Uso de prototipagem no planejamento de reconstrução

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Uso de prototipagem no planejamento de reconstrução microcirúrgica da mandíbula
RELATO DE CASO
Uso de prototipagem no planejamento de reconstrução
microcirúrgica da mandíbula
Use of prototyping in planning microsurgical reconstruction of the
mandible
José Carlos Martins Jr.1, Frederico Santos Keim2
RESUMO
ABSTRACT
Introdução: O uso de prototipagem em cirurgia
reconstrutora maxilofacial tem se tornado cada vez mais
frequente. A precisão da reconstrução, diminuição do tempo
de cirurgia, refletindo em menor tempo de internação e recuperação mais rápida do paciente são as principais vantagens
de sua utilização. Relato do caso: Descrevemos um caso
de reconstrução mandibular microcirúrgica, em que utilizamos a técnica de prototipagem rápida para planejamento
na seleção da placa de reconstrução e tamanho do enxerto.
Introduction: The use of prototyping in maxillofacial reconstructive surgery has become increasingly
frequent. The accuracy of reconstruction, decreased
surgical time, reflecting the decrease in length of stay
and patient recovery are the main advantages of its
use. Case report: We describe a case of mandible
reconstruction, where microsurgical technique was used
for rapid prototyping for selection of reconstruction and
size of graft.
Descritores: Mandíbula/cirurgia. Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos. Anormalidades maxilofaciais.
Keywords: Mandible/surgery. Reconstructive surgical
procedures. Maxillofacial abnormalities.
1. Médico e Cirurgião Dentista. Especialista em DTM e Dor Orofacial pela
UNIFESP. Fellow em Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial pela University Hospital
of Basel, Suíça. Cirurgião Maxilofacial dos Hospitais Santa Catarina e Santo
Antônio de Blumenau, Blumenau, SC, Brasil.
2. Médico, Blumenau, SC, Brasil.
Correspondência: José Carlos Martins Jr.
Rua São Paulo, 940, apto 1004 – B. Victor Konder – Blumenau, SC, Brasil
– CEP 89012-000
E-mail: [email protected]
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do tipo “Locking”. Optamos em realizar o planejamento
em laboratório com o uso da técnica de prototipagem para
seleção e modelagem pré-operatória da placa, definição do
tamanho e modelagem do enxerto microvascular (Figuras
3 a 6).
Optou-se por incluir no modelo a base do crânio, com
cavidades articulares e côndilos mandibulares individualizados
em gesso branco opaco.
INTRODUÇÃO
A cirurgia reconstrutora maxilofacial refere-se à ampla
gama de procedimentos destinados a reconstruir ou reforçar
estruturas de tecido mole ou duro da região maxilo-facial.
Defeitos orofaciais podem levar a graves consequências
funcionais e psicológicas no paciente. No entanto, nos dias
atuais, o cirurgião tem uma riqueza de técnicas para reparar
esses defeitos.
As reconstruções da mandíbula e cavidade oral representam um desafio para o cirurgião. O manejo envolve a
reconstrução cirúrgica ou reabilitação protética ou a combinação de ambos.
Microcirurgia, osteointegração e tecnologia óssea se
tornaram peças fundamentais no sucesso da reconstrução
orofacial e alguns avanços nos últimos anos resultaram em
outras modalidades de tratamento.
Prototipagem rápida é uma técnica utilizada para
produzir modelos estereolitográficos baseados em imagens
digitais, como tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM) com fidelidade e com um erro
máximo de 0,1 mm. Assim, os cirurgiões podem visualizar
a anatomia interna e externa da área a ser operada anteriormente à cirurgia1.
Essa tecnologia tem sido amplamente utilizada como ajuda
na medicina em cirurgia ortognática e cirurgia crânio-maxilofacial, traumatologia, implantologia dentária, cardiologia,
otorrinolaringologia e arqueologia1.
A maior vantagem da prototipagem rápida é o completo
entendimento da anatomia óssea antes da cirurgia e suas desvantagens, no passado, eram o tempo necessário para a confecção
e o alto custo do material.
Figura 1 – Exposição cutânea do material de síntese.
Figura 2 – Tomografia computadorizada evidenciando
tamanho inadequado da placa.
RELATO DO CASO
Paciente de 67 anos com história de cirurgia de hemimandibulectomia direita para tratamento de carcinoma espinocelular
há cerca de 15 anos, sem reconstrução. Há 18 meses, havia
sido submetido a cirurgia para ressecção de nova lesão em
mandíbula esquerda, onde foi realizada mandibulectomia de
corpo e arco central.
A opção do cirurgião na época foi a instalação imediata de
uma placa de 2,4 mm fixada ao remanescente de ramo mandibular bilateral, sem a reconstrução por enxertia. Não houve
relato de tratamento radioterápico no pré ou pós-operatório.
No pós-operatório imediato, o paciente iniciou com queixas
álgicas de forte intensidade em região pré-auricular esquerda
e impossibilidade de alimentação.
Ao exame clínico, constatou-se impossibilidade de excursão
mandibular, sialorreia intensa, posição mandibular estática
em abertura máxima, além de exposição cutânea da placa de
reconstrução em lado direito (Figura 1).
