Resoluç˜ao de problemas: um cocktail de esp´ırito cr´ıtico, lógica e

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Resolução de problemas:
um cocktail de espı́rito crı́tico, lógica e criatividade
Suzana Mendes-Gonçalves
Centro de Matemática, Universidade do Minho
1. Introdução
Os participantes da Conferência Mundial sobre Educação para Todos (UNESCO), que
teve lugar em Jomtien, na Tailândia, de 5 a 9 de março de 1990, proclamaram a
Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Neste documento, a resolução de
problemas é referida como sendo um instrumento essencial de aprendizagem (assim
como a leitura, a escrita, a expressão oral e o cálculo).
De acordo com o National Council of Teachers of Mathematics (E.U.A.), a resolução
de problemas é uma parte integral de toda a aprendizagem da Matemática. De facto,
mais do que um objetivo, a resolução de problemas é vista como um ótimo meio para o
ensino e aprendizagem da Matemática. Como tal, não deve ser olhada como um tópico
distinto e isolado nos programas escolares.
Mas o que é um problema? Segundo John Van de Walle (2001), um problema é uma
tarefa para a qual não se tem um método ou regras pré-definidas ou memorizadas, nem
a perceção de que haja um método especı́fico para chegar a uma solução.
Resolver problemas consiste, pois, no processo de aplicação de conhecimentos, previamente adquiridos, a situações novas e não rotineiras.
Não podemos, no entanto, ser redutores: para resolver problemas não chega ter conhecimentos. De acordo com Richard Lesh (1992), existe uma interação complexa
entre problema, estratégias de resolução e conhecimento matemático.
2. A heurı́stica de Pólya
George Pólya (1887-1985) foi um dos grandes matemáticos do século XX. Apesar das
suas notáveis contribuições em diversos ramos da Matemática, o seu nome está fortemente associado à heurı́stica da resolução de problemas, ou seja, a métodos e regras
que conduzem à descoberta, inovação, investigação e resolução de problemas.
Por ter sido o primeiro matemático a apresentar uma heurı́stica de resolução de problemas, Pólya é uma referência no assunto. Muitas das suas ideias são ainda atuais e
são alicerce para o trabalho de investigadores contemporâneos.
No seu livro “A arte de resolver problemas - um novo aspeto do método matemático”,
Pólya apresenta quatro princı́pios base para qualquer tentativa séria de resolução de
problemas:
1
1. Compreender o problema;
2. Estabelecer um plano de resolução;
3. Executar o plano;
4. Rever e refletir.
É essencial entender o problema: sem compreendermos o que nos é pedido, qualquer
caminho percorrido na tentativa de encontrar uma solução será um caminho errante e
desnorteado. Torna-se, pois, importante colocar questões como ‘Qual é a incógnita?’,
‘Quais são os dados?’, ‘Quais são as condições?’, ‘É possı́vel satisfazê-las?’, ‘São suficientes para determinar a incógnita?’, ‘Existem condições redundantes ou contraditórias?’...
Pode também ser útil, na tentativa de compreender o problema, esboçar uma figura,
especialmente se se adaptar notação adequada. Se possı́vel, deve-se procurar separar
as condições por partes.
Compreendido o problema, deve-se estabelecer um plano de resolução. Para tal, é
necessário encontrar ligações entre os dados e a incógnita.
Muitas vezes, é conveniente considerar problemas relacionados (mais acessı́veis, mais
genéricos, mais especı́ficos, análogos...).
A escolha da estratégia é um dos passos decisivos para o sucesso na resolução de um
problema. A estratégia adequada pode surgir gradualmente, com perı́odos de avanço
e recuo e com hesitações, ou pode surgir de repente como uma ideia luminosa... mas
pode até nem surgir.
Para Terence Tao (1990), a experiência e o conhecimento são muito importantes na
resolução de problemas, mas há muitos truques simples que se podem aprender.
