A Igreja do Espírito Santo e a Irmandade da Misericórdia

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22 O
AÇORIANO ORIENTAL
DOMINGO, 22 DE JULHO DE 2012
Património perto de si
ENTIDADE PROMOTORA: DIREÇÃO REGIONAL DA CULTURA ENTIDADE GESTORA: CRESAÇOR ENTIDADES PARCEIRAS: MUSEU CARLOS MACHADO | INSTITUTO CULTURAL DE PONTA DELGADA
COORDENAÇÃO EDITORIAL: DIRETOR REGIONAL DA CULTURA CONSELHO DE REDAÇÃO: PEDRO PASCOAL (COORDENAÇÃO), DUARTE MELO, CÉLIA PEREIRA, ARTUR MARTINS E FILIPA GRELO
A Igreja do Espírito Santo
e a Irmandade da Misericórdia
No largo principal da Ribeira Grande surge o antigo hospital da Irmandade da Misericórdiadestacidade, com suaigreja, fundados em pleno século XVI.
A igreja dedicada ao Espírito Santo é
uma joia barroca que parece gritar visualmente a sua originalidade construtiva. O
esplendor da sua frontaria pouco tem a ver
com a singeleza do próprio interior ou com
o antigo edifício hospitalar anexo. A divisão interna em duas naves não obedece ao
cânone católico e a profusa decoração na
fachada, numa teatralidade bem aproveitada ao mínimo espaço em jogos de côncavos e convexos, acrescenta pormenores
decorativos que a libertam da gramática
estrita do barroco nacional. Podemos explicar parcialmente estas dissonâncias com
o facto de a fachada ser, quase de certeza,
uma reedificação de setecentos, integrada
na fase reconstrutiva que a Ribeira Grande empreendeu nessa época de prosperidade económica, procurando a burguesia,
a edilidade e as famílias brasonadas uma
aproximação honrosa aos rumos da arte
nacional.
Os degraus que precedem o edifício, cortados em arestas, começam desde logo a
sensação ondulante que se oferece ao espetador, postado frente à igreja. Afachada
é dividida em dois planos, delimitados por
um entablamento de cornija denteada.
Quatro pilares de secção retangular foram
adossados àfrontaria, onde também se contemplam enrolamentos como se fossem a
ponta de volumosos papiros. Uma concha
abre-se sobre a pujante saliência de um cálice de missa, completando ambos a sensação esmagadora que temos enquanto
olhamos o conjunto monumental. O arranjo barroco, embora um tanto original,
desta frontaria, desenvolve-se num com-
Igreja do Espírito Santo, da Misericórdia da Ribeira Grande (Postal ilustrado, 1.º quartel do séc. XX).
passo binário (duas janelas, duas portas e
dois planos) compondo verdadeira melodia que cresce, à medida que sobe, e se revela, ainda hoje, na intencionalidade do
hino pós-tridentino imaginado para arrebatar os fiéis.
A igreja e o hospital terão surgido logo
após arainhaD. Leonor (mulher de D. João
II de Portugal), juntamente com o seu confessor, Frei Miguel de Contreiras, ter fundado em Lisboa a primeira Misericórdia,
em 1498. Datade pouco tempo depois o primeiro documento que dá notícia desta na
Ribeira Grande, quando Nuno Vaz e sua
mulher Maria Gonçalves fazem testamento de umacasasuaaos irmãos do Santo Espírito daquela localidade para que sirva
para a construção de uma capela para esta.
A Irmandade da Misericórdia da Ribeira
Grande evoluiu então segundo a gramáticadas corporações assistenciais medievais,
tendo erguido a dita capela cerca de 1522,
junto à qual sabemos já haver hospital a
funcionar em 1591 - ao qual el-rei e o bispo
deram aval para que existisse de direito em
1592/93 - e que, para além de médico, dis-
A Procissão
dos Passos
O Senhor
Jesus dos
Passos
Esta teve origem no ano de 1586, quando
Luís Álvares, pintor, obteve licença para
fundar uma Confraria de devoção à Santa Cruz de Cristo, junto convento da
Graça, em Lisboa. Em meados do séc.
XVII havia alcançado tal importância
que no dia de sua festa e procissão Suas
Majestades iam lá orar.
Na Ribeira Grande foi a Misericórdia
que a tomou a cargo a organização da
mesma. Realizada na Quaresma, o seu
cumprimento implica um circuito que
imita os Passos da Via Sacra, tal como
Terá sido encomendada nos finais do séc.
XVIII a um escultor anónimo português.
De vulto pleno, em madeira pintada e
trajando vestes de pano, o seu corpo ostenta fidedigna correspondência humana, mesmo nas zonas não estão expostas,
daí a antiga imposição de nunca ser preparada para os rituais na presença de
donzelas.
A sua expressividade e o tema que invoca impressionaram fortemente os ingleses Joseph e Henry Bullar, de passagem por São Miguel em 1839, que a
Cristo - carregando a Cruz - os percorreu a caminho do Calvário. As construções que nesta cidade abrigam esses
Passos, com sua pintura representativa
no interior, terão sido edificadas a partir
de 1790. punha de boticário, enfermeiros, ajudantes e cozinheiros.
Ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII
várias camadas sociais da vila testam a seu
favor, estipulando como contrapartidaque
se rezasse por suas almas. Além de prestar
um adeus aos mortos, os irmãos daMisericórdiaaindaanalisavam requerimentos de
pobres, aflitos, viúvas e órfãos, construindo
listas avantajadas dos que necessitavam de
ajuda. Também colaboram com as autoridades na ajuda aos casos mais complexos,
porque desviar do desespero é por vezes
também manter aordem, visitando os presos e fornecendo, porexemplo, acordapara
as forcas, que mergulhavam antes em aguarrás paraque se tornassem quebradiças (pois
quem escapasse a mais do que uma tentativa falhada era considerado livre). Os mesários dairmandade organizavam aindaimpressionantes procissões.
Em meados do século XIX o hospital,
por necessitar de maior e melhores instalações, foi transferido pela Misericórdia
para o edifício do convento franciscano de
Nossa Sr.ª do Guadalupe, entretanto extinto pelo regime liberal; enquanto naigreja do Espírito Santo se continuou a prestar culto, alimentado especialmente com
a devoção ao Senhor dos Paços e sua procissão quaresmal. MADALENA SAN-BENTO
INSTITUTO CULTURAL DE PONTA DELGADA
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descrevem assim: “Uma imagem de Cristo […] vestia um manto de seda carmesim, vergava ao peso de enorme cruz de
madeira e era conduzida ao ombro por
seis homens […] mesmo para um protestante era impressionante a cena”. 
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