Endoscopia em cirurgia bariátrica

Propaganda
Projeto Diretrizes
Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva Gestão 2007‐2008 Presidente: Dr. Artur A. Parada Comissão de Diretrizes:
Presidente: Edivaldo Fraga Moreira
Membros: Lix Alfredo de Oliveira, Paulo Roberto Alves de Pinho e Walton Albuquerque
Endoscopia em cirurgia bariátrica Participantes ‐ Capítulo SOBED ‐ Pernambuco: Josemberg Marins Campos Luis Fernando Lobato Evangelista Luciana Teixeira de Siqueira Manoel dos Passos Galvão Neto Descrição do método de coleta dos estudos baseados em evidências Busca bibliográfica nas bases de dados MEDLINE, COCHRANE LIBRARY e LILACS/BIREME através de descritores gerais e específicos relacionados ao tema; 1‐
2‐
Revisão manual das citações dos artigos selecionados; Classificação dos trabalhos selecionados segundo grau de recomendação e força de evidência 1: A- Estudos experimentais e observacionais de melhor consistência
B- Estudos experimentais e observacionais de menor consistência
C- Relatos ou séries de casos
D‐ Publicações baseadas em consensos ou opiniões de especialistas
Introdução:
A obesidade é um problema de grandes proporções que tem preocupado os órgãos de
saúde pública nos últimos anos. Por causa de sua associação com a hipertensão arterial
sistêmica, diabetes tipo 2, hipertrigliceridemia, apnéia do sono, doença coronária e
acidentes vasculares cerebrais, existe uma preocupação mundial em combater o excesso
de peso da população1(D),2(B) . A despeito dos esforços empreendidos pela comunidade
científica e da sociedade como um todo, os números relacionados à obesidade vem
apresentando um aumento nas últimas décadas, sendo que dados dos Estados Unidos da
América(EUA) revelam que a prevalência de obesos (definidos como IMC > 30kg/m2)
aumentou de 15,3% para 23,9% no período de 1995 até 20053(B) Fontes ainda daquele
mesmo país citam uma prevalência de 4,8% de obesos mórbidos (IMC > 40kg/m2). Ao
redor do mundo são aproximadamente 300 milhões de obesos.1(D). As mais variadas
técnicas cirúrgicas são empregadas na prática médica para combater o excesso de peso.
Em todas elas, há uma modificação no trato gastrointestinal no sentido de diminuir o
aporte calórico ao organismo. Há 2 maneiras possíveis de alcançar este objetivo:
promovendo uma restrição mecânica através da criação de um pequeno reservatório
gástrico com via de saída estreitada (cirurgias restritivas) ou desviando porções
variáveis do intestino delgado, onde a absorção dos alimentos ocorre (procedimentos
disabsortivos). Em algumas técnicas os dois mecanismos são utilizados (cirurgias
mistas). Quadro 1
Quadro 1. Procedimentos cirúrgicos mais comuns
- Restritivos
- Gastroplastia vertical – cirurgia de Mason (em desuso)
- Banda gástrica
- Gastrectomia em manga – Sleeve gastrectomy
- Disabsortivos
- Cirurgia de Scopinaro
- Switch duodenal
- Misto
- Bypass gástrico em Y de Roux
Endoscopia pré-operatória:
Por modificar a anatomia do tubo digestivo com o propósito de restrição ou
disabsorção, e pela possibilidade de encontrar condições que precisam ser solucionadas
antes da cirurgia ou mesmo alterar a técnica cirúrgica, é recomendável a realização
rotineira de endoscopia digestiva alta (EDA) pré-operatória nos pacientes que irão se
submeter a estes procedimentos para tratamento da obesidade mórbida4(B), 5(B).
Mesmo na ausência de queixas, a EDA mostrou ser uma valiosa ferramenta, mudando a
estratégia cirúrgica ou demandando um tratamento clínico antes do procedimento em
até 61,5% do total de pacientes do estudo de Sharaf et al.4(B)
Aspectos normais no pós-operatório:
Com o propósito de diagnóstico adequado de patologias associadas aos procedimentos
bariátricos, serão inicialmente abordados os aspectos normais das principais cirurgias.