De facto, existe uma diversidade grande de estratégias de resolução de problemas que
podem ser ensinadas e aprendidas: formulação de questões, análise de situações, tentativa e erro (ou tentativa e sucesso...), elaboração de listas, tabelas e/ou diagramas,
procura de um padrão, trabalho em sentido inverso, mudança do ponto de vista, simplificação do problema, estudo de casos especiais do problema, definição de um passo
intermédio...
De um modo geral, a execução do plano é a etapa mais fácil na resolução de um
problema.
No entanto, é preciso estar consciente de que a maioria dos problemas não se resolve
rapidamente nem à primeira tentativa. Há, pois, que ser persistente: se uma estratégia
não resultar, deve-se tentar uma diferente. A resolução de problemas exige um empenho
criativo.
Ao executar o plano, é necessário verificar cada passo e, após esta etapa, é importante
verificar o resultado e o argumento utilizado.
Para Pólya, a etapa de revisão e reflexão é a etapa mais importante, pois propicia um
refinamento e uma abstração da solução do problema. É tempo para nos questionarmos
2
se é possı́vel chegar ao resultado por um caminho diferente, se o caminho utilizado é
o mais simples, se é o mais compreensı́vel ou o mais elegante e se é possı́vel usar o
resultado ou o método noutro problema.
3. Um exemplo: o problema dos 18 números consecutivos
Debrucemo-nos sobre o problema que apresentamos em seguida.
Problema. Mostre que, entre quaisquer 18 números consecutivos com três algarismos,
há pelo menos um que é divisı́vel pela soma dos seus algarismos.
Antes de mais, é preciso compreender o que nos é pedido. Pretendemos que um número
com 3 algarismos seja divisı́vel pela soma dos seus algarismos. Ora, podemos representar tal número na forma
xyz10 ,
onde x, y, z são os seus algarismos. Por outras palavras, xyz10 = 100x + 10y + z.
Queremos mostrar que, dados quaisquer 18 números consecutivos com três algarismos,
a relação
(x + y + z)|xyz10
é satisfeita por pelo menos algum desses 18 números.
Como há 900 números com três algarismos, é possı́vel chegar à solução por exaustão.
Esta não será, certamente, a melhor abordagem a usar, nem a mais elegante.
Será natural procurar simplificar a equação ‘(x + y + z)|xyz10 ’. Por definição da relação
‘divide’, podemos traduzir a relação em causa pela proposição
∃n ∈ N : 100x + 10y + z = nx + ny + nz.
No entanto, a equação obtida parece não relacionar x, y e z de um modo útil e direto.
Facilmente verificamos que os números 100, 102, 108, 110, 111, 112, 120 e 126 satisfazem
a relação em causa. Daqui podemos intuir que as soluções são suficientemente frequentes para que cada sucessão de 18 números consecutivos contenha alguma delas. Porém,
parecem estar distribuı́das de um modo aleatório.
Podemos, então, questionarmo-nos sobre que significado tem 18. Por que não outro
qualquer inteiro positivo? O 11? O 25?
A propriedade enunciada no problema faz-nos recordar que, dado um natural (an . . . a1 a0 )10 ,
(an . . . a1 a0 )10 ≡ (an + · · · + a1 + a0 )(mod 9),
ou seja, obtemos o mesmo resto quando dividimos um natural ou a soma dos seus
algarismos por 9.
3
De facto,
(an . . . a2 a1 a0 )10 = 10n an + · · · + 102 a2 + 10a1 + a0
Como
10 ≡ 1(mod 9),
podemos concluir que
10k ≡ 1k (mod 9), para todo o k ∈ N
e, por isso,
10n an + · · · + 102 a2 + 10a1 + a0 ≡ 1 × an + · · · + 1 × a2 + 1 × a1 + a0 (mod 9).
Notemos que quase todos os múltiplos de 9 com três algarismos satisfazem a relação
em causa. Por exemplo,
126 : 9 = 14,
333 : 9 = 37,
594 : 18 = 33,
846 : 18 = 47.
