Alimentos funcionais: uma análise histórica e conceitual

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ALIMENTOS FUNCIONAIS – UMA ANÁLISE HISTÓRICA E
CONCEITUAL
Julio Alberto Nitzke – Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos –
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Capítulo publicado no livro “Agronegócio: panorama, perspectivas e
influência do mercado de alimentos certificados”. Curitiba : Appris, 2012. p.
11-23.

Um contexto histórico e antropológico dos alimentos funcionais
A compreensão de que a alimentação humana tem um significado muito maior do que
prover os nutrientes necessários para o desenvolvimento do homem é uma corrente que tem
crescido cada vez mais nos últimos anos. Nesta abordagem, a alimentação assume uma relevância
tão grande quanto a linguagem ou a escrita de um povo, possibilitando uma análise das
características de uma determinada população ou período através do estudo de sua alimentação. O
alimento passa a ser uma conseqüência ou um elemento gerador de mudanças sociais e
comportamentais.
Em seu livro, Comida Como Cultura, Massimo Montani radicaliza ao apontar a preparação
dos alimentos, após a descoberta do fogo, como o fator que separa o “homem racional” ou “homem
social” de seus antecessores das cavernas e coletores de alimentos na natureza. Segundo ele, foi o
processamento de alimentos o responsável pela formação do homem civil, que se agrupa em
sociedades com normas e princípios.
Ao final de seu livro, ele nos questiona a imaginar “a história de nossa cultura alimentar
como uma planta que se abre à medida que afunda no terreno, buscando a linfa vital até onde
consegue alcançar, introduzindo suas raízes em lugares os mais distantes possíveis, por vezes
impensáveis. O produto está na superfície, visível, claro, definido: somos nós. As raízes estão
abaixo, amplas, numerosas, difusas: é a história que nos construiu.”
Assim, a utilização do fogo, e posteriormente o uso de condimentos e de fenômenos
naturais como o sol e o frio, foram amplamente utilizados para a preservação de alimentos, com o
objetivo de aumentar sua vida de prateleira e solucionar os problemas de sazonalidade, inerentes a
suas matérias-primas.
No período do império romano, em que a busca e enaltecimento dos prazeres mundanos era
uma de suas características marcantes, a alimentação atingiu uma relevância impar, quando a
panificação, por exemplo, foi elevada à categoria de arte, juntamente com a poesia, escultura, etc.
Os que dominavam as técnicas de elaboração e preparação de pães e correlatos possuíam lugar de
destaque na hierarquia social e gozavam de privilégios tais como o isenção de impostos.
Posteriormente, por volta do século XVIII, a revolução industrial alterou significativamente
a conformação social do mundo ocidental. O desenvolvimento da burguesia e o surgimento de
fábricas, transformaram os artesões em operários e provocaram mudanças na hierarquia social. A
sociedade, então feudal, dividiu-se em urbana e rural, cada uma com características conhecidas e
vivenciadas por nós até o presente momento. Esta divisão levou, também, a uma separação dos
locais de produção dos alimentos (meio rural) daqueles de seu maior consumo (meio urbano).
Para responder a esta nova ordem social, a alimentação passou a exigir novas demandas.
Além de não serem mais perecíveis ou sazonais, os produtos alimentícios deveriam ser, também,
transportáveis, possibilitando atender às grandes massas populacionais que passaram a habitar o
meio urbano.
É nesta situação, e como resposta a um concurso estabelecido por Napoleão, que é criado o
primeiro processo de alimentos que não utilizava forças ou ingredientes naturais para a conservação
de alimentos. O que ainda hoje conhecemos como compotas ou conservas de vegetais e produtos
cárneos foi desenvolvido naquele período, para atender tanto às necessidades dos exércitos de
Napoleão quanto das crescentes populações urbanas.
Mais recentemente, mas novamente provocado por guerras, a sociedade ocidental passou
