a formação do estado e do mercado nacionais alemães

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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Economia
A FORMAÇÃO DO ESTADO E DO MERCADO
NACIONAIS ALEMÃES: UMA PERSPECTIVA
HISTÓRICA
CLARICE MENEZES VIEIRA
Rio de Janeiro
2006
Clarice Menezes Vieira
A FORMAÇÃO DO ESTADO E DO MERCADO
NACIONAIS ALEMÃES: UMA PERSPECTIVA
HISTÓRICA
Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Doutora em
Economia Industrial.
Orientador:
Prof. Dr. José Luis Fiori
Rio de Janeiro
2006
Vieira, Clarice Menezes
A formação do estado e do mercado nacionais alemães: uma
perspectiva histórica / Clarice Menezes Vieira. – Rio de Janeiro :
UFRJ/IE, 2006.
148f.: il.; 30 cm.
Orientador: José Luis Fiori
Tese (doutorado) – UFRJ, Instituto de Economia, Programa de
Pós-graduação em Economia Industrial, 2006.
Bibliografia: f. 124-133.
1. Alemanha – Política econômica – História. 2. Alemanha –
História econômica – Século 19. 3. Alemanha – Política e governo –
História. I. Fiori, José Luis.
CDD 330.943155
A FORMAÇÃO DO ESTADO E DO MERCADO
NACIONAIS ALEMÃES: UMA PERSPECTIVA
HISTÓRICA
Clarice Menezes Vieira
Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Doutora em
Economia Industrial.
Aprovado por:
_______________________________________
Presidente, Prof. Dr. José Luis Fiori (IE/UFRJ)
_______________________________________
Prof. Dr. Jaques Kerstenetzky (IE/UFRJ)
_______________________________________
Prof. Dra. Vânia Maria Cury (IE/UFRJ)
_______________________________________
Prof. Dr. José Carlos de Souza Braga (IE/UNICAMP)
_______________________________________
Prof. Dr. Fernando Augusto da Rocha Rodrigues (IFCS/UFRJ)
Rio de Janeiro
2006
ao Pepeto, que tantas alegrias me trouxe
AGRADECIMENTOS
O momento de elaborar esta lista é aquele em que nos damos conta de que, no fundo, não
somos nós que merecemos os “louros”. Todos os eventuais méritos desse trabalho vão para as
inúmeras pessoas que contribuíram de alguma forma para a sua realização, em especial:
9 a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, da qual
fui bolsista;
9 o Prof. José Luis Fiori, mente cuja criatividade, liberdade e brilhantismo encontrei
poucas similares;
9 o Prof. Fernando Rodrigues, que me prestou “consultoria” atenciosa na língua alemã;
9 meus colegas da graduação: Estherzinha, Val, Fábio, Dodô, Débora;
9 os funcionários do Instituto de Economia, especialmente a Beth e a (queridíssima)
Anna Lucia;
9 todos os meus professores, mas especialmente Getulio, Lucia, Vânia e Carmen (em
memória), que me ensinaram tudo que é preciso saber para viver com coragem, ética e
dignidade;
9 os amigos do GAPA, especialmente Carlos Eduardo & Rosemary e Cristiana &
Alexandre;
9 os amigos da OIKOS: Succar, Aninha, Seven, Ed;
9 os amigos do coração: Maria Freire, Julio, Pedrosa, Arthur, Maria Malta, Mauricio,
Marcinha & Elci, Flávinha;
9 e, acima de tudo, a minha grande e maravilhosa família, que suportou com paciência
todos os meus humores: Mamy, Papy, Rose, Vladito, Coisinha, CC, Mansur,
Fernando, Hazel, Débora, Claudinha, Dana, Letixe, Gisele, Marcelinho, Tita, Cynthia
e Sonia.
“Toda a explicação unilateral me parece odiosa e, hoje, diante da amplitude
da tarefa, um pouco vã. Karl Marx que, entretanto, tinha esse desejo
autoritário, próprio a todo o sábio, de visar o essencial e o simples (...)
escrevia, não obstante, a 18 de março de 1872, a Maurice de La Châtre: ‘Não
há estrada real para a Ciência.’ Não o esqueçamos muito! É por múltiplos e
difíceis atalhos que nos cumpre caminhar.”
Fernand Braudel
RESUMO
O processo de formação do Estado Nacional Alemão foi abordado a partir de um referencial
teórico que privilegia a constituição simultânea de uma unidade política territorial
centralizada e de um espaço econômico “coerente”. Neste sentido, partiu-se do conceito de
Estado Nacional enquanto produto de uma combinação histórica particular entre as forças
econômicas e a configuração geopolítica de um determinado espaço.
Foram inicialmente analisados do ponto de vista histórico: i) o processo de centralização de
poderes internos e de expansão territorial da “Prússia” a partir de meados do século XVII; ii)
o espaço “econômico” da Europa Central em inícios do século XIX.
Buscou-se mostrar, a partir destas análises, que, ao longo do século XIX, o espaço da Europa
Central “alemã” gradualmente apontou para a formação de uma unidade econômica
“coerente” sem a incorporação da Áustria, materializada na União Alfandegária (Zollverein)
instituída em 1834. A formação desta unidade, ao mesmo tempo, foi fortemente influenciada
pela configuração geopolítica da Europa Central ao longo daquele século, instituída
especialmente no Congresso de Viena, que correspondeu ao “congelamento” das fronteiras
territoriais de seus Estados, embora mantendo uma tensão política permanente entre eles.
Neste sentido, as forças econômicas teriam se combinado de forma original às forças
geopolíticas para dar origem, com a formação do Segundo Império Alemão em 1871, à
unidade híbrida do “estado-economia nacional” alemão, que apresentava, enquanto tal,
dinâmica econômica e política que poderia ameaçar o status quo europeu em inícios do século
XX.
ABSTRACT
The formation process of the German National State was considered from a theoretical point
of view which privileges the simultaneous constitution of both a centralized politicalterritorial unity and a coherent economic space. In this way, my starting point was the concept
of National State as a product of a particular historical combination of economic forces and
geopolitical configuration on a given space.
At first, I analyzed from a historical point of view: i) the processes of internal power
centralization and territorial expansion of “Prussia” in the middle of the seventeenth century;
ii) the “economic” space of Central Europe in the beginnings of the nineteenth century.
The purpose of this analysis was to show that the German space in Central Europe tended
gradually, during the nineteenth century, to the formation of a coherent economic unity
without Austria, materialized in the Tariff Union (Zollverein) instituted in 1834. At the same
time, the formation of this unity was strongly influenced by the geopolitical configuration of
Central Europe in that century, as instituted by the Vienna Congress, a configuration marked
by States with “frozen” territorial boundaries that were, nevertheless, kept in a state of
permanent political tension.
The economic forces would so have recombined themselves, in an original way, with the
geopolitical ones, giving birth to the hybrid unity of the German “national state-market” of
the Second Reich in 1871; as such, this unity comprised political and economic dynamics that
could even threat the European status quo in the beginnings of the twentieth century.
SUMÁRIO
PREFÁCIO
01
INTRODUÇÃO: DEFINIÇÕES E METODOLOGIA
02
CAPÍTULO 1: A CONSTRUÇÃO E A EXPANSÃO TERRITORIAL DO
ESTADO PRUSSIANO
13
1.1 – O Estado Hohenzollern: 1648
1.2 – A Evolução do Estado Hohenzollern: 1648-1806
CAPÍTULO 2: O ESPAÇO ECONÔMICO “ALEMÃO” EM ÍNÍCIOS DO
SÉCULO XIX
2.1 – Introdução
2.2 – Características Gerais
2.3 – Principais Regiões Econômicas
13
19
45
45
47
55
CAPÍTULO 3: A CONFEDERAÇÃO GERMÂNICA E A FORMAÇÃO DO
ZOLLVEREIN
68
3.1 – O “mercantilismo” no Sacro Império Romano até 1806
3.2 – A Confederação Germânica e o Estado Prussiano: 1815
3.3 – A Tarifa de 1818 e a Formação de Uniões Alfandegárias: 1815-1828
3.4 – A Formação do Zollverein
68
75
84
96
CAPÍTULO 4: A FORMAÇÃO DO “ESTADO-ECONOMIA NACIONAL”
ALEMÃO
4.1 – A Evolução do Zollverein
4.2 – O “estado-economia nacional” alemão
4.3 – Conclusões e Hipóteses
102
103
111
116
REFERÊNCIAS
124
APÊNDICES
134
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Possessões das Principais Dinastias da Europa Central: 1648
14
Figura 2: A Expansão Territorial Hohenzollern: 1648-1807
37
Figura 3: Quadro Cronológico: 1648-1807
42
Figura 4: O Espaço Econômico “alemão”: Inícios do Século XIX
67
Figura 5: A Confederação Germânica: 1815
76
Figura 6: Uniões Alfandegárias na Confederação Germânica: 1828
95
Figura 7: O Zollverein: 1834
101
Figura 8: A Evolução do Zollverein: 1834-1866
104
Figura 9: Configurações Geopolíticas da Europa: Séculos XVIII e XIX
120
Figura 10: Estrutura Política do Sacro Império Romano
137
Figura 11: Estrutura Geral das Titulações Nobres do Sacro Império Romano
139
Figura 12: Evolução Dinástica Hohenzollern: 1415-1618
145
1
PREFÁCIO
A ciência econômica desenvolveu, a partir da necessidade de definir um objeto próprio de
estudos, uma maneira particular de se relacionar às demais ciências sociais. Em poucas
palavras, afirmou que a vida econômica tem um tal grau de autonomia com relação às demais
esferas da vida social que se torna viável e apropriado o desenvolvimento de uma ciência
única para dela tratar. Se os fatos econômicos têm uma dinâmica própria e relativamente
independente daquela dos demais fatos sociais, é possível elaborar todo um campo de saber
isolando os primeiros dos últimos e os tratando de forma “pura”.
Economistas que afirmem que a vida econômica não pode ser compreendida, sequer na
Modernidade, de forma isolada dos demais elementos da vida social, especialmente dos
elementos políticos, são, portanto, na maioria dos casos, tratados como heterodoxos.
Não é interesse desta tese discutir a validade das “hipóteses” acima, ou até que ponto elas
correspondem à realidade das pesquisas da ciência econômica atual. Porém, sua motivação
inicial originou-se de dois elementos por elas sugeridos: i) da impressão de que os
economistas a utilizam indiscriminada e, muitas vezes, arbitrariamente; ii) de que meus
estudos até a entrada no Programa de Doutorado não haviam sido suficientes para adotá-las
sem reservas.
Enquanto investigação empírica, o problema da formação dos Estados Nacionais e, em
especial, aquele do relacionamento entre a formação dos mercados e dos estados nacionais
pareciam bons candidatos a coadjuvantes no tratamento desta questão teórica “mal resolvida”
acerca da possibilidade da ciência econômica pura. A Alemanha, em especial, com seus
contra-sensos, suas “peculiaridades”, sua maneira única de simultaneamente se alinhar e
desalinhar à Europa, insinuava-se como um bom “estudo de caso”.
2
INTRODUÇÃO: DEFINIÇÕES E METODOLOGIA
As Ciências Sociais1 têm dedicado grande atenção ao estudo da formação dos Estados
Nacionais da Europa do século XX2,3. A forma mais comum de “contar estas histórias” é
olhar para o passado à luz das realidades contemporâneas, ou seja, buscar caminhos que
conduzam aos Estados existentes no presente. Em outras palavras, grande parte dos estudos
sobre a formação dos Estados Nacionais utiliza o que Charles Tilly denominou “análise
retrospectiva”4. Este tipo de análise, porém, como destaca o autor, envolve inúmeras
dificuldades conceituais e teóricas:
The choice of contemporary states as units for the long-run comparison of ‘political
development’ causes grave difficulties. For everything which is dubious about the coherence
of a nation, political system, or society identified by its relationship to a particular state at a
single point in time becomes much more dubious when it comes to the study of a very long
span of time. (1975c, pp. 618-619)
Ao mesmo tempo, outro elemento “tradicional” às abordagens sobre a formação dos Estados
Nacionais é a tentativa de associar historicamente a Nação e o Estado, ou, mais
especificamente, observar como uma determinada “Nação” encontrou seu caminho para a
formação de uma entidade política unificada. As dificuldades sugeridas por Tilly ampliam-se
ainda mais para estes casos, pois, como demonstrou Hobsbawm (1990), o conteúdo objetivo
ou “científico” do conceito de “Nação” é bastante limitado5.
No caso da Alemanha contemporânea, a importância adquirida historicamente pela idéia da
“Nação Alemã” tem levado a uma concentração do “foco” historiográfico em seu entorno,
especialmente a partir da suposta existência de uma tensão entre a Nação “Cultural” e a Nação
1
Englobando nestas não apenas a Sociologia, mas igualmente as Ciências Políticas, Econômicas e a História;
De fato, esta parece ter se tornado uma “linha de pesquisa” própria não apenas da História, mas também da
Ciência Política e da Sociologia, e, portanto, o número de estudos a ela dedicado é bastante volumoso; para citar
apenas uma referência, embora de grande importância para os diversos “campos” das Ciências Sociais, ver
TILLY (ed.), 1975; neste contexto, as próprias definição e caracterização do “Estado Nacional” são alvo de
disputas teóricas;
3
Entenda-se que, doravante, termos como “Estados Nacionais”, “Nações”, “Estados Territoriais”, etc. estarão
sendo utilizados apenas no contexto da Europa Moderna;
4
“A retrospective analysis begins with some particular historical condition (...) and searches back for its
causes.” (1975b, p. 14); as dificuldades e possibilidades de serem utilizados outros tipos de análise,
especialmente a chamada “análise prospectiva”, são problemas “metodológicos” próprios daquela “linha de
pesquisa” e, em grande medida, da historiografia em geral; para uma discussão no que se refere à formação dos
Estados Nacionais, ver o Capítulo 1 da obra editada por Charles Tilly;
5
Esta é a “definição” do conceito por Walter Bagehot: “a nação é um daqueles muitos fenômenos que
compreendemos, desde que não nos façam perguntas sobre ele, mas que não sabemos explicar em termos breves
e sucintos” (citado em BAUER, 2000, p. 45); para uma resenha acerca das discussões teóricas sobre o conceito
de “nação”, ver SMITH, 2000;
2
3
“Política”. Esta concentração, porém, parece ter aumentado ainda mais a complexidade das
pesquisas centradas sobre a formação de seu Estado Nacional, na medida em que impôs a
elas, como uma de suas tarefas, a busca de correspondências claras e objetivas entre o “Estado
Nacional Alemão” e a “Nação Alemã”6. Grande parte das pesquisas, daí por diante, passou a
se organizar em torno de um problema central: como justificar, a partir dos critérios gerais
que orientam o entendimento contemporâneo a respeito da “nacionalidade”, o caminho
tomado pelo Estado Nacional Alemão, ou, mais especificamente, por que certas regiões, como
a Áustria, não teriam sido nele incluídas.7
Estes “problemas” ganham ainda importância na medida em que a historiografia da formação
dos Estados Nacionais privilegia três “casos” empíricos centrais: os da França, da Inglaterra e
da Alemanha; e na medida em que, para os dois primeiros, não encontra em geral as mesmas
dificuldades em estabelecer tais correspondências como para o terceiro. Em outras palavras, o
“desafio” de encontrar tais justificativas torna-se mais instigador quando se amplia na
pergunta: por que, para a Alemanha, não existe o mesmo grau de correspondência entre a
“Nação” e o “Estado” modernos daquele observado para os casos da França e da Inglaterra?
