Mulheres negras brasileiras ao passar do tempo, da barbárie da

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Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder
Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008
Mulheres negras brasileiras ao passar do tempo, da barbárie da escravidão a atoras sociais
Silvana Veríssimo (Nzinga Mbandi/SP)
Negras; racismo; atoras
ST 69 – Pensamento negro, corporeidade e gênero: textualidades acadêmicas, literárias ativistas.
No Brasil, quando se trata da questão de gênero, há um capítulo que não se pode esquecer:
as mulheres negras.
Chegaram aqui no solo brasileiro escravizadas, vítimas da diáspora, submetidas a todo tipo
de abuso.
Embora houvesse muitas delas fossem utilizadas principalmente, para trabalhos
domésticos; cozinheiras, arrumadeiras, amas de leite, muitas delas eram obrigadas a terem relações
sexuais forçadas com seus senhores.
Quando a escravidão foi abolida por lei, em 1888, a população negra se tornou livre, porém
não tiveram respaldo nenhum do Governo Brasileiro pelos anos que trabalham.
Como os antigos senhores se recusavam empregar os homens negros, as mulheres negras,
simbolizando a sua resistência, foram para as ruas vender seus quitutes, originando renda para suas
famílias.
Passados 120 anos pós-abolição, os dados mostram que houve uma pequena evolução na
situação das mulheres negras brasileiras, mas, os principais desafios que elas enfrentam são o
racismo institucional e machismo.
São 30% do total da população brasileira, maioria chefes de família, ganham menos do que
os homens brancos, as mulheres brancas e os homens negros.
Há um grande desafio na questão gênero e etnia, pois enquanto não houver a implantação
de políticas públicas voltadas especificamente para esse grupo, a tão sonhada igualdade de gênero
estará em um futuro muito distante.
Apesar do Brasil, ser o país com maior população negra do mundo, estamos longe de
vivermos em uma democracia racial. Diversos indicadores disponíveis mostram que as condições
de vida dos negros são muito inferiores àquelas dos brancos: ganham menos, habitam em áreas mais
precárias, menos acesso à educação, etc.
Levando-se em conta o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, a população branca se
qualifica em 46º lugar, enquanto a população negra em 108º, como se existisse dois paises em um
mesmo, o não – negro, desenvolvido, com acesso a educação, saúde, emprego, todos de boa
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qualidade, e o negro, sub-desenvolvido, com altos índices de criminalidade, mortalidade
(principalmente materna e infantil), desemprego, péssimas condições de saúde e moradia.
O Brasil foi à única grande nação moderna onde a escravidão ocupou todo o território, e
essa realidade condicionou o comportamento das classes dominantes e dos segmentos livres da
população em relação à ameaça representada pela presença de enormes contingentes escravizados.
A conseqüência histórica do processo que marginalizou ex-escravos e seus descendentes
foi o racismo que persiste e cria desigualdades profundas entre os segmentos da população.
Seu registro é renovado a cada divulgação de um novo censo ou novo levantamento de
dados sobre a situação social do povo brasileiro, e que revelam invariavelmente a situação de
opressão dos negros. Racismo que não só existe, mas é tão cruel quanto qualquer racismo em
qualquer outra parte do mundo.
No tocante as mulheres negras brasileiras, principais vítimas do racismo institucional
existente no Brasil, muitos fatos são ignorados sobre a lutas das mesmas, e não estão reconhecidos
pela história oficial.
As mulheres negras desempenharam um importante papel durante o período abolicionista,
na aprovação do voto feminino, na organização contra a ditadura, na luta pelo direito ao divórcio,
entre outras mobilizações. Nas últimas décadas as mulheres negras intensificaram a participação e a
organização, a cada evento. Uma luta duradoura, de longos anos, e que já começa a florescer
positivamente, entre Encontros Nacionais de Mulheres Negras, Congressos, Conferências,
realizando intercâmbio importantes com mulheres de todo o mundo na luta pela igualdade, onde há
um destaque especial para a 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial,
Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada em Durban, África do Sul, em 2001, esta última
decisiva para as recentes implantação de políticas de ações afirmativas voltadas para melhoria de
condições de vida para população negra brasileira.
O diagnóstico da situação da mulher negra na sociedade brasileira contemporânea é um
consenso construído pelas pesquisas publicadas pelos vários institutos - DIEESE, SEADE, IBGE e
IPEA - e pelo debate travado nos últimos anos pelas organizações e militância do movimento negro,
feminista - especialmente pelas mulheres negras. Esse consenso contribuiu para avanços na ação
organizada das mulheres negras e refletiu em políticas públicas oferecidas pelo Estado, no entanto,
as necessidades históricas e presentes superam as iniciativas. É provado que em todos indicadores
que medem qualidade de vida a mulher negra sofre desvantagens.
