Trabalho

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CORPO ESTRANHO LINEAR EM CÃO
RELATO DE CASO
Marianne Rafaelle Braz XAVIER1, Raphael Vieira LOPES2, Carina Rodrigues SILVA3, Edson Vilela de MELO
FILHO4, Marcelo Weinstein TEIXEIRA5, Liana Mesquita VILELA6.

Introdução
Corpos estranhos gastrointestinais são quaisquer objetos ingeridos pelo animal que não podem ser digeridos ou que
são digeridos muito lentamente (Hedland&Fossum, 2008). Numerosos objetos podem assumir uma configuração linear
no sistema digestório do animal, tais como barbantes, linhas, meias de nylon, roupas, entre outros. O objeto estranho se
fixa ou se acomoda em algum local do trato gastrointestinal e é arrastado caudalmente por meio de ondas peristálticas,
gerando pregueamento intestinal e, algumas vezes, intussuscepções (Willard, 2010).
Os corpos estranhos lineares são mais comumente observados em gatos que em cães. O vômito de alimentos e/ou
bile é comum, mas alguns animais podem apresentar apenas anorexia e apatia (Willard, 2010). Um estudo realizado por
Hayes (2009) demonstrou que em apenas 3% dos animais que apresentavam corpo estranho linear foi possível sua
visualização na cavidade oral ou no ânus. O diagnóstico pode ser realizado por meio da radiografia e ultrassonografia
abdominal (Willard, 2010).
Devido aos sinais clínicos e a probabilidade de causar ruptura intestinal, os casos de corpos estranhos são
considerados emergências cirúrgicas (Brentano, 2010). A maioria dos corpos estranhos lineares pode ser facilmente
removidos por meio de gastrotomia e/ou enterotomia (Hedland&Fossum, 2008). O objetivo do trabalho é relatar um
caso de corpo estranho linear gástrico e intestinal em cão.
Material e métodos
Foi atendido em um centro de diagnóstico veterinário particular um animal da espécie canina, raça Pitt Bull, macho
com três anos de idade e 33 quilogramas, para realização de ultrassonografia abdominal e endoscopia digestiva, por
estar apresentando quadro de vômitos há duas semanas, emagrecimento progressivo, desidratação leve e dificuldade de
deglutição. Os achados ultrassonográficos revelaram dilatação de alças intestinais em alguns segmentos, com presença
de imagem de múltiplas camadas de anéis concêntricos “em forma de alvo” no abdômen cranial, sugerindo quadro de
intussuscepção, podendo estar associado a corpo estranho linear. O veterinário responsável pelo caso decidiu
encaminhar o paciente para endoscopia e laparotomia exploratória.
O paciente deu entrada no setor de cirurgia de um hospital veterinário particular, onde foi realizado o exame físico e
exames pré-operatórios: hemograma completo, eletrocardiografia e ecocardiodopplergrafia, que não demonstraram
alterações significativas. Devido à agressividade do paciente, não foi possível a inspeção da cavidade oral.
Posteriormente, foi instituída fluidoterapia intravenosa (IV) com solução de NaCl 0,9% (10ml/kg/h). Como medicação
pré-anestésica utilizou-se acepromazina na dose de 0,04mg/kg e tramadol na dose de 2mg/kg, ambos por via
intramuscular. Após 20 minutos, procedeu-se a indução anestésica com propofol na dose de 4mg/kg/IV. No momento
da intubação endotraqueal, pode-se realizar a inspeção da cavidade oral, onde observou-se a presença de corpo estranho
linear preso na base da língua, confirmando o diagnóstico. Realizou-se o corte do corpo estranho na base para sua
liberação e o paciente foi intubado. A manutenção anestésica foi feita com isoflurano a 2,5% em fluxo constante de
oxigênio em circuito semi-fechado. Realizou-se então a endoscopia, onde observou-se a presença do corpo estranho
linear desde a faringe, esôfago, estômago e projetando-se pelo piloro em direção ao duodeno.