Gastroplastia vertical – Cirurgia de Mason
Esta técnica cirúrgica consiste da confecção de um túnel gástrico paralelo a pequena
curvatura com extensão de 7-8 cm que termina em uma compressão extrínseca de
diâmetro em torno de 12 mm. A partir desta o aspecto do exame é o usual, com
visualização do antro, piloro e duodeno. À retrovisão, observa-se um septo gástrico
separando o túnel neoformado do corpo e fundo gástricos.6(D)
Banda gástrica ajustável
A cirurgia de banda gástrica ajustável (BGA) laparoscópica consiste do implante
abdominal de um dispositivo constituído por: porte de insuflação de metal que fica no
subcutâneo abdominal, tubo de conexão e banda de silicone, a qual envolve o estômago
proximal e é parcialmente recoberta pela parede gástrica. Desta forma é confeccionado
um pequeno reservatório gástrico com a sua via de esvaziamento regulada pelo maior
ou menor insuflação da banda, que é realizada percutaneamente nas consultas
subseqüentes com o cirurgião. Durante a EDA observa-se esôfago normal e logo após a
transição esôfago-gástica uma compressão extrínseca. Restante do exame é normal,
exceto na retrovisão onde visualizamos prega gástrica circular similar à cirurgia antirefluxo.7(B)
Sleeve gastrectomy ou gastrectomia em manga
Neste procedimento é realizada uma gastrectomia vertical paralela a pequena curvatura
gástrica. O aspecto endoscópico é de um tubo gástrico de diâmetro semelhante ao do
esôfago que termina no piloro.8(C)
Duodenal Switch
Esta cirurgia corresponde à associação de um sleeve gastrectomy a uma anastomose
duodeno-ileal. O aspecto endoscópico é semelhante ao sleeve gastrectomy, observandose uma anastomose cirúrgica logo após o piloro. Não é possível a avaliação do
duodeno.9(B)
Cirurgia de Scopinaro
Nesta técnica realiza-se uma gastrectomia subtotal distal e anatomose gastro-ileal. O
aspecto endoscópico é semelhante ao visualizado nas gastrectomias realizadas para
tratar doença ulcerosa péptica ou neoplásica.10(B)
Bypass gástrico em Y de Roux com ou sem anel
Esta é a cirurgia mais realizada no Brasil. Compreende da confecção de uma pequena
bolsa gástrica com a separação do estômago através do uso de grampeador. Além disto,
é realizado um desvio intestinal. O aspecto endoscópico mostra logo após a TEG um
pequeno reservatório gástrico com extensão em torno de 7 cm, terminando em uma
anastomose gastrojejunal. Caso tenha sido usado um anel restritivo na cirurgia, este
pode ser visualizado cerca de 2 cm acima da anastomose como uma compressão
extrínseca circular.6(D)
Condições pós-operatórias:
Impactação alimentar
Este tipo de complicação pós-operatória é encontrado principalmente nos pacientes
submetidos a cirurgias restritivas, particularmente nos casos de Bypass gástrico com
anel.13(D). Os pacientes apresentam história clínica sugestiva de obstrução digestiva
alta, sendo a endoscopia um exame que confirma o diagnóstico e realiza a terapêutica
necessária no mesmo ato. Geralmente, tais pacientes procuram assistência médica
queixando-se de náuseas, dor retroesternal, desconforto epigástrico e vômito pósprandial.11(C) Em uma parcela significativa de casos, é possível identificar uma refeição
em particular que desencadeou o início dos sintomas, geralmente em festas ou em
ocasiões fora da rotina dos pacientes.12(D). Diante de história clínica compatível, o
exame endoscópico com finalidade diagnóstica e terapêutica está indicado, obtendo
sucesso em 100% dos casos.11(C). Nesta ocasião o exame deve ser feito com sedação
mínima para preservar o reflexo da tosse e evitar broncoaspiração. Também é
importante que estejam disponíveis pinças endoscópicas para manipulação dos
alimentos impactados, que na grande maioria das vezes não precisam ser retirados,
bastando passar os mesmos para alem do fator restritivo, seja o anel ou uma anastomose
gastrojejunal com diâmetro diminuído.14(D) A acessório mais utilizado para este fim é a
pinça basket ou a pinça de corpo estranho tipo pé de galinha ou jacaré. O alimento
impactado mais frequentemente encontrado é o de bolo de carne, seguido por sementes
de frutas.11(C)
Migração de BGA
Após a implantação de BGA pode ocorrer erosão ou migração intragástrica da prótese
entre 0,6 e 11%, gerando sintomatologia variada.15(C) Isso ocorre lentamente e forma
um processo inflamatório perigástrico que evita peritonite.16(D). O diagnóstico dos
pacientes com migração de BGA é eminentemente endoscópico, e este exame deve ser
feito na presença de qualquer sintoma digestivo em paciente com BGA de início