Assim, torna-se natural que, em vez de tentarmos resolver o problema original, tentemos provar qualquer coisa como “Em quaisquer 18 números consecutivos com três
algarismos, há um múltiplo de 9 que satisfaz (x + y + z)|xyz10 ”.
Na verdade, dados quaisquer 18 números consecutivos, há sempre algum múltiplo de
9 (de facto, há dois!). E, como acabámos de referir, grande parte dos múltiplos de 9
satisfazem a relação (x + y + z)|xyz10 .
Esta abordagem, recorrendo a um passo intermédio, vai levar-nos à resolução do problema. No entanto, ainda podemos reduzir o número de casos a estudar se, em vez de
múltiplos de 9, considerarmos múltiplos de 18. Afinal, os múltiplos de 18 são também
múltiplos de 9 e nem todos os múltiplos de 9 satisfazem a relação (x + y + z)|xyz10
(por exemplo, 189 : 18 = 10 + 9 e 783 : 18 = 43 + 9). Para além disso, toda a sucessão
de 18 números consecutivos tem um múltiplo de 18.
Equacionemos, então, o seguinte problema: “Em quaisquer 18 números consecutivos
com três algarismos, há um múltiplo de 18 que satisfaz (x + y + z)|xyz10 ”.
Dada uma sucessão de 18 números consecutivos com três algarismos, um dos números,
digamos abc10 , é um múltiplo de 18. Por ser múltiplo de 18, é também múltiplo de 9
e, portanto,
9|(a + b + c).
Uma vez que estamos a considerar números inteiros entre 100 e 999, a + b + c varia
entre 1 e 27. Logo, a + b + c ∈ {9, 18, 27}.
Se a + b + c = 27, então abc10 = 999. No entanto, 999 não é um múltiplo de 18. Logo,
a + b + c = 9 ou a + b + c = 18. Em ambos os casos,
(a + b + c)|18.
4
Pela escolha de abc10 , temos que 18|abc10 . Pela transitividade da relação ‘divide’,
(a + b + c)|abc10 ,
como pretendı́amos verificar.
4. Ilustração de algumas estratégias de resolução com exemplos
Apesar de, muitas vezes, ser necessário utilizar várias estratégias na resolução de um
mesmo problema, não é difı́cil encontrar exemplos de problemas cuja resolução passa
basicamente por uma só estratégia. É o que nos propomos apresentar em seguida.
Começamos por um problema cuja resolução se obtém por tentativa e erro.
Problema 1. Disponha nos cı́rculos os números de 1 a 5 de modo a que as somas na
horizontal e na vertical sejam iguais.
Este problema admite mais do que uma solução. Se colocarmos, por exemplo, o número
1 no cı́rculo central, os restantes números podem ser associados dois a dois de modo a
que cada par some 7. Ficamos, então, com a seguinte solução:
3
5
1
2
4
Outras soluções podem ser encontradas se escolhermos outro número para o cı́rculo
central.
2
1
3
1
5
2
4
5
3
4
Encontrada uma solução para o problema, podemos questionarmo-nos se haverá uma
estratégia melhor para o resolver. É importante salientar que, para verificar a igualdade
5
das somas, não é necessário somar o número central (o que se pode tornar relevante se,
em vez dos cinco primeiros naturais, considerarmos outros cinco naturais consecutivos
de maior grandeza). E, claro, torna-se crucial reparar que 2 e 4 não podem ficar no
cı́rculo central e facilmente concluı́mos a que se deve este facto.
Olhemos agora para um outro problema cuja resolução também passa pela tentativa e
erro.
Problema 2. Dados 3 copos vazios, coloque dentro deles 11 moedas de modo que
cada um dos copos contenha um número ı́mpar de moedas.
∅
Não é de todo difı́cil encontrar uma solução para este problema.