Mais geralmente, a historiografia parece encontrar uma certa continuidade entre as entidades
pré e pós formação do Estado Nacional para os casos da França e da Inglaterra, usualmente
atribuída ao elemento da nacionalidade8, que não encontra para o “caso” da Alemanha. Esta
continuidade teria como evidência, por exemplo, localizações geográficas relativamente
estáveis destes Estados séculos antes da instituição de suas “formas” Nacionais9 (auxiliada, no
6
A obra tradicional a respeito do relacionamento entre o Estado e a Nação Alemães é a de MEINECKE (1970);
para uma discussão moderna, ver ABELLÁN (1997); ou LANGEWIESCHE (1994);
7
“If Germany was defined in terms of language, culture or even race, how could it end at the borders created by
Bismarck? Should it not include Germans in Austria, in White Russia, in the Americas and the African
colonies?” (BLACKBOURN, 1998, p. xvii);
8
Certamente isto não significa, no entanto, que este elemento, que torna tais identificações supostamente mais
diretas, seja objetivo e claramente identificável, ou que coincida com aqueles que viriam a reivindicar os
nacionalismos britânico e francês dos séculos XIX e XX; ver, a esse respeito, o capítulo 1 de HOBSBAWM
(1990);
9
Ou, mais geralmente, por serem aquilo que GIDDENS classificou como ‘estados contínuos’: “Os dois
exemplos básicos [de Estados que instalaram capitais fixas relativamente cedo], a França e a Inglaterra, foram
‘Estados contínuos’ por centenas de anos. Isso quer dizer que eles não foram conquistados ou sujeitos a um
domínio alheio sobre suas regiões centrais.” (2001, p. 142); porém, as dificuldades metodológicas em associar
entidades históricas em diferentes pontos do tempo são, para estes casos, dirimidas, mas não resolvidas: “Among
the areas studied in this volume, England and France seem the least contestable cases; even there we must make
hard decisions concerning Scotland, Wales, Ireland, Britany, and Alsace (not to mention Jersey, Guernsey,
Andorra, or Monaco).” (TILLY, 1975c, p. 619);
4
caso da Inglaterra, por sua posição insular, e, no caso da França, por uma centralização
política precoce em torno de sua Corte).
Em resumo, a ausência de uma centralização geográfica ou territorial estável10, um foco
excessivo sobre a idéia de “Nação Alemã” e a comparação com os casos inglês e francês
contribuíram para atribuir ao estudo da formação do Estado Nacional Alemão um caráter
semelhante ao de um “enigma” historiográfico11.
Grande parte da historiografia da Alemanha parece contribuir para a permanência deste
caráter ao não questionar ou sequer expor a abordagem metodológica que implicitamente
adota. Na maioria dos casos, supõe-se inicialmente uma continuidade histórica tal que seja
possível estudar a Alemanha desde períodos históricos muito remotos, sem explicitar sobre
que elementos se sustenta; chegado, então, o “momento” de se tratar a formação de seu
Estado Nacional no século XIX, pergunta-se: por que esta continuidade teria sido rompida? E
as respostas são buscadas na comparação com os “casos” inglês e francês, onde,
supostamente, teria sido mantida.
Nas obras “clássicas” sobre a História da Alemanha, que em geral se iniciam no período de
Carlos Magno (ou no Tratado de Verdun), raramente é possível encontrar uma definição
objetiva de seu objeto, como se não fosse necessário, de tão evidente, explicitá-lo. Mas,
abrindo-se mão da idéia de “Nação Alemã”, o que seria a Alemanha antes de 1871?12 Alguns
autores parecem considerar, ainda que não explicitamente, que, até a formação de seu Estado
Nacional, a Alemanha e o Sacro Império Romano se igualavam. Neste caso, porém, retorna
ainda com mais intensidade o problema de justificar por que a continuidade teria sido rompida
em 1871, ou seja, por que a Áustria foi excluída do Estado formado naquele ano.
10
Este é um dos elementos utilizados, por exemplo, por ELIAS (1997) em sua “teoria” a respeito da evolução do
habitus alemão; a idéia é fortalecida pelo autor pela observação da constante tensão política e militar às quais os
territórios da Alemanha estiveram historicamente submetidos: “As tribos de fala germânica, que se instalaram
nas terras baixas a oeste do Elba e numa vasta área entre o Elba e os Alpes ao longo dos séculos de migração
dos povos (Völkerwanderung), encontraram-se encravados entre tribos cuja língua era derivada do latim e
tribos orientais falando línguas eslavas. Esses três grupos de povos lutaram por mais de mil anos em defesa das
fronteiras de suas respectivas áreas de povoamento. (...) O processo de formação do Estado entre os alemães foi
profundamente influenciado pela sua posição como bloco intermediário na configuração desses três blocos de
povos.” (1997, pp. 16-17);
11
De fato, este caráter foi de certa forma inaugurado ainda no século XVIII por Goethe e Schiller com sua
famosa pergunta de 1797, citação quase obrigatória dos livros sobre a História da Alemanha (“Deutschland?
Aber wo liegt es? Ich weiβ das Land nicht zu finden.” [“Alemanha? Mas onde ela está? Eu não consigo
encontrar esse país.”]); desde então, “persegue” a historiografia, a ponto de ter sido desenvolvido um programa
de pesquisa específico para supostamente “decifrar” o enigma: a teoria do Sonderweg alemão (ver à frente);
5
Na prática, os historiadores adotam um modelo “híbrido”, onde a causa da “descontinuidade”
localiza-se no suposto anacronismo do Sacro Império Romano, ou o que Breuilly denominou
abordagem nacionalista narrativa:
Uma típica história ‘nacional’ começa pelo estado de coisas tradicional e pré-nacional. Por
exemplo, os textos de história da Alemanha começam pelo Sacro Império Romano dos séculos
XVIII e XIX. O historiador aponta os inúmeros pontos fracos das instituições imperiais
tradicionais e da multidão de pequenas unidades políticas. Em seguida, volta a sua atenção
para grupos e instituições mais novos e mais dinâmicos – nesse caso, os Estados territoriais
(especialmente a Prússia) – e para os agentes portadores de idéias e práticas modernas
(empresários, funcionários instruídos). O fio da narrativa consiste em mostrar como as
instituições tradicionais desmoronaram, com maior ou menos rapidez, frente às forças
modernas; estas, por sua vez, convergem e se reforçam mutuamente. (2000, p. 166)
Em outras palavras, a “análise retrospectiva” é utilizada não apenas para localizar no
“passado” objetos de estudo, mas igualmente para justificar o rumo da dinâmica histórica.
****
As considerações anteriores sugerem a busca de abordagens “alternativas”, ou seja, sem a
concentração de seu foco sobre o elemento da nacionalidade, para o estudo da formação do
Estado Nacional Alemão. Uma das possibilidades, sob a qual esta pesquisa estará orientada, é
a utilização do “modelo” proposto por Fiori (2004), construído a partir das sugestões originais
de Braudel (1996a, 1996b), entre outras.
Ao definir o “mercado nacional”, Braudel afirma:
Assim se designa a coerência econômica adquirida de um dado espaço político, sendo esse
espaço de uma certa dimensão, antes de tudo a que chamamos o Estado territorial, a que
antigamente se preferia chamar o Estado nacional. Uma vez que, nesse quadro, a maturidade
política precedeu a maturidade econômica, a questão é saber quando, como e por que razões
esses Estados adquiriram, economicamente falando, uma certa coerência interna e a
faculdade de se comportar como um conjunto em relação ao resto do mundo. (1996b, p. 255,
grifo meu)
Como se nota, a construção do “mercado nacional” corresponderia para o autor a uma
transformação, operada sob um certo espaço territorial definido politicamente, de suas
relações econômicas de forma a que estas atingissem uma “certa” coerência interna. Ao
mesmo tempo, a força necessária a esta transformação é eminentemente política:
12
“The difficulties become apparent when we attempt to analyze the development of a unit called ‘Germany’
from, say, 1550 to 1950. What are its boundaries?” (TILLY, 1975c, p. 619);
6
O mercado nacional, finalmente, é uma rede de malhas irregulares, freqüentemente
construídas a despeito de tudo: a despeito das cidades demasiado poderosas que têm sua
política própria, das províncias que recusam a centralização, das intervenções estrangeiras que
acarretam rupturas e brechas, sem contar interesses divergentes da produção e das trocas (...) A
despeito também dos enclaves de auto-suficiência que ninguém controla. Não é de estranhar
que tenha havido necessariamente na origem do mercado nacional uma vontade política
centralizadora: fiscal, administrativa, militar ou mercantilista. (1996b, p. 265, grifo meu)13
Sob os aspectos político e econômico, portanto, o Estado Nacional corresponderia a uma
unidade “híbrida”, constituída simultaneamente por um poder territorial e por um mercado
nacional, ou ao que Fiori (2004) denominou diretamente de “estado-economia nacional”.
Em princípio, portanto, o processo geral de formação dos Estados Nacionais poderia ser
investigado a partir de dois sub-processos simultâneos: a formação, por um lado, de unidades
territoriais centralizadas e, por outro, desta “rede de malhas” que constituiriam os mercados
nacionais. Porém, como a formação do segundo esteve necessariamente relacionada à do
primeiro, a investigação deve incluir a maneira como estes dois “sub-processos” se
interconectaram.
É precisamente a partir desta motivação, ou seja, reconstruir historicamente o “‘momento’
lógico e histórico em que o ‘poder político’ se encontra com o ‘mercado’ e recorta as
fronteiras dos primeiros ‘estados/economias’ e ‘identidades/interesses’ nacionais” (FIORI,
2004, p. 20), que Fiori apresenta os conceitos de “economia-mundo” e “política-mundo”
européias.
Por volta dos séculos XII e XIII, o espaço europeu constituía, por um lado, uma “economiamundo”:
Um território unificado por uma rede mais densa de comércio que unia, entre si, um conjunto
hierarquizado de cidades, portos e feiras mercantis (...) articulado em torno da liderança de
uma cidade ou pólo dominante que comandava o comércio e as finanças do sistema. (2004, p.
21)
E, por outro, uma “política-mundo”:
13
Vale notar, porém, que, para BRAUDEL, as relações entre o poder político e o mercado nacional não são
diretas, pois a “maturidade política” não garante automática e necessariamente o surgimento do mercado
nacional: “As explicações tradicionais valorizam demais as medidas autoritárias que desvencilharam o espaço
político das alfândegas internas e dos pedágios que o fragmentavam, ou pelo menos prejudicavam a circulação
nele. Levantados esses obstáculos, o mercado nacional começa a tornar-se eficiente. Não será uma explicação
simples demais?” (1996b, p. 266); ou ainda “Se o mercado nacional nascesse desse reordenamento, só haveria
mercados nacionais no continente europeu no final do século XVIII, no princípio do século XIX. É
evidentemente um exagero. Aliás, bastará suprimir os pedágios para ativar os tráficos?” (1996b, p. 267);
7
(...) [Um] pedaço[s] do planeta interligado[s] e unificado[s] por conflitos e guerras quase
permanentes. Território[s] ocupado[s] por vários centros de poder e alguns ‘núcleos imperiais’,
contíguos e competitivos, que acabaram se impondo aos demais – a partir dos séculos XII e
XIV – e acumulando o poder indispensável à criação dos estados nacionais, através de alianças
e matrimônios, mas, sobretudo através da guerra. (2004, pp. 21-22)
A investigação a respeito do processo de formação dos “estados-economias nacionais” pode,
neste contexto, ser conduzida a partir da apreciação histórica do relacionamento entre o “jogo
das guerras” da “política-mundo” e o “jogo das trocas” da “economia-mundo” européias.
Uma das conclusões iniciais de Fiori é a de que, embora estes “jogos” tenham estado, desde
pelo menos o século XII, conectados14, seus “resultados”, em termos da construção dos
Estados Nacionais, só se concretizariam em fins do século XVII, com a formação do primeiro
“estado-economia nacional” maduro, ou seja, a Inglaterra.
Mesmo neste caso, porém, a origem primordial da conexão entre aqueles “jogos” não deixou
de ser o financiamento das guerras:
Como no passado, uma vez mais, foi a necessidade de financiamento das guerras inglesas que
esteve na origem dessas mudanças. Mas desta vez, o encontro do poder com os bancos
produziu um fenômeno absolutamente novo e revolucionário: os ‘estados-economias
nacionais’. Verdadeiras máquinas de acumulação de poder e riqueza que se expandiram a
partir da Europa e através do mundo, numa velocidade e numa escala que permitem falar num
novo universo em expansão, com relação ao que havia acontecido nos séculos anteriores.
(FIORI, 2004, p. 34)
Em outras palavras, o período aproximado entre os séculos XVI e XVII assistiu, como antes,
à forte ligação entre o poder e a riqueza, materializada especialmente pelas necessidades de
financiamento das guerras; naquele momento, porém, produziu o fenômeno historicamente
inédito de formação dos “estados-economias nacionais”.
****
As considerações anteriores forneceram os principais elementos utilizados para “recortar” e
definir as linhas centrais desta pesquisa, que podem ser resumidas nas seguintes perguntas:
como teria se dado, no “espaço alemão” (ou no espaço Europeu entre os Rios Reno e Oder), a
conexão entre o processo de construção, por um lado, de um Estado Territorial unificado, e,
por outro, de “malhas” econômicas de natureza “nacional”? No momento em que o espaço
14
“A história desta convergência, entretanto, começou muito antes do século XVI, quando são tecidos os
primeiros laços de dependência mútua entre o ‘jogo das trocas’ e o ‘jogo das guerras’, dentro dos espaços da
‘economia-mundo’ e da ‘política-mundo’ européias.” (FIORI, 2004, p. 29);
8
alemão atingiu a forma de um estado territorial unificado, qual era, “economicamente
falando”, sua “coerência interna”? Se ou como teria operado a “vontade política
centralizadora” que conduziu aos processos de unificação política e de construção do mercado
nacional nos termos de Braudel? Como o “jogo das trocas” associou-se, naquele espaço, ao
“jogo das guerras”? Como aquela unidade política e econômica se inseriu, desde
aproximadamente o século XVII, na “economia-mundo” e na “política-mundo” européias e
no processo geral de formação dos “estados-economias nacionais”?
Dadas estas linhas gerais investigativas, um dos “problemas” com os quais a historiografia
“tradicional” comumente se defronta, ou seja, a escolha do “espaço” e do “tempo” de uma
investigação genérica acerca da formação do Estado Nacional Alemão15, vê-se bastante
esvaziado. Pois estas escolhas podem ser dirigidas diretamente para a formação simultânea de
uma unidade territorial unificada e de um “mercado nacional”, nos termos de Braudel, no
espaço “alemão” da Europa Central.
