Alex bellucco

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Resenha: Gil Pérez, D, et al. Para Uma Imagem Não Deformada Do Trabalho
Científico. Ciência & Educação, v.7, n.2, p. 125-153, 2001.
Texto completo disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ciedu/v7n2/01.pdf
Com base numa extensa revisão, os autores afirmam que o ensino em todas
estâncias transmite visões deformadas de ciência, e uma das razões é que o seu ensino é
baseado na apresentação de conhecimentos previamente elaborados, no lugar de ser uma
atividade investigativa. E isto, impede uma renovação efetiva da Educação em
Ciências/Didática das Ciências. Dessa forma, a opção epistemológica do docente é um
dos fatores que faz a estratégia pedagógica adquirir sentido e importância. Estou de
acordo com os autores, pois como se pode ensinar ciência, sem ter uma idéia mais ou
menos clara do que ela seja? Assim, esse campo se transformou numa importante linha
de investigação.
Portanto, se faz necessário discutir uma visão aceitável do trabalho científico,
falando de suas características, evitando simplificações e deturpações. Para tal fim, o
artigo foi dividido em duas partes, na primeira mostram-se quais são as visões
deformadas de ciência mais comuns, na segunda, evidencia-se os pontos comuns entre
as diversas perspectivas e teses epistemológicas de diversos autores de peso, e suas
implicações educativas.
Evidenciar as deformações do trabalho científico pode ajudar a questionar
concepções e práticas, que não estão de acordo com uma visão mais adequada, se
aproximando da mesma.
1. A primeira deformação encontrada, e uma da mais freqüentes na literatura é a
concepção empírico-indutivista e ateórica, que enfatiza o caráter “neutro” da
observação e da experimentação, esquecendo o papel fundamental e orientador da
investigação que as hipóteses possuem, além das teorias como orientadoras do processo.
É importante mencionar, que os professores mencionam essa concepção com pouca
freqüência, mostrando como ela está enraizada nos seus saberes.
2. A segunda deformação encontrada foi a rígida (algorítmica, exata,
infalível...), que tem o “método científico” como o orientador da pesquisa, sendo, um
conjunto de etapas rígidas a serem seguidas. Também, é enfatizado um tratamento
quantitativo, um controle rigoroso, etc., recusando a criatividade, as tentativas e erros,
as dúvidas... Essa concepção é muito difundida entre professores, e também, muito
criticada a ponto de recusa-la em favor de um relativismo extremo no âmbito
metodológico (qualquer metodologia é válida), e no âmbito conceitual (não existe uma
realidade objetiva que valide e assegure a validade das construções científicas: a única
base que se apóia o conhecimento é o consenso da comunidade científica).
3. A terceira deformação, muito ligada a anterior, é a aproblemática e
ahistórica (ou dogmática e fechada). Nela, o conhecimento é transmitido sem mostrar
os problemas que lhe deram origem, sua evolução, as dificuldades encontradas etc,
perdendo-se de vista, como afirma Bachelard, “todo conhecimento é resposta a uma
pergunta”, e também, a compreensão da racionalidade de todo o processo e
empreendimento científicos. Muitos professores de ciência não fazem referência a esse
tipo de visão, o que reforça a sua forte existência no ensino de ciências.
4. Uma visão que é pouco mencionada na literatura e apenas mencionada por
professores é a exclusivamente analítica, que enfatiza a divisão parcelar dos estudos, o
seu caráter limitado, simplificador. Ignorando os esforços posteriores de unificação e
construção dos corpos coerentes de conhecimentos cada vez mais amplos.
5. Outra concepção pouco difundida tanto na literatura quanto por professores, é
a visão aculumativa de crescimento linear dos conhecimentos científicos (o nome já
diz do que se trata). Ela ignora as crises e remodelações profundas, fruto de processos
complexos que não se desejam e não se deixam moldar por um modelo (pré)definido de
mudança científica. Vale lembrar que essa concepção é complementar a rígida.
6. Uma das mais difundidas na literatura e entre os professores é a visão
individualista e elitista da ciência, que mostra o conhecimento como obras de gênios
isolados, ignorando a sua construção coletiva e o trabalho de/entre equipes. Faz-se
acreditar que a confirmação/refutação de uma hipótese de uma pessoa ou equipe é
suficiente para verificar uma teoria. Reforça-se uma visão distorcida de uma atividade
de uma minoria especialmente dotada, exclusivamente masculina, sem erros, e algo do
senso comum (desconsiderando o fato que a construção científica parte do
questionamento sistemático do óbvio e contra o senso comum). Assim, a ciência tornase algo inacessível aos estudantes – como foi para mim.
7. A última deformação mostrada é a que transmite uma imagem
descontextualizada, socialmente neutra da ciência, desconsiderando as relações
complexas entre ciência, tecnologia, sociedade (CTS). Proporcionando uma visão de
cientistas como seres “acima do bem e do mal”.
Vale lembrar que essas sete visões deformadas sobre o trabalho científico não
aparecem separadas nos alunos e professores, mas como um todo conceitual, pois elas
não são autônomas, e formam uma imagem global ingênua da ciência, que passou por
um processo até ser socialmente aceita. Isso é reforçado por um ensino que visa apenas
a transmissão de conhecimentos.
A seguir, os autores apresentam a partir da leitura de diversos autores um
consenso básico numa série de elementos-chave que formam uma visão de ciência
oposta às apresentadas anteriormente.
1. Recusa de um “Método Científico” em favor de um pluralismo
metodológico.
2. Recusa de um empirismo que concebe os conhecimentos científicos como
resultados da inferência indutiva a partir de “dados puros”. Ou seja, toda investigação é
marcada pela teoria construída (sabendo que esse processo não é linear, e pode haver
rupturas, reformulações e mudanças revolucionárias). Sendo que, o conhecimento
científico se desenvolve a partir de “situações problemáticas”.
3. São as hipóteses (baseadas nos conhecimentos adquiridos) que orientam a
procura de dados para responderem a questão que se coloca.
4. A procura de uma coerência global, ou melhor, é preciso mostrar coerência
dos dados obtidos com os de outras situações, e com o corpo de conhecimentos vigente.
Isso é visto pelas grandes unificações na ciência, que partem de problemas menores.
Assim, existe uma validade (e não verdade absoluta) sobre a aplicabilidade dos
conceitos e teorias para um funcionamento correto na descrição de fenômenos,
realização de previsões, na abordagem e estabelecimento de novos problemas etc.
5. Existe um caráter social do desenvolvimento científico, evidenciado por um
paradigma vigente, grupos de pesquisas (com homens e mulheres), laboratórios
multidisciplinares, linhas de investigação etc. Além do mais, há também, a influência do
momento histórico nessas pesquisas, sem que se caia em um relativismo ingênuo
incapaz de explicar os avanços científicos-tecnológicos, havendo uma influência sobre o
meio físico e social que a ação dos cientistas se inserem.
Esse esforço em esclarecer essas visões, segundo os autores, traz algumas
implicações para o ensino das ciências.
Mostrar uma clarificação da natureza do trabalho científico dá condições aos
professores para escolher o que querem potencializar no trabalho de seus alunos e
alunas, além de analisar se os materiais didáticos ignoram algum aspecto básico ou
transmitem uma visão distorcida da ciência.
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