por outra transformação. A segunda guerra mundial foi a primeira a atingir todo o planeta de forma
praticamente indiscriminada. A necessidade de contingentes para atender tanto às frentes de batalha
quanto à produção industrial que ela gerava, somada à diminuição maciça da população masculina,
morta nos frontes, fez com que as mulheres fossem instadas a ingressar no mercado de trabalho,
anteriormente restrito aos homens. Esta entrada do segmento feminino na força de trabalho
provocou inúmeras mudanças sociais, comportamentais e familiares, que alteraram
significativamente a cultura ocidental. Em decorrência destas transformações, novas demandas
forma acrescentadas à alimentação. A mulher, que anteriormente possuía apenas o papel de dona de
casa, teve que assumir o papel de provedora, sem abandonar suas funções iniciais. Com esta dupla
jornada de trabalho, ficou complicado para a nova dona de casa suprir as carências alimentares de
sua família com os produtos até então existentes, que demandavam um longo tempo de preparação,
não mais disponível.
A resposta a esta nova demanda foi suprida por um processo de preservação de alimentos
que já havia sido desenvolvido cerca de meio século antes, mas que , naquela ocasião, a sociedade
não sentiu sua necessidade, relegando-o ao abandono. O congelamento, que possibilitava o
oferecimento de refeições completas e prontas para consumo em poucos minutos, com a
manutenção de suas características sensoriais e nutricionais, teve, a partir daí, seu retorno triunfal,
pontificando sua presença até os dias atuais.
Os grandes avanços científicos e tecnológicos surgidos desde então mudaram não tanto as
características de nossa sociedade mas sim o seu perfil. As novas descobertas vêm sendo
introduzidas na vida de grande parte da população mundial, trazendo uma melhoria nas condições
sanitárias, habitacionais e de saúde, principalmente nos países desenvolvidos. Com isto, a
expectativa e a qualidade de vida de seus habitantes assimilaram melhorias expressivas, tornando a
população mundial mais velha e com melhores condições de saúde.
Observa-se, também, uma tendência mundial de supervalorização da beleza, a exemplo do
que ocorria nos tempos helênicos, mas ao contrário daquele período, os ideais de beleza atuais estão
associados à juventude, renegando a beleza madura. Assim, vivemos um momento em que a
população adulta e madura atinge condições e expectativas de vida nunca antes vivenciadas.
Todavia, ao mesmo tempo, o aspecto físico e mental desta população não é valorizado. A
estabilidade, a reflexão profunda e menor velocidade de pensamento e ação, característicos desta
faixa etária são renegados a segundo plano, sobrepujados pela supremacia da impetuosidade, da
“aparência saudável e juvenil”, da rapidez de adaptação e pensamento adequados às transformações
científicas e tecnológicas que se sucedem em um ritmo cada vez mais frenético.
Estas mudanças ocorrem sub-repticiamente, mas amplamente valorizadas pelas mídias de
comunicação, permeiam todas as camadas sociais e etárias. A partir da virada do século começa-se
a perceber uma busca cada vez maior por alternativas que garantam a saúde, o bem-estar e o frescor
juvenil para todos. Esta busca inclui tratamentos médicos, terapias alternativas e, como não poderia
deixar de ser, a alimentação.
Neste contexto, passa-se a demandar que a alimentação não seja mais apenas não sazonal,
não perecível, transportável e fácil de preparar, agregando aspectos de segurança alimentar,
sensoriais e nutricionais adequados. Além de atender a estas exigências, consideradas básicas, a
população deseja que os alimentos se não curem, pelo menos evitem ou diminuam a possibilidade
de aparecimento de doenças e prolonguem o aspecto de jovialidade.
Os alimentos funcionais, inicialmente identificados também como nutracêuticos, surgem, a
partir deste momento, para atender a esta nova demanda social, trazendo questionamentos
tecnológicos, legais, comportamentais, etc. inerentes a seu papel como elemento formador da
cultura de sua época.