recente.15(C) Durante a realização do exame é possível a visualização direta da prótese
no interior do lúmen gástrico. Nos assintomáticos, pode-se aguardar uma maior
migração intragástrica, porém esse grupo de pacientes deve ser acompanhado
periodicamente para o diagnóstico precoce de possíveis complicações graves, tais como
hemorragia digestiva ou infecção intraabdominal grave, que apesar de infreqüentes,
apresentam morbidade significativa17(D), além do uso de inibidores de bomba de
prótons até a remoção do corpo estranho.13(D)
A retirada da banda usualmente é feita através de cirurgia. Atualmente, porém, a opção
de retirada da banda por via endoscópica deve ser considerada, por se tratar de um
procedimento minimamente invasivo que dispensa sutura da parede gástrica.18(C) A via
laparoscópica ou laparotômica habitualmente necessita de sutura em tecido inflamatório
no local da remoção da prótese.19(D)
Para a retirada endoscópica o primeiro passo é a secção da banda,que pode ser feita com
uso de tesoura endoscópica ou do cortador de banda, um dispositivo semelhante a um
litotriptor que utiliza um fio de aço para secção da prótese. Após a secção a mesma deve
ser tracionada completamente para a luz do órgão com auxílio de pinça de corpo
estranho ou alça de polipectomia. Neste momento o porte de insuflação deve ser
retirado do subcutâneo por um cirurgião e a banda tracionada pelo endoscopista para a
cavidade oral.18(C) 17(D)
Deslizamento de BGA
Outra condição mórbida que pode ser encontrada no pós-operatório da cirurgia de BGA
é o deslocamento distal da prótese, promovendo a formação de uma dilatação da bolsa
gástrica, o que dificulta a passagem dos alimentos.20(C) .O diagnóstico clínico deve ser
suspeitado na presença de vômitos freqüentes, náuseas, disfagia, pirose ou halitose.21(D)
A suspeita clínica pode ser confirmada através de radiografia contrastada ou EDA.
Na radiografia contrastada de abdome, os achados são o seguinte: bolsa gástrica
dilatada e assimétrica, grande nível hidroaéreo subfrênico esquerdo, retenção de
contraste no estômago acima da banda e banda mal posicionada. A EDA mostra uma
formação sacular com estase alimentar, podendo existir alimentos impactados no
estoma desviado, sendo difícil à passagem do endoscópio. À retrovisão, observa-se
retração da mucosa onde ocorreu o deslizamento. As pregas dessa região tornam-se
exuberantes. 22(D). Até o momento, a endoscopia tem papel apenas diagnóstico quando
ocorre deslizamento de BGA.21(D)
Úlcera marginal
Gastroplastia com anastomose gastrojejunal é uma cirurgia que predispõe ao
desenvolvimento de úlcera marginal ou de boca anastomótica, em decorrência da
preservação do nervo vago e do antro, causando hipergastrinemia e elevação da acidez
gástrica.23(B) Habitualmente, a úlcera está situada na mucosa jejunal logo abaixo da
gastrojejunoanastomose. Essa lesão se desenvolve no lado intestinal da anastomose,
podendo envolver todo o diâmetro.23(B) A incidência é variável entre 3 e 10%,
conforme a técnica cirúrgica, sendo que a operação de Fobi-Capella apresenta
incidência entre 0 e 6%.24(D). O quadro clínico pode ocorrer no pós-operatório precoce
ou tardio.23(B) Na fase precoce, geralmente está relacionado à técnica cirúrgica,
enquanto que a apresentação tardia pode estar associada à presença de alguns fatores
desencadeantes, como: bolsa gástrica ampla ou fios de sutura inabsorvíveis A
sintomatologia comum envolve dor abdominal, principalmente epigástrica e que é
aliviada com a ingestão de alimentos. No primeiro mês de pós-operatório, podem
ocorrer náuseas, vômitos e regurgitação excessiva de saliva, mesmo na ausência de
dor.6(D). Hemorragia digestiva leve a moderada também pode estar presente,
principalmente na forma de melena, sendo mais comum do que a ocorrência de
hematêmese.23(B). A endoscopia é o melhor meio diagnóstico de úlcera marginal, cujo
achado é constituído pela presença de lesão na face intestinal da anastomose
gastrojejunal, de tamanho e profundidade variáveis, situada geralmente no lado da
pequena curvatura gástrica e com fundo fibrinoso. Em alguns casos apresenta hematina
que sugere a ocorrência de sangramento recente.6(D) .Algumas vezes, um grampo ou fio
de sutura pode ser observado no fundo da úlcera com fibrina, sendo melhor visualizado
após a sua cicatrização.6(D)
No caso de pacientes assintomáticos, indica-se o uso de IBP na dose de 40
mg/dia durante 30 dias, sendo ingerido em jejum e 30 minutos antes da refeição
matinal.
