Lisboa, 2002, p.114-115 FÉLIX RIBEIRO, José M. – O que mudou o 11 de Setembro? JANUS 2003. Lisboa: Público e Universidade Autónoma de Lisboa, 2002, p.112-113 Departamento de Prospectiva e Planeamento 259 Informação Internacional, Vol. I, 2004 FERNANDES, Jorge Almeida – Bush e Blair querem maior papel da NATO no Iraque. Público. 10 de Junho 2004, p. 20 __________ – Força da UE na Bósnia. Público. 08 de Outubro 2004 FREIRE, Fernando C.; GUIMARÃES, Fernando A. 10 anos de guerras “americanas” JANUS 2003. Lisboa: Público e Universidade Autónoma de Lisboa, 2002), p. 100-101 __________ – Futuribles – analyse et prospective. Eds. Hugues de Jouvenel Revue mensuelle, nº 290, Outubro de 2003 __________ – Fuzileiros portugueses em força de reacção rápida da União Europeia. Público. 23 de Novembro de 2004, p.15 GOLUB, Philip S. – Aux Etats-Unis, du consensus au doute. Le monde diplomatique, nº 603, Junho, 2004 p. 12 GORDON, Michael R. – U.S. weighs cutback in forces in Germany. Herald Tribune, 04 de Junho 2004, p. 1-2. HEISBOURG, François – How unilateralism is fraying old alliances. Finantial Times. 07 de Junho 2004, p.13. HOWORTH, Jolyon – France, Britain and Euro-Atlantic crisis. Survival – The ISS Quartely, Vol. 45, nº 4, Inverno 2003, p. 173-192 __________ – Huit Européens sur dix pour une Europe de la défense autonome. Vigie info. Boletim electrónico mensal da Associação Futuribles Internacional, nº 3, Maio de 2004 LITWAK, Robert S. – The new calculus of pre-emption. Survival – The ISS Quartely, Vol. 44, nº4, Inverno (2002-2003), p. 53-80 LORENA, Sofia – EUA e UE de acordo com papel da OTAN no Iraque. Público. 27 de Junho 2004, p. 16 LORENA, Sofia – Afeganistão pós-“taliban”: entre o medo e a esperança, JANUS 2004. Lisboa: Público e Universidade Autónoma de Lisboa, 2004, p.10-11 KISSINGER, Henry – Precisará a América de uma política externa? – uma diplomacia para o século XXI. Gradiva 2002: Lisboa Manual da OTAN – Prefácio do Secretário Geral. Bruxelas: Bureau de l’information et de la presse. 2001 MEIRELES, Luísa – A nova OTAN dos 26. Expresso. 03 de Abril 2004 260 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes MEIRELES, Luísa – Cimeira do acordo. Expresso. 26 de Junho 2004, p.25 MENDES, João Maria – A “nova guerra preventiva” contra o Iraque, JANUS 2003. Lisboa: Público e Universidade Autónoma de Lisboa, 2002, p. 208-209 MENDES, João Maria – 1991-2002: a paciente reabilitação regional de Saddam Hussein, JANUS 2003. Lisboa: Público e Universidade Autónoma de Lisboa 2002, p. 212-213 MENDES, João Maria – Esboços de multilateralização no Afeganistão e no Iraque, JANUS 2004. Lisboa: Público e Universidade Autónoma de Lisboa, 2003, p.22-23 MILHAZES, José – OTAN antecipa em alguns meses novo alargamento ao Leste europeu. Público. 02 de Março 2004, p. 19 MORAVCSIK, Andrew – Europe takes charge. Newsweek, 05 de Julho 2004, p. 26-28 O’HANLON, Michael – A Why America´s South Korea plane makes sense. Herald Tribune, 08 de Junho 2004, p. 1 PORTUGAL, António Monteiro – Política de Defesa Europeia, Negócios Estrangeiros, nº1. Lisboa: Ministério dos Negócios Estrageiros – Instituto Diplomático. Março 2001, p.77-83 POWELL, Colin – A Strategy of partnerships. Foreign Affairs, Vol. 83, nº1. EUA: Council of Foreign Affairs. Jan-Fev. 2004, p.22-3 RHODES, Edward – The imperial logic of Bush’s liberal agenda. Survival – The ISS Quartely, Vol. 45, nº1, Primavera 2003, p.131-154 RODRIGUES, Pedro Caldeira – A OTAN em busca de uma nova relação transatlântica. Público. 