A drenagem ácida de minas e o uso de barreiras capilares

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A drenagem ácida de minas e o uso de barreiras capilares na
interface depósito de resíduos-atmosfera
Laura De Simone Borma
Curso de Engenharia Ambiental, Universidade Federal do Tocantins, Palmas, Tocantins
RESUMO: Os sistemas de coberturas secas têm sido uma prática internacional relativamente comum na
cobertura de depósitos de resíduos de minas potencialmente geradores de acidez, quando do fechamento e
reabilitação de áreas degradadas pela mineração. Os objetivos principais das coberturas secas são minimizar
a entrada de oxigênio e água para dentro de depósitos ricos em sulfetos metálicos, cuja oxidação é o principal
responsável pela formação da drenagem ácida de minas. O presente trabalho descreve os princípios básicos
envolvidos na geração de acidez e no projeto de coberturas secas compostas por barreiras capilares. O
assunto é abordado sob o ponto de vista da utilização dessas coberturas nos depósitos de resíduos de minas,
porém com perspectivas de uso também nos aterros de resíduos sólidos urbanos.
PALAVRAS-CHAVE: drenagem ácida de minas, coberturas secas, barreiras capilares, resíduos sólidos.
1
INTRODUÇÃO
A drenagem ácida de minas é considerada um
dos problemas ambientais mais sérios a serem
enfrentados pela indústria mínero-metalúrgica.
Ela ocorre quando sulfetos metálicos (sulfetos
de ferro, cobre, zinco, etc.) entram em contato
com o oxigênio e a água, oxidando-se e dando
origem a um percolado ácido, normalmente
contendo grandes quantidades de sulfatos e
metais pesados, denominado drenagem ácida de
minas. Esse percolado, ao migrar do interior da
pilha para o solo, apresenta elevado potencial
de contaminação dos cursos d’água superficiais
e subterrâneos.
Dois aspectos assumem grande importância
quando da avaliação dos impactos na qualidade
da água causados pela geração de drenagem
ácida: 1) o fato de que o impacto não fica
restrito à área minerada, influenciando, através
da contaminação dos cursos d’água superficiais
e subterrâneos, áreas circunvizinhas ao
empreendimento e 2) a reação química
envolvida no processo é lenta, o que implica
que o fenômeno pode ocorrer durante anos,
mesmo depois de esgotado o depósito mineral.
Alia-se a esses o fato da acidez inviabilizar o
uso da água para fins recreativos, agrícolas e de
consumo.
A formação da drenagem ácida de minas é
fator preocupante em vários países, em especial
no Canadá, Estados Unidos, Austrália e países
europeus com tradição em atividades mineiras.
No Brasil, devido à história relativamente
recente da mineração, existem hoje alguns
problemas pontuais de drenagem ácida, tais
como as minerações de urânio de Poços de
Caldas, a mineração de cobre em Carajás e as
minerações de carvão em Santa Catarina e Rio
Grande do Sul. No entanto, a medida que as
minerações avançam para as camadas mais
profundas do solo, a tendência é explorar
camadas mais ricas em sulfetos, cujos estéreis e
rejeitos são potenciais geradores de acidez.
Como forma de solução e mitigação do
problema, a Austrália direcionou suas pesquisas
para os processos de formação da drenagem
ácida, ou seja, os condicionantes geoquímicos,
a velocidade segundo a qual o processo ocorre,
formas alternativas de disposição de resíduos e
alternativas de neutralização da acidez. No
Canadá, devido possivelmente ao grande
número de depósitos em minas abandonadas,
grande ênfase tem sido dada às alternativas de
controle e mitigação do problema em depósitos
existentes, através do uso de coberturas cujo
papel principal é inibir o processo de geração
da acidez através do controle do fluxo de
oxigênio e água na interface aterro-atmosfera.
Dentre as formas de cobertura possíveis
destacam-se as coberturas secas, cujas
pesquisas foram desenvolvidas principalmente
por profissionais da área de geotecnia
ambiental. As premissas científicas básicas por
traz do seu desempenho é o baixo coeficiente de
difusão do oxigênio na água e a capacidade de
retenção de umidade na condição não saturada
dos materiais da cobertura, aspectos chave no
controle da entrada de oxigênio e água para
dentro do depósito.
O presente trabalho enfoca a questão da
drenagem ácida de minas para ilustrar como a
geotecnia ambiental pode contribuir para o
controle do problema, a partir do conhecimento
dos processos geoquímicos que se processam
no interior do resíduo e das características
requeridas da cobertura para controle desses
processos. Apresenta-se também a possível
extrapolação dos princípios de funcionamento
das coberturas secas na mineração para as
coberturas de depósitos de resíduos sólidos
urbanos.