Como se sabe, do ponto de vista político, em termos formais, o espaço alemão esteve
historicamente organizado sob diversas formas, sendo a mais recente a do Estado criado com
a reunificação de 199016. Porém, a formação do Império Alemão em 1871 é significativa no
15
De fato, como o próprio conceito de “Estado Nacional” não está plenamente estabelecido entre as ciências
sociais, não existe consenso historiográfico sequer a respeito de quando, efetivamente, se instituiu o Estado
Nacional Alemão; para o público leigo, ele teria nascido em 1871, com a formação do Império Alemão; essa não
é, porém, a opinião dos historiadores especializados, em função tanto das distintas interpretações do conceito de
“Estado Nacional”, quanto das dificuldades em associar o Império Alemão à “Nação Alemã”; para ABELLÁN,
por exemplo: “El nuevo Estado alemán, el Deutsches Reich, por el contrario, sí puede ser considerado un
Estado nacional, a diferencia del antiguo Reich y de la Confederación Germánica, si bien las importantes
limitaciones de distinta naturaleza con que se creó permiten hablar de un Estado nacional incompleto o
inacabado.” (1997, p. 89); para uma discussão historiográfica, ver KOHN (1954); HOFER (1954); SHEEHAN
(1981) [que chega a afirmar que: “German history, as a singular process, had not yet really begun.” (p. 10)]; e
EVANS (1992), que comenta: “The idea of Germany as a nation-state was increasingly replaced by the
admission that there was not one German history but several. (…) Bismarck’s creation of the empire of 1871
seemed increasingly to have been a tour de force, its artificial nature underlined by the fact that its existence
was followed within a few decades by two world wars for which it was largely responsible. Its boundaries did
not stand the test of time; they were revised in 1918 by the Treaty of Versailles, in 1938 by the Anschluss of
Austria and the annexation of the Sudetenland — a return to the ‘big German’ concept of national unity that
Bismarck had so forcefully rejected in 1866 — and again during the Second World War, before final defeat in
1945 destroyed the existence of a single state for the Germans altogether. As the fortieth anniversary of the end
of the Second World War came and went, Germany increasingly seemed to have reverted to what was arguably
its natural condition of division into a number of different independent states.” (p. 238);
16
Resumidamente, em primeiro lugar sob o Sacro Império, cuja data de criação considera-se em geral a de 843,
com o Tratado de Verdun, ou ainda a de 800, com a coroação de Carlos Magno (embora a designação de “Sacro
Império Romano da Nação Germânica” só comece a ser utilizada no século XVI); em 1806, sob a Confederação
do Reno; em 1815, sob a Confederação Germânica; em 1866, sob a Confederação da Alemanha do Norte;
finalmente, em 1871, sob o Império Alemão;
9
que diz respeito tanto à criação de uma entidade política “unificada”, quanto à delimitação de
um espaço econômico de caráter “nacional”17.
Será, portanto, sobre esse primeiro referencial, ou seja, a formação do Império Alemão de
1871, que esta investigação estará orientada, e, como conseqüência, sobre o processo de
construção e expansão territorial do Estado Prussiano, na medida em que aquela formação
correspondeu, na prática, a mais uma etapa na expansão daquele Estado18.
Por outro lado, para observar adequadamente este processo é necessário (e, como será
sugerido, suficiente) investigar como evoluiu aquele Estado, no contexto europeu em geral, e
no do Sacro Império Romano em particular, a partir do Tratado de Westphalia, já que:
In the peace of Westphalia the princes secured all the essentials and most of the trappings of
sovereignty; thereafter every prince was emperor in his lands. All the powers they had
acquired as a result of the Reformation and of the Thirty Years War were confirmed in the
treaty of peace, in particular their authority in matters of religion and their right to alliances.
Any direct interference by the emperor with administration, either in particular regions or
throughout the empire, was henceforth out of the question. (BARRACLOUGH, 1946, p.
382)19
Deverá ser, portanto, sobre este ambiente, ou seja, o espaço “alemão” entre o Tratado de
Westphalia e a instituição do Império em 1871, que esta pesquisa estará focada, e
especialmente sobre a construção do Estado Prussiano e suas relações com as demais
17
Ver, a respeito, LANGEWIESCHE (1994); sobre o caráter territorial do Império Alemão de 1871 vis-à-vis o
Sacro Império Romano, ver BRYCE (1964); e PORTILLO (1994) vis-à-vis a Confederação Germânica de 1815
a 1866;
18
“Os historiadores às vezes se referem à unificação da Alemanha como a expansão da Prússia, não apenas
porque a unificação foi conquistada pela força das armas prussianas, mas também porque grande parte do
sistema monárquico prussiano foi transferido, de forma efetiva, para o segundo Reich Alemão.”
(STACKELBERG, 2000, p. 521);
19
De fato, esta tendência já vinha se desenvolvendo mesmo antes da Guerra dos Trinta Anos: “Even before the
beginning of the war in 1618 a number of the more important states – Hesse, Saxony, Brandenburg and, in
particular, the Palatinate – had maintained ambassadors at foreign courts, working side by side with, and as
often as not in opposition to, the imperial ambassadors. They had not hesitated to enter into foreign alliances
without imperial assent. Hence by 1648 they were already acting as independent powers in European politics
(...).” (BARRACLOUGH, 1946, p. 381); é importante ressaltar, porém, que as opiniões negativas do autor a
respeito do Império [“(...) long before the demise of the empire was publicly announced in 1806, it had ceased to
exist.” (1946, p. 383); ou ainda: “After 1648 the empire was a meaningless historical survival (...).” (1946, p.
383)], vêm sendo crescentemente questionadas pela historiografia, na medida em que podem ser identificadas
importantes funções políticas, econômicas e culturais desempenhadas pela estrutura imperial a partir de 1648,
especialmente a que ARETIN identifica no Imperador Leopoldo I: “The Westphalian Peace Treaty, with regard
to the federal rights of the Reichsstandes as well as in other regulations, established a bias in favor of the larger
Reichsstandes. It was perhaps the greatest success of Emperor Leopold I’s imperial policy that he was able to
halt this development, except in the case of Brandenburg-Prussia, and established himself as the guarantor of
the continued existence of the smaller and smallest Reichsstandes.” (1986, p. S144); ver a respeito ainda VANN
(1986);
10
“vontades políticas centralizadoras” e com as “política-mundo” e “economia-mundo”
européias.
****
Como provavelmente em qualquer outro “caso” empírico de formação de um Estado
Nacional, a Alemanha possui seus “mitos” e debates historiográficos tradicionais. O fato de se
estar utilizando, neste estudo, uma abordagem “alternativa” previne, em certa medida, os
riscos e possibilidade de associações diretas àqueles “mitos”. Entretanto, como alguns destes
tornaram-se desmedidamente populares, convém comentá-los, especialmente para justificar
sua ausência doravante.
O papel da Prússia no Estado Nacional Alemão, em especial, tornou-se tema recorrente desde
meados do século XIX. Se até inícios do século XX a tendência dominante foi por uma
espécie de supervalorização positiva da Prússia em função de seu (suposto) papel na
unificação alemã20, após a Segunda Guerra Mundial um grupo de historiadores passou a
identificar precisamente nas características daquele Estado as “origens” do nazismo. Ou seja,
a Prússia passou, da glória do século XIX associada à unificação, à condenação do século XX
associada ao nazismo, consolidando-se uma divisão na historiografia entre “prussófilos” e
“prussofóbicos”21:
And we can trip its history [of Prussia], which now lies completely before us, of the legends
which distorted it while it was still going on: the golden legend according to which the
unification of Germany had always been Prussia’s mission, a mission deliberately pursued by
the Prussian Kings and indeed by the Electors of Brandenburg before them; and also the black
legend that refused to see in Prussia anything other than rapacious militarism and branded
Frederick the Great and Bismarck as predecessors of Hitler. Both this legends are yesterday’s
propaganda. (HAFFFNER, 1998, p. 3)22
20
A chamada “borussificação” da História da Alemanha: “Después de la revolución [1848], se impuso en la
historiografía y en la historia literaria una borussificacíon de la imagen de la historia alemana. (...) El papel de
líder de Prusia durante el proceso de unificación de los años sesenta y la fundación del Reich parecía confirmar
de manera deslumbrante la leyenda histórica, según la cual la historia alemana en su conjunto se había
encaminado desde hacía siglos hacia el Estado nacional dominado por Prusia.” (LANGEWIESCHE, 1994, pp.
45-46);
21
Os termos são originalmente de MEHRING (1975, Parte II, Seção 2, §1);
22
EVANS comenta ainda: “The ‘little German’ model ruled, with a traditional Prussian or National Liberal
historiography, narrating the story of German history as an inevitable, almost predestined progress towards the
unification of 1871 under Prussian leadership, being increasingly overlaid during the twentieth century by a
second, much more critical model, telling the same story, but in more negative terms, as an inevitable, almost
predestined progress towards the Third Reich of 1933-45. The point was that both models shared many of the
same assumptions about the centrality of Prussia to modern German history, and the concomitant marginality of
Austria”. (1992, p. 239);
11
O fato de ter sido selecionada, nesta pesquisa, a formação do Império Alemão como
referencial não guarda quaisquer relações com tais “lendas”. A escolha orientou-se
unicamente pelo referencial teórico-conceitual utilizado, ou seja, o estudo da formação dos
“estados-economias nacionais”. Se a Prússia possuiu qualquer “missão” no processo de
formação do Estado Nacional Alemão, positiva ou negativa, ou se sua participação naquele
causou outros desdobramentos políticos específicos no futuro são questões que não fazem
parte de seu escopo.
Por motivos semelhantes, também estarão ausentes questões relacionadas ao debate sobre as
“peculiaridades” da Alemanha, ou seja, à teoria do Sonderweg23. Como se sabe, o debate
tendeu a concentrar-se sobretudo na configuração de forças entre (e nas atitudes políticas de)
as diferentes “classes” da Alemanha do século XIX, especialmente na suposta ausência de
uma burguesia politicamente “desenvolvida”. Neste contexto, relaciona-se a outra “tradição”
historiográfica, porém da Prússia, qual seja, a de localizar nas disputas entre as diferentes
“classes” (ou Estamentos) dos territórios prussianos a força dinâmica dos “rumos” tomados
por aquele Estado a partir do século XVII24. Embora seja praticamente inviável prescindir de
comentários a respeito do relacionamento entre as diferentes “classes” na Prússia,
especialmente no período anterior ao século XIX, julgamentos a respeito da natureza daquelas
relações, bem como de suas conseqüências para períodos posteriores, serão, em geral,
evitados.
****
Com uma proposta de investigação de um período histórico de aproximadamente dois séculos,
esta pesquisa estaria condenada à superficialidade se seu objeto não fosse rigorosamente
23
Esta foi simultaneamente sistematizada e criticada em 1980 com a publicação do livro de BLAKBOURN e
ELEY (1984); para uma discussão a respeito, ver MOMMSEN, 1995, cap. 11; para uma resenha historiográfica
recente, ver LEDFORD (2003); ou FEUCHTWANGER (2002); o debate a respeito do Sonderweg engloba, em
grande medida, as diversas formulações da “Questão Alemã”, e tem sido fortemente dirigido a uma formulação
contemporânea em particular, sumarizada por DAHRENDORF: “Why is it that so few in Germany embraced the
principle of liberal democracy?” (1968, p. 14); ou por KITTELSON: “...why Germany failed to develop by the
late nineteenth century into a liberal society along the models of western Europe.” (1986, p. S124); para outras
formulações da “Questão”, ver o capítulo 1 de DAHRENDORF (1968);
24
Esta “tradição” não é, porém, exatamente particular à Prússia, orientando, de fato, as pesquisas a respeito da
formação dos Estados Nacionais em geral: “The alternatives of autocracy, federalism, or oligarchy which
clearly differentiated European political systems in the nineteenth century were forming in the class alliances
made by the state makers of the previous three centuries.” (TILLY, 1975b, p. 77); no caso da Prússia, a principal
referência é o livro clássico de ROSENBERG (1958) onde o autor desenvolveu a chamada “teoria do
compromisso”, baseando-se especialmente no Acordo de 1653 (ver à frente), segundo a qual os Governantes
Hohenzollern teriam realizado uma espécie de “pacto” com a Nobreza Junker “sobre” o campesinato para
12
limitado. Qualquer tema, portanto, que fuja aos objetivos acima expostos, assim como os
debates historiográficos “tradicionais” supra citados, estarão ausentes, apresentando, sempre
que possível, suas principais referências bibliográficas.
Foram elaborados, porém, três Apêndices contendo informações gerais adicionais a respeito
da estrutura política do Sacro Império Romano (Apêndice 01), da evolução dinástica da Casa
Hohenzollern (Apêndice 02) e da sucessão dos principais representantes da Dinastia
(Apêndice 03) para auxiliar a narrativa. Com o objetivo de localizar geograficamente os temas
tratados, foram preparadas figuras esquemáticas representativas, cuja metodologia de
elaboração encontra-se no Apêndice 04. Quanto às referências, foram selecionadas obras em
língua inglesa e portuguesa preferencialmente ao alemão, não apenas pelas limitações da
autora, mas igualmente por entender que a maioria do público da ciência econômica no Brasil
não domina aquele idioma.
garantir a construção do Estado Prussiano; esta é semelhante à tese de ANDERSON (1989); ou de MOORE, Jr.
(1983); para sua crítica, ver HAGEN (1989);
13
CAPÍTULO 1: A CONSTRUÇÃO E A EXPANSÃO TERRITORIAL DO
ESTADO PRUSSIANO
O objetivo deste capítulo é, no âmbito da proposta geral desta pesquisa, investigar o processo
de construção e expansão territorial do Estado Prussiano, especialmente a partir do Tratado de
Westphalia. Seu primeiro passo, portanto, será o de “apresentá-lo”, no contexto da estrutura
política do Sacro Império Romano ou, mais geralmente, da Europa Central de meados do
século XVIII.
1.1 – O Estado Hohenzollern: 1648
Formalmente, a “Prússia”, em 1648, designava o território que se estendia desde o
Brandemburgo até aproximadamente o Rio Niemen, e que fazia parte do então Reino da
Polônia. O território estava dividido em duas porções: a Oriental (denominada “Prússia
Ducal” ou “Ducado da Prússia”), sob posse da Dinastia Hohenzollern como feudo do Rei da
Polônia; e a Ocidental, ou o “Reino da Prússia”, parte do Reino da Polônia. Foi apenas, como
será visto, em função de uma “manobra” diplomática de Frederico I (1688-1713), então
Margrave1 do território do Brandemburgo e Eleitor do Sacro Império Romano, que o nome
passaria a estar associado, a partir de inícios do século XVIII, a todas as possessões da
Dinastia Hohenzollern2.