∅
Podemos, porém, chamar a atenção para o que está por trás do problema colocando a
seguinte questão: ‘Quantas soluções distintas existirão?’. Na verdade, ao procurar uma
solução para o problema, estamos a escrever o 11 como soma de três números ı́mpares.
Assim, teremos tantas soluções quantas as formas distintas que temos de escrever o 11
como soma de três números ı́mpares.
Debrucemo-nos, agora, sobre um problema com fósforos.
Problema 3. A figura que se segue representa 16 fósforos dispostos numa superfı́cie
plana de modo a obter 5 quadrados. Movendo apenas 2 desses fósforos, como podemos
obter 4 quadrados iguais?
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6
Mais uma vez, a solução deste problema é encontrada através da experimentação.
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É muito provável que, na resolução de um problema, consigamos implementar o método
usado na resolução de um problema semelhante. É o que faremos em seguida.
Problema 4. A figura que se segue representa 12 fósforos dispostos numa superfı́cie
plana de modo a obter 3 quadrados. Movendo apenas 3 desses fósforos, como podemos
obter 5 quadrados?
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Para chegar à solução deste problema, podemos pensar na solução do problema anterior.
Neste caso, precisamos de mover três fósforos para construir os quadrados pretendidos.
Notemos que, ao contrário do que é pedido no Problema 3, os quadrados obtidos não
têm de ser iguais: observar este facto é meio caminho andado para encontrar a solução.
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Muitos problemas lógicos são resolvidos a partir da construção de uma tabela. Eis um
exemplo.
Problema 5. Quatro colegas do Departamento de Matemática de uma mesma escola
encontram-se no seu local de trabalho. Enquanto um deles leciona uma aula, outro
atende um Encarregado de Educação, um corrige fichas de avaliação e o outro dinamiza
uma atividade no Clube de Matemática. Sabendo que
1. o Alberto não está a lecionar uma aula e não está a corrigir fichas de avaliação;
2. a Bárbara não está a dinamizar a atividade no Clube de Matemática e não
está a lecionar uma aula;
7
3. se o Alberto não está a dinamizar a atividade no Clube de Matemática, então
o Carlos não está a lecionar uma aula;
4. a Diana não está a corrigir fichas de avaliação e não está a lecionar uma aula;
5. o Carlos não está a corrigir fichas de avaliação e não está a dinamizar uma
atividade no Clube de Matemática;
o que está a fazer cada docente?
Uma vez que as informações dadas são relativas aos quatro docentes e às quatro atividades, a construção de uma tabela de dupla entrada revela-se uma boa estratégia para
rapidamente se chegar à resposta desejada.
aula atendimento fichas clube
Alberto
Bárbara
Carlos
Diana
As afirmações 1, 2, 4 e 5 permitem-nos excluir algumas hipóteses.
Da afirmação 1, temos:
Alberto
Bárbara
Carlos
Diana
aula atendimento fichas clube
×
×
Com a afirmação 2, concluı́mos que:
Alberto
Bárbara
Carlos
Diana
aula atendimento fichas clube
×
×
×
×
A informação 4 leva-nos a:
Alberto
Bárbara
Carlos
Diana
aula atendimento fichas clube
×
×
×
×
×
×
8
A afirmação 5 é, na verdade, redundante uma vez que, a partir de 1, 2 e 4, podemos
concluir que o Carlos está a lecionar uma aula.
Alberto
Bárbara
Carlos
Diana
aula atendimento fichas clube
×
×
×
×
X
×
×
×
×
×
Consequentemente, podemos concluir que a Bárbara está a corrigir fichas de avaliação.
Alberto
Bárbara
Carlos
Diana
aula atendimento fichas clube
×
×
×
×
X
×
X
×
×
×
×
×
Resta-nos descobrir o que estava a fazer o Alberto e o que estava a fazer a Diana. Ora,
a afirmação 3 dá-nos a informação necessária. Como o Carlos está a lecionar uma aula,
o Alberto está a dinamizar uma atividade no Clube de Matemática.