2
DRENAGEM ÁCIDA DE MINAS –
ASPECTOS TEÓRICOS
A drenagem ácida de minas (DAM) tem origem
quando estéreis e rejeitos da mineração
contendo sulfetos metálicos entram em contato
com o oxigênio gasoso e a água de chuva,
dando origem a um percolado ácido, geralmente
enriquecido com metais pesados e grandes
quantidades de sulfato. Os sulfetos metálicos
geralmente encontrados nos depósitos de
mineração são os sulfetos de Fe (pirita,
pirrotita) os sulfetos de cobre, de zinco, etc. A
equação estequiométrica apresentada em (1)
descreve o processo global de geração de acidez
da pirita (FeS2), sem considerar as etapas
intermediárias e o tempo envolvido no
processo.
FeS2 +
15
7
O2 + H 2O = Fe(OH )3 + 2 SO42 − + 4 H +
4
2
(1)
Na realidade, a reação de oxidação da pirita
acontece em vários passos de acordo com as
variações que vão ocorrendo no meio durante o
processo e em função do tipo de agente
oxidante, i) oxidação abiótica pelo O2; ii)
oxidação abiótica pelo Fe(III) e iii) oxidação
catalisada pelas bactérias. As reações que
representam os passos do processo são
expressas por quatro equações principais:
• oxidação da pirita pelo oxigênio atmosférico
2FeS2 + 7O2 + 2H2O = 2Fe2+ + 4SO42- + 4H+
• oxidação do Fe2+ a Fe3+ (catalisada por
bactérias)
2Fe2+ + O2 + 2H+ = 2Fe3+ + H2O
• precipitação do Fe(OH)3 (para pH > 3,0)
Fe3+ + 3H2O + O2 = Fe(OH)3 + 3H+
• oxidação da pirita pelo Fe3+ (para pH < 3,0)
FeS2 + 14Fe3+ + 8H2O = 15Fe2+ + 2SO42- + 16H+
A importância de cada uma dessas reações na
velocidade da reação de oxidação e no processo
de formação de acidez é discutida em detalhes
em Singer & Stumm (1970), Stumm & Morgan
(1981), Apello e Postma (1994).
A reação de oxidação da pirita, assim como
de outros sulfetos metálicos, é uma reação de
superfície, e sua velocidade depende, entre
outros fatores, da concentração de oxigênio na
superfície da partícula oxidante. A água de
chuva, ao atravessar os depósitos com sulfetos
oxidados, lixivia os produtos da reação dando
origem à DAM, um percolado ácido, com
valores de pH extremamente baixos, da ordem
de 2,0 ou 3,0 ou ainda menores.
A ocorrência de reações químicas com
outros constituintes dentro do depósito, tais
como os metais pesados, pode incrementar o
efeito deletério da drenagem ácida de minas
sobre os corpos d´água superficiais e
subterrâneos. Como os metais pesados são
substâncias altamente solúveis em meio ácido
(Borma, 1998; Borma et al., 2003a), quando a
drenagem ácida percola aterros contendo metais
pesados, ela é “enriquecida” com esses
elementos. Por outro lado, a acidez formada
pelas reações de oxidação dos sulfetos pode ser
neutralizada por meio de reações com outros
constituintes presentes no depósito tais como a
dissolução
dos
carbonatos
e
dos
aluminosilicatos. As reações com os carbonatos
são de cinética rápida e, dependendo da
concentração de sulfetos, têm o potencial de
consumir
rapidamente
os
materiais
carbonáticos. As reações de decomposição dos
aluminosilicatos são mais lentas e menos
eficientes no abaixamento do pH do que as
reações com os carbonatos. Em geral, essas
reações têm o poder de ratardar o aparecimento
da DAM, mas não de neutralizá-la por completo
(Hutchinson & Ellison, 1991).