1
A denominação de “Marca” e, conseqüentemente, de Margraviado (Markgraf = Mark + Graf = “Conde de
Marca”) aplicava-se em geral a territórios localizados nas fronteiras do Império;
2
HAFFNER (1998, p. 5); porém, para ROSENBERG: “As late as the mid-eighteenth century, it was only in the
language of international diplomacy that the ‘Prussia’ (la Prusse) denoted all the territorial possessions of the
Hohenzollerns. In domestic parlance the formula ‘His Royal Majesty’s States and Provinces’ was then still in
general use. (...) Not before 1807 did ‘Prussia’ become the official name of the Hohenzollern monarchy as a
hole.” (1958, pp. 27-28);
BE
RG
WÜRTTEMBERG
TIROL
Ansbach
BAVÁRIA
Bayreuth
BOÊMIA
ÁUSTRIA
SI
A
IMPÉRIO OTOMANO
A
RI
NG
U
H
REINO DA POLÔNIA
DUCADO DA
PRÚSSIA
FIGURA 1: POSSESSÕES DAS PRINCIPAIS DINASTIAS DA EUROPA CENTRAL: 1648
SUÍCA
BADEN
PALATINADO
HESSE
SAXÔNIA
BRANDEMBURGO
POMERÂNIA
ORIENTAL
LÉ
TRIER
JULICH
WESTPHALIA
MARK
BRUNSWICK
MECKLENBURGO
POMERÂNIA
OCIDENTAL
ÁLT
RB
MA
SI
FRANÇA
LIÈGE
CLÉVES
PAÍSES BAIXOS
UNIDOS
M
E
ORT
ON
D
AR
DINAMARCA
ICO
EUROPA
ÁSIA
®
LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA
POSSESSÕES SUECAS
Seculares
POSSESSÕES WITTELSBACH
Eclesiásticas
POSSESSÕES WETTIN
Culmbach
POSSESSÕES HOHENZOLLERN
Brandemburgo
Austríacos
Espanhóis
POSSESSÕES HABSBURGO
Limites do Sacro Império
Romano
LEGENDA
14
15
A Figura 1 indica que as possessões Hohenzollern em 1648 eram modestas se comparadas,
por exemplo, às da Dinastia Habsburgo. De fato, os Habsburgo não apenas detinham o maior
território, como sucessivamente elegiam o Sacro Imperador Romano3. De relativa
importância, igualmente, eram os territórios eclesiásticos e aqueles associados às Dinastias
Wettin e Wittelsbach4; e embora os Hohenzollern possuíssem, enquanto Margraves do
Brandemburgo, um voto na Eleição Imperial, sua importância política no contexto da Europa
Central era bastante reduzida.
O “Estado Hohenzollern”5 era formado por um conjunto de territórios pertencentes ao
Império6 e pelo Ducado da Prússia. Com exceção do Margraviado do Brandemburgo, os
territórios ou tinham sido “recebidos” naquele mesmo ano a partir dos acordos do Tratado de
Westphalia – a Pomerânia Anterior, Halberstadt e Minden – ou a Dinastia não possuía sobre
aqueles soberania em sentido estrito – Ravensberg, Mark e Cléves ainda em disputa dinástica,
e o Ducado da Prússia com a atribuição de “feudo” da Polônia. É necessário, portanto,
compreender que características associavam os Hohenzollern a cada um de “seus” territórios
e, em especial, o que significava, em termos políticos, a titulação de Margraves do
Brandemburgo.
Por um lado, pela estrutura política formal do Sacro Império Romano (ver Apêndice 01), não
existia nenhuma autoridade entre o representante de um Estado Territorial como o
Brandemburgo e o Imperador. O Margrave possuía, em princípio, direitos plenos sobre os
territórios, garantidos pelo Landeshoheit7 sobre aqueles.
Na prática, porém, esta soberania era limitada por uma estrutura real de poder que
caracterizava não apenas o Brandemburgo, mas também a maioria dos territórios germânicos:
3
Entre 1438 e a dissolução formal do Império em 1806, efetivamente todos os Imperadores foram Habsburgo,
com exceção de três anos durante a Guerra de Sucessão Austríaca (ver à frente);
4
Para uma comparação das estruturas históricas de poder das três dinastias, ver ANDERSON (1989, pp. 252260);
5
Para evitar mal-entendidos, será utilizado doravante este termo para designar o conjunto das possessões
territoriais daquela Dinastia;
6
Para a descrição detalhada destes e da forma pela qual foram “adquiridos” pela Dinastia, ver o Apêndice 02;
7
“(...) perhaps best translated as 'territorial lordship', an authority recognized neither formally nor informally
as conferring true sovereignty on the territorial rulers of the Empire, but which approached that position more
and more closely from the sixteenth century onward.” (GAGLIARDO, 1991, p. 12); para ROSENBERG (1958,
p. 27), porém, a posse do Landeshoheit, no contexto do Sacro Império Romano, “(...) merely meant that they
possessed the legal title to the dynastic domain in these territories and held also certain customary rights of
limited government over polities which until then had been organized as independent Ständestaaten”; para uma
análise das relações entre os Estados do Império (Reichsstände) e a estrutura de poder imperial, ver VANN
(1986);
16
o chamado Standestaat8. A característica central deste “Estado” é precisamente a
descentralização do poder político e seu parcelamento entre as diferentes Ordens ou
Estamentos9 tradicionais, ou seja, a Nobreza, as Cidades Livres e o Clero. A reivindicação da
soberania pelo governante central, neste contexto, é continuamente colocada em cheque pelos
Estamentos, e sua efetivação depende, portanto, de seu poder frente àqueles10, que variou
consideravelmente entre os diferentes territórios europeus ao longo dos séculos XV, XVI e
XVII.
Para o caso do território do Brandemburgo de meados do século XVII, os Estamentos se
igualavam, na prática, à Nobreza, já que as Cidades Livres e o Clero haviam praticamente
desaparecido como forças políticas do território (as primeiras, notadamente ao longo dos
séculos XV e XVI, e o segundo especialmente como resultado da Reforma e da secularização
das propriedades eclesiásticas em meados do século XVI)11. E, no que se refere à força
política efetiva da Dinastia Hohenzollern vis-à-vis a Nobreza, a historiografia concorda
majoritariamente com o seguinte diagnóstico: “In Brandenburg-Prussia in 1640 the nobledominated Estates had ruled the roost, and the powers of the Elector had reached their
nadir” (FINER, 1975, p. 140)12
8
Esta é a definição de ROSENBERG para o termo: “In essence, the Standestaat was a corporate-aristocratic
form of superficially centralized territorial rulership in which the elite of the patrimonial bureaucracy and the
notables were the decisive forces. Both central and local government management were the preserve of a
hereditary, pluralistic oligarchy which did not have, however, the character of a rigorously closed corporation.
The princely ruler, himself regarded as a superior estate, was a primus inter pares.” (1958 , p. 11);
9
A tradução para a língua portuguesa mais comum do termo Standestaat é “Estado de Estamentos”; seguindo
esta tradição, utilizar-se-á o termo “Estamentos” para designar o “stand” do alemão, que corresponde ao
“estate”, do inglês;
10
“The result of this struggle was a kind of dual system, of checks and balances, between the prince and the
estates of the territory. The main weapon of the Estates in this struggle was their right to grant or refuse
‘extraordinary’ contributions. The main weakness of the prince was their ever more inadequate financial and
fiscal basis in a time of increasing governmental obligations, mounting expenditures and, with the beginning of
the sixteenth century, a long price revolution. ” (BRAUN, 1975, p. 251);
11
Sobre a decadência política das cidades, ver especialmente CARSTEN (1954); esta não é, porém, uma
“peculiaridade” do Brandenburgo ou das demais possessões Hohnezollern: “In the sixteenth and early
seventeenth centuries, the government of, by, and for the landed aristocracy was the preponderant pattern of
rulership in the east German principalities. Political status, rights, and freedom were functions of landowning.”
(ROSENBERG, 1958, p. 31); para CARSTEN, ainda, esse é um fator essencial à compreensão de toda a história
da Prússia e da Alemanha: “The most important factor in the social history of Brandenburg and Prussia, and of
many other eastern European countries, was the decline of the towns and the subsequent rise of the nobility: it
definitely separated the developments in the east from those in the west and created a boundary line between two
different social systems.” (1954, p. 276);
12
ANDERSON assim resume a “situação” geral da Prússia à época da Guerra dos Trinta Anos: “Um enraizado
sistema de Estados, sob o domínio da nobreza, vetou o desenvolvimento de um exército permanente e,
virtualmente, de qualquer política externa, fazendo do Eleitorado um dos mais nítidos exemplos de um
Standestaat descentralizado na Alemanha da Reforma.” (1989, p. 238);
17
Dentre as causas em geral sugeridas para justificar esta evolução13, uma das principais está
associada ao relacionamento financeiro existente entre os Estamentos e o representante legal
do Landeshoheit. Em termos fiscais, pelo menos até o século XVII, o princípio que orientava
o Standestaat, tanto do Brandemburgo como dos territórios do Império em geral, era o de que
as Casas Principescas, ou os Governantes Territoriais, deveriam “viver por sua própria conta”,
ou seja, se sustentar, como qualquer outro membro da Nobreza, a partir dos recursos gerados
em seus domínios diretos14.
Tais recursos eram gerados especialmente por lucros das atividades econômicas,
especialmente agrícolas, conduzidas no interior daqueles domínios, ou por rendas, monetárias
ou em espécie, pagas diretamente por suas populações camponesas. No caso dos Governantes
Territoriais, podiam ser complementados ainda por rendas advindas de certas prerrogativas e
privilégios associados à soberania (os chamados regalia), tais como a mineração, a caça, o
monopólio sobre a distribuição de certos produtos, o controle sobre o tráfego nas estradas, o
direito de impor tributos sobre os judeus, e outros. A instituição de taxas adicionais, em
princípio, era uma prerrogativa dos Estamentos que estes reservavam apenas para objetivos
específicos, em geral militares, e por períodos limitados15.
No caso do Brandemburgo, a prática de penhorar as propriedades e, com elas, os direitos
associados à soberania havia sido amplamente utilizada ao longo dos séculos XVI e XVII
para atender às necessidades financeiras dos Margraves. Os Estamentos, ou seja, a Nobreza,
adquiriam, desta forma, não apenas propriedades, mas especialmente as funções “públicas”
que estariam em princípio sob controle do Governante Territorial, ou seja, a Alta Justiça, as
funções de polícia, de coleta de impostos, taxas e pedágios, etc16. Em outras palavras, tanto os
13
Para uma discussão geral destas, ver ANDERSON (1989, pp. 195-220); e CARSTEN (1954, caps. 1 a 4);
“Deixando de lado seu papel como chefe militar, conquistador e distribuidor de novas terras, a base do poder
social do suserano consistia nas posses de sua família, na terra que controlava diretamente e com a qual tinha
que sustentar seus serviçais, corte e agregados armados. Neste respeito, o suserano não desfrutava de situação
melhor que a de qualquer outro governante territorial.” (ELIAS, 1993, pp. 29-30);
15
“Up to the eighteenth century, the traditional concept of taxation, in theory if not in fact, evaluated tax
collection as an ‘expedient in times of emergency and even an abuse which as soon as possible should be
replaced by income from public property, particularly domains, and by voluntary contributions’.” (BRAUN,
1975, p. 244);
14
16
FAY (1964), comentando as necessidades financeiras de Joachim II, cita um acordo celebrado entre o Eleitor e
os Estamentos em 1540: “The Estates assumed responsability for the debts to the extent of 850,000 talers, an
enormous sum for those days. In return the Elector promised ‘to undertake no weighty matter, touching the weal
or woe of the land, except with the previous advice and consent of the Estates’. He promised them a share in the
government such as they had never before aspired to. He consented that the management of the debts that they
assumed should be taken out of his own hands and placed under a committe representing the Estates.” (pp. 2324); alguns anos depois, em 1571, contra uma nova garantia financeira, dessa vez a partir da aprovação de
18
domínios quanto as funções associadas ao possuidor do Landeshoheit foram paulatinamente
transferidas para a Nobreza como contrapartida de recursos financeiros. Por este processo,
esta se tornou não apenas a detentora de fato da soberania sobre o território, mas igualmente a
principal agente credora dos sucessivos Margraves, o que aumentava ainda mais seu poder de
“barganha” em outras disputas envolvendo tal soberania.
Desta forma, no Brandemburgo, em inícios do século XVII, a Nobreza “(...) and not the
prince, were the real rulers of the country, controlling the finances and the administration,
the Church, the universities, as well as all appointments in state and Church” (CARSTEN,
1954, p. 166)17.
No que se refere à organização do Standestaat, os Estamentos se reuniam periodicamente em
assembléias locais (Kreistage) nos aproximadamente 20 distritos ou “círculos” (Kreis) nos
quais o território estava dividido. Nestes eram nomeados um ou mais diretores para cada
distrito (Kreisdirectores), tanto para cuidar de seus interesses, como para supervisionar a
coleta de impostos não militares (basicamente, o imposto sobre a terra levantado pelos nobres
de suas populações camponesas e o imposto sobre a cerveja coletado das cidades).
Anualmente, estes diretores se reuniam aos representantes das cidades e das fundações
eclesiásticas para deliberar a respeito dos assuntos financeiros gerais do território. Além
destas, o Eleitor ou os Estamentos podiam convocar as chamadas Dietas Gerais (Landtage),
que reuniam os representantes de todos os Estamentos do território.
É genericamente neste contexto, portanto, que se deve compreender a associação existente,
em meados do século XVII, entre a Dinastia Hohenzollern e, não apenas o Brandemburgo,
mas o conjunto de suas possessões. Segundo Rosenberg, um Standestaat dominado pela
Nobreza era, com ligeiras graduações, o traço político marcante de todas as possessões
Hohenzollern em 1648 (1958, p. 31). Apenas no Ducado de Cléves e no Condado de Mark, ou
impostos a serem cobrados sobre as populações do campo e das cidades “... the Elector had to concede that the
collection, administration, and expenditure of these taxes should be exclusively in the hands of the Estates. Thus,
by the side of the Elector’s Treasury and fiscal agents there rose up a duplicate financial machinery
(Ständisches Kreditwerk), with its own treasure chests, accounting and disbursing officials, and debt obligations,
all managed by agents appointed by the Estates and totally independent of the Elector.” (p. 24);
17
Esse é o diagnóstico de ROSENBERG (1958, p. 30): “The mainspring of the Junker strength was the
combination of large-scale landownership with the patrimonial possession of autocratic rights of local
government. Local dominance was complete, for, in course of time, the Junker had become not only an exacting
landlord, hereditary serf master, vigorous entrepreneur, assidous estate manager, and nonprofessional trader,
but also the local church patron, police chief, prosecutor, and judge.”;
19
seja, nos territórios ocidentais ainda em disputa dinástica, o poder da Nobreza era
contrabalançado por forças citadinas significativas.
Em resumo, portanto:
In 1619, there was no state of Prussia. There was a clutch of distinct territories – states if one
wishes – which had all come, by the accident of hereditary descent, under the dominion of
George William of the ruling line of the Hohenzollerns. (...) The central territory was
Brandenburg (...) dominated by the nobles in the Estates which (...) succeeded in exercising
control over all extraordinary taxation, over foreign policy, and even over the raising and
administration of troops. (FINER, 1975, pp. 134-135)
A estrutura de poder efetivo associada à figura do governante central, portanto, se e quando
existia, restringia-se, como na maioria dos Estados do Sacro Império, especialmente à
administração do patrimônio dinástico, não ultrapassando em abrangência os limites
provincianos18. E, ao mesmo tempo, convivia com outras estruturas associadas aos poderes da
Nobreza, especialmente no que diz respeito às finanças e à justiça19.
1.2 – A Evolução do Estado Hohenzollern: 1648-1806
Tomando como referência o ano de 1806, ou seja, aquele que assistiu, simultaneamente, à
dissolução formal do Sacro Império Romano e à derrota militar do Estado Prussiano, o
período que se inicia em 1648 para a “Prússia” pode ser caracterizado pela realização de dois
processos relacionados: por um lado, o de centralização de poderes no interior de suas
possessões em torno da figura do representante dinástico; e, por outro, de expansão territorial.