Já nos pacientes com sintomas ou com antecedentes de doença ulcerosa:
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
Aumentar a dose para 80mg/dia por 30 a 60 dias;
Se houver piora ou recidiva dos sintomas após o período acima, indica-se
nova EDA com teste para H. pylori;
Se a EDA mostrar úlcera marginal:
9 Deve-se manter a dose de 80mg/dia de IBP por 60 dias;
9 Adicionar Sucralfate,14 na dose de 1mg de 8/8 horas por 60 dias;
9 Se H. pylori positivo, tratar com IBP + amoxicilina + claritromicina por
14 dias;
Após o referido tratamento, se a EDA de controle não mostrar úlcera:
ƒ
ƒ
9 Deve-se fazer a dose de manutenção (20mg de IBP) por mais 30 dias;
Após o referido tratamento, se a EDA de controle mostrar úlcera, deve-se:
9 Repetir o tratamento por mais 60 dias;
Remoção endoscópica de corpo estranho na anastomose gastrojejunal: A
presença de anel intragástrico, fio e/ou grampo indica a retirada endoscópica,
usando pinça-tesoura e pinça de corpo estranho. Acredita-se que este
procedimento facilite a cicatrização da úlcera.25(D)
Estenose de anastomose
Um diagnóstico pós-operatório freqüente em clínicas de endoscopia é a estenose de
anastomose gastrojejunal. A incidência desta condição no pós-operatório de bypass
gástrico varia entre 0,1 e 12%.26(B). Os sintomas obstrutivos como náuseas, vômitos,
sialorréia e regurgitação tendem a ocorrer em torno de 30 dias de pós-operatório,
período que coincide com o início da dieta sólida. O quadro pode evoluir de forma
gradual ou abrupta, e neste caso indica a possibilidade de impactação alimentar
associada à estenose.27(D). A endoscopia é o padrão ouro no diagnóstico e na
terapêutica desta complicação, mesmo quando a estenose ocorre na primeira semana de
pós-operatório, pois há segurança na execução do método, desde que seja realizado com
pequena insuflação e sem manobras intempestivas, evitando-se pressionar as paredes do
pouch com o endoscópio.28(D). O diagnóstico definitivo da estenose deve ser feito
quando o paciente apresenta sintomas e há o correspondente achado endoscópico de
anastomose com diâmetro diminuído.28(D). O tratamento de escolha da estenose
gastrojejunal é a dilatação endoscópica, preferencialmente com balões do tipo TTS, que
significa em inglês trough the scope, com diâmetro máximo de até 15 mm quando
insuflado (Boston-Microvasive ou Wilson-Cook)®.29(B), 28(D)
Migração de anel
Nos casos de bypass com uso de anel restritivo, uma complicação possível e encontrada
em 0,9 a 7% dos casos é a erosão /migração da prótese para o interior do lumem
gástrico.30(B) 31(D). Nesta situação a sintomatologia é variada. Fobi et al referiram
reganho de peso em 37,5% dos pacientes, sintomas obstrutivos em 36,4%, dor em
18,7% e sangramento em 14,5%.30(B). O diagnóstico final é realizado por EDA. No
local de convergência das pregas decorrente da compressão extrínseca do anel, que é
situado entre 3 e 6 cm abaixo da transição esôfago-gástrica, a prótese é bem visualizada
na luz do estômago. Numa fase precoce da migração, o único achado endoscópico pode
ser uma úlcera no sítio do anel, cujo laudo deve conter a possibilidade de migração
incipiente, além de sugerir a repetição da EDA após dois meses. Enquanto se espera a
ocorrência de maior migração, deve-se usar inibidor da bomba de prótons (IBP) para
auxiliar a cicatrização da úlcera e evitar um eventual sangramento da mucosa.31(D)
Uma vez diagnosticada a migração, deve-se avaliar a factibilidade da remoção
endoscópica pela observação do percentual de migração, na maior parte das vezes
podendo realizar o procedimento no mesmo ato. Esta terapêutica envolve a secção e a
retirada do anel. A secção com pinça tesoura torna-se relativamente simples e rápida
usando uma pinça-tesoura com lâminas longas e capazes de envolver e fixar o anel (PE
20 81 0, KOBI / MTW endoskopie, Zum Groben Freien 14, 31275, Lehrte,
Germany).32(D) A tesoura com as lâminas curtas também secciona o anel e tem sido
mais utilizada devido à possibilidade de passagem no canal do endoscópio padrão da
marca Pentax®. A secção pode ser realizada com endoscópio de um ou dois canais. O
duplo canal facilita a tração do anel com uma pinça de corpo estranho através de um
canal, enquanto a tesoura secciona a prótese através do outro canal. Todavia,
endoscópio de um canal tem sido mais empregado devido a maior disponibilidade nos