Mercado de Trabalho - Inicia mais jovem; percebe o menor vencimento; ocupa os piores
postos; sofre maior desemprego; maior presença na informalidade e em serviços domésticos; tem
menor mobilidade e dificuldade em se aposentar. Sendo a relação capital trabalho a essência da
dominação capitalista, pode-se afirmar que o impacto nefasto do capitalismo sobre o proletariado
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pesa de forma especial nas mulheres negras. As últimas pesquisas, reafirmam a hierarquia salarial
construída ao longo do tempo onde homens brancos tem maior rendimento salarial (R$ 931,50),
seguidos pelas mulheres brancas (R$ 572,86), homens negros (R$ 450,70) e mulheres negras (R$
290,50), esse é o principal motivo da manutenção das mulheres negras na base da pirâmide social.
Estudos publicados pelo BNDES no ano de 2006 mostram que mantida a evolução dos últimos dez
anos somente em 2081, as mulheres deverão ter salários iguais aos dos homens, levando em conta o
critério raça, a mulher negra chegará a esse rendimento em 2156, esse estudo conclui que embora a
mulher e a mulher negra tenha conquistado maior espaço no mercado de trabalho que demanda
maior qualificação da mão de obra, sua remuneração e inferior a que recebem os homens nos postos
com o mesmo grau de especialização. Diante dos fatos comprovados, cientificamente, o debate
sobre a desigualdade racial e de gênero se faz necessário, para que encontremos medidas que
imponham aos governos e empregadores o pagamento de salários iguais aos que desempenham as
mesmas funções, independente de sexo e raça.
A pobreza brasileira tem impactos desiguais em várias dimensões; geograficamente: temos
cinturões concentradores de miséria regionais (estados do norte e nordeste brasileiro), urbanos (as
periferias dos centros urbanos) e rurais (as pequenas propriedades familiares, remanescentes de
quilombos e as agriculturas de subsistências). Há também outras formas de concentração da
pobreza: a étnica e a de gênero, as mulheres e negros no Brasil tem maior probabilidade de nascer
pobre, nascendo no norte e nordeste, nas periferias urbanas e no campo, a probabilidade de pobreza
aumenta substancialmente.
As famílias brasileiras são chefiadas por mulheres, esse fenômeno é indicador de
fragilidade social, se levarmos em conta que a mulher negra percebe menor salário, as famílias
chefiadas por elas é mais vulnerabilizada que as brancas, ocasionado maior exposição à pobreza e
suas conseqüências. A história oficial brasileira nega a efetiva participação da mulher na construção
da riqueza nacional, razão pela qual, não mostra que a presença da mulher na condição de
sustentáculo econômico das famílias não é um fenômeno novo. Sempre houve famílias matriarcais
no Brasil, principalmente as famílias negras. Por essa razão, as Políticas de Ação Afirmativa tenha
como beneficiárias prioritárias às mulheres e as crianças, principalmente que privilegie as mulheres
arrimo e chefe de família.
Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos: a precariedade do sistema de saúde atinge
particularmente as mulheres negras, em razão de serem, majoritariamente, dependentes do SUS Sistema Único de Saúde. O índice de morbidade se mantém alto, com o aumento da AIDS na
população pobre, especialmente entre as mulheres heterossexuais e casadas; o aborto ilegal,
invariavelmente, é praticado em condições precárias ocasionando danos permanentes e a morte; a
mortalidade materna aumenta com a pobreza e desassistência, devido ao racismo institucional
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ocorrente no Brasil, que após várias denúncias do Movimento Social de Mulheres Negras, constatou
que o tempo de consulta de um mulher branca é 3 vezes mais demorada do que uma consulta a uma
mulher negra, sendo dessa forma, quando uma mulher negra é consultada, tanto em caso de saúde
pública ou privada, ela não tem as informações necessárias quanto às enfermidades.
Educação: as mulheres negras é o maior contingente de analfabetos (IBGE – 2001); desde
crianças sofrem preconceitos em sala de aula, fenômeno que contribui para evasão escolar; gravidez
precoce e entrada no mercado de trabalho, também, dificulta a trajetória das mulheres negras na
escola. Com todas as barreiras impostas, nas décadas de sessenta e oitenta as pesquisas e estudos
demonstram que as mulheres negras aumentaram seu ingresso no ensino superior, embora o
mercado de trabalho se fecha para esse avanço.
Comunicação: os meios de comunicação produziram um estereótipo negativo da mulher
negra, as imagens veiculadas apresentam a figura da mama (negra velha sem família que se realiza
na vida dos patrões), da negra relaxada, de pouca inteligência, da prostituta, da negra obediente,
dócil, submissa associadas à mulher negra, além do excessivo erotismo da “mulata”. Somado aos
estereótipos outro fator de desvantagem é representação desproporcional de figuras negras nos
meios de comunicação. Os estereótipos construídos no imaginário da sociedade e reforçado pelos
meios de comunicação contribui para a depreciação da mulher negra no mercado de trabalho, no
plano educacional e afetivo.