Alberto
Bárbara
Carlos
Diana
aula atendimento fichas clube
×
×
×
X
×
×
X
×
X
×
×
×
×
×
Chegamos, assim, à solução do problema: por exclusão de partes, é a Diana que está
a atender um Encarregado de Educação.
Alberto
Bárbara
Carlos
Diana
aula atendimento fichas clube
×
×
×
X
×
×
X
×
X
×
×
×
×
X
×
×
Os nossos cérebros são sistemas de reconhecimento de padrões. De facto, fácil e instantaneamente reconhecemos padrões como caras, lı́nguas e caligrafias. Para que um
computador reconheça estes tipos de padrões, torna-se necessário modelar o trabalho
das células cerebrais humanas.
É óbvio o quão importante para nós se revela um bom reconhecimento de padrões:
podemos lidar com objetos e situações de uma forma quase imediata. Quanto tempo
9
irı́amos perder se fosse necessária uma análise ı́ntegral da situação de cada vez que
encontrássemos uma lata cilı́ndrica de um fluı́do efervescente? A maioria das pessoas
simplesmente abre a sua lata de refrigerante...
Infelizmente, enclausuramo-nos nos nossos padrões. Tendemos a pensar dentro deles.
Procuramos soluções baseando-nos em soluções prévias de problemas análogos.
Mudar o ponto de vista permite-nos romper com este modo padronizado de pensar. É
o que é necessário para resolver os três problemas que se seguem.
Problema 6. Desenhe quatro segmentos de reta de modo a passar pelos nove pontos
representados, sem levantar o lápis do papel.
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•
•
•
•
Ao abordar este problema, a maioria das pessoas assume que os segmentos de reta têm
de estar confinados à matriz 3 × 3 definida pelos pontos.
Deixando cair esta restrição (que não nos é imposta originalmente), é-nos aberta a
porta para a resolução.
•
•
•
@
@
• @•
•
@
@
•
• @•
Problema 7. Disponha 6 fósforos de modo a obter 4 triângulos equiláteros.
∅
∅
Induzidos em erro pelos problemas de há pouco (onde se pretendia formar quatro
quadrados movendo dois fósforos ou cinco quadrados movendo três fósforos), é natural
que nos restrinjamos ao plano.
Com esta restrição, é impossı́vel fazer o que nos é proposto. Temos de formar um tetraedro (tri-dimensional) para conseguirmos os quatro triângulos equiláteros pretendidos.
10
∅
Problema 8. Dados 3 copos vazios, coloque dentro deles 10 moedas de modo que
cada um dos copos contenha um número ı́mpar de moedas.
∅
Facilmente se verifica que 10 não pode ser escrito como a soma de três números ı́mpares.
No entanto, o problema dado tem solução. Basta mudar o ponto de vista!
∅
Por último, olhemos para um problema cuja resolução se torna mais simples e elegante
se trabalharmos no sentido inverso.
Problema 9. Um quadrado é dividido em cinco retângulos, tal como na figura. Os
quatro retângulos R1 , R2 , R3 e R4 têm todos a mesma área. Mostre que o retângulo
interior R0 é um quadrado.
R4
R1
R0
R2
11
R3
É natural que pensemos em abordar este problema algebricamente.
Suponhamos, então, que o retângulo R1 tem lados a e b e que o quadrado maior tem
lado 1.
1−a
a
b
R4
R1
R0
1−b
R3
R2
Como os quatro retângulos R1 , R2 , R3 e R4 têm área ab, facilmente encontramos quais
os valores dos lados destes retângulos em falta.
1−a
a
b
R4
R1
ab/(1 − a)
R0
1−b
R2
ab/(1 − b)
R3 1 − ab/(1 − a)
1 − ab/(1 − b)
Para que R3 tenha área ab, é necessário que
(1 − ab/(1 − b))(1 − ab/(1 − a)) = ab.
