Energia de Fermi

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Energia de Fermi
João Rodrigues no 65691 and Manuel Murteira no 65703
Física Quântica da Matéria
Instituto Superior Técnico
(Dated: 5 Maio de 2011)
Resumo
Considera-se o sistema de fermiões constituído pelos electrões de condução de um metal (no nosso
caso particular, a prata), e deriva-se a expressão para a energia de Fermi de duas formas distintas,
a primeira, modelando o metal por um poço de potencial infinito a três dimensões e usando o
formalismo da Mecânica Quântica, e a segunda, baseada na estatística quântica de Fermi-Dirac (a
que obedecem os electrões), que passa pelo conceito de espaço de fase. Obteve-se para a energia de
Fermi da prata o valor de 5, 502eV , tendo sido ainda determinada uma temperatura de Fermi de
aproximadamente 63842K. Estabeleceu-se a comparação entre a velocidade de Fermi e a velocidade
mais provável para os electrões de um sistema clássico à temperatura T .
INTRODUÇÃO
Queremos tentar interpretar as propriedades dos metais em
termos do movimento dos seus electrões livres, obter a ponte
entre o macroscópico e o microscópico. A energia de Fermi,
cuja expressão vai ser deduzida mais à frente e aplicada no
caso específico da prata, estabelece exactamente esta ligação.
Esta quantidade é usada na descrição dos metais, isolantes e
semicondutores, permitindo a sua distinção, e é importante
na construção das junções pn. Tem igualmente relevância na
física dos supercondutores e permite explicar a estabilidade
das anãs brancas face a um possível colapso gravitacional,
sendo que a pressão de degenerescência dos electrões se opõe à
sua própria gravidade (esta pressão é consequência do princípio de exclusão de Pauli, que dita que os electrões ocupem
diferentes níveis de energia quando são pressionados uns contra os outros, resultando, por isso, num limite para a pressão
que se pode fazer sobre estes sem que a matéria colapse).
Os electrões de condução num metal não estão ligados a
nenhum átomo em particular, mas antes são sujeitos ao potencial combinado de toda a rede cristalina (devido à elevada
densidade no seu interior), formando como que uma ’sopa de
electrões’, e sendo nomeados de electrões livres. Temos, assim, no metal, o que se designa por um gás de Fermi, isto é,
um conjunto de muitos fermiões idênticos (partículas de spin
semi-inteiro, que obedecem à estatística de Fermi-Dirac, de
que fazem parte os electrões, em particular os de condução).
Supõe-se que estes electrões não interagem uns com os outros nem com os iões da rede, ou seja, que temos um gás de
Fermi ideal, cujo Hamiltoneano é dado exclusivamente pelo
somatório das suas energias cinéticas, o que é, em primeira
aproximação, bastante razoável, uma vez que, como confirmado experimentalmente, os electrões livres têm livres percursos médios da ordem de 108 distâncias interatómicas. Além
disso, como se sabe, os electrões de condução num metal formam um sistema quântico a baixas temperaturas (por exemplo, da ordem da temperatura ambiente – 300K), pelo que se
modela o metal por um poço de potencial infinito a três dimensões, em que as barreiras são impenetráveis e o potencial
no interior da caixa é nulo.
DESENVOLVIMENTO DO PROBLEMA
Talvez um dos casos mais simples de analisar em Mecânica
Quântica é o caso do poço de potencial infinito, a uma dimensão, para uma partícula, onde temos:
V (x) =
0, se 0 ≤ x ≤ L
∞, caso contrário
Neste caso a equação de Schrödinger independente do
tempo escreve-se simplesmente
2
2
~ d ψ
= Eψ
− 2m
dx2
As condições fronteira ψ(0) = ψ(L) = 0 e a condição de normalização da função de onda permitem-nos obter a solução
para o problema na forma:
ψn (x) =
q
En =
2
nπx
L sin( L )
~2 π 2 2
2mL2 n
A nós interessa-nos o caso mais geral, a 3 dimensões, onde
agora consideramos um cubo de lado L, dentro do qual o potencial é nulo e fora deste é infinito, pelo que a partícula não
pode sair do cubo. Como o movimento em x, y, z não está
correlacionado temos que:
32
2
nx πx
ny πy
nz πz
ψ(x, y, z) =
sin(
)sin(
)sin(
)
L
L
L
L
(1)
, sendo a função de onda de um electrão dada apenas pelo
produto das correspondentes funções de onda para cada uma
das dimensões (x, y, z), sem termos de correlação. E para a
energia:
E=
~2 π 2 2
(n + n2y + n2z )
2mL2 x
(2)
, sendo apenas a soma das energias correspondentes aos estados em cada uma das três dimensões.