Alimentos funcionais: categoria, conceito ou exigência legal?
Na década de 1980, fortemente atrelada à cultura alimentar oriental cuja população sempre
acreditou no poder terapêutico da união de uma dieta balanceada e do poder das ervas, pesquisas
apoiadas pelo governo japonês mostravam as potencialidades de alguns alimentos influenciarem as
funções fisiológicas humanas.
Como conseqüência destes resultados, o Ministério da Saúde e Bem-estar japonês
estabeleceu uma categoria de alimentos para o uso dietético especial, que podiam associar o seu
consumo a alguns efeitos benéficos de saúde em sua rotulagem. Estes alimentos foram
denominados de “Foods for Specified Health Use”, comumente conhecidos como FOSHU e
definidos como “qualquer alimento que exerça um impacto positivo na saúde, performance física ou
estado mental de um indivíduo em adição ao seu valor nutritivo”. Para poder apresentar estas
alegações em seus rótulos, os fabricantes necessitavam passar por uma análise e aprovação
governamental, devendo atender às exigências de:

o consumo do alimento deve exercer um efeito melhorador ou regulador de algum
processo biológico ou mecanismo de prevenção a uma doença específica;

ser um ingrediente ou alimento convencional (não comprimidos ou capsulas);

ser consumido como integrante de uma dieta normal.
Apesar de permanecer atual, este conceito tão amplo abrangia produtos “convencionais” já
existentes, tais como o sal iodado, e cereais matinais e massas consumidos por toda a população.
Na mesma época, o Food and Drug Administration – FDA dos Estados Unidos permitia
alegações de “redução de risco de doenças” em alimentos que contivessem evidência objetiva,
comprovada publicamente e aceita por especialistas de correlações entre os nutrientes ou alimentos
de uma dieta e os efeitos propostos. No ano de 1998 havia onze correlações aprovadas entre os
alimentos ou seus componentes e o controle de doenças, podendo-se destacar: alto teor de cálcio e
redução de osteoporose; baixo teor de gorduras saturadas, colesterol ou gordura e a redução do risco
de doenças coronárias do coração; poliálcool e a redução de cárie dentária; fibras solúveis e redução
de doenças coronárias do coração.
Esta questão foi tratada na Comunidade Europeia pela FUFOSE –The European
Commission Concerted Action on Functional Food Science in Europe , sob a coordenação do
International Life Sciences Institute – ILSI com o objetivo de estabelecer uma abordagem científica
para os conceitos referentes a alimentos funcionais. O grupo iniciou os trabalhos em 1996, em Nice,
na França, mas o documento final, chamado de Consensus Document (Documento Consensual) foi
publicado em 1999, e era composto de 5 seções. A primeira seção, de introdução, apresentava o
estado da arte do assunto, revisando alguns conceitos básicos e a situação internacional; a seção 2
tratava de aspectos científicos de alimentos funcionais, com considerações sobre os marcadores a
serem levados em conta na avaliação das funcionalidades a serem analisadas, incluindo
classificações e critérios de avaliação; na seção 3 foram descritas aplicações, considerações
científicas e oportunidades de pesquisa para cada uma das seis funções fisiológicas definidas como
relevantes: crescimento, desenvolvimento e diferenciação; metabolismo de substrato; defesa contra
reações oxidativas; sistema cardiovascular; fisiologia intestinal e funções comportamentais e
fisiológicas. Na seção 4 foi discutida a importância da tecnologia de alimentos no desenvolvimento
de alimentos funcionais com exemplos de desafios a serem superados, sobretudo em três áreas: na
criação de novos alimentos seja com matérias-primas tradicionais ou sintetizadas, na otimização de
componentes de alimentos funcionais e no efetivo monitoramento da quantidade e eficácia destes
componentes nas matérias-primas e produtos finais. O documento esboça, ainda, exemplos para
cada uma das cinco áreas tecnológicas atendidas pelos artigos elaborados pelos Grupos de Trabalho
em Tecnologia: antioxidantes, minerais, microrganismos, carboidratos e proteínas. A última seção