A cinética química que determina a
velocidade segundo a qual a acidez é produzida
depende de vários fatores. Para melhor
caracterizá-los Ritchie (1994a) introduziu os
termos “velocidade intrínseca de oxidação”
(IOR – intrinsic oxidation rate) e “velocidade
global de oxidação” (GOR – global oxidation
rate). A velocidade intrínseca de oxidação
refere-se à velocidade segundo a qual a
partícula sulfetada oxida-se quando não há
restrição de oxigênio na sua superfície (Borma,
2003). Nessas situações, fatores tais como pH,
temperatura, concentração de íon férrico,
presença de bactérias, diâmetro da partícula,
superfície específica, etc. são os fatores
condicionantes da velocidade do processo. A
interferência de cada um desses fatores é
descrita em Ritchie (1994). A velocidade
global de oxidação refere-se à velocidade
segundo a qual o oxigênio penetra para o
interior da pilha de estéril ou do depósito de
resíduos, função dos mecanismos de transporte
de oxigênio: por meio do oxigênio dissolvido
na água de chuva, por advecção e/ou por
difusão. Para efeito de ilustração, apresenta-se
na Tabela 1 as taxas de fluxo de oxigênio para
os diferentes tipos de mecanismos acima
descritos (Ritchie, 1994a). Uma vez que a
concentração de oxigênio dissolvido na água é
de 8,26 mg O2/L, para uma temperatura de
25oC, a quantidade de O2 introduzida pela água
de chuva é muito pequena, sendo esse
mecanismo de menor importância na maioria
das situações. O fluxo advectivo, decorrente da
ação do vento, é duas ordens de grandeza maior
que o fluxo difusivo (Tabela 1). No entanto, ele
é menos considerado nos estudos de formação
de drenagem ácida do que o fluxo difusivo pelo
fato de que um gradiente de temperatura pode
persistir em uma pilha em uma escala de anos
ao passo que o gradiente de pressão originado
pela ação do vento pode se dissipar em questão
de horas. Devido ao elevado consumo de
oxigênio dentro do depósito de material reativo,
há formação contínua de um gradiente de
concentração de oxigênio dentro e fora do
depósito, fazendo com que a difusão seja o
mecanismo de transporte de O2 mais
significativo na maioria das situações de
disposição de rejeitos ricos em sulfetos de Fe.
Tabela 1 – Mecanismos de transporte de oxigênio e
respectivas taxas de fluxo (modificado de Ritchie,
1994a)
Mecanismo de transporte
Taxa de fluxo
Dissolvido na água de chuva
1,3 x 10-10 Kg m-2 s-1
4,3 x 10-7 Kg m-2 s-1
Difusão
2,0 x 10-5 Kg m-2 s-1
Advecção
2.1 Difusão do O2 como mecanismo controlador
da velocidade de oxidação
O fluxo difusivo de O2 gasoso que atravessa a
superfície de um depósito de resíduos é
expresso pela 1a. Lei de Fick:
F ( t ) = −θ a De
onde:
F (t)
θa
De
C (t)
z
δC ( t )
δz
(2)
= fluxo de massa de O2 [ML-2T-1]
= porosidade ao ar [L3/L3]
= coeficiente de difusão efetivo [L2T-1]
= concentração a um tempo t [ML-3]
= profundidade do solo
A Tabela 2 apresenta alguns valores típicos de
coeficiente de difusão. Observa-se que, em
função da elevada porosidade, as pilhas de
rejeito apresentam coeficiente de difusão com
apenas 1 ordem de grandeza mais elevados que
o ar puro.
Comparando-se os valores apresentados na
Tabela 2, observa-se que o coeficiente de
difusão do oxigênio no ar é 4 ordens de
grandeza maior que o coeficiente de difusão na
água. Foi com base nessa premissa que algumas
pesquisas para efeito de minimização da
drenagem ácida de minas em pilhas de estéril e
nos depósitos de rejeitos se desenvolveram.
Através de ensaios de difusão em solos pouco
reativos (ou seja, com poucas substâncias
capazes de consumir O2), Yanful (1993)
observou que há um decréscimo no coeficiente
de difusão com o aumento do grau de saturação
da amostra, com os maiores decréscimos
ocorrendo entre os limites de saturação de 85 95% (Figura 1).
Figura 1 – Coeficiente de difusão do oxigênio x grau de
saturação (adaptado de Yanful, 1993).
Tabela 2 - Exemplos de coeficientes de difusão do O2 (Borma, 1998)
Meio
coef. de difusão do O2
(m2/s)
o
ar (25 C)
1,8 x 10-5
o
água (25 C)
2,2 x 10-9
solo silto arenoso (S = 85 - 95%) usado para cobertura de
8,0 x 10-8
rejeito de mineração em Heath Steele Mines, Canadá
solos naturais com elevado teor de umidade natural
1,2 - 1,75 x 10-7
pilha de rejeito típica
5,0 x 10-6
Isso ocorre porque, tendo a água uma
capacidade máxima de armazenamento de O2
para determinadas condições de temperatura e
pressão, ela bloqueia a passagem do O2
gasoso pelos poros do solo, diminuindo a
difusão do gás para dentro da massa. Essa
constatação
conduziu
à
afirmação,
amplamente aceita no meio técnico-científico,
de que uma das formas mais eficientes para
controle do processo de geração da drenagem
ácida de minas é através da construção de
uma camada de água em cima do depósito
reativo.