Façamos agora uma pausa e passemos para a questão do
princípio de exclusão de Pauli. O facto de as funções de onda
de um sistema de vários fermiões idênticos terem que ser antisimétricas na troca de posições de qualquer par de fermiões,
dadas pelo determinante de Slater, implica que não podemos
ter dois electrões (no nosso caso interessam-nos os electrões,
que são fermiões) simultaneamente no mesmo estado quântico, ou seja, com a mesma energia e o mesmo estado de spin.
Isto significa que, num domínio espacial com volumes da ordem do volume dos átomos ou moléculas, apenas podemos ter
2
dois electrões com a mesma energia, com spins opostos um do
outro.
Consideremos agora o nosso cubo de lado L onde temos N
electrões livres de um metal (não interagindo entre si) que não
podem deixar o cubo (poço de potencial infinito), com a sua
energia a ser dada pela expressão (2). À temperatura T = 0K
(no estado fundamental), os N electrões distribuem-se pelos
níveis de mais baixa energia permitidos, sempre de acordo com
o princípio de exclusão de Pauli. À mais alta destas energias
chamamos energia de Fermi e designamo-la simbolicamente
por EF . Como podemos ver pela equação (2), os níveis de
energia são degenerados, pelo que podemos ter mais do que
dois electrões com a mesma energia total. No entanto, para
cada combinação de inteiros (nx , ny , nz ) apenas podemos ter
dois electrões–princípio da exclusão de Pauli.
Agora fazemos a pergunta: quantos conjuntos de inteiros
(nx , ny , nz ) existem tais que a energia correspondente
E=
~2 π 2
2
2mL2 (nx
+ n2y + n2z )
é menor que a energia de Fermi, EF . Cada conjunto
(nx , ny , nz ) “vive” numa rede tridimensional. Se tivermos
muitos pontos nesta rede, podemos dizer em boa aproximação
que eles estão dentro de uma esfera de raio R:
(n2x + n2y + n2z ) ≡ R2 ≡
2mEF
~2 π 2
4
3
3 πR
=
1 4π
8 3
2mEF
~2 π 2
L2
32
=
π
6
Apresentamos agora uma dedução alternativa para a expressão da energia de Fermi. Neste momento o nosso objectivo
é conhecer a degenerescência dos electrões no nosso sistema,
mais precisamente, queremos encontrar uma expressão para o
número de electrões com momento, p, no intervalo [p, p + dp].
Continuamos a considerar o gás de Fermi ideal, cujo Hamiltoneano é a soma das energias cinéticas das partículas (no
nosso caso, electrões) livres. As funções próprias deste Hamiltoneano são as funções de onda do sistema de N electrões
construídas com base em ondas planas (funções de onda dos
vários electrões livres do sistema, que estão rotuladas pelo momento do electrão respectivo). Impondo condições fronteira
periódicas em relação ao nosso cubo de aresta L e aplicando
estas condições à onda plana, facilmente se chega ao resultado de que o momento de cada electrão livre do sistema está
quantificado:
→
p=
→
L 3
π~
3
(2mEF ) 2
Como por cada ponto (nx , ny , nz ) temos dois electrões a ocupar este estado quântico, o número total de electrões,N , com
energia menor ou igual a EF é dado por
onde n é um vector cujas componentes podem tomar os valores 0, ±1, ±2, ...
Estes valores formam um rede cúbica no espaço dos momentos, cuja constante de rede vale 2π~
L , como se mostra na figura
que se segue. Agora sim, estamos em condições de contar estados e electrões. Para já, façamos L → ∞ (aproximação do
limite do contínuo). Neste limite um elemento de volume d3 p
3 3
no espaço dos momentos contém L
d p pontos da rede e
h
→
um somatório em p pode ser substituído por um integral em
→
p:
P
→
p
N=
π
3
L
π~
3
→
2π~ n
,
L
L2
Note-se que nx , ny e nz são inteiros positivos, pelo que os
pontos (nx , ny , nz ) estão todos dentro do octante da esfera
onde nx ≥ 0, ny ≥ 0, nz ≥ 0. Nesta aproximação onde temos
muitos pontos, a resposta à nossa questão é então dada pelo
volume deste octante da esfera:
1
8
quânticos ocupados pelos electrões do gás de Fermi a um integral em volume, que nos dá necessariamente o volume de
uma esfera de raio R (pois a superfície esférica de raio R é o
lugar geométrico dos pontos da rede aos quais corresponde a
mesma energia), correspondendo a este R a energia de Fermi
na expressão da energia, que separa a banda ocupada da não
ocupada (aproximação do limite do contínuo).