serviços de endoscopia, o que não compromete a execução do procedimento, desde que
o profissional realize a manobra descrita abaixo. A pinça-tesoura é passada pelo canal
de biópsia e aberta distalmente ao anel migrado, sendo levemente retraída e posicionada
de modo a envolver todo o diâmetro do anel. O conjunto endoscópio-tesoura é avançado
contra o anel, enquanto as lâminas da tesoura são fechadas pelo assistente para efetuar o
corte.33(D).Após a secção da prótese, promove-se a sua extração usando uma pinça de
corpo estranho ou uma alça de polipectomia.33(D)
Deslizamento de anel
Outra complicação descrita nos casos de bypass gástrico com anel. Esta complicação
corresponde ao deslocamento da prótese por fora da bolsa gástrica em direção distal,
que promove o cavalgamento sobre a alça jejunal, gerando uma compressão extrínseca e
a conseqüente dificuldade de esvaziamento da bolsa gástrica.33(D), 34(C) É uma
complicação incomum, com uma incidência em torno de 1%.33(D), 34(C). Os pacientes
relatam aumento progressivo da freqüência dos vômitos e eructação, chegando a vários
episódios diários, sem haver relação dos sintomas com o tipo de alimento ou a
velocidade de ingestão. Nos casos avançados, há restrição alimentar importante, ficando
a ingesta restrita a líquidos.35(D). A radiografia contrastada da bolsa gástrica mostra
aspectos variáveis de acordo com o momento do diagnóstico, que pode ser precoce ou
tardio. No início dos sintomas, há evidência de anel oblíquo, deslizado no lado da
fixação à alça interposta e na parede anterior da anastomose gastrojejunal, causando
estenose nesta região. 35(D) No diagnóstico tardio, a bolsa gástrica apresenta diâmetro
aumentado, com nível hidroaéreo em área correspondente ao fundo gástrico e na alça
interposta, anastomose ampla e anel oblíquo, promovendo obstrução logo abaixo da
anastomose sobre a alça jejunal.35(D). Achados endoscópicos: Quando o diagnóstico é
precoce, a área estenótica provocada pelo anel situa-se ao nível da anastomose
gastrojejunal, permitindo a justa passagem do endoscópio. Numa fase tardia, há sinais
de esofagite devido ao excesso de vômitos, além de bolsa gástrica com diâmetro
aumentado, tendendo a formação de fundo gástrico, sem evidência de compressão
extrínseca.35(D) Podem-se observar ainda resíduos alimentares de odor fétido e
anastomose gastrojejunal ampla, com convergências das pregas jejunais para uma área
de estenose excêntrica logo abaixo ou ao nível da anastomose. Na face lateral onde há
uma sutura longitudinal, há pequeno prolapso de mucosa jejunal para o interior da bolsa
gástrica, causada pela compressão do anel deslocado. 35(D)
A conduta preconizada tem sido a retirada da prótese por laparotomia ou laparoscopia.
33
(D), 34(C) Todavia, o processo inflamatório perigástrico pode dificultar a cirurgia e
aumentar o risco de infecção, fístula e sangramento.36(D). A participação do
endoscopista tem sido restrita ao diagnóstico e à colocação de sonda nasoenteral,36(D)
porém a dilatação endoscópica como medida terapêutica tem se tornado uma opção
segura, eficaz e minimamente invasiva.35(D) Este método é realizado em caráter
ambulatorial ou hospitalar, de acordo com o grau de deslizamento do anel e com o
estado clínico do paciente. Deve-se passar o fio guia para a alça jejunal através da
compressão extríseca do anel e promover a dilatação com balão de grande diâmetro Rigiflex® 30mm (Boston-Microvasive®). É fundamental a presença de anestesiologista
para realizar uma sedação profunda. O uso de radioscopia é necessário na maioria dos
casos.35(D) Nos casos em que há pequeno diâmetro da área da obstrução gastrojejunal, é
necessário passar inicialmente balão hidrostático de 20 mm (Boston-Microvasive®)
para pré-dilatação. A seguir, retira-se o balão e coloca-se outro fio-guia para introdução
do Rigiflex.®35(D)
Estenose de anel
Em alguns pacientes submetidos ao bypass gástrico com anel, mesmo com a prótese
estando bem posicionada, pode haver intolerância alimentar importante se a mesma
apresentar diâmetro interno reduzido. Nesta situação, pode ser necessária a retirada
cirúrgica do anel ou, alternativamente, a EDA terapêutica pode ser realizada da mesma
forma que nos casos de deslizamento.37(D)
Fístulas
Habitualmente, um paciente em pós-operatório precoce de cirurgia bariátrica, com