Violência Contra as Mulheres: A violência de gênero funciona como instrumento de
promoção de desigualdades entre homens e mulheres. É uma forma de violência que vitima
principalmente as mulheres, oprimindo, subtraindo direitos e desvalorizando-as. Constitui uma
violação aos direitos humanos e limita o exercício dos direitos fundamentais das mulheres. Na
maioria das sociedades as mulheres são oprimidas. É um fato social que se encontra de forma
transversal em todas as classes sociais, ou seja, na relação afetiva, no mercado de trabalho, interfere
no direito de ir e vir, na relação doméstica, etc. A violência contra a mulher é um dos principais
problemas a ser enfrentado no Brasil e no mundo. Atualmente atingiu uma proporção assustadora
que deve ser combatida, pelo Estado e pela sociedade civil, como um problema de saúde pública. A
violência contra mulher deve ser enfrentada cotidianamente, pois foi construída durante séculos
influenciando na cultura média das nações.
Na esfera pública vemos o assédio sexual ou moral no trabalho agressão sexual, trafico
sexual (segundo pesquisa recente a maioria das vitimas de trafico são mulheres e meninas negras ),
pornografia, proxenetismo organizado, esterilizações forçadas denunciadas no Brasil pelo
movimento negro na década passada. Na esfera privada onde teoricamente as mulheres estariam
seguras por estarem no “lar”, vemos na família violação incestuosa, casamento forçado, estupro
conjugal, pancadas, controle e pressão psicológica, crime contra a honra, etc.
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Dentro dessa realidade as mulheres negras estão mais exposta as variadas formas da
violência em função de a maioria delas se encontrarem em situação sócio econômica e educacional
desfavorável. Estatísticas mundiais sobre a violência contra as mulheres mostram que 50% das
mulheres no mundo são vitimas de violências conjugais; de cada dez mulheres uma e vitima de
estupro pelo menos uma vez na vida; algumas estimativas contabiliza 40 milhões de mulheres
vivem na industria do sexo movimentando 50 milhões de dólares por ano; 4 milhões de mulheres e
meninas são vitimas de vendas, compra para o comercio sexual escravo.
Mas também na negação cotidiana da condição de ser mulher negra, através do racismo e
do sexismo que permeiam todos os campos da vida de cada uma. O resultado: um sentimento de
inferioridade, de incapacidade intelectual e a quase servidão vivenciados por muitas.
A opressão de gênero e raça vivida pelas mulheres negras é agravada para aquelas que tem
a orientação sexual diferente da heterossexual.
A violência contra a mulher é uma constante em praticamente todas a s sociedades e
culturas, que não respeita fronteiras de etnia, geração e classe social.
Todavia, a ausência de dados sobre violência domestica a sexual com recorte étnico,
invisibiliza o papel desempenhado pelo racismo nesta modalidade de violência, o que impede
atenção adequada nas áreas de segurança social, saúde e justiça.
O Movimento Social de Mulheres Negras Brasileiras, apesar de todas as dificuldades
relatadas acima, consegue delinear um novo tempo.
Através de várias mobilizações conjuntas, e a crescente participação em Conferências,
tanto nacionais como internacionais, atestam que as vozes femininas negras começam a ecoar.
Pequenas melhorias estão sendo implantadas no Brasil, e um exemplo foi à implantação da
SEPPIR – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, criada em março de
2003, tem a tarefa de criar estratégias para melhoria das populações marginalizadas, e em especial a
população negra.
É a primeira vez na história do Brasil que é criada uma Secretaria voltada à população
negra.
Para o Movimento Social de Mulheres Negras, é uma vitória, pois desde a criação da
Secretaria, em parceria com outros Ministérios, como o da Saúde e da Educação, foram e estão
sendo realizados vários eventos temáticos, a nível nacional.
A luta das mulheres negras, ao redor da história, sempre foi assegurar os direitos básicos e
fundamentais para a pessoa humana - o acesso ao trabalho remunerado com dignidade, moradia,
assistência à saúde adequada, respeito aos seus valores éticos sociais, culturais e morais.
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A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial – CERD é destinada a proteger e promover os grupos raciais, étnicos ou de origem nacional
ameaçados ou historicamente prejudicados, e nestes grupos estão incluídas as mulheres negras.
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher –
CEDAW está destinada a proteger e promover as mulheres negras que sedimenta as bases da
formação de uma identidade política.
O dia 25 de Julho é um marco para as mulheres negras organizadas na América Latina e no
Caribe, a busca pela dignidade, o fim das desigualdades raciais, da violência e dos efeitos nocivos
do racismo é uma bandeira única entre as mulheres negras da América Latina e do Caribe.
A necessidade do reconhecimento destas mulheres negras redimensionam suas vidas como
agentes de transformação, originando melhorias de vida para várias outras mulheres negras.
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