→
L 3
h
R
d3 p
3
2
(2mEF ) ,
que, pela definição de energia de Fermi, é o número de electrões livres no metal.
Se definirmos a densidade de electrões livres como:
n≡
N
L3
podemos reescrever a energia de Fermi em função da densidade do “gás de electrões livres”:
EF =
~2 π 2
2m
3n
π
32
A energia de Fermi, dada pela expressão anterior, é então a
energia do electrão mais energético no estado fundamental de
um “gás de electrões livres” (gás de Fermi ) de densidade n.
A aproximação do número de estados quânticos na rede
ser muito grande vem de se considerar L (a aresta do cubo)
a tender para infinito (e por isso se pode dizer que se tem
Lx = Ly = Lz = L nos tamanhos das caixas a uma dimensão). Assim, passamos de um somatório do número de estados
Figura 1. Rede cúbica de estados dos electrões livres no espaço
dos vectores de onda e Superfície de Fermi, que separa a banda
ocupada da banda não ocupada
Desta forma, a densidade de electrões com momento no
elemento infinitesimal de momento dp, n(p)dp, vem dada por:
n(p)dp =
2
4πp2 dp,
h3
3
onde 4πp2 dp é a coroa esférica no espaço dos momentos em
que o módulo do momento, p, varia radialmente, e o factor 2
se deve aos dois estados de spin opostos que podem coexistir
no mesmo estado de energia (e de momento).
No estado fundamental todos os estados de energia tais que
E ≤ EF estão ocupados e os restantes desocupados, pelo que
o electrão mais energético (E = EF ) tem um momento pF ,
vindo assim para a densidade total de electrões livres no sistema, ne :
ne =
R pF
0
n(p)dp =
R pF
0
2
2
h3 4πp dp
=
n = (9, 26784×6, 02214179×1023 )×10500 ≈ 5, 860286×1028
átomos/m3
As constantes físicas relevantes para o problema são:
~ = 1, 05457168 × 10−34 Js
me = 9, 1093897 × 10−31 kg
Finalmente calculamos a energia de Fermi da prata:
EF =
8π 3
3h3 pF
Assim, vem:
pF =
h
2
3ne
π
31
E como a T = 0 K os electrões são não-relativistas (p =
mv), vem finalmente para a energia de Fermi:
EF =
p2F
2m
=
h2
8m
3ne
π
~2 π 2
2m
3n
π
23
23
28
3×5,860286×10
π
=
(1,05457168×10−34 )2 π 2
2×9,1093897×10−31
×
⇒ EF ≈ 8, 8144 × 10−19 J
Convertemos agora este resultado para as unidades apropriadas. Temos a seguinte equivalência entre Joule e electrãovolt: 1eV = 1, 602177 × 10−19 J. A conversão da energia de
Fermi anteriormente calculada dá então o resultado final do
problema:
EF (P rata) ≈ 5, 502eV
32
Esta dedução é igualmente interessante e mostra (talvez
ainda melhor que a anterior) a importância da condição de
o sistema estar no estado fundamental para o sucesso da
derivação da energia de Fermi, ao mesmo tempo que nos abre
horizontes, uma vez que expressões mais complicadas para a
degenerescência dos electrões referentes a gases de Fermi que
existam noutro “tipo de estados” podem, através da estatística de Fermi-Dirac, conduzir-nos a outras expressões para a
energia de Fermi, válidas em certas condições, nomeadamente
para temperaturas elevadas (comportamento clássico), que é
o caso oposto ao tratado neste problema.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Queremos então calcular a energia de Fermi, EF , da prata,
sabendo que há um electrão livre por átomo.
Consideremos que os electrões livres (1 por átomo) se
movem livremente ao longo da estrutura do metal e que estes
não interagem entre si nem com a rede. Estamos então nas
condições do modelo exposto e tratado na secção anterior. O
problema é então fácil de resolver, pelo que apenas temos que
determinar a densidade de electrões livres.
Dados do problema:
peso atómico da prata = 107, 9u
densidade da prata ρ = 10, 5g/cm3
Agora que já calculámos a energia de Fermi podemos também determinar a temperatura de Fermi, definida como
TF =
O valor desta temperatura permite determinar até que
ponto podemos tratar o sistema como um sistema quântico.
Substituindo os valores obtemos então para a temperatura de
Fermi:
TF =
onde NA = 6, 02214179 × 1023 mol−1 é o número de Avogadro.