infecção intracavitária decorrente de fístula gástrica, apresenta inicialmente dispnéia e
taquicardia, devendo-se fazer um rápido diagnóstico diferencial com outras alterações
de tratamento eminentemente clínico, uma vez que o obeso não apresenta um quadro
clínico característico de abdome agudo. Em geral, o paciente relata mal estar
inespecífico, ansiedade, desconforto abdominal difuso à palpação profunda e
desproporcional ao aumento da freqüência cardíaca e respiratória, na ausência de sinais
bem evidentes de irritação peritoneal.38(D) .A existência de dreno abdominal de grosso
calibre, como 24Fr, facilita o diagnóstico e pode evitar reoperação, uma vez que as
secreções gastrintestinais são eliminadas através do dreno. Isto pode prevenir a
formação de coleções e de sepse abdominal, levando ao surgimento de fístula
gastrocutânea.39(B). Com o decorrer do tratamento, há envolvimento freqüente do
pulmão esquerdo por contigüidade com o processo infeccioso subfrênico, resultando em
piora do quadro respiratório, com o surgimento de atelectasia, derrame pleural,
empiema, abscesso pulmonar ou até mesmo comunicação da fístula com os
brônquios.24(D) .A endoscopia digestiva alta pode ser realizado a partir de 15 dias após
o início do quadro infeccioso, desde que haja as mínimas condições clínicas para se
realizar um exame diagnóstico e ou terapêutico. Assim, devem-se excluir alterações
hemodinâmicas ou qualquer outra complicação clínica que inviabilize o método.38(D).
De acordo com a condição clínica do paciente, o exame deve ser executado sob sedação
com acompanhamento anestésico, na unidade de terapia intensiva, no centro cirúrgico
ou mesmo na sala de endoscopia ambulatorial.38(D)
A indicação da endoscopia numa fase precoce permite a identificação de alguns
achados importantes, podendo assumir papel terapêutico decisivo na cicatrização da
fístula: 38(D)
• Esclarece a correta posição do orifício interno da fístula, confirmando ou
adicionando informações já obtidas através dos exames de imagem;
• Pode promover o diagnóstico e o tratamento de algumas condições específicas,
que resultam no controle mais rápido da sepse;
• Identifica estenose gástrica do anel ou na anastomose que perpetuam o quadro
infeccioso, podendo ainda promover dilatação endoscópica, usando balão de
pequeno e de grande diâmetro;
• Visualiza dreno no interior do trato digestivo, o qual pode ser tracionado e
posicionado corretamente para evitar a perpetuação da infecção;
• Promove diagnóstico e remoção de corpos estranhos presentes na área da fístula:
tecido necrótico, fibrina, fios e até mesmo o anel migrado, que impedem a
adequada cicatrização;
• Identifica uma cavidade perigástrica não drenada e de tamanho variável, que
pode ser limpa a partir da colocação de uma sonda naso-cavitária, realizando
irrigação contínua ou em horários determinados;
• Promove avaliação adequada e precisa das dimensões da fístula, permitindo se
estabelecer o prognóstico e uma estratégia terapêutica, que pode envolver o uso
de dilatação, estenostomia, uso de prótese auto-expansível, cola biológica,
endoclips ou Surgisys.38(D) Não há nenhum estudo controlado a esse respeito,
não havendo no momento nenhuma evidência de superioridade de um método
em realação a outro.
Consideração Final:
A endoscopia em cirurgia bariátrica é um novo campo de atuação, em que o
conhecimento ainda está sendo definido. São necessários ensaios clínicos randomizados
e controlados na área, restando como fonte de informação os relatos e série de casos e
opinião de experts.
Referências
1. Haslam DW, James WPT. Obesity. Lancet. 2005 Oct 1;366(9492):1197-209.
2. Li Z, Bowerman S, Heber D. Health ramifications of the obesity epidemic. Surg
Clin North Am. 2005 Aug;85(4):681-701
3. State-specific prevalence of obesity among adults-United States, 2005.
MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2006 Sep;55(36):985-8.
4. Sharaf RN, Weinshel EH, Bini EJ, Rosenberg J, Sherman A, Ren CJ.
Endoscopy plays an important preoperative role in bariatric surgery. Obes Surg.
2004 Nov-Dec;14(10):1367-72.
5. Zeni TM, Frantzides CT, Mahr C, Denham EW, Meiselman M, Goldberg MJ, et
al. Value of preoperative upper endoscopy in patients undergoing laparoscopic
gastric bypass. Obes Surg. 2006 Feb;16(2):142-6.