Resolvendo esta equação em ordem a a e a b, conseguimos concluir que R0 é, de facto,
um quadrado, mas o processo é demasiado moroso.
Voltemos, então, ao enunciado do problema. A figura parece sugerir-nos que a + b = 1.
Se tal acontecer, facilmente verificamos que os retângulos R1 , R2 , R3 e R4 têm lados a
e b e, consequentemente, R0 é um quadrado de lado b − a.
Assim, se provarmos que a + b = 1, o problema original fica resolvido. Debrucemo-nos,
então, sobre o seguinte: “Se os quatro retângulos R1 , R2 , R3 e R4 têm todos a mesma
área, então a + b = 1”.
Como vimos na primeira abordagem, apesar da condição sobre as áreas parecer ser fácil
de manipular, ela leva-nos a igualdades de produtos cujos fatores estão relacionados
por equações aditivas. Procuremos, então, trabalhar o problema da frente para trás,
mostrando que “se a + b 6= 1, então os quatro retângulos R1 , R2 , R3 e R4 não têm
todos a mesma área”.
Vamos demonstrar esta implicação por redução ao absurdo. Suponhamos, assim, que
a + b 6= 1 e que os quatro retângulos têm todos a mesma área.
Assumamos que a + b > 1 (o outro caso é análogo). Então, a > 1 − b.
12
1−a
a
b
`2
R4
R1
R0
1−b
R2
`1
R3 1 − `2
1 − `1
Como a > 1 − b e ab = (1 − b)`1 , concluı́mos que b < `1 e, portanto, 1 − `1 < 1 − b.
Mas (1 − `1 )(1 − `2 ) = (1 − b)`1 e, assim, 1 − `2 > `1 , ou seja, `2 < 1 − `1 .
Como `2 (1 − a) = (1 − `1 )(1 − `2 ), concluı́mos que 1 − a > 1 − `2 .
Como 1 − a > 1 − `2 , 1 − `2 > `1 e `1 > b, temos que
1 − a > b, ou seja, 1 > a + b,
o que contraria a nossa hipótese inicial.
Então, se os quatro retângulos R1 , R2 , R3 e R4 têm a mesma área, concluı́mos que
a + b = 1 e, assim, o retângulo R0 é um quadrado de lado b − a.
5. Conclusão
Já em 1944, George Pólya defendia que
“Uma grande descoberta resolve um grande problema, mas há sempre uma ponta
de descoberta na resolução de qualquer problema. O problema pode ser modesto,
mas se ele desafiar a curiosidade e puser em jogo as capacidades inventivas, quem o
resolver pelos seus próprios meios, sentirá a tensão e gozará o triunfo da descoberta.
Tais experiências numa idade suscetı́vel poderão gerar o gosto pelo trabalho mental e
deixar, para toda a vida, a sua marca na mente e no caráter.”
Os problemas apresentados na secção anterior não são, no geral, complexos. Na verdade, são, na sua maioria, acessı́veis a alunos do ensino básico e secundário, pelo que
podem ser utilizados para trabalhar as estratégias de resolução discutidas. Ao resolvê-los, os alunos sentirão o prazer da descoberta e ganharão um á-vontade que lhes
permitirá ir calcorreando terreno no mundo da resolução de problemas.
Bibliografia
1. M. Gardner, aha! Insight, Scientific American, 1978
2. M. Gardner, My best mathematical and logical puzzles, Dover Publications,
1994
3. G. Pólya, A arte de resolver problemas: um novo aspeto do método matemático, Editora Interciência, 1995
13
4. T. Tao, Como resolver problemas matemáticos: uma perspetiva pessoal, 2.a
edição. Texto editora, 2008
5. (15/04/14) Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das
necessidades básicas de aprendizagem Jomtien, 1990.
http://unesdoc.unesco.org/images/0008/000862/086291por.pdf
14
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