0
A densidade que nós queremos é então dada por n = n ρ:
EF
kB
=
8,8144×10−19
1,38065×10−23
≈ 63842 K
Esta temperatura é equivalente à energia dos electrões no
estado de energia mais alta, a T = 0 K. Sendo a temperatura
de Fermi muito mais alta que a temperatura ambiente podemos então tratar o sistema em causa como quântico, o que
vem confirmar aquilo que já sabíamos – que os electrões de
condução num metal à temperatura ambiente são quânticos.
Podemos ainda, por curiosidade, determinar a velocidade de
Fermi para os electrões e comparar com um “gás de electrões
clássico” a 300 K (temperatura ambiente).
A velocidade de Fermi é a velocidade que corresponde a uma
energia cinética igual à energia de Fermi (como os electrões
não interagem entre si, a energia potencial é nula e toda a
energia toma a forma de energia cinética). A velocidade de
Fermi é então dada por:
vF =
Destes dados tiramos que uma mole de átomos de prata pesa
107, 9g, ou equivalentemente temos que, num quilograma de
prata há aproximadamente 9, 26784 moles de átomos de prata.
A densidade ρ = 10, 5g/cm3 é equivalente a ρ = 10500kg/m3 .
Temos então para a prata:
0
n = 9, 26784 × NA átomos/kg
ρ = 10500kg/m3 ,
EF
kB
q
2EF
m
=
q
2×8,8144×10−19
9,1093897×10−31
≈ 1, 39 × 106 m/s
Se considerarmos agora um “gás de electrões livres”, podemos usar o teorema da equipartição da energia da Termodinâmica para determinar a velocidade quadrática média dos
electrões neste gás clássico, à temperatura T .
q
q
p
−23 ×300
3kB T
2
hv i =
= 3×1,38065×10
≈ 116793
m
9,1093897×10−31
m/s
√ 2
hv i
≈ 0, 084
vF
4
Desta última relação entre as duas velocidades concluimos
que os electrões livres na estrutura metálica da prata movemse muito mais rapidamente do que se moveriam os electrões
num “gás clássico de electrões” à temperatura ambiente (300
K).
da temperatura de Fermi é que o número de electrões excitados
para estados de energia acima da energia de Fermi se aproxima
do número total de electrões no sistema. Como se pode ver,
para T = 0 K a ocupação é total até à energia de Fermi.
q
BT
→ velocidade mais provável para as
vm.p. = 2km
partículas de um gás clássico, à temperatura T .
CONCLUSÕES
Da definição de temperatura de Fermi temos também que
a velocidade de Fermi corresponde à velocidade mais provável
para os electrões num gás clássico à temperatura de Fermi.
Poderíamos colocar a seguinte questão a nós mesmos: Será
que a temperaturas acima do zero absoluto existem muitos
electrões em estados de energia acima da energia de Fermi? A
resposta a esta questão é não. Vejamos a seguinte figura da
distribuição de Fermi-Dirac para diferentes temperaturas (no
eixo vertical estão os índices médios de ocupação).
A energia de Fermi é um conceito importante em física, particularmente na física da matéria condensada. Relembrando
muito resumidamente o significado físico desta grandeza, consideremos uma estrutura metálica, por exemplo a prata, que
é o metal sujeito ao cálculo nas secções anteriores. Se extrairmos à prata toda a energia que lhe é possível extrair,
arrefecendo-a até perto do zero absoluto, os electrões livres
da rede continuam a mover-se sobre esta. Os mais rápidos
destes electrões têm uma energia cinética igual à energia de
Fermi que, para a prata, é igual a aproximadamente 5, 502 eV.
Isto permite-nos ainda definir a velocidade de Fermi como a
velocidade correspondente a esta energia cinética:
EF = 12 me vF2 ⇔ vF =
q
2EF
me
Fazendo os cálculos obtemos então que a velocidade de
Fermi da prata é igual a, vF ≈ 1, 39 × 106 m/s.
Figura 2. Distribuição de Fermi-Dirac para diferentes temperaturas
Com efeito, para temperaturas da ordem da temperatura
ambiente (muito inferiores à temperatura de Fermi), os índices
médios de ocupação dos estados de energia acima da energia
de Fermi são ainda muito baixos. Só quando nos aproximamos
[1] Stephen Gasiorowicz. Quantum Physics. John Wiley & Sons,
3rd edition, 2003
[2] Kerson Huang. Statistical Mechanics. John Wiley & Sons, 2nd
edition
[3] David J. Griffiths. Introduction to Quantum Mechanics. Pearson
Prentice Hall, 2005
[4] Charles Kittel. Introduction to Solid State Physics. John Wiley
& Sons, 7th edition
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