26 de Abril 2004, p. 26 RODRIGUES, Pedro Caldeira – A União Europeia substitui NATO na Bósnia. Público. 02 de Dezembro 2004, p. 21 RODRIGUES, Pedro Caldeira – OTAN concretiza o maior alargamento da sua história. Público. 30 de Março 2004, p. 13 SANTOS, José Loureiro dos – Convulsões – Ano III da “Guerra” ao Terrorismo. Mem Martins: Publicações Europa América, 2004 SANTOS, José Loureiro dos – O novo militarismo dos EUA no mundo. Público. 23 de Agosto 2004, p. 05 SANTOS, José Loureiro dos – Que futuro para a NATO? – Público. 28 de Junho 2004, p. 16 Departamento de Prospectiva e Planeamento 261 Informação Internacional, Vol. I, 2004 SHEPHERD, Alistair – The European Union’s Security and defence policy: a policy without substance? European Security, Vol. 12, nº1, Primavera 2003, p. 39-63 SLOCOMBE, Walter B. – Force, pre-emption and legitimacy. Survival – The ISS Quartely, Vol. 45, nº1, Primavera 2003, p. 117-130 __________ – Special Report – The transatlantic alliance. The Economist. 15 de Junho de 2004, p. 22-24 __________ – Strategic Survey 2002/3 – An evaluation and forecast of world affairs. ISS: Oxford, 2002/03 SILVA, João Carlos – EUA vão retirar metade das forças na Alemanha. Público. 26 de Março 2004 SPIEGEL, Peter – NATO strives to seal new ole in changing world. Finantial Times. 01 de Março 2004, p.5 STEINBERG, James B. – An elective partnership: salvaging transatlantic relations. Survival – The ISS Quartely, Vol. 45, nº 2, Verão 2003, p. 113-146 STEPHENS, Philip – Doubts persist as NATO revels in its extended reach. Finantial Times. 23 de Abril 2004 TELLES, Patrícia Galvão – A intervenção estrangeira no Afeganistão e o Direito Internacional, JANUS 2003. Lisboa: Público e Universidade Autónoma de Lisboa, 2002, p.154-155 THOMSON, James – US interests and the fate of the Alliance. Survival – The ISS Quartely, Vol. 45, nº4, Inverno, pp. 207-220TOMÉ, Luís (2003) – A omnipresença militar norteamericana e a nova NATO, JANUS 2004. Lisboa: Público e Universidade Autónoma de Lisboa 2003, p.24-25 TOMÉ, Luís – O 11 de Setembro e o "terrorismo de novo tipo”, JANUS 2004. Lisboa: Público e Universidade Autónoma de Lisboa, 2003 p.116-117 TOMÉ, Luís Leitão; TOMÉ, Paula Monge – A OTAN e o próximo alargamento para Leste, JANUS 2003. Lisboa: Público e Universidade Autónoma de Lisboa, 2002, p.110-111 TOMÉ, Luís Leitão; TOMÉ, Paula Monge – OTAN, Rússia e segurança europeia após o 11 de Setembro, JANUS 2003. Lisboa: Público e Universidade Autónoma de Lisboa, 2002 p.108109 __________ – Transição Iraquiana. Público. 29 de Junho de 2004, p.16-20 262 Departamento de Prospectiva e Planeamento A OTAN e a PESD: duas Realidades Complementares ou Concorrentes __________ – Trespasso de poder en Irak. El Pais. 29 de Junho de 2004, p.2-6 __________ – União Europeia estreia-se na Bósnia com Althea”. Expresso. 