Após a antissepsia do campo operatório e colocação dos panos de campo, realizou-se uma incisão pré-retro umbilical
na linha média, possibilitando a exploração completa do trato gastrointestinal. Desta forma, observou-se o corpo
estranho localizado desde o estômago até o terço distal do jejuno, causando pregueamento e duas áreas de
intussuscepção nessa parte do intestino. Realizou-se uma primeira enterotomia jejunal, tracionou-se e seccionou-se o
corpo estranho que apresentava-se cranial a incisão. A segunda enterotomia foi realizada no terço médio e a terceira no
terço distal do jejuno, realizando-se a tração crânio-caudal do corpo estranho até a sua completa remoção. As
1
Primeiro Autor é Marianne Rafaelle Braz Xavier, Graduando do curso de Medicina Veterinária, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua
Dom Manoel de Medeiros, S/N, Dois Irmãos, Recife- PE, CEP: 52171-030. E-mail: [email protected]
2
Segundo Autor é Raphael Vieira Lopes, Graduando do curso de Medicina Veterinária, Universidade Estadual do Ceará. Av. Dedé Brasil, 1700 Itaperi, Fortaleza - CE, 60740-000
3
Terceiro Autor é Carina Rodrigues Silva, Graduando do curso de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Vale do São Francisco. Rua Nilo
Coelho, S/N, Petrolina-PE, CEP: 56300-000.
4
Quarto autor é Edson Vilela de Melo Filho, Doutorando da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manoel de Medeiros, S/N, Dois
Irmãos, Recife- PE, CEP: 52171-030
5
Quinto autor é Marcelo Weinstein Teixeira, Professor Adjunto do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal, Universidade Federal Rural de
Pernambuco. Rua Dom Manoel de Medeiros, S/N, Dois Irmãos, Recife- PE, CEP: 52171-030
6
Sexto autor é a Liana Mesquita Vilela , Professora Doutora do Centro Universitário CESMAC. CAMPUS I - Campus Professor Eduardo Almeida,
Rua Cônego Machado, 918, Farol,Maceió – AL. CEP: 57051-160.
intussuscepções foram reduzidas manualmente por tração dos componentes intussuscepto e intussuscepiente. As
enterorrafias foram realizadas com fios de ácido poliglicólicomonofilamentar 4-0 com padrão de sutura isolado simples.
A síntese da cavidade abdominal se deu como de rotina.
Após o procedimento cirúrgico, o paciente foi encaminhado para internamento com prescrição de ceftriaxona na dose
de 30mg/kg/IV a cada 12 horas, meloxicam 0,1 mg/kg/SC a cada 24 horas, tramadol 2mg/kg/IVa cada 8 horas e
metronidazol 15mg/kg/IV a cada 12 horas. O paciente permaneceu em fluidoterapia intravenosa (50ml/kg/24 horas),
sobre monitoramento intensivo. Estabeleceu-se jejum pós-cirúrgico de 48 horas, recebendo alta no terceiro dia de
internação e sendo recomendada a administração via oral de: cefalexina 30mg/kg/12 horas por sete dias, meloxicam
0,1mg/kg/24 horas por 3 dias e Metronidazol 15mg/kg/12 horas por sete dias.
Resultados e Discussão
De acordo com Hayes (2009), a incidência de corpo estranho gastroduodenal em cães pode chegar a 30% e em gatos
pode alcançar 48%. Gianella et al. (2009), afirma que embora qualquer raça possa apresentar obstrução por corpos
estranhos, os cães de raças pequenas são os mais acometidos devido ao menor diâmetro dos órgãos tubulares. A maioria
dos cães acometidos tem menos de quatro anos de idade, sendo os animais jovens e brincalhões os mais propensos à
ingestão de corpos estranhos. (Hedland&Fossum, 2008).
A suspeita de corpo estranho linear ocorreu através da apresentação clínica do animal com sinais de emagrecimento
progressivo, vômitos, desidratação leve e dificuldade de deglutição e dos achados ultrassonográficos sugestivos. Brown
(2007) relatou que os vômitos, a anorexia e a depressão são os sinais clínicos mais encontrados em cães e gatos
acometidos por tal afecção. A ultrassonografia abdominal demonstrou acurácia e sensibilidade para visualização das
alterações intestinais, compatíveis com corpo estranho linear, conforme citado por Souza et al. (2012).
O diagnóstico de corpo estranho linear se confirmou através da visualização do barbante preso na base da língua do
animal (Figura 1A), porém, essa visualização no exame físico só é possível em apenas 3% dos casos (Brown, 2007;
Hayes, 2009), dessa forma, o achado pode ser considerado raro em cães. O diagnóstico ágil é importante, devido ao
risco de perfuração duodenal (Hall, 2004), portanto a laparotomia exploratória é o melhor meio de exploração completa
e confiável da cavidade abdominal, conforme descrito por Bistner&Ford (1997).
