Herniação medular idiopática – relato de caso

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THIEME
Case Report | Relato de Caso
Herniação medular idiopática – relato de caso
Idiopathic Spinal Cord Herniation – Case Report
Rogerio Cirineo Sacco1 Ricardo de Amoreira Gepp1 Marco Rolando Sainz Quiroga1
Henrique Caetano de Souza1 Vitor Viana Bonan de Aguiar1 Romel Corecha Santos1
1 Rede SARAH de Hospitais, Brasília, DF, Brazil
Address for correspondence Rogerio Cirineo Sacco, MD, Rede SARAH
de Hospitais, Brasília, DF, Brazil (e-mail: [email protected]).
Arq Bras Neurocir
Resumo
Palavras-Chave
► doenças da medula
espinal
► síndrome de BrownSéquard
► mielografia
► ressonância
magnética
► hérnia
► cirurgia
Abstract
Keywords
► spinal cord diseases
► Brown-Séquard
syndrome
► myelography
► magnetic resonance
imaging
► hernia
► surgery
received
October 20, 2015
accepted
February 6, 2016
Herniação medular idiopática é uma causa rara de mielopatia progressiva, especialmente na ausência de história clínica de trauma raquimedular ou cirúrgico. O
diagnóstico radiológico é feito por meio de mielotomografia ou ressonância magnética. A medula espinal é deslocada anteriormente, tamponando o defeito dural e
levando na maioria dos casos a uma síndrome de Brown-Séquard. O presente estudo
demonstra o caso de um paciente do sexo masculino com quadro clínico de mielopatia
torácica progressiva. Na investigação clínica e radiológica, foi identificada uma
herniação medular idiopática ao nível torácico. Durante a cirurgia, a medula espinal
foi reduzida ao local natural, tomando sua forma elíptica habitual, e a falha dural foi
reparada com substituto dural. O paciente melhorou da dormência, e houve desaparecimento dos choques nos membros inferiores. A ressonância pós-operatória confirmou a redução cirúrgica da herniação e o restabelecimento de coluna liquórica anterior
à medula espinal. Os autores descreveram os achados clínicos, radiológicos e intraoperatórios, bem como a evolução pós-operatória.
Idiopathic spinal cord herniation is a rare cause of progressive myelopathy, especially in
the absence of a history of spinal or surgical trauma. Myelography or MRI makes the
radiological diagnosis. The spinal cord is pushed anteriorly, buffering the dural defect
and leading in most cases to Brown-Séquard syndrome. This study demonstrates the
case of a male patient with clinical picture of progressive thoracic myelopathy. In
clinical and radiological investigation was identified idiopathic spinal cord herniation to
the chest level. During surgery, the spinal cord was reduced to the natural site, taking
his usual elliptical shape, and the dural defect was repaired with dural substitute. The
patient improved the numbness and shock disappearance of the lower limbs.
Postoperative resonance confirms the surgical reduction of herniation and restoring
previous CSF column to the spinal cord. The authors described the clinical, radiological,
intraoperative, and postoperative evolution.
DOI http://dx.doi.org/
10.1055/s-0036-1581084.
ISSN 0103-5355.
Copyright © by Thieme Publicações Ltda,
Rio de Janeiro, Brazil
Herniação medular
Sacco et al.
Introdução
A herniação medular idiopática é uma causa rara de mielopatia progressiva, principalmente na ausência de trauma
raquimedular ou após procedimento cirúrgico.1 A avaliação
clínica do paciente demonstra, na maioria das vezes, sinais e
sintomas de mielopatia compatíveis com a síndrome de
Brown-Séquard. A medula torácica é a mais acometida
sobretudo entre os níveis de T4 e T7.2
O diagnóstico radiológico é feito por meio da ressonância
magnética (RM), o que favoreceu ao aumento do diagnóstico da
doença nos últimos anos. A mielotomografia também pode ser
utilizada para a realização do diagnóstico diferencial. No entanto,
pode haver dificuldade em sua interpretação, pois os achados
radiológicos podem mimetizar um cisto de aracnoide.3,4
A fisiopatogenia da herniação medular se deve a uma
falha dural anterior, de natureza idiopática, por onde a
medula espinal é empurrada, tamponando o defeito dural
e levando à mielopatia progressiva como resultado da adesão, distorção e lesão vascular secundária. Entretanto, a
causa exata do defeito dural ainda permanece desconhecida.5 Não há consenso na literatura sobre um algoritmo de
diagnóstico e tratamento cirúrgico, e tampouco existem
dados de evolução clínica.