04 de Dezembro de 2004, p.27 UTGOFF, Victor A – Proliferation, Missile Defence and American Ambitions. Survival – The ISS Quartely, Vol. 44, nº 2, Verão 2002, p. 86-102 VALLADÃO, Alfredo – A redefinição da liderança económica, JANUS 2003. Lisboa: Público e Universidade Autónoma de Lisboa, 2002, p. 94-95 VALLADÃO, Alfredo – “Segurança económica” e gestão das crises financeiras, JANUS 2003. Lisboa: Público e Universidade Autónoma de Lisboa, 2002, p. 96-97 VASCONCELOS, Álvaro – Os Estados Unidos no futuro da Europa I, JANUS 2004. Lisboa: Público e Universidade Autónoma de Lisboa, 2003, p.72-73 VASCONCELOS, Álvaro– Os Estados Unidos no futuro da Europa II, JANUS 2004. Lisboa: Público e Universidade Autónoma de Lisboa, 2003, p.70-71 VAZ, Maria do Rosário de Moraes – olítica externa, política de defesa: diferenças e esperanças. JANUS 2004. Lisboa: Público e Universidade Autónoma de Lisboa, 2003 p.6869 WIJK, Rob de – European military reform for a globalartnership. The Washington Quarterly, Vol. 27 (2003). e Center for Strategic and International Studies and the Massachusetts Institute of Technology: Washington. Winter 2003-04, p. 197-210 Internet BBC NEWS (2004). Q&A: The handover in Iraq. Disponível em http://news.bbc.co.uk/ (28/06/04) CONSELHO EUROPEU (2004). Conclusões da Presidência – Conselho Europeu de Bruxelas (05 de Fevereiro). Disponível em http://ue.eu.int/ueDocs/cms_Data/docs/pressData/pt/ec/79658.pdf (01/06/04) CONSELHO EUROPEU (1999). Conclusões da Presidência – Conselho Europeu de Colónia (03-04 de Junho). Disponível em http://europa.eu.int/council/off/conclu/june99/june99_pt.htm (01/0/04) CONSELHO EUROPEU (1999). Conclusões da Presidência – Conselho Europeu de Helsínquia (10-11 de Dezembro. Disponível em http://europa.eu.int/council/off/conclu/dec99/dec99_pt.htm (01/06/04) Departamento de Prospectiva e Planeamento 263 Informação Internacional, Vol. I, 2004 CONSELHO EUROPEU (2001). Conclusões da Presidência – Conselho Europeu de Laeken (14 de Dezembro). Disponível em http://ue.eu.int/ueDocs/cms_Data/docs/pressData/pt/ec/68833.pdf (01/06/04) CONSELHO EUROPEU (2000). Conclusões da Presidência – Conselho Europeu de Santa Maria da Feira (19-20 de Junho). Disponível em http://ue.eu.int/ueDocs/cms_Data/docs/pressData/pt/ec/00200-r1.p0.htm (01/06/04) CONSELHO EUROPEU (2000). Conclusões da Presidência – Conselho Europeu de Sevilha (21-22 de Junho). Disponível em http://ue.eu.int/ueDocs/cms_Data/docs/pressData/pt/ec/72656.pdf (01/06/04) Department of Defense of USA Disponível em http://www.defenselink.mil/pubs/basestructure1999.pdf (23/06/04), Jane’s Foreign Report. Nato and the Gulf. Disponínel em http://www.foreignreport.com (24/06/04) ECONOMIST.COM – Global Agenda (2004) Karzai seeks more troops. Disponível em http://www.economist.com/agenda (21/06/04) NEWS ARTICLES – American Forces Information Service (2004) Defense details global posture realignement process. Disponível em http://www.defenselink.mil/specials/ (24/06/04) National Security Council (2002) National Strategy to Combat Weapons of Mass De struction Released (PDF). Disponível em http://www.whitehouse.gov/nsc/ (28/06/04) National Security Council (2002) The National Security Strategy of the United States of America. Disponível em http://www.whitehouse.gov/nsc/ (28/06/04) National Security Council (2004) Policy in Focus: National Security. Disponível em http://www.whitehouse.gov/nsc/ (28/06/04) OTAN - Disponível em http://www.OTAN.int/ (12/04/04) The International Institute for Strategic Studies – ISS – Strategic Comments – Disponível em http://www.iiss.org 264 Departamento de Prospectiva e Planeamento