Referência
Elberling et al. (1994)
Yanful (1993)
Papendick & Runkles (1965)
Ritchie (1994b)
de coberturas que minimizem a infiltração da
água de chuva, seja através da incorporação
de sistemas de coleta e tratamento da
drenagem. Em climas áridos, particularmente
em áreas onde a precipitação média anual é
menor que 250 mm e a velocidade de
evaporação é elevada, a reação de oxidação
pode ocorrer, mas formação de percolado
ácido é bastante limitada, não implicando em
maiores problemas.
2.2 Balanço hídrico em uma pilha de estéril
O esquema típico do balanço hídrico em uma
pilha de estéril é apresentado na Figura 2. A
água de chuva que não evapora nem escoa
superficialmente, mas infiltra e percola
através da pilha de estéril constitui-se no
principal veículo de formação e transporte da
acidez gerada. Em climas úmidos, a
percolação da água de chuva é um aspecto
importante e deve ser devidamente
considerada nos projetos de controle e
tratamento da DAM, seja através da adoção
Figura 2 – Balanço hídrico em uma pilha de estéril
3
ALTERNATIVAS PARA CONTROLE
DA DRENAGEM ÁCIDA DE MINAS
A idéia de que a manutenção de camada de
água acima das pilhas de estéril ou dos
resíduos é capaz de minimizar a geração da
DAM pelo bloqueio da passagem de oxigênio
conduziu ao agrupamento das alternativas de
minimização em duas grandes categorias: as
coberturas úmidas (wet covers) e as
coberturas secas (dry covers). As coberturas
úmidas consistem no alagamento da área do
depósito e, devido aos custos e dificuldade de
execução, são viáveis somente em locais onde
o nível do lençol freático possa ser
restabelecido ou elevado de forma a
submergir os rejeitos geradores de acidez. A
utilização de lagos naturais não é
recomendável pois essa alternativa, em geral,
torna a água ácida, comprometendo
seriamente o ecossistema lacustre e a área de
entorno. O aproveitamento de cavas antigas e
bacias de rejeito pode ser interessante pelo
fato de já haverem estruturas construídas para
retenção de sólidos e água. No entanto, essas
estruturas devem ser reavaliadas sob o ponto
de vista da retenção de água e de
contaminantes, a curto e longo prazos. Para
esse tipo de disposição é necessário um
estudo do impacto geoquímico desses
resíduos sobre a água, bem como o estudo da
atividade biológica e a mobilização potencial
dos contaminantes neste sistema. Nas minas
subterrâneas, onde as cavas de mina se
constituem
em
grandes
trajetórias
preferenciais de fluxo de oxigênio e água, a
indicação é de alagamento como melhor
alternativa de controle.
As coberturas secas consistem em
sistemas de camadas de solo e/ou materiais
alternativos
que
visam
limitar,
simultaneamente, a entrada de oxigênio e
água para dentro do depósito reativo. Tendo
em
vista
que,
conforme
exposto
anteriormente, o coeficiente de difusão do
oxigênio na água é da ordem de 4 ordens de
grandeza menor que o coeficiente de difusão
do oxigênio no ar, maior será a eficiência da
cobertura quanto maior o grau de saturação
que puder ser mantido ao longo do tempo
(Yanful, 1993; Yanful et al., 1993) e outros.
Devido à necessidade de um bom
desempenho desse sistema em prolongados
períodos de tempo, inclusive nos períodos
mais secos do ano, com maior tendência à
evaporação, as coberturas secas não podem
ser projetadas como um simples sistema de
isolamento entre o resíduo e o meio ambiente
que o circunda, mas como um sistema
dinâmico capaz de interagir com o meio
ambiente de entorno, principalmente no
sentido de contrabalançar as forçantes
atmosféricas sazonais, anuais e de longo
prazo, tais como precipitação e evaporação.
Nesse sentido, as barreiras capilares têm se
mostrado como alternativas promissoras para
sistemas de cobertura. Esses sistemas serão
discutidos em maior detalhe no item 4.
É importante ressaltar que, mesmo que um
sistema de cobertura (seca ou úmida) venha a
atuar satisfatoriamente no controle de
minimização da DAM, ela não prescinde da
necessidade de uma estação de tratamento da
drenagem ácida. Isso ocorre porque existe um
intervalo de tempo, às vezes da ordem de
anos, no qual a acidez acumulada dentro
depósito antes do seu fechamento é liberada
através da drenagem. Os sistemas de
tratamento têm por objetivo, em linhas gerais,
controlar o pH e o teor de metais pesados do
efluente gerado.