trata da comunicação das alegações de saúde para o público, discutindo os princípios, definição e
base científica das alegações.
Ratificando a importância da cultura alimentar como componente da estrutura social de uma
população em um determinado período, percebe-se uma adaptação dos conceitos nutricionais a esta
nova percepção alimentar. Começa a tomar corpo no meio científico o conceito de uma nutrição
otimizada, que busca maximizar as funções fisiológicas de cada indivíduo para garantir tanto suas
melhores condições de bem-estar e saúde como minimizar o risco de doenças ao longo de sua vida.
A resposta a este novo conceito nutricional é fornecida por esta nova categoria de produtos
alimentícios que surgem.
No início deste século os termos “alimentos funcionais”, “nutraceuticos”,
“farmaconutrientes” ou “integradores dietéticos” passam a ser utilizados indiscriminadamente, tanto
no meio científico, como no mercadológico e pela população em geral, para referir-se a este novo
tipo de alimento. Esta confusão de nomenclatura acontece em todos os níveis, e afeta
principalmente os consumidores, que não conseguem entender claramente o significado destes
novos produtos, possibilitando o ingresso de empresas menos sérias e com maior interesse
financeiro do que no oferecimento de produtos que agreguem realmente um maior valor à saúde dos
consumidores.
Como claramente explicitado do Documento Consensual da Comunidade Européia, não
existe uma definição universalmente aceita para alimentos funcionais, até porque, no âmbito da CE,
eles não são considerados uma categoria, mas sim um conceito, razão pela qual o documento referese a definições de trabalho ao invés de uma definição taxativa.
Em virtude desta posição adotada não só pela Comunidade Européia, todas as
denominações anteriormente citadas e mais outras tais como “medifoods”, suplementos alimentares
e alimentos fortificados podem ser todos englobados no mesmo conceito. O Canadá é um dos
poucos países que faz uma diferenciação legal entre alimentos funcionais e nutracêuticos. De
acordo como o Ministério da Saúde canadense, alimento funcional é “similar em aparência ou pode
ser uma alimento convencional, consumido como parte da dieta normal que demonstrou possuir
benefícios fisiológicos ou reduzir o risco de doenças crônicas além de suas funções nutricionais
básicas”, enquanto que nutracêutico é “um produto isolado ou purificado de alimentos que é
geralmente vendido na forma medicinal não normalmente associado com alimento, que tenha
demonstrado possuir um benefício fisiológico ou prover proteção contra uma doença crônica.
Nos Estados Unidos, o FDA possui uma categoria de produto alimentício similar a dos
nutracêuticos no Canadá, a qual é denominada de “alimento medicinal (medical food)”. Este tipo de
alimento é definido na seção 5(b) do Orphan Drug Act (21 U.S.C. 360ee (b) (3)) como "um
alimento formulado para ser consumido ou administrado enteralmente, sob a supervisão de um
medico, com o objetivo de promover a gestão de uma dieta específica para uma doença ou
condição para a qual necessidades nutricionais distintas, baseadas em princípios científicos
reconhecidos são estabelecidos por avaliação médica”. Apesar de serem considerados alimentos, e
sujeitos às mesmas normatizações dos alimentos convencionais, eles não possuem os requisitos
legais de rotulagem referente às alegações nutricionais ou de saúde. Neste sentido eles diferem dos
nutracêuticos ao serem especialmente formulados e processados (em contraposição aos alimentos
existentes em seu estado natural) para a alimentação parcial ou exclusiva de pacientes via oral ou
enteral, que devido a problemas terapêuticos ou de saúde não tem condições normais de
metabolização de uma dieta tradicional.
Já em relação aos alimentos funcionais, os Estados Unidos também não possuem uma
definição específica ou regulamentação para este tipo de produto, que é regulado no mesmo
contexto dos alimentos convencionais pela FDA. Todavia, o FDA estabeleceu três categorias de
alegações relacionadas às propriedades funcionais dos alimentos, que são:
 Alegações de saúde: descrevem a relação entre um alimento, um componente de um
alimentos ou um ingrediente de um suplemento dietético e a redução do risco de uma
doença ou condição relacionada à saúde. Para poder apresentar esta alegação é
fundamental a existência de um componente específico relacionado ao controle de uma
doença; afirmações sobre o papel de categorias genéricas, tais como frutas ou vegetais,
sobre a saúde não são consideradas alegações de saúde, mas sim de orientação dietética.
 Alegações de conteúdo de nutrientes: apresentam o teor de substâncias dietéticas ou
nutrientes de um produto em si ou comparado a outro alimento, através de termos como
livre de,alto, baixo ou mais, reduzido, etc. Estas alegações só podem ser utilizadas para
aqueles nutrientes ou substâncias dietéticas que possuam um valor estabelecido para a
dose diária
 Alegações de estrutura ou funcionalidade: referem-se ao papel de nutrientes ou
ingredientes dietéticos que afetam a estrutura normal ou funcional de humanos, como,
por exemplo “cálcio é importante para o desenvolvimento de ossos fortes”. Estas
alegações também podem caracterizar como o componente atua sobre uma determinada
função, como “fibras mantêm a regularidade do intestino” ou “antioxidantes mantêm a
integridade celular”. Este mesmo tipo de alegação permite descrever um benefício
relacionado a uma doença causada pela deficiência de um determinado nutriente, por
exemplo vitamina C e escorbuto, desde que seja informada a importância desta doença
nos Estados Unidos.
É importante observar que o FDA não possui alegações pré-aprovadas, a acuracidade e
veracidade das alegações são de responsabilidade do fabricante, que não podem ser dúbias ou
enganosas. O fabricante deve informar que esta alegação não foi avaliada pelo FDA e que o
alimento não diagnostica, trata, cura ou previne nenhuma doença, pois estas são prerrogativas dos
medicamentos.
Como já apontado, a Comunidade Européia também não considera os alimentos funcionais
como uma categoria de alimentos, mas sim como um conceito amplo, não existindo, portanto, um
arcabouço legal em suas legislações para estes produtos, que devem ser enquadrados nos princípios
gerais das Leis de Regulamentação Geral de Alimentos ou de Produtos Inovadores, incluindo a
responsabilidade pela segurança alimentar, rastreabilidade, recal e notificações.
No entanto, assim como estabelecido pelo FDA, o Parlamento Europeu também definiu, em
2006, uma regulamentação específica para as alegações possíveis de serem associadas a produtos
alimentícios. Na Regulamentação (EC) nº 1924/2006, do Parlamento e do Conselho Europeu sobre
alegações nutricionais e de saúde para os alimentos (Regulation (Ec) No 1924/2006 of The
European Parliament And Of The Council of 20 December 2006 on nutrition and health claims
made on foods), e corrigida em janeiro de 2007, são definidas apenas dois tipos de alegações: de
saúde ou de nutrição. A regulamentação européia é muito mais detalhada do que a americana,
exigindo que uma alegação de saúde só pode ser apresentada se as seguintes informações também
constarem do rótulo do produto:
- a indicação da importância de uma dieta variada e balanceada e um estilo de vida
saudável;
- a quantidade do alimento e o padrão de consumo necessário para alcançar o benefício
proposto;
- quando apropriado, indicação para pessoas que devam evitar o uso do alimento;
- um aviso sobre produtos que poderão apresentar um risco à saúde se forem consumidos
em excesso.
A regulamentação não permite referências genéricas, não específicas do nutriente em
questão e restringe o uso de alegações que sugerem que a saúde possa ser afetada por não consumir
determinado alimento, que façam referência à taxas de perda de peso ou que contenham
recomendações de médicos ou associações não referendadas.
As definições para o que pode ser incluído em cada uma das categorias são muito similares
às da legislação americana, porém ao contrário desta, a legislação européia define claramente quais
são e os critérios de utilização para as permitidas. As alegações nutricionais eram em número de