6. Huang C, Farraye F. Endoscopy in the bariatric surgical patient. Gastroenterol
Clin North Am. 2005 Mar;34(1):151-66.
7. Kuzmak LI. A review of seven years' experience with silicone gastric banding.
Obes Surg. 1991 Dec;1(4):403-408.
8. Roa PE, Kaidar-Person O, Pinto D, Cho M, Szomstein S, Rosenthal RJ.
Laparoscopic sleeve gastrectomy as treatment for morbid obesity: technique and
short-term outcome. Obes Surg. 2006;16(10):1323-6.
9. Peterli R, Wölnerhanssen B, Peters T, Kern B, Ackermann C, Flüe M.
Prospective study of a two-stage operative concept in the treatment of morbid
obesity: primary lap-band® followed if needed by sleeve gastrectomy with
duodenal switch. Obes Surg. 2007 Mar;17(3):334-40.
10. Scopinaro N, Marinari GM, Camerini G. Laparoscopic standard biliopancreatic
diversion: technique and preliminary results. Obes Surg. 2002 Jun;12(3): 362-5.
11. Yang CS, Lee WJ, Wang HH, Huang SP, Lin JT, Wu MS. Spectrum of
endoscopic findings and therapy in patients with upper gastrointestinal
symptoms after laparoscopic bariatric surgery. Obes Surg. 2006 Sep;
16(9):1232-7.
12. Rocha LCM, Lima Jr GF. Papel da Endoscopia na Obesidade Mórbida. In:
Castro LP, Savassi-Rocha PR, Rodrigues MAG, editores. Tópicos em
Gastroenterologia: Obesidade e Urgências Gastroenterológicas. Rio de Janeiro:
Ed. Medsi; 2003. p. 53-74.
13. Maluf Filho F, Lima MS. O papel da endoscopia na cirurgia bariátrica. Einstein.
2006; Supl 1: S114-9.
14. Evangelista LFL, Campos JM, Ribeiro LT. Impactação alimentar na bolsa
gástrica. In: Campos JM, Galvão Neto MP, Moura EGH. Endoscopia em
cirurgia da obesidade. 1a ed. São Paulo: Santos; 2008. p.237-43.
15. Suter M, Giusti V, Heraief E, Calmes JM. Band erosion after laparoscopic
gastric banding: occurrence and results after conversion to Roux-en-Y gastric
bypass. Obes Surg. 2004 Mar;14(3):381-6.
16. Mittermair RP, Weiss H, Nehoda H, Aigner F. Uncommon intragastric
migration of the swedish adjustable gastric band. Obes Surg. 2002 Jun;
12(3):372-5.
17. Campos JM, Galvão Neto MP, Vasconcelos CS, Moura EGH. Migração de
banda gástrica ajustável. In: Campos JM, Galvão Neto MP, Moura EGH.
Endoscopia em cirurgia da obesidade. 1a ed. São Paulo: Santos; 2008. p.149-62.
18. Galvão Neto MP, Campos JM, Alvarez J, Ferraz AAB. Endoscopic gastric band
removal (AGB) with the gastric band cutter (GBC): multicentric experience in
44 cases. Obes Surg 2005;15:987-8.
19. Weiss H, Nehoda H, Labeck B, Peer R, Aigner F. Gastroscopic band removal
after intragastric migration of adjustable gastric band: A new minimal invasive
technique. Obes Surg. 2000 Apr; 10(2):167-70.
20. Chevallier JM, Zinzindohoue F, Douard R, Blanche JP, Berta JL, Altman JJ, et
al. Complications after laparoscopic adjustable gastric banding for morbid
obesity: experience with 1,000 patients over 7 years. Obes Surg. 2004
Mar;14(3):407-14.
21. Campos JM, Galvão Neto MP, Evangelista LFL, Falcão M, Marini R.
Deslizamento de banda gástrica ajustável. In: Campos JM, Galvão Neto MP,
Moura EGH. Endoscopia em cirurgia da obesidade. 1a ed. São Paulo: Santos;
2008. p.141-8.
22. Parameswaran R, Ferrando J, Sigurdsson A. Gastric bezoar complicating
laparoscopic adjustable gastric banding with band slippage. Obes Surg. 2006
Dec; 16(12): 1683-4.
23. Sapala JA, Wood MH, Sapala MA, Flake TM Jr. Marginal ulcer after gastric
bypass: a prospective 3-year study of 173 patients. Obes Surg. 1998 Oct;
8(5):505-16.
