Ilustríssimos colegas parlamentares, jornalistas, assessores e demais

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Discurso
proferido
pelo
Deputado
Almir Moura em plenário no dia 19 de
Março de 2003
Excelentíssimo Presidente, colegas parlamentares, jornalistas, assessores e
demais integrantes desta distinta audiência, minhas saudações!
Pesa sobre os ombros de todos nós, parlamentares, uma responsabilidade
gravíssima, como guardiões do Estado Democrático de Direito e da paz social.
Assistimos a uma explosão de violência sem precedentes na História de nosso país,
violência alarmante que coloca em risco as instituições democráticas, construídas
penosamente durante mais de cinco séculos de lutas e conquistas.
Meses atrás, o Promotor de Justiça Francisco Lins do Rêgo foi brutalmente
assassinado em plena luz do dia na área central de Belo Horizonte. Detalhe: um
soldado da PM mineira foi o autor dos 19 disparos que mataram aquele ilustre membro
do Ministério Público. Agora o País assistiu estarrecido ao extermínio do Juiz
Corregedor Antônio José Machado Dias.
Torna-se imperativa uma mobilização em defesa da preservação dos
ditames do Estado Democrático de Direito, da ordem social, da segurança e da
proteção da integridade física das pessoas, sem a qual não pode haver a cidadania.
É preciso desarraigar as causas da violência, para que possam ser
combatidas e aniquiladas. Uma canção de Jimmy Cliff diz, em seu refrão, que não
pode haver paz, se não há justiça. Obviamente, também nunca será possível o
predomínio da justiça em uma sociedade que não é abençoada pela paz.
As duas coisas, a paz e a justiça, andam juntas. Se nós afugentamos a
justiça, a paz também nos abandonará. Se a paz deixa de ser real na sociedade, a
justiça também se esvanece.
Ser violento é agredir a justiça, é profanar os mais elevados princípios da
vida social, é violar a própria ordem natural. Estou certo de que ninguém em sã
consciência praticaria um ato de violência, se soubesse que, em conseqüência,
receberia uma punição proporcional a seu agravo. Logo, o recrudescimento da
violência tem relação direta com a expectativa de impunidade.
A meu ver, a idéia do que seja a justiça nunca esteve tão indefinida, tão
fluida. Um policial mata um promotor, uma autoridade permite que um preso de alta
periculosidade saia da cadeia para matar um parlamentar. Onde está a justiça? Quem
é o bandido, quem é o guardião da justiça? O que é a justiça? Em um ambiente
impregnado de incertezas, aumenta o número de pessoas que praticam atos de
violência, imaginando alguns até que tais atos não estejam eivados de injustiça, pois
que justificados pela necessidade, pela corrupção de todo o sistema, por serem
emblema de sua vingança contra a opressão das classes dominantes.
O direito positivo pode ser o principal responsável por este tipo de
comportamento, porque a justiça que o permeia carece de fundamento. Toda a Teoria
Pura do Direito, de Hans Kelsen, esbarrou na impossibilidade de se determinar a
norma fundamental, sustentáculo de todo o sistema.
A noção de justiça no Estado Democrático de Direito respeita o que dita a
maioria, é resultado de um embate político no seio da sociedade e fruto da hegemonia.
A justiça, neste sentido, é uma abstração.
Assim, se minorias se insurgem, se, voluntariamente, alguns decidem
romper com a ordem firmada pela maioria, não estão, com isso, se rebelando contra
uma ordem transcendental, nem mesmo natural. Estão, sim, confrontando uma ordem
convencional e, por isso, a punição para seus atos não vão além das sanções
previstas nas leis.
Se não existe nenhum tipo de “força” para além das que representa o
Estado, que na maioria das vezes é falho no punir, que se inclina concessões, não das
maiorias, mais dos mais fortes, dos mais ricos, se somente este Estado é quem têm o
“poder” para punir, por absurda que seja, existe aí uma justificativa para as condutas
violentas. É que, com algum engenho, é possível fugir da pretensão punitiva do Estado
e colocar em dúvida o ditado segundo o qual o crime não compensa.
Dessa forma, se alguém roubou um banco e fugiu com o produto de seu
crime, escapando à pretensão punitiva do Estado, estabelecendo-se em uma cidade
longínqua e ali vivendo regaladamente, com todo o conforto que o dinheiro pode
proporcionar, advindo à prescrição do direito do Estado em puni-lo, se não há mais
nada que possa lhe pedir contas do ilícito praticado, se não existe o “justo natural”,
nem a ‘lex aeterna’ de Santo Agostinho, se não existe nada mais, havemos de
concordar que o crime, de certa forma, compensou.
A esperança para o estabelecimento de uma ordem justa e, por
conseguinte, segura, pacífica e próspera, é o ensinamento das virtudes, é a revalorização dos bens morais, é o sepultamento do pragmático direito positivo,
acrescentando-se à idéia de justiça a noção de que devemos viver conforme a
natureza, respeitando os direitos dos outros, não apenas porque uma norma assim
preceitua, mas porque a vida em sociedade é impossível sem o exercício dessas
virtudes.
A violência não ameaça apenas a sua vítima imediata: ela ameaça a
humanidade toda. Enfim, neste caso, o próprio agente torna-se vítima de sua
agressão.
Aristóteles exaltava as virtudes e via nelas a única possibilidade do convívio
pacífico na polis. Todas as virtudes, ensinava o mestre, são internas ao ser humano,
mas a justiça só pode se operar em relação ao outro. Daí a importância da justiça, que
regrava os relacionamentos no interior das cidades, conservando um equilíbrio, uma
igualdade entre os cidadãos. Se alguém quiser se exaltar sobre os demais, rompendo
a ordem existente, para tomar para si o que pertence a outrem, pisoteando a justiça,
estará abrindo as portas para a violência e para a perturbação da paz da cidade.
Séculos mais tarde, o filósofo alemão Artur Shopenhauer, desencadeou uma
reflexão sobre a vida do homem em sociedade, e concluiu que dominar as ações
humanas por estruturas exteriores, forçando um comportamento segundo as
convenções sociais, por meio de leis, de dogmas religiosos e por outros dispositivos
que não atingem o âmago do indivíduo, produz uma situação artificial, que não está
alicerçada na verdadeira virtude.
Em advindo uma desconfiança quanto à efetividade das normas que
controlam exteriormente o comportamento das pessoas, estas voltariam a praticar atos
que sejam compatíveis com sua real vontade interior. Em outras palavras, só subsiste
a ordem social que esteja arraigada em comportamentos que brotem livremente de
uma concepção interna às pessoas.
E se Sócrates estava certo, se é possível ensinar as virtudes, se o homem
pratica o mal, porque não conhece o bem, visto que é impossível conhecê-lo e depois
negá-lo, nossa esperança se funda em uma completa mudança em nossas
perspectivas em torno de um Estado Democrático de Direito, já que a liberdade não
pode servir de justificativa para a inércia do Estado no sentido de ensinar e promover
as virtudes, já que somente o homem virtuoso pode ser, de fato, livre.
Era o que eu tinha a dizer. Muito obrigado a todos!
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