Willard (2010) relata que o tratamento pode variar de acordo com o estado do animal. O tratamento conservador
pode ser adotado quando o corpo estranho linear for visualizado um a dois dias após sua ingestão preso na base da
língua, onde é indicado o corte do objeto e constante monitoramento de modo a observar sua passagem pelo intestino
sem maiores dificuldades. No entanto, se não houver melhora no quadro de 12 a 24 horas após o corpo estranho ter sido
liberado, é indicado o procedimento cirúrgico. Pode-se tentar retirar o objeto estranho por meio da endoscopia, se ele
estiver fixado por um intervalo menor que dois a três dias, principalmente se a massa presente for de algodão ou tecido
(Hall, 2004). Neste caso, optou-se pela laparotomia devido ao histórico de ingestão do corpo estranho ter corrido há
cerca de duas semanas.
A enterotomia foi a técnica aplicada, pois permite avaliar todo o trato gastrointestinal. A incisão deve ser feita no
tecido sadio no sentido distal ao corpo estranho, onde este precisa ser removido sem romper o intestino. A síntese do
intestino é efetuada com uma força aposicional delicada na direção longitudinal ou transversa, empregando pontos
simples interrompidos (Hedlan&Fossum, 2008). Neste paciente, a retirada de todo o comprimento do corpo estranho
resultou em três enterotomias (Figura 1B e 1C). O corpo estranho não pode ser tracionado com força exagerada, pois
expõe ao risco de perfuração de uma parede intestinal danificada (Brown, 2007). No caso das intussuscepções, o
tratamento é cirúrgico (Figura 1D). As intussuscepções agudas devem ser resseccionadas ou reduzidas por meio de
tração, como no caso em questão, enquanto nas formas crônicas frequentemente é necessário realizar a enterectomia e
anastomose (Willard, 2010).
O prognóstico é bom, se não ocorrer uma peritonite séptica grave ou se não houver necessidade de uma extração
intestinal maciça (Willard, 2010). Como a possibilidade de morte e peritonite é quase duas vezes maior no cão do que a
relatada em gatos, concluiu-se, que o prognóstico em caninos é considerado reservado (Brown, 2007). O animal passou
a se alimentar normalmente e até o presente momento e não exibiu qualquer sinal de infecção.
Referências
BISTNER, S.; FORD, R.B. Manual de procedimentos veterinários e tratamentos de emergências. 6.ed. São Paulo:
Roca, 1997.
BRENTANO, L.M. Cirurgia Gástrica em cães. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2010.
Trabalho de Conclusão de Curso.
BROWN, D.C. Intestino Delgado. In: SLATTER. D. Manual de Cirurgia de Pequenos Animais. 3ed, São Paulo,
Manole, 2007, v.1, p.644-664.
GIANELLA, P.; PFAMMATTER, N.S.; BURGENER, I.A. oesophageal and gastric endoscopic foreign body removal:
Complications and follow-up of 102 dogs. Journal of Small Animal Practice, v.50, p.649-654, 2009.
HALL, J.A. Doenças do estômago. In: ETTINGER, S.J.; FELDMAN, E.C. Tratado de Medicina Interna Veterinária:
Doenças do Cão e do Gato. 5 ed., v.2, Guanabara Koogan: Rio de Janeiro, 2004, p. 1233.
HAYES, G. Gastrointestinal foreign bodies in dogs and cats: a retrospective study of 208 cases. JournalofSmall Animal
Practice, v.50, p. 576–583, 2009.
HEDLUND, C.S.; FOSSUM, T.W. Cirurgia do Sistema Digestório. In: FOSSUM, T.W. Cirurgia de Pequenos Animais.
3ed, Rio de Janeiro, Elvesier, 2008, p.339-530.
SOUZA A.C.; FROES, T.R.; GARCIA, D.A.A.; OLIVEIRA, D.C. Ultrassonografia na Avaliação Gástrica e Duodenal
na Busca de Corpos Estranhos. Vet e Zootec. 2012; 19(1), 39-42.
WILLARD, M.D. Distúrbios do Sistema Digestório. In: NELSON, R.W.; COUTO, C.G. Medicina Interna de Pequenos
Animais. 4ed., Rio de Janeiro, Elvesier, 2010, p. 351-484
A
C
B
D
Figura 1: Cirurgia de Enterotomia em cão. A) Identificação do corpo estranho linear preso na base
da língua (seta); B) Enterotomia (seta) e retirada de corpo estranho linear na porção distal do jejuno;
C) Aspecto do corpo estranho linear após sua retirada; D) Intussuscepção em porção distal de jejuno.
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