24. Livingston EH. Complications of bariatric surgery. Surg Clin North Am. 2005
Aug; 85(4):853-68.
25. Artifon ELA, Galvão Neto MP, Campos JM, Siqueira LT, Luz G. Úlcera
marginal. In: Campos JM, Galvão Neto MP, Moura EGH. Endoscopia em
cirurgia da obesidade. 1a ed. São Paulo: Santos; 2008. p.245-55.
26. Galvão Neto M, Moura EGH, Campos JM, Parada AA, Galvão M, Ramos A.
Gastrojejunostomy stenosis: endoscopic dilatation with TTS balloons in 107
patients. Obes Surg. 2005; 15: 942.
27. Pinto D, Carrodeguas L, Soto F, Lascano C, Cho M, Szomstein S, et al. Gastric
bezoar after laparoscopic Roux-en-Y gastric bypass. Obes Surg. 2006 Mar;
16(3):365-8
28. Campos JM, Ferreira Filho HA, Galvão Neto MP, Falcão M, Silva CEJ.
Estenose de anastomose gastrojejunal. In: Campos JM, Galvão Neto MP, Moura
EGH. Endoscopia em cirurgia da obesidade. 1a ed. São Paulo: Santos; 2008.
p.237-43.
29. Peifer KJ, Shiels AJ, Azar R, Rivera RE, Eagon JC, Jonnalagadda S. Successful
endoscopic management of gastrojejunal anastomotic strictures after Roux-en-Y
gastric bypass. Gastrointest Endosc. 2007 Aug;66(2):248-52.
30. Fobi M, Lee H, Igwe D, Felahy B, James E, Stanczyk M, et al. Band erosion:
incidence, etiology, management and outcome after banded vertical gastric
bypass. Obes Surg. 2001Dec;11(6): 699-707.
31. Berti LV, Garrido Jr AB. Bypass Gástrico: É essencial a colocação do anel? In:
Castro LP, Savassi-Rocha PR, Rodrigues MAG, editores. Tópicos em
Gastroenterologia: Obesidade e Urgências Gastroenterológicas. Rio de Janeiro:
Medsi; 2003. p. 95-108.
32. Campos JM, Evangelista LFL, Siqueira LT, Ferreira Filho HÁ, Ferraz AAB,
Ferraz EM. Tratamento endoscópico das complicações do anel no bypass
gástrico. In: Anais do Segundo Congresso Latinoamericano International
Federation Surgery Obesity-IFSO de Cirurgia para la Obesidad, (Org.). CacunMéxico: Colegio Mexicano de Cirurgía para la Obesidad; 2007. p. 145.
33. Elias AA, Matielli JD, Oliveira MR, Berti LV, Gabriel J, Szego T, et al.
Complicações relacionadas com anel de silicone na operação de Capella-Fobi.
Bol Cir Obes. 2001 Abr; 2(4):26-6.
34. Rocha LCM, Lima Jr GF, Martins da Costa MEVM, Girundi MG, Farah MW. A
endoscopia em pacientes submetidos à cirurgia de Fobi-Capella – Análise
retrospectiva de 800 exames. GED 2004 May; 23(5):195-204.
35. Campos JM, Galvão Neto MP. Tratamento do deslizamento de anel pós-cirurgia
de Fobi-Capella. In: Endoscopia gastrointestinal terapêutica. (Org.) SOBED –
Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva. São Paulo: Tecmedd; 2006.
p.1143-7.
36. Garrido T, Maluf Filho F, Sakai P. O Papel da endoscopia na cirurgia bariátrica.
In: Garrido Jr. AB, Ferraz EM, Barroso FL, Marchesini JB, Szego T, editores.
Cirurgia da obesidade. São Paulo: Atheneu; 2003. p. 293-302.
37. Campos JM, Costa Júnior AB, Evangelista LFL. Dificuldade de esvaziamento
gástrico secundário ao anel. In: Campos JM, Galvão Neto MP, Moura EGH.
Endoscopia em cirurgia da obesidade. 1a ed. São Paulo: Santos; 2008. p.203-13.
38. Campos JM, Ishida RK, Fonseca AHF. Diagnóstico de fístula gástrica e
intestinal após cirurgia bariátrica. In: Campos JM, Galvão Neto MP, Moura
EGH. Endoscopia em cirurgia da obesidade. 1a ed. São Paulo: Santos; 2008.
p.269-78.
39. Gonzalez R, Nelson LG, Gallagher SF, Murr MM. Anastomotic leaks after
laparoscopic gastric bypass. Obes Surg. 2004 Nov-Dec;14(10):1299-307.
Download