4
COBERTURAS SECAS
4.1 Barreiras capilares
As coberturas secas, ou coberturas de solo são
uma alternativa para os casos onde os
aspectos topográficos, hidrogeológicos ou
econômicos tornam inviável a inundação. O
seu custo pode apresentar-se vantajoso nos
locais aonde ocorrem, a curta distância, solos
e/ou materiais alternativos com as
características necessárias. Embora as
coberturas secas sejam constituídas, na
maioria das vezes, por camadas de solos de
diferentes propriedades, o termo “cobertura
de solo” não é o mais apropriado, uma vez
que para sua execução podem ser utilizados
outros tipos de materiais, tais como os
geossintéticos ou resíduos resultantes de
outras atividades, desde que apresentem as
propriedades necessárias à minimização da
formação da drenagem ácida de minas.
As barreiras capilares são um tipo de
cobertura
capaz
de
minimizar,
simultaneamente, a entrada de oxigênio e
água para dentro do material reativo. Devido
à sua configuração relativamente simples,
elas têm-se apresentado como alternativa
promissora no fechamento de depósitos de
rejeito e pilhas de estéril, sendo seu
comportamento em campo e laboratório
extensivamente estudados ao longo das
últimas décadas (Nicholson et al., 1989;
Yanful, 1993; Swanson et al, 1995; O’Kane,
1996, 2002; entre outros). Atualmente essa
alternativa tem sido adotada na cobertura de
aterros de resíduos sólidos urbanos, em
especial em climas áridos e semi-áridos
(Nyhan et al., 1990; Ward e Gee, 1997 e
Khire et al., 1999). O projeto de uma barreira
capilar baseia-se nas propriedades hidráulicas
de solos não saturados e é fortemente
condicionado pelas condições climáticas.
Na sua forma mais simples, uma barreira
capilar é construída por meio da colocação de
uma camada de material fino sobrejacente a
uma camada de material granular. Se ambos
os materiais estiverem na condição não
saturada, a água de chuva que infiltra através
da cobertura tende a permanecer na camada
de material fino. Isso ocorre porque o efeito
de capilaridade é inversamente proporcional
ao tamanho dos poros: quanto mais fino o
material, maior a tensão superficial e maior o
efeito de sucção de água.
No entanto, se a infiltração for muito
elevada, a camada fina tende a se saturar com
o tempo, perdendo o potencial de sucção e
permitindo o fluxo de água para a camada
arenosa, e dessa para o interior do resíduo.
Stortmont et al. (1996) afirmam que as
barreiras capilares são eficientes quando os
efeitos
combinados
de
evaporação,
transpiração e desvio lateral de fluxo
excedem a infiltração proveniente da
precipitação. Deste modo, a camada fina é
mantida suficientemente seca para que a
migração de água para a camada granular seja
impedida.
Uma alternativa à barreira capilar simples
constitui-se na barreira capilar dupla, a qual é
constituída por camadas de areia localizadas
acima e abaixo da camada argilosa (Figura
3). A camada de areia superior exerce duas
funções importantes: na época seca ela
impede que a água armazenada na camada
argilosa migre, por capilaridade, para as
camadas de topo, minimizando assim os
efeitos de perda de umidade por secagem e
evaporação. Na época de chuva, essa camada
funciona como um dreno, conduzindo
lateralmente a água que infiltra na cobertura
e prevenindo, dessa forma, a saturação da
camada argilosa. Esse efeito pode ser
maximizado através da inclinação da
superfície, que favorece o escoamento
lateral. Segundo O´Kane (2002), uma
camada de material fino colocada entre duas
camadas de material granular pode resultar
em uma barreira capilar tanto para a
migração ascendente como para a migração
descendente de umidade a partir da camada
“sandwich”. O resultado é a existência de
uma camada, dentro do sistema de cobertura,
que mantém-se próxima à saturação,
controlando a difusão de oxigênio para
dentro do resíduo. Sobre a barreira capilar
adicionam-se ainda outras camadas de que
têm por finalidade proteger a barreira capilar
e permitir o suporte da vegetação. É
importante ter em mente que uma cobertura
seca deve ter seu desempenho garantido ao
longo de muitas décadas. Nas situações em
que ela passa a exibir fissuras e trincas em
decorrência das intempéries (erosão,
degradação das propriedades do solo, perda
de vegetação) e de fatores biológicos (raízes
muito profundas, buracos de animais, etc.) a
eficiência do sistema ao longo do tempo pode
vir a ser seriamente prejudicada. Esses
aspectos devem ser levados em conta quando
da execução do projeto de cobertura e da
seleção dos materiais que comporão as
camadas de proteção.