Deve-se destacar, novamente, que estes processos não foram particulares ao Estado
Hohenzollern: todos os Estados Dinásticos de relativa importância do Sacro Império Romano,
com maiores ou menores graus de intensidade e sucesso, conduziram políticas daquela
18
“When the Thirty Years War engulfed Brandenburg and the other Hohenzollern possessions, no progress at
all had been made towards their unification and the creation of common institutions. Inside each small
principality the power of the Estates was too strong to be affected by a mere change of ruling house. (...) There
was not one Hohenzollern state, but only a number of principalities which happened to have the same ruler but
had no other bond between them.” (CARSTEN, 1954, p. 178);
19
“This meant a confusing and disastrous dualism in finance, which extended more or less throughout the
government. The Estates eventually had their own troops, separate from those of the Elector; they even tried to
pursue a foreign policy at variance with his. And they demanded a share in the appointment of the Elector’s
officials. This division of control and duplication of machinery deprived the Elector of effective power in
domestic legislation and foreign policy, and made Prussian policy especially vulnerable to foreign intrigue and
even corruption.” (FAY, 1964, p. 25);
20
natureza. Ainda mais geralmente, pode-se compreender o fenômeno inserindo-o no contexto
europeu do Absolutismo:
Profound changes were taking place within the political shell of the Empire. They can be
summarized in the phrase state-building. This had two meanings. It applied, first, to the
physical expansion of a given territory through peaceful or non peaceful methods. (...)
Secondly, it meant attempts by individual rulers to construct more centralized, rationalized
states within their territorial borders. These efforts, part of a European-wide phenomenon of
absolutism, involved the enlargement of state bureaucracies and were directed against
intermediate institutions that stood between ruler and subject: nobility, churches, guilds,
parliamentary estates. (BLACKBOURN, 1998, p.19)20
Anderson, ao analisar os determinantes do Absolutismo no oriente, embora atribua papel
central à necessidade de construção de um aparelho de repressão da mobilidade rural,21
vincula-os igualmente às “pressões internacionais”:
Foi a pressão internacional do absolutismo do Ocidente, o aparelho político de uma
aristocracia feudal mais poderosa, que dominava sociedades mais avançadas, que forçou a
nobreza do Leste a adotar uma máquina de Estado identicamente centralizada para poder
sobreviver. De outra maneira, a superioridade militar dos exércitos absolutistas ampliados e
reorganizados cobraria inevitavelmente o seu tributo, através da forma habitual de competição
interfeudal: a guerra. (1989, p. 198)
No que se refere ao Estado Hohenzollern, embora em geral compartilhando estes argumentos
“gerais”, grande parte dos historiadores vê na busca pela centralização política e pela
expansão territorial o caminho “racional” frente à situação “peculiar” daquele Estado,
especialmente em função de sua divisão territorial e de sua vulnerabilidade a inúmeras
ameaças externas:
The task facing a prince in such a situation was obvious. He had to try to link up his
geographically dispersed domains by somehow acquiring or conquering the territories
separating them; and he had to transform individual domains with their own characteristics
into a unified state. (HAFFNER, 1998, p. 20)
20
Os processos gerais do Absolutismo Dinástico, da “Segunda Servidão” no Leste e da “Crise Geral” do Século
XVII (ver à frente) são em geral associados pelos historiadores: “In any case, the pathological end-phase of
sixteenth-century economic growth created social and political instabilities issuing in the wars, demographic
reverses, and ensuing economic stagnation or depression that, in the material realm, constitute the seventeenthcentury crisis. In the sphere of politics, the crisis manifested itself in conflicts that, in many European lands,
found this steely resolution under a regime of absolutism. For those among the nobility allied to the Crown, this
outcome spelled rescue and the rewards of office and patronage. For the peasantry, it entailed degradation
through taxation and, in Europe east of the Elbe, tightened bonds of personal serfdom and redoubled seigneurial
exploitation.” (HAGEN, 1989, p. 303); ver, igualmente, ANDERSON (1989, pp. 195-220);
21
“Foi, portanto, a constante preocupação senhorial com o problema da mobilidade de mão-de-obra no Leste o
fator que esteve por trás de grande parte do impulso interno em direção ao absolutismo. (...) Um aparelho
repressivo impiedosamente centralizado e unitário era uma necessidade objetiva para a vigilância e a supressão
da mobilidade rural generalizada, em épocas de depressão econômica (...).” (ANDERSON, 1989, p. 208);
21
Em um contexto de Standestaat, como indica a citação anterior de Blackbourn, a
centralização de poderes em torno da figura do Governante central é feita, em grande medida,
em detrimento dos Estamentos22 e corresponde, portanto, à superação daquele “tipo” de
Estado.
De fato, Rosenberg (1958) distingue três tipos de Estados que se seguiram cronologicamente:
o Standestaat, o Estado Absolutista e o Estado Liberal Moderno. O Estado Absolutista teria
apresentado tipicamente duas etapas: a do Absolutismo Dinástico e a do Absolutismo
Burocrático. Para o caso da Prússia, a transformação do Standestaat para o Absolutismo
Dinástico estaria localizada precisamente no período que se seguiu à Guerra dos Trinta Anos,
mais especificamente no período do Grande Eleitor (1640-1688)23.
A causa central para o processo de construção do Absolutismo Dinástico Hohenzollern seria,
portanto, diretamente a guerra:
War almost inevitably leads to a great increase in the activity and power of the prince or the
central government. Military efficiency necessitates increased taxes; and increased taxes mean
new methods, new officials, and more centralized administrative institutions. So it happened
that the Thirty Years’ War, and especially the Northern War, aided the Great Elector in
building up a more unified administration and in establishing his absolutism at the expense of
the Estates. (FAY, 1964, pp.53-4) 24, 25
22
“Before the period of state preeminence, power-wielding deliberative assemblies were acting at all levels of
political life (...). Building strong Royal power meant co-opting, subordinating or destroying these institutions;
that program absorbed a large part of the energy of seventeenth-century kings, and its outcome strongly affected
the next phase of political history.” (TILLY, 1975b, p. 22);
23
Esta cronologia é semelhante a de BRAUN (1975, p. 268), FISCHER; LUNDGREEN (1975, p. 509) e FINER
(1975, pp. 109-110); a definição de ROSENBERG para o Estado Absolutista é a seguinte: “Through this
momentous usurpation of preponderant influence, backed up by superior military force, the Ständestaat gave
way to an absolute state in the sense that the legal authority of the prince was released from the restraints which
natural law, rivaling jurisdictions, old-standing customs, and the special liberties of the ruling groups had
imposed upon him.” (1958, pp. 11-12);
24
“Above all, war and economic depression appeared to strengthen the case for concentration of power.
Resources had to be mobilized, economic activity directed, and crown revenues increased to meet the cost of
defence. All this made a higher degree of union the order of the day.” (ELLIOTT, 1992, p. 63);
25
Entre os anos de 1648 e 1806, como será visto doravante, o Estado Hohenzollern esteve envolvido diretamente
em quase todos os conflitos militares europeus, além, naturalmente, da Guerra dos Trinta Anos: na Primeira e na
Segunda Guerras Nórdicas (respectivamente, 1655-60 e 1700-21), nas chamadas Guerras de Agressão de Luís
XIV (especialmente a Guerra Franco-Sueca de 1672-1679); na Guerra de Sucessão Espanhola (1701-13); na
Guerra de Sucessão Austríaca (1740-8); na Guerra dos Sete Anos (1756-1763); na Guerra de Sucessão Bávara
(chamada também de “Guerra do Tomate”, 1778-9); e nas Guerras Napoleônicas (apenas, porém, no período
entre 1792 e 1795 e novamente em 1806);
22
A situação geopolítica particularmente delicada colocada aos territórios Hohenzollern a partir
do Tratado de Westphalia potencializaria, ao mesmo tempo, aquelas motivações26. A Dinastia,
através dos territórios sobre sua possessão, foi colocada no centro de todas as disputas
políticas e militares européias relevantes: os três territórios do Reno ainda em disputa
(Halberstadt, Cléves e Mark) a deslocavam em direção à arena francesa e, conseqüentemente,
de todos os demais Estados europeus ocidentais; a manutenção da porção posterior da
Pomerânia pela Suécia garantia a esta uma porta de entrada direta ao Brandemburgo; e,
finalmente, com a manutenção polonesa da Prússia Ocidental, a Polônia ocupava todo o
território entre as duas principais possessões Hohenzollern (o Brandemburgo e o Ducado da
Prússia). Este posicionamento geopolítico tornava, portanto, prioritários à Dinastia o
fortalecimento e a expansão militar27 e conseqüentemente a necessidade de desenvolvimento
de uma máquina maior e mais eficiente de coleta e administração de seus recursos28. Ou seja,
o princípio financeiro central do Standestaat, o de que as Casas Principescas deveriam “viver
por sua própria conta”, tornava-se crescentemente irrealista frente às necessidades militares
do Monarca, e, portanto, um novo “arranjo” entre as forças políticas “internas” deveria ser
conduzido.
Tais argumentos articulam-se fortemente à análise mais geral de Anderson, que vê na ameaça
sueca o principal estopim do processo de desenvolvimento do absolutismo na Prússia:
A construção do absolutismo prussiano a partir da década de 1650, por iniciativa do Grande
Eleitor, constituiu em grande medida uma resposta direta à latente ameaça dos suecos: o
exército permanente que seria a pedra de toque da autocracia Hohenzollern, e o seu sistema
fiscal, foram aceitos pelos Junkers em 1653 para acudir a uma situação de guerra iminente no
teatro do Báltico e para resistir aos perigos externos. (1989, p. 200)
Ao mesmo tempo, as catástrofes econômicas e especialmente populacionais29 causadas pela
Guerra dos Trinta Anos sobre os territórios Hohenzollern, aumentadas por recorrentes
26
“Thus Brandenburg found itself in two of the main war arenas, the Rhineland and the Baltic. Brandenburg
had acquired lands of ‘great strategical importance’ that were ‘coveted’ by various European states, and had
done this ‘without any military exertions’ of its own, of which, at the time, it was incapable.” (WALLERSTEIN,
1980, pp. 227-228);
27
“If the Elector Frederick William, who reigned from 1640 until 1688, was to continue to be a prince at all
after the Thirty Years’ War, then he obviously needed an army.” (MEHRING, 1975, Parte II, seção 1, §18);
28
Mais geralmente: “The protective function (protectio) alone became an enormous burden for the princes when
the feudal military system, which rested on the principle of clientship, decomposed in the Late Middle Ages and
at the same time the costs for war and defense were being drastically raised by firearms and other innovations in
warfare. To bear the costs of war out of the ordinary revenues of the patrimonium was for most of the princes
simply impossible; even minor warfare heaped up debts and usually led to insolvency.” (BRAUN, 1975, p. 254);
29
De acordo com os dados de HAGEN (1989, pp. 314-315) para o Brandemburgo, em 1640, a população das
cidades provincianas teria caído em 80% com relação aos números de antes da Guerra; no campo, a queda teria
23
epidemias de Peste e quebras de colheitas30, enfraqueceram a já precária situação financeira
da Dinastia, na medida em que sua principal fonte de receitas, ou seja, a cobrança de tributos
sobre as populações camponesas de seus domínios diretos, retraiu-se consideravelmente31.
Battle, murder, starvation, and suicide had swept away more than half the population of
Bandenburg. Fields went out of cultivation; roads and bridges were impassable; clipped and
counterfeit coins drove out good money; and commerce decayed. Berlin (...) had only 6000
inhabitants in 1640 compared with 14,000 in 1618, Frankfort on the Oder 2000 instead of
12,000, and Preslau on the Pomeranian frontier 600 instead of 9,000! (...) The total number of
the Great Elector’s subjects at his accession had shrunk from about 1,500,000 before the war
to hardly 600,000 souls, about 240,000 in Brandenburg (including the New Mark), 260,000 in
Prussia, and 100,000 in Cleves, Mark and Ravensberg. (FAY, 1964, p. 43)32
Em resumo, além de estar no centro das disputas européias, tendo que defender (e
eventualmente disputar) um conjunto de territórios não contíguos frente a inúmeros vizinhos,
atestadamente mais fortes, mais poderosos e belicosos, a conjuntura sem precedentes de
despopulação no interior de suas possessões enfraquecia sobremaneira a situação financeira
da Dinastia. Se um exército forte era portanto uma contingência, apenas um novo arranjo de
forças internas, ou a superação do Standestaat, sobretudo no Brandemburgo, poderia
viabilizá-lo. Por sua vez, quanto mais territórios fossem anexados aos domínios da Dinastia,
maiores os volumes de pessoas e recursos disponíveis para formar aquele exército; o que, por
sua vez, poderia aumentar ainda mais seu poder de extração de recursos financeiros frente aos
Estamentos, e assim sucessivamente. Ou seja, uma “espiral” financeira-militar-expansionista33
sido de cerca de 90% nos distritos mais afetados e de 20 a 40% nos demais; em 1652, 50% das fazendas do
Brandemburgo a oeste do Rio Oder estariam completamente desertas; assim como 50% das habitações do
Neumark a leste daquele Rio em 1650;
30
Os registros de epidemias de Peste no território Brandemburgo indicam os anos de 1625, 1626, 1628, 1630-1,
1643 e 1648 como de especial severidade;
31
Segundo HAGEN (1989), estas receitas, sob a forma de rendas ou corvéias, eram cobradas antes da Guerra
sobre seis mil propriedades; após os conflitos, o número de propriedades tributáveis caíra em 50%, o que
representou uma queda em 2/3 nas receitas totais da Dinastia: “... in order for ‘the State’ to survive, the entire
fiscal and financial organization had to be reformed; both the British and the Brandenburg-Prussia governments
were in a state of bankruptcy.” (BRAUN, 1975, p. 268);
32
Falando a respeito da situação da “Alemanha” em geral no pós-guerra, GAGLIARDO comenta: “A sharp
increase in municipal indebtedness -- much of it due to 'contributions' -- plagued many urban budgets for years
and added its influence to that of the overall collapse of business activity in town and countryside as a cause for
a drastic reduction in tax revenues which for a long time crippled the fiscal strength of government at all levels.
It was a lesser but still bothersome problem for the fiscal system that good coins and precious metals had been
removed from Germany throughout the war by the foreigners who fought on its soil, while much of what
remained was hoarded.” (1991, p. 92);
33
Ou seja, sua transformação no que ELLIOTT denominou de “the eighteenth-century fiscal-military state”
(1992, p. 70);
24
seria o caminho “racional” colocado a qualquer representante dinástico que estivesse no lugar
de Frederico, Grande Eleitor, em 164834.
Este argumento pode ser compreendido ainda observando a análise de Norbert Elias a respeito
da “sociogênese do Estado” nos “casos” da França e da Inglaterra por volta dos séculos XII e
XIII. Num contexto como o Europeu daquele período, onde as trocas eram ainda pouco
desenvolvidas, ou em que um sistema monetário ainda não tinha alcançado um relativo grau
de desenvolvimento:
A Casa que dominava politicamente o território era também a mais rica no mesmo, detentora
da mais extensa área de terra, e seu poder político diminuía caso o seu poder militar, que tinha
origem no volume de receita produzida pelo domínio e número de servos e agregados, não
excedesse o de todas as demais famílias de guerreiros da área. (1993, p. 90)
Tal característica teria dado origem, naquele espaço, a um tipo de “processo social” no qual
suas diferentes unidades políticas tendem à expansão territorial e à centralização,
engendrando uma espécie de “luta de eliminação” e, portanto:
(...) uma sociedade com numerosas unidades de poder e de propriedade de dimensão
relativamente iguais tende, sob fortes pressões competitivas, para a ampliação de umas poucas
unidades e, finalmente, para o monopólio (...). (1993, p. 93)35
No contexto do Sacro Império de meados do século XVII, portanto, o Estado Hohenzollern
estaria apenas experimentando a realidade daquele “processo social”. O que Elias chama de
“acidentes”, ou seja, a ausência de um herdeiro masculino em uma Dinastia, ou as qualidades
pessoais individuais de certos representantes dinásticos, poderia acelerar ou retardar esse
processo, mas não evitá-lo.