vinte e quatro no documento de 2007, mas foram aumentadas para trinta em 2010, quando foram
definidas as alegações de saúde permitidas. Um exemplo de alegação nutricional permitida é o de
possuir altos teores de ácidos graxos Omega-3, que só pode ser divulgado quando o produto conter
no mínimo 0,6 g de alpha- ácido linolênico alfa por 100g e por 100kcal, ou no mínimo 80mg do
somatório de ácido eicosapentaenóico e ácido docosaexaenóico por 100g e por 100kcal.
As alegações de saúde são menos de 20 e estão divididas em dois grupos: redução no fator
de risco do desenvolvimento de uma doença e referentes ao desenvolvimento e saúde infantil. Um
exemplo de alegação do primeiro grupo pode ser utilizado por gomas de mascar livres de açúcar e
devem informar que “Gomas de mascar livres de açúcar auxiliam a redução da desmineralização
dos dentes. A desmineralização dos dentes é um fator de risco para o desenvolvimento de cárie
dentária. No segundo grupo temos a alegação de que “ Ácidos graxos essenciais são necessários
para o desenvolvimento infantil”, que deve ser veiculado junto com a informação de que os efeitos
benéficos são alcançados com uma ingesta diária de 2 g de ácido α-linolenico (ALA) e de 10 g de
ácido linoléico (LA).
Diferentemente da maioria dos países, na Coréia, os alimentos funcionais são definidos
como suplementos dietéticos com o objetivo de suplementar uma dieta normal e devem ser
comercializados em doses controladas em pílulas ou tabletes.
Apesar das grandes diferenças de conceituação, tratamento e regulamentação entre os
diversos países percebe-se uma tendência de não considerar os alimentos funcionais como uma
categoria que demande uma regulamentação específica mas que atenda a alguns princípios básicos,
entre os quais podem ser citados:
- ser um alimento convencional;
- ser consumido como parte de uma dieta normal;
- possuir um efeito positivo em uma funcionalidade específica além de seu valor
nutricional;
- melhorar o bem-estar e a saúde e/ou reduzir o risco de doenças;
- prover benefícios de saúde de forma a melhorar a qualidade de vida, incluindo aspectos
fisiológicos, físicos e comportamentais;
- estarem baseados em comprovações científicas autorizadas.
Apesar de alguns autores restringirem a conceituação de alimentos funcionais apenas para
aqueles compostos por elementos que ocorram naturalmente e não sinteticamente, em
concentrações acima da normalmente presente nos alimentos convencionais, a maioria dos
pesquisadores considera que os alimentos funcionais possam ser:
- um alimento natural, não modificado;
- um alimento ao qual o componente foi adicionado para prover o benefício;
- um alimentos no qual um componente foi retirado por meios tecnológicos ou
biotecnológicos para alcançar o benefício;
- um alimento em que um componente foi substituído por outro com propriedades mais
favoráveis;
- um alimento cuja biodisponibilidade de um componente foi modificado;
- um alimento formado pela combinação de quaisquer alternativas anteriormente citadas.
Neste contexto, estão como alimentos funcionais tanto produtos alimentícios manipulados
para atingirem os benefícios propostos como cenouras ou tomates, ricos em compostos
fisiolagicamente ativos como beta-caroteno e licopeno, respectivamente.
Apesar dos aspectos ligados ao consumidor serem o foco do próximo capítulo, é
interessante observar que estudos feitos com consumidores americanos de alimentos funcionais
apontam um maior interesse para produtos que consigam controlar o peso e diminuir o colesterol,
seguido de melhoria dos processos digestivos e de imunidade.
Percebe-se, também uma mudança no interesse de alimentos fortificados para aqueles
naturalmente funcionais, com uma diminuição significativa no número de adultos que consideram
importante obter nutrientes de alimento nos quais eles estão naturalmente presentes ao invés de
suplementos dietéticos. O número de adultos que fazem um esforço para comer alimentos
fortificados também diminui em 2010, crescendo o número dos que buscaram alimentos naturais
com altas doses de vitaminas e minerais.