Os fatores que controlam a viabilidade
técnica e econômica de um sistema de
cobertura para um dado local incluem,
minimamente i) as condições climáticas do
local, ii) a disponibilidade dos materiais de
cobertura e a distância das áreas de
empréstimo, iii) as propriedades e condições
dos materiais de cobertura e dos resíduos, iv)
topografia do terreno, v) evolução do solo e
do resíduo e vi) vegetação.
Suporte da vegetação
Material granular
Material argiloso
Material granular
Resíduo sólido
Figura 3 – Sistema de cobertura composto por uma barreira
capilar dupla
Apesar de a barreira capilar apresentar-se,
teoricamente, como um tipo de cobertura
mais adequado para a minimização
simultânea da entrada de oxigênio e água para
dentro do resíduo, em algumas situações de
fluxo de água subterrânea (ver item 5) podem
não justificar a adoção de um sistema mais
complexo e mais oneroso. Nesses casos,
alternativas a esses sistemas podem e devem
ser adotadas. A utilização de resíduos
orgânicos capazes de consumir oxigênio, tais
como serragem, madeira e resíduos da
indústria de papel celulose pode ser
interessante nessa situação, pois tem a
vantagem adicional de fornecer um substrato
mais propício ao desenvolvimento da
vegetação.
Sempre que possível, deve-se procurar
aproveitar materiais alternativos na própria
mina (p.e. rejeitos e resíduos já oxidados) ou
em locais próximos (p.e. cinzas provenientes
da queima de carvão, Borma et al., 2003b;
Ubaldo, 2005).
5
FORMAS DE DISPOSIÇÃO DOS
RESÍDUOS DE MINAS
Dois tipos básicos de resíduos são gerados
nas atividades mineiras: os estéreis e os
rejeitos. Os estéreis consistem em materiais
de cobertura, camadas intermediárias ou
circundantes ao mineral de interesse,
extraídos fisicamente através do uso de
explosivos ou escavadeiras. Em geral são
materiais de granulometria bastante variada,
tendendo a uma grande quantidade de
material grosseiro, sendo normalmente
dispostos sob a forma de pilhas de estéril
(Foto 1). Os rejeitos são resultantes do
processo de beneficiamento do minério e
passam por transformações físicas e químicas
(moagem, lavagem, peneiramento, separação
gravimétrica, flotação e lixiviação, etc.) antes
de serem depositados. Devido ao processo de
separação, os rejeitos são mais homogêneos
em termos granulométricos. Os rejeitos de
granulometria mais grosseira são depositados
sob a forma de pilhas de estéril enquanto os
rejeitos de granulometria mais fina são
geralmente dispostos em barragens de rejeitos
(Foto 2).
Sob o ponto de vista de geração da
drenagem ácida de minas, as pilhas de
estéreis, devido à grande mistura com solos
inertes, podem conter menor concentração de
sulfetos. No entanto, as condições físicas de
disposição desses materiais – baixo teor de
umidade e elevada porosidade – facilitam a
entrada de oxigênio e água, “otimizando” o
processo de geração de acidez (Figura 4). Os
rejeitos em geral apresentam maiores
concentrações de sulfetos, porém quando
dispostos em barragens de rejeitos, possuem
nível d’água elevado (Figura 5) e baixa
permeabilidade ao oxigênio, gerando acidez
em taxas bem mais lentas que as pilhas de
estéril. Em geral, o período crítico de geração
de drenagem ácida numa bacia de rejeitos
freqüentemente ocorre após o fechamento,
quando os rejeitos são drenados, permitindo a
entrada de oxigênio. Existe ainda a situação
onde os rejeitos mais grosseiros, porém com
elevado teor de sulfetos são depositados sob a
forma de pilhas, como é o caso que ocorre nas
minerações de carvão de Santa Catarina,
produzindo elevadas concentrações de acidez
em tempo relativamente curto.
Cabe colocar que os esquemas de
cobertura anteriormente apresentados não
consideram outras fontes de entrada de água
para o depósito de resíduos, tais como os
fluxos preferenciais e a elevação do nível
d’água.
Resíduos
grosseiros
são
frequentemente dispostos em vales ou em
taludes
naturais,
os
quais
são,
invariavelmente, os caminhos preferenciais de
escoamento superficial da água de chuva. Os
rejeitos dispostos sobre essas trajetórias
estarão submetidos a um fluxo sazonal de
água, independente da performance da
cobertura. Dessa forma, o desempenho de um
sistema de cobertura deve ser avaliado através
da utilização de uma filosofia de projeto que
integra o resíduo no meio em que ele foi
disposto. Esse enfoque contrasta com o
enfoque de que o resíduo deve ser
completamente isolado do meio de forma a
prevenir por completo a produção e liberação
dos produtos de oxidação dos sulfetos.