****
O processo de centralização das forças políticas internas em torno do representante dinástico,
no Estado Hohenzollern, consistiu, na prática, de três elementos relacionados: a construção de
34
Deve-se comentar, no entanto, que, embora estas circunstâncias possam ter sido exacerbadas no caso
prussiano, nenhuma delas lhe era inteiramente exclusiva ou peculiar: “Todas as observações sobre o aumento
geral nos dispêndios governamentais ou sobre as novas organizações para coleta de impostos, ou sobre a
transformação das relações entre os reis e estados em princípio da Europa moderna continuam abstratas
enquanto não se falar da importância central do conflito militar.” (KENNEDY, 1989, p. 75);
35
“Assim como, outrora, cada tribo era um constante perigo para as outras tribos, também hoje em dia, cada
Estado representa um perigo constante para os outros Estados. (...) Um mecanismo de ameaça e medo
recíprocos – chamo a isso um processo de dupla ligação – impele os Estados a tornarem-se mais fortes e mais
poderosos do que outros, a fim de não serem por eles suplantados. Em particular, é um estado de coisas
normais nas relações interestatais que os Estados mais fortes, em qualquer época dada, se envolvam
25
um aparelho burocrático “moderno”36 associado àquela figura; a manutenção de um exército
permanente; e a ampliação dos poderes provincianos a todas as possessões dinásticas37.
Se o período de Frederico, o Grande (1740-1786), é considerado como o zênite da expansão
territorial Hohenzollern (ver à frente), o período fundamental no que se refere à centralização
das forças políticas internas é o que se inicia em 1648, até aproximadamente 1725, sob
Frederico, Grande Eleitor (1640-1688), Frederico I (1688-1713) e Frederico Guilherme I
(1713-1740).
Como dito, o “costume” no território do Brandemburgo era o de taxas ou impostos
“extraordinários” serem aprovados pelos Estamentos apenas por períodos limitados e com
funções específicas, notadamente situações concretas ou potenciais de guerra. Com o
prolongamento da Guerra dos Trinta Anos, tais cobranças foram sucessivamente aprovadas no
território, a ponto de se tornarem praticamente regulares. O sistema de arrecadação, porém,
continuava sob seu controle, e os membros da Nobreza permaneciam isentos dos pagamentos.
Com o fim dos conflitos em 1648, os Estamentos imediatamente reafirmaram seu direito
“costumário” de decidir acerca das cobranças e de associá-las apenas a situações
extraordinárias; e, portanto, as demandas recorrentes do Eleitor, nos anos de 1650 e 1651,
para a reinstalação dos impostos militares, sobretudo em função das disputas de fronteira com
a Suécia no recém adquirido território da Pomerânia Oriental, foram sucessivamente
negadas38.
mutuamente em lutas hegemônicas – em parte apenas porque vivem no medo constante uns dos outros.”
(ELIAS, 1997, p. 164);
36
O adjetivo esta sendo utilizado apenas para diferenciar a “nova” burocracia daquelas associadas tipicamente ao
Standestaat, ou seja, de caráteres essencialmente patrimonial e provinciano;
37
Novamente, esta não é, porém, uma “peculiaridade” do Brandenburgo: “These petty absolutisms, whose sole
object was self-glorification, rested on the twin pillars of the administration and the army, with moral support
from the church. The Thirty Years War had created a soldiery which the princes took care to retain on a
permanent footing after peace was restored. Thus the standing army made its first appearance in Germany as a
basis and support for local absolutism; in international politics the independent value of the petty armies of the
German princes was negligible, but they were useful for securing stability and obedience at home. Hence all
liquid capital available, when the voracious needs of princely pomp had been satisfied, was applied to building
up armies and bureaucracies. It was to finance the administration and the military system that more and more
rigorous taxation was imposed after 1650, because the administration and the army were the instruments
through which the princes reduced their subjects to tutelage. The multiplication of bureaucracies was a mark of
the times.” (BARRACLOUGH, 1946, p. 390);
38
No que diz respeito às resistências dos Estamentos frente às invetidas financeiras dos Governantes Territoriais
do Sacro Império Romano, BRAUN afirma que: “They had to be especially careful that their contributions to
the expenditure of their ruling house and their provision of collateral for the princely debts would not lead to a
precedent for legalizing an expansion of the dominium eminens in the absolutistic sense. This is why they
opposed the princes’ attempts to institute unlimited compulsory levies and were willing to agree only to taxes of
26
O impasse se manteve até 1652, quando o Eleitor convocou uma Dieta Geral no
Brandemburgo. Sua proposta inicial era bastante abrangente: não apenas a de que os fundos
destinados ao exército fossem obtidos através da cobrança de impostos indiretos sobre certas
mercadorias, mas igualmente a de uma reformulação geral no sistema financeiro do território,
especialmente com a transferência das funções de coleta e administração fiscais para
representantes diretos do Eleitor. Ambas as demandas, no entanto, foram veementemente
rejeitadas pelos Estamentos.
Um acordo só seria eventualmente obtido após a desmobilização da Dieta, em fins de 1653, o
que fez com que ficasse conhecido como o Recesso do Landtag. Contra uma lista de
exigências dos Estamentos, tratando especialmente de suas relações com as populações
camponesas39, estes se comprometiam a levantar um fundo por seis anos para o exército. No
que diz respeito à coleta e à administração destes recursos, nada foi alterado em relação ao
“costume”, ou seja, elas continuariam sendo conduzidas pelos Estamentos que repassariam os
fundos ao Eleitor.
O Recesso de 1653 é uma das datas mais destacadas pela historiografia do Estado
Hohenzollern, pois sua opinião geral é a de que, na prática, ele instalou, no território do
Brandemburgo, a chamada “Segunda Servidão” (ver à frente). Porém, de importância
igualmente notória é o fato de que, desde o Recesso, o exército do Estado Hohenzollern nunca
mais seria desmobilizado.
Os fundos garantidos pelo Acordo, porém, se mostraram rapidamente insuficientes para
sustentar os custos militares da Primeira Guerra Nórdica (1655-60). Em 1656, portanto, o
Conselho Privado do Eleitor se dirigiu aos Estamentos do Brandemburgo para a aprovação de
novos fundos que foram, como rezava o “costume”, negados. Frente à negação, porém, o
Eleitor “passou por cima” dos Estamentos e instruiu seus representantes a cobrar as taxas, se
necessário pela força, diretamente das populações do território.
O que pôde fazer com que, pela primeira vez de forma bem sucedida, o Eleitor “enfrentasse”
os Estamentos no que diz respeito à cobrança de impostos foi a presença dos chamados
limited duration. For the same reason they sought to grant only earmarked revenues, to control the collection
and allocation of the contributions granted, and to develop their own fiscal administration.” (1975, p. 255);
39
Segundo MEHRING: “Not only the ‘customary’ services, duties and burdens, that is to say the actual ones,
(and in one part of the Mark even they were undefined in law) but also advowson, seigneurial courts and the
maintenance of public order fell into the hands of the Junkers.” (1975, Parte II, Seção 1, § 22); e ainda: “The
27
Comissários de Guerra (Kriegskommissare) no Brandemburgo. Ao longo da Guerra dos
Trinta Anos, o Eleitor havia apontado alguns agentes locais nos diferentes distritos do
território. Suas funções eram essencialmente militares: organização e treinamento de tropas,
provisão de alimentos e uniformes, etc. Em alguns distritos, esses Comissários começaram,
ainda durante a Guerra, a coletar diretamente os impostos militares aprovados pelos
Estamentos. Com a paz em 1648, embora perdendo parte de suas funções, os Comissários não
foram completamente desmobilizados e, portanto, em 1656, quando os Estamentos se
recusaram a aumentar o volume dos fundos militares, estes agentes puderem ser utilizados
para cobrá-los diretamente. Ao longo da Guerra Nórdica, o que parece ainda mais importante,
este expediente começou a ser transferido para as outras províncias Hohenzollern.
É aproximadamente deste período, ou seja, a partir da Primeira Guerra Nórdica (e, portanto,
em acordo com a hipótese de Anderson anteriormente apresentada), que se podem identificar
com maior clareza, por um lado, o início da “espiral” militar-financeira ascendente que levaria
o Conde Mirabeau a afirmar que “Prussia was not a country which had an army, but an army
which had a country” (citado em CHILD et al, 1959, p. 4); e, por outro, a forte conexão
existente, desde os “primórdios” daquele Estado, entre a formação de uma burocracia e de um
exército permanente associados à figura do representante dinástico. Os primeiros agentes
efetivos que representavam o poder central no Brandemburgo possuíam funções puramente
militares e, em tempos de paz, financeiras, mas ainda com vistas a garantir fundos militares. E
foi especialmente através destes agentes que a estrutura de poder do Estado se desenvolveu:
(...) the organs of financial administration that were developed for the army’s support soon
came to form a centralized and efficient civil service. This gradually supplanted the various lax
and decentralized agencies that had been managed by the Estates. By the time of the Great
Elector’s death, his absolutist officials had pretty generally taken the place of the
particularistic agents of the Estates. So the two main pillars of the Prussian state arose side by
side: the standing army and the civil service. (FAY, 1964, pp. 69-70)
Aos poucos, não apenas no Brandemburgo mas em todas as províncias Hohenzollern, a figura
dos Comissários de Guerra começou gradativamente a se confundir, em suas funções, com a
dos antigos Diretores Distritais nobres40. Desenvolvimento semelhante ocorreu, ainda com
Brandenburg Diet decision of 1653 made the Junkers petty king on their estates, with their own judiciary and
police powers, and things were even worse elsewhere.” (HAFFNER, 1998, p. 22);
40
Os antigos organismos de poder associados à Nobreza nas áreas rurais são denominados genericamente de
Regierungen em analogia aos officiers franceses; FISCHER e LUNDGREEN comentam que: “... the
development from the rule of Estates toward absolute monarchy can be described ... by the gradual reduction of
the old Regierungen to purely judicial matters in favor of the gradual expansion of the War and Domains
Chambers (Kammern and Kommissariaten) in size and tasks.” (1975, p. 511); ver à frente;
28
maior intensidade, nas cidades. Pelos termos do Acordo de 1653, estas seriam responsáveis
por arrecadar 59% do Fundo prometido ao Eleitor. Inicialmente, tanto os impostos diretos
quanto os indiretos eventualmente instituídos eram cobrados pelas autoridades urbanas e
repassados ao Eleitor. Como freqüentemente as cidades não conseguiam atingir o valor
acordado, o Eleitor começou, a partir de meados dos anos 1670, a apontar representantes
oficiais para coletá-los, chamados comissariius loci (Steuerkommissare). Esta figura,
paulatinamente, tendeu a incorporar, assim como os Comissários de Guerra no campo, outras
funções de governo direto sobre as cidades, “depriving the towns of the oligarchic selfgovernment and political power which they had enjoyed since the Middle Ages.” (FAY, 1964,
p. 57). Os poderes dos Steuerkommissare nas cidades chegaram a ser formalizados (o que não
ocorreu para os Kriegskommissare no campo) por um Decreto dinástico de 1689, que incluía,
entre outros, o controle dos preços dos alimentos, o estabelecimento de pesos e medidas e a
regulação sobre o tráfego das estradas e rios navegáveis41.
Finalmente, o sistema de Comissários também foi estendido, ao longo da Primeira Guerra
Nórdica, aos domínios do Eleitor, especialmente para coordenar e administrar as taxas de
caráter militar, através dos Amtkommissariat.
Foi desta forma, ou seja, através de Comissários responsáveis por arrecadar receitas militares,
no campo, nas cidades, e nos domínios diretos da Dinastia, que a centralização política e
administrativa foi conduzida nos territórios Hohenzollern. Gradativamente, o Eleitor podia
fortalecer “seu” exército e, com isso, aumentar ainda mais seus poderes de coleta de recursos
financeiros. Com uma estrutura assim montada, a passagem para um sistema administrativo
centralizado e geral, pelo menos no que diz respeito aos assuntos militares, veio quase como
conseqüência direta.
Essa passagem, de fato, se iniciou ainda durante a Guerra, quando o Eleitor apontou um
Comissário Geral de Guerra (Generalkriegskommissar) para supervisionar todo o exército
Hohenzollern. Foram apontados, igualmente, Oberkriegskommissare para Cléves e para a
41
Antes desta data, em 1680, o Eleitor havia tornado obrigatórios os impostos indiretos nas cidades; comenta-se
que foi precisamente através da instituição de uma estrutura fiscal diferenciada entre o campo e a cidade
(impostos diretos versus indiretos) que o Eleitor teria conseguido “quebrar” o Standestaat: além das assembléias
locais, os Estamentos em geral só se reuniam para discutir questões fiscais de todo o território, ou quando este
estivesse ameaçado; ao se instituir o sistema fiscal diferenciado, o sentido das assembléias gerais dos Estamentos
foi praticamente esvaziado; o Eleitor poderia, doravante, discutir separadamente com cada um dos Estamentos
através de suas assembléias locais; de fato, a Dieta de 1652 foi a última de caráter geral a se reunir no
Brandemburgo;
29
Prússia e, após o fim dos conflitos, tais agentes foram mantidos42. Em 1680, finalmente, o
Eleitor colocou todos os Comissários assim distribuídos pelos territórios sob supervisão de
um único órgão, que se transformaria na instituição central de seu governo: o
Generalkriegskommissariat (Comissariado Geral de Guerra), responsável por todos os
assuntos militares (recrutamento, provisão, treinamento, entre outros) e pela administração
dos impostos de caráter militar. O órgão, localizado em Berlim, dispunha dos
Oberkriegskommissare em cada província e estes de seus oficiais diretos: os Kreiskommissare
nos distritos rurais, os Steuekommissare nas cidades, e os Amterkommissare nos domínios
diretos da Dinastia. No que se refere à administração das receitas civis43, esta só seria
centralizada em um único órgão em 1713, no Reinado de Frederico I, com a criação do
Diretório Geral das Finanças (Generalfinanzdirectorium).
Portanto, nos primeiros anos do Rei Soldado (1713-1740), duas estruturas centrais distintas de
administração, com abrangência a todas as províncias Hohenzollern, co-existiam: o
Generalkriegskommissariat,
responsável
por
todos
os
assuntos
militares;
e
o
Generalfinanzdirectorium, responsável pela administração financeira dos domínios dinásticos.
Além destes, os assuntos externos eram tratados diretamente pelo Rei junto a um grupo de
conselheiros especialmente designados para tal (o chamado Cabinetemministerium), e as
questões eclesiásticas e jurídicas pelo Departamento de Justiça.
Frederico Guilherme I, de fato, seria o grande articulador da burocracia Hohenzollern, como
se manteria até 1806, ao unificar, em 1723, os dois órgãos administrativos em um único corpo
através da fundação do General-ober-Finanz-Kriegs-und Domänen-directorium (Diretório
Geral das Finanças, dos Domínios e da Guerra), ou, abreviadamente, o Generaldirectorium.