Aspectos legais dos alimentos funcionais no Brasil
A situação da regulamentação de alimentos no Brasil é ainda mais complexa do que a
apresentada anteriormente para outros países ao redor do mundo. Enquanto na maioria dos países
existe apenas um órgão regulador para alimentos, no Brasil esta tarefa é dividida entre diversos
ministérios, concentrando-se nos Ministérios da Saúde (MS) e no Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA). O MAPA é responsável teórica e principalmente pela
regulamentação de produtos de origem vegetal beneficiados, dos produtos de origem animal, óleos
e bebidas, enquanto o MS trata do restante dos produtos de origem vegetal; esta divisão refere-se ao
processamento destes produtos pois toda a regulamentação referente à comercialização dos
produtos alimentícios no Brasil é de responsabilidade do MS.
Não suficiente, além desta divisão entre os ministérios ser confusa e aparentemente
aleatória, os dois órgão federais possuem princípios básicos completamente distintos. Seguindo uma
visão mais moderna sobre a legislação de alimentos, o MS adotou práticas sugeridas pelo Codex
Alimentarius no sentido de que os órgão reguladores deveriam preocupar-se prioritariamente nas
questões referentes à segurança alimentar dos produtos alimentícios oferecidos a sua população,
deixando os aspectos relacionados aos aspectos da qualidade química, física, nutricional e sensorial
sob a responsabilidade dos fabricantes. A justificativa para esta nova visão advém de novos
conceitos de qualidade que a tornam relativa e subjetiva e vinculada aos desejos do consumidor, a
quem o fabricante deve buscar e atender da melhor forma, enquanto que a preocupação dos órgãos
públicos deve concentrar-se em assegurar que os produtos oferecidos não ofereçam nenhuma
espécie de risco, seja microbiológico, toxicológico ou qualquer outro. Assim, a qualidade sensorial
e nutricional de uma salsicha que custe um determinado valor certamente será diferente de outra
que custe o dobro deste valor, sendo esta relação estabelecida entre o fabricante e seu consumidor,
sem interferência do regulador, que deve apenas garantir que ambas possuam os requisitos mínimos
para um alimento seguro.
Assim, o MS simplificou muito as legislações sob sua responsabilidade, enquanto que o
MAPA continuou na mesma visão anterior, com um controle e uma especificação de parâmetros de
processo e qualidade muito maiores. Em termos práticos isto dificulta em muito o dia a dia dos
fabricantes de alimentos, principalmente daqueles que ficam sob a égide dos dois ministérios. Por
exemplo, um fabricante que deseje produzir um iogurte funcional, por ser de origem animal, deverá
atender às exigências do MAPA em relação a todos os aspectos legais de construção de instalações
físicas, recebimento de matéria-prima, condições de processamento, etc., mas estará sujeito à
fiscalização do MS em relação à qualidade microbiológica do produto no ponto de venda, bem
como aos dizeres de rotulagem e possibilidades de veiculação de alegações funcionais. Isto não
seria um problema tão grande caso houvesse um entrosamento entre os ministérios, o que não
ocorre, ocasionando, freqüentemente, exigências contraditórias.
No Brasil, o interesse dos fabricantes de produtos alimentícios por novas possibilidades que
agregassem outras funcionalidades além da nutrição começou por volta de1990, seguindo o
aparecimento destas novas tendências no mercado mundial. A Agência Nacional de Vigilância
Sanitária – ANVISA, órgão do MS responsável pela regulamentação e controle dos alimentos,
ainda não estava preparada para receber este tipo de demanda. Foi somente a partir de 1998, com a
contribuição de várias instituições e pesquisadores da área de nutrição, toxicologia, tecnologia de
alimentos e outras que surge uma primeira proposta de regulamentação para estes novos produtos.
Nesta época foi criada a Comissão Técnico-Científica de Assessoramento em Alimentos Funcionais
e
Novos
Alimentos
(CTCAF),
com
o
objetivo
de
:
 assessorar a Anvisa em assuntos científicos relacionados à área de alimentos com
alegação de propriedades funcionais e ou de saúde e novos alimentos;
 avaliar a documentação científica para comprovação da segurança de uso de novos
alimentos e ou novos ingredientes;
 avaliar pedidos de registro de novos alimentos, sob o enfoque do risco à saúde do
consumidor;
 avaliar a eficácia das alegações de propriedade funcional e ou de saúde propostas, à luz
da documentação científica apresentada;
 subsidiar a Anvisa na realização de eventos técnico-científicos, de interesse dos trabalhos
da Comissão, que concorram para a ampla divulgação de conhecimentos e informações
pertinentes ao controle sanitário de alimentos.
A CTCAF é formada por profissionais de universidades e instituições de pesquisa com
reconhecido saber nas áreas relacionadas aos objetivos da Comissão; estes pesquisadores são
escolhidos por mérito próprio e não como representantes de instituições. A atual CTCAF, foi
nomeada em 2005 e é formada por oito profissionais de instituições do sudeste e nordeste do país.
Apesar da Comissão possuir em sua denominação “Alimentos funcionais”, seguindo as
tendências mundiais apresentadas anteriormente, não existe no MS uma categoria específica para
este tipo de produtos, que são regidos pelas mesmas leis dos alimentos convencionais. Da mesma
forma, no Brasil o destaque para estas novas funções dos alimentos pode ser apropriada por
“Alegações de propriedades funcionais e ou de saúde” regidos pelas Resoluções nº 18 e 19, de 30
de abril de 1999.
Assim como nas regras estabelecidas pelo Parlamento Europeu, no Brasil são permitidas
apenas as alegações autorizadas pela ANVISA, após a análise do CTCAF. Estas alegações possuem
um texto padrão que deve ser apresentado na rotulagem exatamente da forma prevista na legislação.
Por exemplo, um produto alimentício que apresentar os ácidos graxos Omega 3 de cadeia longa
provenientes de óleos de peixe (EPA - ácido eicosapentaenóico e DHA – ácido docosahexaenóico),
em quantidades mínimas de 0,1g de EPA e ou DHA na porção ou em 100g ou 100ml do produto
pronto para o consumo, caso a porção seja superior a 100g ou 100ml, poderão incluir a seguinte
alegação em sua rotulagem:
“O consumo de ácidos graxos ômega 3 auxilia na manutenção de níveis saudáveis de
triglicerídeos, desde que associado a uma alimentação equilibrada e hábitos de vida saudáveis”.
As substâncias que permitem o emprego de alegações, os requisitos mínimos necessários
para poder utilizar a alegação, bem como os textos referentes às mesmas são constantemente
revisados e atualizados. Atualmente, as alegações funcionais e de saúde permitidas estão associadas
à presença dos seguintes compostos:

Ácidos Graxos: Omega 3

Carotenoides: Licopeno, Luteína e Zeaxantina

Fibras alimentares: Fibras alimentares, Beta-glucana, Frutooligosacarídeos,
Dextrina resistente, Goma guar, Inulina, Lactulose, Polidextrose, Psilium e
Quitosana

Fitoesteróis: Fitoesteróis

Polióis: Manitol, Xilitol e Sorbitol

Probióticos: Lactobacilus, Bifidobacterium e Enterococus faecium
No caso de produtos na forma farmacêutica, que contenham compostos funcionais ou
bioativos normalmente presentes em alimentos, devem indicar claramente em sua rotulagem que
não previnem ou curam doenças. As misturas de produtos ou compostos alimentícios com ervas de
poder medicinal não são considerados alimentos, e fogem do escopo desta regulamentação.
Enquanto que nos Estados Unidos e na Europa as alegações nutricionais estão incluídas
nesta mesma categoria, no Brasil eles são regulamentados por outra lei, a Portaria nº 27, de 13 de
janeiro de 1998, que aprova o Regulamento Técnico referente à Informação Nutricional
Complementar (declarações relacionadas ao conteúdo de nutrientes). Esta portaria define como
informação nutricional complementar como “qualquer representação que afirme, sugira ou implique
que um alimento possui uma ou mais propriedades nutricionais particulares, relativas ao seu valor
energético e o seu conteúdo de proteínas, gorduras, carboidratos, fibras alimentares, vitaminas e ou
minerais”. Por esta regulamentação, produtos que contenham no mínimo 3 g fibras / 100 g de
produto sólido pronto para o consumo (valor similar ao necessário para a alegação funcional)
podem estampar em seu rótulo que possuem fibras alimentares. As exigências para as informações
nutricionais complementares são mais simples do que as exigidas para as alegações funcionais ou
de saúde.
Esta aparente duplicação ou justaposição de regulamentações é desconhecida da grande
maioria dos consumidores, que devem fazer seu julgamento a partir das informações constantes nos
rótulos dos produtos. Assim, um biscoito que contenham “fonte de fibras” para o consumidor leigo
é exatamente igual a outro que informe em seu rótulo que “As fibras alimentares auxiliam o
funcionamento do intestino. Seu consumo deve estar associado a uma alimentação equilibrada e
hábitos de vida saudáveis”. Isto apenas traz confusão na mente dos consumidores e dificulta a
percepção destes novos produtos como uma categoria, como deverá ser abordado no próximo
capítulo.

Considerações finais
Este novo conceito de alimentos, conhecido como alimentos funcionais, que agrega outros
valores além daqueles tradicionalmente reconhecidos surgiu como uma demanda de uma população
que busca uma qualidade de vida cada vez melhor. Aliada aos avanços das tecnologias sanitárias e
médicas, aumentou a expectativa de vida mundial, principalmente nos países desenvolvidos. Aliado
a isto, percebe-se o crescimento de uma nova cultura alimentar que prima pela busca dos “alimentos
originais” e que prefere resolver seus problemas funcionais ou de saúde através da melhoria e
diversidade de sua dieta básica ao invés de recorrer a suplementos e complementos.
Desta forma, esta nova categoria de produtos alimentícios vem tomando uma importância
cada vez maior e vislumbra-se um futuro ainda mais promissor, com inúmeras oportunidades de
pesquisa e desenvolvimento de novos produtos. Percebe-se, porém, uma grande dispersão na forma
como estes produtos são entendidos e regulamentados ao redor do mundo, demonstrando a
necessidade de uma maior cooperação e consenso entre os órgão regulamentadores, para que o
consumidor possa melhor se beneficiar destes novos produtos, compreendendo o que está realmente
comendo.

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