Figura 4 – Drenagem ácida em pilha de estéril
Foto 2 – Bacia de rejeito de carvão (SC)
Figura 5 – Drenagem ácida em bacia de rejeito (SC)
5.1 As práticas de coberturas: dos depósitos
de mineração aos aterros de resíduos sólidos
urbanos
Foto 1 – Pilhas de estéril de minas de carvão (RS)
No âmbito das questões ambientais, o tema
disposição de aterros de resíduos sólidos
(industriais e urbanos), assim como os rejeitos
e estéreis da mineração têm sido comumente
tratados sob o ponto de vista de contaminação
da água subterrânea. No entanto, um aspecto
que tem se tornado muito comum nos últimos
tempos é a contribuição desses aterros para o
chamado efeito estufa.
A mineração de carvão de Santa Catarina
elevou à região à posição de área crítica em
termos de poluição ambiental devido ao baixo
pH das águas superficiais da região
decorrentes da formação da DAM. Nessa
região o maior problema de formação de
acidez provém dos rejeitos (produtos da
lavagem
do
carvão)
de
variadas
granulometrias, dispostos em barragens de
rejeito e em pilhas. Esses rejeitos tiveram sido
historicamente dispostos sem controle sobre o
solo, principalmente porque, apesar do sabido
potencial de geração de acidez, não se tinha
dimensões do passivo ambiental por eles
produzido. Além do problema de geração de
acidez e contaminação dos recursos hídricos,
os rejeitos da mineração de carvão
apresentam um problema ambiental adicional
no que se refere à liberação de gases de efeito
estufa. A baixa compactação do material das
pilhas favorece a entrada de gases que,
reagindo com o carbono do carvão, formam
CO2 que é liberado para a atmosfera. Como
essa reação é exotérmica, ou seja, libera calor,
muitas vezes ocorre a combustão espontânea
nesses depósitos (Foto 3). Uma compactação
mais eficiente desses depósitos já minimizaria
a entrada de gás e a reação com a matéria
orgânica carbonácea, porém um controle mais
eficiente da geração e emanação desse gás
deveria passar pela adoção de um sistema de
cobertura adequado ao controle da entrada de
oxigênio gasoso.
Foto 3 – Emissão de CO2 a partir de depósito de
rejeito de carvão (SC)
Apesar do conhecimento científicotecnológico apresentar evoluções acerca do
projeto de coberturas, a pratica local corrente
consiste na aplicação de camadas de
cobertura de argila da ordem de 30cm, a qual
tem por objetivo apenas não deixar aparente a
superfície dos depósitos. Eventualmente, essa
camada argilosa, devido ao fato de não estar
compactada, exibe uma certa capacidade de
retenção de umidade na época chuvosa,
podendo exercer algum controle sobre a
percolação de água de chuva. No entanto,
para as condições de clima úmido da região,
ela tende a ser ineficiente em termos de
retenção do fluxo de oxigênio. As coberturas
feitas nesses moldes, além de não atender aos
requisitos básicos mínimos para controle da
drenagem ácida de mina, ainda ficam sujeitas
aos
processos
erosivos
e
aos
escorregamentos.
Em decorrência de uma ação civil pública
que resultou na possibilidade de multas por
danos ambientais da ordem de cem milhões
de reais, algumas das empresas mineiras da
Região Carbonífera de Santa Catarina têm se
associado aos institutos de pesquisa e
universidades no sentido de procurar
alternativas para o problema que, devido ao
fato de abranger vários municípios da região,
é considerado de escala regional. Dentre as
alternativas estudadas para mitigação e
controle da drenagem ácida de minas
encontra-se a construção de uma unidade
piloto de cobertura seca em parceria da
Mineração Criciúma com o CETEM/MCT
(Centro de Tecnologia Mineral). Os passos
para implantação dessa unidade piloto estão
apresentados em Souza et al. (2003).
Sistemas de cobertura final também são
utilizados na maioria dos aterros de resíduos
sólidos urbanos (RSU) por ocasião do
encerramento das atividades. Para controle
não somente da formação de chorume, mas
também da contaminação do ar, sistemas de
cobertura devem ser projetados quando do
fechamento do aterro. A geração de chorume
e de gases em aterros de resíduos sólidos
urbanos
provém
principalmente
da
decomposição da matéria orgânica. Além dos
problemas já amplamente divulgados no meio
geotécnico acerca dos efeitos da geração e
percolação do chorume sobre a contaminação
do solo e qualidade da água superficial e
subterrânea, a emissão de biogás tem efeitos
diretos sobre a qualidade do ar. Em termos
locais, os problemas ambientais advindos da
emissão de gases vão desde o mau cheiro até
possíveis
doenças
respiratórias
e
cancerígenas, passando pelos riscos de
explosões e combustão involuntária dos
resíduos. Em níveis globais, a emissão de
biogás pode acelerar o efeito estufa e o
aquecimento global, uma das ameaças mais
contundentes à vida humana no nosso planeta
nos próximos anos. O gás metano (CH4),
devido ao seu elevado poder de retenção de
calor (cerca de 21 vezes maior que o do CO2),
é o segundo maior contribuinte para o
aquecimento global, atrás apenas do CO2.