O presente estudo descreve o caso de um paciente do sexo
masculino, acompanhado pela Rede SARAH desde 2008, com
diagnóstico de herniação medular idiopática no segmento
torácico da medula espinal. Os autores relatam os achados
clínicos, radiológicos e intraoperatórios, bem como a evolução pós-operatória a longo prazo.
Relato de Caso
Paciente masculino, de 36 anos, apresentava quadro clínico
progressivo de fraqueza muscular em membro inferior direito associada a choques bilaterais e alteração de sensibili-
dade no membro inferior esquerdo de caráter progressivo.
Não relatava história de trauma prévio ou de cirurgia.
A avaliação física mostrava piora na força muscular ao
nível dos músculos iliopsoas, glúteo médio, tríceps sural, e
tibial anterior à direita. O exame clínico demonstrava também hiperreflexia nos membros inferiores e sinal de Babinski. Além disso, a avaliação, realizada no Laboratório de
Movimento, evidenciou piora no padrão e no desempenho de
marcha, com diminuição da velocidade e maior dificuldade
para passagem do membro inferior direito, associadas à
redução de força muscular e aumento da espasticidade. Esses
resultados concordaram com os dados do exame físico do
paciente.
A RM pré-operatória (►Fig. 1) evidenciava uma herniação
medular torácica no plano de T6, confirmada por mielotomografia (►Fig. 2). Os dois exames demonstravam a saída da
medula pela falha dural. Outro dado radiológico importante
no diagnóstico diferencial foi a ausência de fluxo de líquor
anteriormente à medula (►Figs. 1 e 2).
Devido à progressão clínica da mielopatia, foi indicada a
cirurgia. Foi realizada uma laminectomia torácica de T5 a T7
para exposição completa da lesão. Após a durotomia, foram
observados a herniação medular e o orifício da dura-máter.
A medula espinal entrava pela falha (►Fig. 3). Em seguida,
sob visão do microscópio cirúrgico, a medula espinal foi
reduzida, tracionando-se delicadamente o ligamento denteado, e deslocada com dissectores de microcirurgia de
Rhoton, para assumir o posicionamento anatômico. A falha
dural foi reparada com substituto dural que se integra à
dura-máter sem a necessidade de pontos cirúrgicos. A
laminectomia foi recolocada, sendo fixada com miniplacas
e parafusos de titânio em cada nível, bilateralmente. O
procedimento cirúrgico foi realizado sob monitoração neurofisiológica, tendo sido utilizados potenciais evocados
somatossensitivo e motor, bem como o eletrodo de onda
D. Os potenciais evocados se mantiveram inalterados
Fig. 1 Exame de RM em visão sagital, coronal e axial da herniação ventral da medula torácica através da falha dural. Nesse nível, a medula
aparece estreitada e deformada, havendo acúmulo de líquido cefalorraquiano no espaço subaracnoide.
Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia
Herniação medular
Sacco et al.
Fig. 2 Exame de mielotomografia demonstrando a herniação medular anterior e com desvio para o lado direito. O exame auxilia no diagnóstico
diferencial de cisto de aracnoide hipertensivo.
durante o procedimento. A cirurgia transcorreu sem intercorrências, e o paciente teve boa recuperação pós-operatória, recebendo alta hospitalar no 8o dia.
Resultados
No pós-operatório tardio, o paciente relatou melhora da
dormência e desaparecimento dos choques nos membros
inferiores, associados a uma melhora significativa da sensibilidade tátil e dolorosa no membro inferior esquerdo e da
motricidade no membro inferior direito. A RM pós-operatória confirmou a redução cirúrgica da herniação e o restabelecimento de coluna liquórica anterior à medula espinal
(►Fig. 4). O exame de imagem também demonstrou hipersinal medular sugestivo de gliose por isquemia prolongada.
A avaliação de marcha, realizada no Laboratório de Movimento após 2 meses do procedimento cirúrgico, evidenciou melhora do desempenho e do padrão de marcha
associada a melhora da força no membro inferior direito.
Fig. 3 Achado intraoperatório da herniação medular (seta branca)
pela falha dural (seta preta), visão posterior da medula (seta azul).
Atualmente apresenta maior facilidade para a passagem do
membro inferior direito pelo balanço, com redução dos
tropeços e eliminação das quedas. Além disso, houve melhora da sustentação do peso sobre esse membro, com
eliminação da dor no joelho esquerdo.