A tomografia computadorizada evidenciava placa de
reconstrução com tamanho e modelagem inadequados fixada
ao remanescente de ramo esquerdo, que se apresentava luxado
anteriormente, e ramo direito, o que impossibilitava a movimentação da mandíbula (Figura 2).
Nosso planejamento cirúrgico foi de reconstrução mandibular com fíbula microvascularizada e fixação por uma placa
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Figura 3 – Construção do padrão de cera.
Figura 6 – Aspecto imediato com redimensionamento
da mandíbula e oclusão labial.
Figura 4 – Enxerto adaptado à prototipagem no transoperatório.
DISCUSSÃO
A integridade da mandíbula é essencial para o desempenho
das funções fisiológicas da deglutição, mastigação e fonação,
além de manter o contorno facial e a estética.
A necessidade da microcirurgia e o papel atual dos
enxertos ósseos na reconstrução mandibular é muito discutida
na literatura, sendo a região sinfisária a área que apresenta
maior problema para a utilização de enxertos ósseos convencionais2,3.
Retalhos microcirúrgicos na reconstrução mandibular têm
permitido a restauração de grandes defeitos ósseos com taxas
de sucesso em torno de 95%4, sendo considerado o padrão
ouro para a reconstrução maxilofacial1,5.
As primeiras aplicações do uso da prototipagem em
cirurgia maxilofacial foram documentadas por Brix et al.6,
em 1985, e Mankovich et al.7, em 1990.
Em 1994, Anderl et al.8 relataram o uso de um modelo
estereolitográfico em uma cirurgia de correção de grande
fenda palatina em uma criança na Universidade de Innsbruck.
Bill et al.9, em 1995, reportaram o uso de prototipagem
para facilitar a reconstrução de defeito craniano complexo
em paciente com sequela de infecção após exérese de meningioma.
O processo de reconstrução com o uso de prototipagem
não apenas facilita a restauração do contorno facial, mas
também oferece a possibilidade de planejamento da inserção
primária ou secundária de implantes osteointegrados, que é
necessário para a reabilitação oral total.
A prototipagem rápida permite a compreensão dos
detalhes anatômicos com alta qualidade, simulação de
procedimentos cirúrgicos, como a produção e adaptação de
biomateriais (placas, parafusos, próteses). Também reduz o
tempo cirúrgico a morbidade e permite melhor orientação e
discussão com pacientes e residentes10.
Figura 5 – Enxerto e placa em posição.
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O contorno do enxerto ósseo deve ser preparado na
área doadora11, ou nos casos de reconstruções primárias ou
imediatas, as osteotomias podem ser orientadas pela própria
placa de reconstrução, moldada sobre a mandíbula antes da
ressecção ou sobre modelos prototipados no pré-operatório11-13.
Complicações diversas podem ser minimizadas quando se
usa a técnica da prototipagem.
Del Negro et al.14, utilizando retalhos miocutâneos e placas
de reconstrução, relataram, em 15 pacientes, cinco casos de
complicações pós-operatórias, como fístulas ou extrusão da
placa por infecção e taxas de sucesso de 66%.
Nas reconstruções secundárias, em que a placa de reconstrução foi fixada em cirurgia anterior, como no caso relatado,
a modelagem do enxerto ósseo na área doadora fica impossibilitada, a menos que guias cirúrgicos orientem a realização
das osteotomias e osteoplastias.
Ainda assim, a fixação dos segmentos intermediários não
é possível antes da transferência do enxerto à área receptora,
aumentando o tempo de isquemia do retalho até a realização
das microanastomoses11.
Além de definir o contorno mandibular, a técnica de prototipagem permite a fixação da placa aos segmentos intermediários
previamente à secção do pedículo vascular.
A moldagem direta sobre a área a ser ressecada deve ser
evitada em reconstruções por tumores malignos devido à
possibilidade de metástase cirúrgica, a não ser que a placa
de reconstrução seja esterilizada antes do transporte à área
doadora.
A espera de um segundo tempo cirúrgico para colocação
de enxertos leva quase sempre à extrusão da placa de reconstrução, como no caso relatado, e infecção local, o que piora o
prognóstico3.
Por essa necessidade quase obrigatória de reconstrução
primária, alguns autores indicam o uso de enxertos ósseos
vascularizados, mesmo em defeitos pouco extensos15,16.
Como vantagem do uso dessa técnica, destacamos a
possibilidade de reparar os defeitos complexos em um único
procedimento, diminuindo o tempo de internação, o gasto
hospitalar e a morbidade de outros tempos cirúrgicos, bem
como a possibilidade de fechamento primário da área doadora.
disso, reduz o tempo de cirurgia, morbidade e complicações
transoperatórias, além de servir como facilitador de estudo,
discussão e orientação do caso a ser operado com o paciente.
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CONCLUSÃO
O uso da técnica da prototipagem em cirurgia maxilofacial
permite um rápido entendimento de detalhes anatômicos com
riqueza de informações, simulação e antecipação de problemas
de adaptação e contorno de material de reconstrução. Além
Trabalho realizado no Hospital Santa Catarina, Blumenau, SC, Brasil.
Artigo recebido: 2/5/2011
Artigo aceito: 9/9/2011
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