Quando de sua formação, o Diretório foi estruturado em quatro departamentos, com
características tanto funcionais quanto regionais: i) Prússia e Pomerânia; Fronteiras e
Agricultura; ii) Minden e Ravensberg; Orçamento Geral; iii) Brandemburgo, Magdeburgo e
Halberstadt; Exército; iv) Cléves-Mark, Neuchatel, Moers e Geldern; Sistema Postal e
Cunhagem de moeda.
42
Esta “evolução” foi igualmente influenciada pelo novo envolvimento militar da “Prússia”, na Guerra FrancoSueca, como comenta ANDERSON: “Até então, a evolução do absolutismo brandenburguês seguira uma via
administrativa semelhantes à das primeiras monarquias ocidentais. A eclosão da guerra de 1672-78 marcou
uma súbita e decisiva virada. Com efeito, o Generalkriegskommissariat começou então a comandar quase toda
a máquina do Estado.” (1989, p. 244);
43
Em todo o período sob estudo, tanto a coleta quanto a administração de receitas e despesas civis e militares do
Estado Hohenzollern foram mantidas rigorosamente separadas, pelo receio dos sucessivos Eleitores de que os
fundos militares fossem desviados para outros fins que não o exército;
30
Cada departamento era encabeçado por um “ministro” que se reunia pessoalmente com o Rei
uma vez por semana, e nenhum possuía poder executivo independente dos demais.
Substituindo os antigos Steuerkommissare e os Kriegskommissare no campo, foram criadas as
Câmaras de Guerra e Domínios provincianas, compostas de conselheiros com o status de
Comissários; em nível local, as Câmaras eram representadas pelos Steuerräte nas cidades e
pelos Landräte nos distritos rurais. Ou seja:
Frederick William I welded into a single hierarchical system the older offices, concerned with
the administration of the dynastic estates and the traditional regalian rights, and the new
military-fiscal agencies of the absolute state. He reorganized the whole machinery of executive
royal power on the central, provincial, and local level. As chief organ of central administration
he founded the collegiate General Directory, headed by four ministers who were supervisors,
nor directors of the state’s bureaucratic activity. The transformation of the Hohenzollern
principalities into administrative provinces found institutional expression in the newly
established Boards of War and Domains. (ROSENBERG, 1958, p. 39)
A característica central daquela estrutura, como se nota, era seu caráter exclusivamente
financeiro e militar44. No que se refere à maioria das demais funções consideradas “públicas”,
a estrutura de poder Hohenzollern alterou em poucos aspectos as características típicas do
Standestaat, ou seja, aquelas continuaram, em grande medida, sob controle dos “Estamentos”,
especialmente da Nobreza45.
Deve-se destacar, porém, que a penetração dos representantes do poder central nas funções
“públicas” antes desempenhadas pelos Estamentos variou no que se refere às regiões rurais
vis-à-vis as urbanas. Como dito, os poderes autônomos dos órgãos citadinos já estavam, na
Europa Oriental de meados do século XVII, bastante enfraquecidos. Naquelas, portanto, a
penetração dos órgãos do governo central foi bastante superior à observada no campo46:
44
Falando a respeito do Diretório Geral, DORN comenta: “With the exception of foreign and judicial affairs, its
sphere of competence embraced everything which in the modern state has been assigned to the various
ministries. As was inevitable in eighteenth-century Prussia the Directory’s most important functions were
financial: it superintended the collection of taxes, granted remissions when necessary, and prepared and
controlled provincial and municipal budgets. No less important was the profitable exploitation of the extensive
royal domains, which in 1740 constituted one fourth of all the land of the Prussian monarchy and yielded one
third of the entire public revenues.” (1932, p. 77);
45
“(...) the newly devised monarchical machinery of domination supplement rather than supplanted the old
organs of executive government. The Junker-directed Regierungen, the courts of law, and the existing
ecclesiastical authorities were encroached upon but retained. (...) The ‘Prussian’ government did not swallow
up the local authorities of the countryside. In altered forms, therefore, the dual structure of the Ständestaat lived
on in the Prussian body politic.” (ROSENBERG, 1958, p. 43);
46
Criou-se, a partir deste elemento, a analogia de que o Estado Prussiano se sustentava sobre duas “pernas” de
tamanhos diferentes: a maior atingia, nas cidades, até seu último habitante; no campo, terminava nos Landräte:
“The power of the monarch and the bureaucracy and, thus, of the dynastic state ended with the
semibureaucractic Landrat.” (ROSENBERG, 1958, p. 39);
31
The Landrat was the director of the district assemblies of the Estates (Kreis-Direktor) in preabsolutist days; (...) When the standing army was established he gradually shifted towards a
semi-royal servant, being charge of commissary affairs... But he never gave up his connections
with the landed squirearchy of which he remained the first among equals. Thus he remained a
mixture between royal servant and Estates’ representative... The King of Prussia did not more
than approve a list of candidates out of which the Landrat was elected by the nobility.
(FISCHER; LUNGREEN, 1975, p. 514)47
Se o período de Frederico Guilherme I, com a formação do Diretório Geral, é fundamental no
que se refere à criação de uma estrutura de administração centralizada e de um exército
permanente estruturado na “Prússia”, o período imediatamente posterior, de Frederico, o
Grande (1740-86), é tipicamente aquele em que o Estado se expandiu vertiginosamente em
termos territoriais.
De fato, embora as alterações formais observadas na estrutura acima apresentada tenham sido
modestas, e o Diretório Geral tenha se mantido como órgão central do Estado Hohenzollern
até 180648, alguns comentários a respeito da forma como a política dinástica foi conduzida
“internamente” entre 1740 e 1806 são fundamentais para a compreensão dos rumos que
tomaria aquela estrutura a partir em 1807. Pois, para Rosenberg, este período corresponde
precisamente à transformação de um Absolutismo “Dinástico” em um Absolutismo
“Burocrático”:
Everywhere, earlier or later, dynastic absolutism was superseded by bureaucratic absolutism
before the absolute state itself was seriously challenged by modern liberalism. (...) In Prussia
this development did not become clearly discernable before the latter part of the eighteenth
century. (...) At the dawn of the nineteenth century (...) [t]he administrative servants of the
47
Ou ainda: “In theory, the Landrat’s official task was to harmonize the objectives of the central government
with those of the local Junkers Landowners. In action, he usually was loyal to his class and acted as the trustee
of the landed aristocracy, without neglecting, however, his personal affairs and self-interests.” (ROSENBERG,
1958, p. 167); é neste aspecto, ou seja, na fraca penetração do interesse dinástico nos “assuntos” da Nobreza,
especialmente em seu relacionamento com as populações camponesas, que alguns historiadores identificam o
motivo pelo qual a Nobreza teria “permitido” a expansão do poder dinástico Hohenzollern; ver, a respeito,
especialmente MEHRING (1975); vale citar, porém, as observações de SEELEY a respeito das Câmaras de
Guerra e Domínios: “The War and Domains Chamber had been originally, as its name imports, charged with
the affairs of the Domains, the principal source of revenue, and of the Army, the principal object of revenue; in
other words, it had been mainly financial. But in the course of time, as a convenient nucleus, it had gathered to
itself most of the functions of Local Government. In particular it had acquired a judicial as well as an
administrative character. All matters connected with the financial administration or with rural police were
brought before the Justice Deputation of the Chamber, which was distinct from the Financial Board and
consisted of persons learned in the law. At the same time the Chamber exercised in most parts of the Monarchy a
tutelage like that of the French Intendants over the affairs of the localities.” (1879, p. 476);
48
Frederico, segundo GAGLIARDO, “could afford the luxury of only fine-tuning the governamental and
administrative system he had inherited.” (1991, p. 321); ou ainda: “The Great Elector and Frederick William I
had been fertile in creating new institutions and in organizing the resources of their lands. Frederick the Great
added valuable new lands, but created little that was new in the way of institutions, being content to use and
develop those that he inherited.” (FAY, 1964, p. 126);
32
crown finally succeeded in curtailing the arbitrary powers of the king and in making him the
political prisoner of the ruling class. (1958, p. 18-23)49
Para Rosenberg, o estímulo inicial para esta transformação surgiu da forma pela qual as
questões de Estado foram conduzidas por Frederico, o Grande, especialmente no
relacionamento com a “sua” burocracia. Em uma palavra, Frederico esteve permanentemente
desconfiado de seus representantes, especialmente daqueles do Diretório Geral, tanto no que
diz respeito à sua eficiência quanto à sua honestidade e, portanto, levou ao limite extremo o
caráter autocrático de seu governo. Estas iniciativas excessivamente autocráticas, por sua vez,
teriam estimulado, para Rosenberg, o “descolamento” da burocracia com relação à Dinastia,
causando posteriormente, em inícios no século XIX, a transformação supra citada.
Frederico, em primeiro lugar, utilizou exacerbadamente o “Governo de Gabinete”, ou seja, a
prática, inaugurada ainda por seu antecessor direto, de que todas as decisões políticas
relevantes fossem tomadas direta e isoladamente pelo Monarca em seu Gabinete50 e
encaminhadas aos órgãos burocráticos através de ordens escritas51. Ao mesmo tempo,
Frederico criou sucessivamente novas “funções” ou “órgãos” de governo com os quais
mantinha relações diretas, “passando por cima”, portanto, do Diretório Geral. Com isso, não
apenas evitava que qualquer departamento possuísse independência e agisse enquanto um
corpo administrativo autônomo, como destruía o caráter essencialmente colegiado do
Diretório. Como aponta Dorn:
49
O “atraso” identificado por ROSENBERG para o caso da Prússia nesta transformação é justificado da seguinte
forma: “At the helm of the Prussian absolute state, prior to the French Revolution, stood three men who for long
periods ruled autocratically in person: the Elector Frederick William, later called the Great Elector (16401688), King Frederick William I (1713-1740), and Frederick II, better known as Frederick the Great (17401786).” (1958, p. 19); o autor não apresenta em sua obra uma definição formal para o “Estado Moderno”,
embora pareça identificá-lo diretamente a um Estado Liberal; finalmente, Rosenberg não define em que
momento o Estado Prussiano teria atingido este último “estágio”;
50
É importante distinguir, porém, o que se costuma chamar de “Governo de Gabinete” do Cabinetsministerium
já citado; tradicionalmente, os Monarcas ou Representantes Dinástico contavam com um Conselho (que, no caso
da Prússia, denominava-se Conselho do Eleitor): “Created in almost all territories of any size by shortly before
or after 1500, (...) it was a permanent body which met regularly according to a set schedule. (...) a major part of
its business was judicial in nature and frequently involved nobles as litigants or petitioners. (...) Originally, the
competence of the council extended to every aspect of the prince's territorial government, including not only
justice and supervision of finances and the internal administration, but also war and foreign affairs.”
(GAGLIARDO, 1991, p. 110); o Conselho tornou-se, ainda em 1604, o Conselho Privado do Eleitor (Geheimer
Rat) e, ao longo do século XVIII, passou a ser chamado de Cabinetsministerium, concentrando-se quase
exclusivamente em questões diplomáticas e de Política Externa; sua importância política cresceu especialmente
no período após a morte de Frederico II e, com as Reformas de inícios do século XIX, seria extinto ou
transformado no Ministério das Relações Internacionais (ver capítulo 3);
51
“He reserved to himself the supreme leadership and control of the administrative machine by pushing to the
extreme autocratic direction from the cabinet, and by extending the employment of spies and informers.”
(ROSENBERG, 1958, p. 168); ou ainda: “As a matter of practice (...) royal autocracy was carried to such an
33
Not content with the formation of special functional ministries, he proceeded to dissolve the
collective solidarity of the General Directory itself, first by ordering individual ministers not to
concern themselves with the other members of the General Directory, then by dealing with
individual ministers rather than with this body as a collective unit.(...) After 1770 common
decisions of the General Directory were the exception rather than the rule. (1932, p. 81)
Em 1741, Frederico criou um ministério especial do Comércio que, por volta de 1769, se
tornaria inteiramente independente do Diretório Geral. Outros “ministérios especiais” se
seguiram: em 1742, para a Silésia; em 1746, para o Exército; em 1768, para as minas; e em
1770 para as florestas (extinto em 1786); em 1751, o Rei colocou a cunhagem de moedas sob
um oficial especial que se reportava diretamente a ele; e fez o mesmo em 1766 com o banco e
o monopólio do tabaco do governo. Havia ainda um departamento de selos, um para o
monopólio da lenha e da madeira, o Seehandlung (uma companhia “mista” que funcionava
simultaneamente como banco comercial e instituição financeira), entre outros52.
Ainda mais importante, o Monarca frequentemente passava instruções diretamente aos antigos
representantes do governo local nas áreas rurais (o Regierung) e urbanas, e, com isso, aqueles
poderes, especialmente a Nobreza, experimentaram um período de relativa revitalização:
Frequently, Frederick bypassed the Directory and also the other central agencies by giving
orders directly to prominent members of the provincial and local administration or by
appointing special commissars for special tasks. (...) Therefore he sanctioned the reemergence
of non bureaucratic agencies of corporate self-government and a limited revival of the political
influence of the noble landowners, as a group, in the affairs of the dynastic state.
(ROSENBERG, 1958, p. 171)
As relações do Monarca com “sua” burocracia parecem ter se deteriorado especialmente com
a depressão econômica observada nos territórios Hohenzollern e a exaustão financeira de seu
Estado após a Guerra dos Sete Anos. Em 1765, frente às resistências do Diretório Geral em
conduzir uma reforma fiscal solicitada por Frederico, o Monarca apontou um oficial francês
como chefe do Régie, um novo “órgão” que deveria, a partir de então, conduzir todos os
assuntos fiscais e financeiros dos territórios. Em resumo, portanto:
extreme that all important matters above the level of ordinary routine business were sent to the King for final
decision even when the formal document had been issued by the General Directory.” (DORN, 1932, p. 78);
52
Uma reformulação do Diretório Geral foi introduzida em 1748 por Frederico, com a organização dos
territórios Hohenzollern em dezessete Províncias Administrativas, cada qual com uma respectiva Câmara de
Guerra e Domínio, subordinadas a Departamentos específicos do Diretório, da seguinte forma: Departamento I:
Prússia Leste, Pomerânia e Neumark; Departamento II: a Marca do Brandemburgo e Magdeburgo;
Departamento III: Cléves, Condado de Mark, Moers, Gueldern, Frísia Leste; Departamento IV: Halberstadt,
Minden, Ravensberg, Tecklenburgo e Lingen; em 1766, os Departamentos III e IV foram fundidos em um,
chamado de Departamento III; em 1771, o Ducado de Magdeburgo foi separado do Departamento II e passado
ao III, de forma a que todos os territórios na margem esquerda do Elba ficassem submetidos àquele;
34
(...) Frederick (...) tried to curb the bureaucracy by a policy of making public administration by
a single, unified group impossible. This he sought to accomplish by strenghtening the position
of the established competing authorities; by breaking the central administration into many
units; and by creating, through the medium of the Régie, a new rival authority.