Discussão
A herniação medular idiopática é uma rara condição clínica,
cada vez mais reconhecida como causa de mielopatia progressiva. Apesar disto a história natural desta doença é de evolução
lenta, e por este motivo o diagnóstico geralmente é tardio.6
Provavelmente, a herniação medular é uma causa de mielopatia
mais frequente do que o atualmente diagnosticado.5,6
Devido a raridade e apresentação atípica, o diagnóstico e o
tratamento podem ser realizados tardiamente.7,8 A presença de
um defeito dural é o fator fisiopatológico primário no desenvolvimento dessa condição, mas sua etiologia permanece ainda
desconhecida.5 Essa falha na dura-máter pode ocorrer em mais
de um ponto e ocasionar herniação de dois locais.5 Acredita-se
que o trauma possa estar relacionado com a formação herniária,
fato este não demonstrado no presente caso.8
O diagnóstico definitivo é obtido pelos exames de imagem.2–4 A mielografia por tomografia computadorizada frequentemente auxilia no diagnóstico, o que foi observado no
presente caso. A RM é o exame de escolha para definir a
herniação, sendo que pode ser observada a saída da medula
pelo orifício da dura-máter e a falta de líquor anteriormente.1,2 Dentre os diagnósticos diferenciais, destaca-se
como principal o cisto de aracnoide, sobretudo, pela semelhança radiológica entre os dois.1–3
Em sua maioria, as publicações referentes a herniação
medular são descrições isoladas ou séries constituídas por
poucos casos.4–6 Atualmente, cerca de duzentos casos são
encontrados na literatura.9 O tratamento cirúrgico é descrito
por vários autores como forma de reverter a mielopatia
resultante desta condição clínica. Mesmo nos pacientes
com déficit neurológico de longo tempo, a intervenção
neurocirúrgica proporciona ganhos funcionais significativos,
como foi observado no presente caso.10 A sutura direta da
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Herniação medular
Sacco et al.
Fig. 4 Exame de RM de controle em visão sagital, coronal e axial. Observa-se a volta da medula espinal à sua posição após a cirurgia.
dura-máter, quando possível, ou a interposição de um análogo de dura-máter são técnicas utilizadas para ocluir o
orifício da dura-máter e impedir nova herniação. Apesar
destas descrições, Samuel et al. relataram um caso de resolução espontânea, sem a necessidade de cirurgia.11
O objetivo da cirurgia é restaurar a anatomia desfazendo a
herniação medular. Porém, a manipulação da medula na
falha dural pode agravar o quadro de mielopatia por diferentes mecanismos, como tração do tecido medular em
sofrimento ou coagulação inadvertida de vasos medulares.
Por esses motivos, se possível, essa tração pode ser feita pelo
ligamento denteado, minimizando a manipulação direta
sobre a medula. A monitoração da onda D, mais sensível
que os potenciais somatossensitivo e motor, aumenta a
segurança cirúrgica, pois ao mínimo sinal de comprometimento adicional provocado durante o procedimento, a etapa
em questão é interrompida para não haver agravamento.
A piora na mielopatia é a complicação mais temida, contudo
existem outras complicações associadas, como piora na cifose
decorrente da laminectomia – a recolocação desta diminui este
risco. Se houver a necessidade de reoperação, os planos anatômicos serão mais identificáveis, minimizando o risco de lesão
dural. Infecção é outro problema em comum aos procedimentos
espinhais, levando a uma discussão à luz desse tema. Evidentemente, além das preocupações relacionadas à assepsia e antissepsia, muitas vezes a duração total da cirurgia é extensa, assim
como a do uso dos afastadores. Seria conveniente, de tempos em
tempos, levar a um afrouxamento dos afastadores, contribuindo
para a melhora da circulação tecidual.
mielopatia reversível e, com isso, destacar a importância do
reconhecimento precoce desta condição.
Referências
1 Brus-Ramer M, Dillon WP. Idiopathic thoracic spinal cord hernia-
2
3
4
5
6
7
8
9
Conclusão
Na investigação de pacientes com déficit neurológico progressivo, deve-se considerar como um dos diagnósticos
diferenciais a herniação medular idiopática. O reconhecimento precoce e o tratamento cirúrgico adequado podem
reverter a evolução clínica. Esta descrição de caso tem como
objetivo salientar este diagnóstico como uma das causas de
Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia
10
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