Os tipos de cobertura mais utilizados nos
aterros de resíduos sólidos urbanos no Brasil
consistem, em geral, de uma camada
homogênea de argila compactada com cerca
de 50cm a 1m de espessura. Apesar da
importância das coberturas para minimização
de gases e da possibilidade de incentivos
financeiros através do Protocolo de Quioto,
poucas alternativas a esse sistema tradicional
têm sido estudadas e documentadas até o
momento. A adoção de barreiras capilares
como alternativa de cobrimento dos aterros
sanitários ainda não é uma prática corrente no
Brasil, mas alguns trabalhos reportam a sua
utilização em regiões e clima árido e semiárido.
Considerando que as barreiras capilares se
apóiam no baixo coeficiente de difusão do
oxigênio na água como controle do fluxo de
gás pela cobertura, o mesmo princípio poderia
ser aplicado para o controle da saída de gases
do aterro.
No entanto, além das
condicionantes climáticas, as características
biogeoquímicas do aterro bem como a
finalidade da cobertura devem ser bem
compreendidas antes de se projetar uma
cobertura final. Nas bibliografias citadas
sobre o assunto, a umidade do resíduo figura
como um dos principais fatores responsáveis
pela formação de gases de aterro e, conforme
exposto anteriormente, um dos objetivos da
cobertura é minimizar a entrada de água para
o interior do depósito. Dessa forma, se a
cobertura tiver por objetivo apenas minimizar
a geração e emissão de metano para a
atmosfera, contribuindo para o controle do
efeito estufa, as barreiras capilares podem
figurar como uma alternativa promissora. Por
outro lado, se o objetivo for o aproveitamento
do metano após encerradas as atividades do
depósito, a minimização da produção desse
gás pode não ser um aspecto interessante. Se
a cobertura projetada tiver potencial de
limitar a entrada de água, a tendência é de que
o aterro produza menos gases ao longo do
tempo. Isso pode ser adequado para aterros
que visam o controle da emissão de gases,
mas não nas situações nas quais se visa o
aproveitamento desse gás. Nesse sentido, é
importante conhecer as características do
resíduo, em especial da matéria orgânica, e
seu potencial de degradação em função do
teor de umidade. Também é importante
identificar outros fatores que influenciam na
produção do gás (pH, bactérias, nutrientes,
etc.) e outras fontes de umidade para o aterro,
tais como a elevação do nível d´água e/ou
caminhos preferenciais de fluxo. É importante
ter em mente que quando se trata de controlar
o fluxo de gases, cuidados extremos devem
ser tomados para a adequada drenagem desse
gás, evitando assim a criação de bolsões de
elevada pressão dentro do aterro, que
representam
riscos
de
explosão
e
instabilização da massa de resíduos.
6
CONCLUSÕES
Mesmo com o avanço do conhecimento
científico e tecnológico sobre o tema de
coberturas de depósitos de resíduos as
práticas correntes no Brasil, quer seja na
mineração quer seja nos centros urbanos,
ainda não se atentaram para a necessidade e
viabilidade da utilização dessa tecnologia
como alternativa para proteção e controle
ambiental. Nesse cenário, a geotecnia
ambiental pode encontrar um vasto campo de
aplicação onde as propriedades geotécnicas
do solo atuam como mediadoras dos fluxos de
várias substâncias no interior do solo, e não
somente da água. No entanto a adoção de um
sistema de cobertura, assim como em outros
campos de atuação da geotecnia ambiental,
envolve, além dos conhecimentos clássicos da
mecânica dos solos saturados e não saturados,
um conhecimento claro e objetivo dos
processos
químicos,
físico-químicos,
geoquímicos e biogeoquímicos que se
processam no interior do depósito a ser
coberto. Igualmente importante é o
conhecimento da interação da cobertura com
a atmosfera (balanço hídrico) e com o aterro
(infiltração). Dessa forma, a prática da
interdisciplinaridade é essencial para o bom
desempenho das obras de geotecnia
ambiental.
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