(ROSENBERG, 1958, p. 168)
As conseqüências gerais dessa política, porém, não foram especialmente sentidas no período
de Frederico, já que a rigidez de seu governo e sua dedicação completa ao Estado53
mantiveram a unidade e a coerência que haviam sido perdidas entre os inúmeros “órgãos” de
governo54. Nos vinte anos que se seguiram, porém (ou seja, entre a morte de Frederico e a
derrota militar do Estado Hohenzollern), nenhum instrumento de coordenação e
homogeneização burocrática55 pôde servir à tarefa antes desempenhada diretamente pelo
Monarca56. Foi exatamente neste período que se iniciou, portanto, a formação de uma
“oposição” no interior da burocracia demandando reformas, especialmente na estrutura
administrativa; e, quando a derrota militar de 1806 “devastou” o Estado Prussiano, foi
especialmente sobre aquela que recaíram suas responsabilidades.
Por este processo geral, portanto, Frederico teria “preparado o terreno” para a transformação
identificada por Rosenberg do Absolutismo Dinástico para o Absolutismo Burocrático. As
tentativas do Monarca, por um lado, de penetração nos poderes locais da Nobreza, e, por
outro, de evitar qualquer transferência de poderes para a “sua” burocracia, levou apenas a uma
exacerbação nas disputas entre estes grupos vis-à-vis o poder central, e a uma intensificação
de suas identidades enquanto grupos políticos57. Seu poder real, portanto, frente a estes grupos
tendeu a declinar paulatinamente na segunda metade do século XVIII. Com a morte de
Frederico, e com a subida ao trono de dois representantes dinásticos sem o mesmo viés
53
GOOCH (1948, p. 41) comenta: “His state was so small and his energy so unflagging that for forty-six years
he governed Prussia like no Hohenzollern before or after him. The Sovereign, he declared, was bound to act as
if he had every moment to render an account of his stewardship to his fellow-citizens. He only slept for six hours.
When his doctor ordered the old man of sixty-nine to cancel a journey of inspection, he replied, 'You have your
duties and I have mine, and I will carry them out till my last breath.'”;
54
“Frederick’s method of governing proved, especially in the last twenty years of his reign, to be more and more
an obstacle to the efficient working of the state apparatus. Every widow’s application for support, every officer’s
promotion had to be decided upon him personally.” (WEIS, 1986, p. S190);
55
Citando apenas um exemplo, embora de grande importância no Estado Hohenzollern, ainda que Frederico
tenha criado um “ministério” especial para o exército, existiam, em fins do século XVIII, cinco agências
governamentais diferentes e autônomas relacionadas às questões militares (CRAIG, 1968, p. 29);
56
“Harmonious coordination of the central agencies of administration (...) was notoriously lacking in
eighteenth-century Prussia. Such coordination and unity as there was, was not to be found in the central
administrative organs themselves, but in the autocracy of the Prussian monarch.” (DORN, 1932, p. 75);
57
“The royal policy of playing off the landed nobility and the bureaucracy against each other resulted, in fact, in
the formation of a united front against the arbitrary power of the crown.” (ROSENBERG, 1958, p. 196);
35
autocrático (Frederico Guilherme II e Frederico Guilherme III), o caminho estaria “livre” para
a “vitória” política final da Burocracia (aliada, porém, à Nobreza58).
****
Após considerar os processos de centralização política “interna” no Estado Prussiano e de
construção de um aparato de poder associado à figura do Governante Central, trata-se neste
momento de observar seus “resultados” no que se refere à expansão territorial daquele Estado.
Deve-se, porém, inicialmente, alertar que a historiografia em geral não atribui essa
causalidade inequivocamente, ou seja, o sucesso experimentado pelo Estado Hohenzollern na
“arena” das disputas militares e diplomáticas da Europa no século XVIII não deve ser
atribuído apenas aos esforços dinásticos de centralização e construção burocrática e militar.
Pois, como dito, todos os Estados europeus em geral, e aqueles de maior importância no Sacro
Império em particular, seguiram, em maiores ou menores graus, políticas “absolutistas” e
militaristas59, 60.
De qualquer forma, uma das alterações principais observadas entre 1648 e 1806 na
composição e na distribuição de forças políticas do “clube” das Grandes Potências européias
foi precisamente o ingresso de um novo Estado, a Prússia, mesmo que ainda como o seu mais
fraco membro. Em 1648, como comenta Barraclough a respeito dos Estados do Sacro
Império:
The princes might be sovereigns in their own lands, unimpeded either by the emperor above or
by the estates below, but -- excluding Austria -- none, not even Brandenburg-Prussia, was
more than a second-rate power, and none was strong enough to adopt an attitude of
independence in foreign affairs. (1946, p. 383)
58
Sobre o relacionamento entre a Nobreza e a Burocracia após 1786, ver ROSENBERG (1958, caps. 8 e 9); para
ELIAS, de fato, esse é outro elemento fundamental à compreensão do desenvolvimento histórico da Prússia:
“Surgiu assim uma constelação em que a nobreza se submeteu ao rei; os aristocratas serviam-no como oficiais,
funcionários da corte e administradores. Mas, ao mesmo tempo, o rei também se submeteu à aristocracia;
incumbiu-se de garantir a posição dela como o mais alto estado, ou classe política, do país. Esse pacto fez dele
o protetor de privilégios aristocráticos.” (1997, p. 68);
59
Sobre o “militarismo” da Prússia, HAFFNER comenta que “admittedly Prussia was merely doing to an
exaggerated degree what had become the universal usage in Europe at the time. Prussian militarism was no
isolated phenomenon.” (1998, p. 47);
60
As causas mencionadas para o “sucesso” da Dinastia variam desde as habilidades individuais dos sucessivos
Hohenzollern, especialmente de Frederico II (por exemplo, CHILD et al, 1959) até a situação geopolítica da
Prússia no contexto europeu do período, especialmente por seu papel na disputa entre a França e a Inglaterra (por
exemplo, SCHROEDER, 1996);
36
Em 1786, o ano da morte de Frederico, o Grande, a Prússia, embora ainda fosse experimentar
a derrota militar de 1806, já se mostrava como, no mínimo, um aliado que as Grandes
Potências não podiam dispensar, ou como um inimigo que não desejavam possuir.
A expansão territorial do Estado Hohenzollern deu-se, na prática, através de um conjunto de
manobras militares e diplomáticas, e relacionou-se, portanto, às disputas políticas que
envolviam toda a Europa61. A Figura 2 apresenta a evolução desta expansão através de quatro
Quadros cronológicos: o Quadro A, tratando do período entre 1648 e 1740; o Quadro B,
correspondente ao período de Frederico, o Grande (1740-86); o Quadro C, entre a morte de
Frederico e a derrota militar de Jena (1786-1806); e, finalmente, o Quadro D, que apresenta a
configuração do Estado Prussiano após o Tratado de Tilsit em 1807.
61
Para uma descrição destas, ver KENNEDY (1996, cap. 3);
37
QUADRO A: 1648-1740
MAR
QUADRO B: 1740-1786
O
TIC
BÁL
PR
1679
E
MAR DO NORT
1721
Elb
MAR
E
MAR DO NORT
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n
Re
Sl
Territórios Hohenzollern até 1648
Ganhos Posteriores
Territórios Hohenzollern até 1740
Tratado de Westphalia
Aquisições territoriais do período
QUADRO D: 1807
QUADRO C: 1786-1807
MAR
O
TIC
BÁL
MAR
O
TIC
BÁL
E
MAR DO NORT
E
MAR DO NORT
Elb
Elb
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a
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Od
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ul
a
PrS
no
Re
o
n
Re
Bt
Ab
Territórios Hohenzollern em 1807
Territórios Hohenzollern até 1786
Aquisições territoriais do período
LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA
FIGURA 2: A EXPANSÃO TERRITORIAL HOHENZOLLERN: 1648-1807
CONVENÇÕES:
Fronteira do Sacro Império Romano
Principais Rios
Fronteiras Territoriais
TERRITÓRIOS:
BR: Brandemburgo
PR: Ducado da Prússia (1648)
Por: Pomerânia Oriental
MD: Minden
HB: Halberstadt
RV: Ravensberg
MA: Mark
CL: Cléves
MG: Magdeburgo
Mo: Moers
GL: Geldern Superior
Tc: Tecklenburgo
Lg: Lingen
Fl: Frísia Leste
Sl: Silésia
El: Ermland
PrOc: Prussia Ocidental
PrS: Prussia Sul
NPrE: “Nova Prússia Leste”
Ab: Ansbach
Bt: Bayreuth
EUROPA
®
ÁSIA
38
O Estado Hohenzollern, em 1648, era composto de: o Margraviado do Brandenburgo, a
Pomerânia Anterior, os Principados secularizados de Halberstadt e Minden, e o Ducado da
Prússia, ainda como feudo da Polônia. A seqüência dos eventos que acompanha a evolução
dos Quadros anteriores, sumarizada na Figura 3, pode ser resumida da seguinte forma:
QUADRO A
•
A participação dos Hohenzollern na Primeira Guerra Nórdica (1655-60) leva, com o
Tratado de Oliva62 em 1660, à libertação da suserania da Prússia com relação à
Polônia63;
•
A herança reclamada pelos Hohenzollern sobre o Ducado de Julich-Berg seria
resolvida em 166664, quando a Dinastia recebe então oficialmente os territórios de
Cléves-Mark65 e de Ravensberg, que deveria ser administrado em conjunto com o
bispado secularizado de Minden, como Minden-Ravensberg66;
•
Ainda como resultados do Tratado de Westphalia, a Dinastia recebe o Ducado
secularizado de Magdeburgo em 1680;
•
Como resultado da participação Hohenzollern na Guerra Franco-Sueca (1672-9), uma
das chamadas “Guerras de Agressão” de Luís XIV, a Prússia obtém uma pequena
“franja” do território da Pomerânia, do lado direito do Rio Oder, sem incluir ainda o
porto de Stettin;
62
Frederico, em 1656, entrou na Guerra do lado sueco, recebendo garantias de liberação da vassalagem da
Polônia em caso de vitória; em 1657, com o enfraquecimento da Suécia, Frederico “troca de lado” e estabelece
um novo acordo com a Polônia em termos semelhantes; para detalhes, ver STEINBERG (1945, pp. 131-132);
63
No que se refere à Primeira Guerra Nórdica, convém citar a seguinte passagem de KENNEDY: “But the
outcome of the First Northern War provides a better clue to the final harvest of his closely interrelated foreign
and domestic policies, for his attainment of full sovereignty over Prussia in 1660 merely symbolizes the real
purpose and direction of his reign and its true achievement: the imposition of a genuine working sovereignty
over all his dominions that would give them the character of a single state, if indeed a still geographically
divided and imperfectly unified one, and would enable him to pass on to his son and successor an army and the
outlines of an administration sufficiently strong and developed to keep it that way. Looked at from this
perspective, foreign and domestic policy were simply different aspects of a single military policy which served
the higher goal of state-building.” (1989, p. 300-301);
64
Segundo STEINBERG (1945, p. 130-131), o Eleitor teria invadido Julich em 1651 para “resolver”
definitivamente a questão; o Ducado de Cléves, no Baixo Reno, e o Condado de Mark, na Westphalia, já
estavam ocupados pelo Eleitor desde 1609 (ver Apêndice 02);
65
Tratavam-se de dois territórios separados: o Ducado de Cléves, no Baixo Reno, e o Condado de Mark, na
Westphalia;
66
O território de Minden-Ravensberg seria unificado em 1719 e estaria sobre administração de uma Câmara de
Guerra e Domínios específica a partir de 1723;
39
•
Em 1701, a “Prússia” eleva-se à condição de “Reino”, a partir de uma manobra
diplomática de “troca de favores” com o Imperador67; os Hohenzollern podem a partir
de então se denominar Reis “na” Prússia, mas não “da” Prússia, na medida em que não
era permitida a existência de “reinos” no interior das fronteiras do Império68;
•
Com a Guerra de Sucessão Espanhola, seguem-se outros ganhos territoriais, seja pelo
reconhecimento de certos “direitos” hereditários solicitados e aceitos pelo Imperador
(no caso do Condado de Moers, adjacente ao Ducado de Cléves, em 1702; e de
Neuchatel, em 1707); seja pelos acordos do fim da Guerra (o Geldern Superior, em
1713); seja por compra (Lingen, em 1702; e Tecklenburgo, em 1707);
•
Em 1721, com a Segunda Guerra Nórdica (1700-1721), a Prússia anexa a porção
ocidental da Pomerânia, incluindo Stettin.
QUADRO B
•
Cinco meses após a elevação de Frederico II ao trono da Prússia, os Hohenzollern
invadem e ocupam o território Habsburgo da Silésia sem uma declaração de guerra,
iniciando, simultaneamente, a Primeira Guerra Silesiana entre a Áustria e Prússia
(1740-42) e a Guerra de Sucessão Austríaca (1740-48), envolvendo a maioria dos
Estados europeus; com a Paz de Breslau de 1742, assinada separadamente com a
Áustria, a possessão sobre aquele território é garantida;
•
Frederico retorna ao conflito em 1744, iniciando a Segunda Guerra Silesiana (1744-5),
numa manobra considerada em geral como uma “guerra preventiva” para garantir o
território recém adquirido, ameaçado pelo fortalecimento da Áustria em sua Guerra de
Sucessão; novamente, Frederico assina um acordo de paz em separado com a Áustria
em 1745, nos mesmos termos do acordo de 1742;
•
Em 1756, Frederico ataca e ocupa, sem uma declaração de guerra, a Saxônia,
iniciando a Guerra dos Sete Anos (1756-63); aquela não traria, a qualquer de seus
participantes, alterações territoriais significativas; porém, através dela, Frederico
67
A motivação de Frederico e a disposição do Imperador em aceitar os termos do acordo parecem ter sido
especialmente influenciadas pelo exemplo dado pelo Eleitor da Saxônia que se tornara, em 1679, ao abandonar o
Protestantismo, Rei na Polônia (STEINBREG, 1945, p. 118);
68
O único Rei “do” Império era o Sacro Imperador Romano, o “Rei dos Germanos”, porém a Prússia não estava
no interior de suas fronteiras;
40
garante definitivamente a Silésia, bem como a “elevação” de seu Estado ao “clube”
das Grandes Potências européias69.
•
Em 1744, o Monarca reclama (e obtém) uma suposta sucessão ao território da Frísia
Leste, que garante então aos Hohenzollern uma saída para o Mar do Norte;
•
A morte de Augusto III, Rei da Polônia e Eleitor da Saxônia, em 1763, iniciou uma
crise política no território polonês, em que a Rússia esteve diretamente envolvida
graças à tentativa de Catarina II de impor seu candidato à sucessão; frente aos avanços
de Catarina sobre a Polônia nos anos seguintes, a Áustria e a Prússia conseguem,
diplomaticamente, um acordo em 1772 para prevenir a dominação completa da Rússia
sobre o território polonês, conhecido como Primeira Partição da Polônia; este traz aos
Hohenzollern a Prússia Ocidental, com exceção de Danzig, e o Bispado de Ermland70;
•
Em 1777, com a extinção do ramo principal da Dinastia Wittelsbach, o Imperador
Habsburgo estabelece um acordo com sua linhagem Paladina e ocupa, com uma
alegação de sucessão, o território da Boêmia; Frederico declara guerra à Áustria,
iniciando a Guerra da Sucessão Bávara (também conhecida como Guerra do Tomate,
1778-9); com o conflito, Frederico garante o direito à reversão dos territórios de
Ansbach e Bayreuth para a Linhagem Brandemburgo dos Hohenzollern (o que ocorre
em 1791), e evita uma maior expansão da Áustria sobre a Bavária;
•
Manobra semelhante foi conduzida em 1785, quando se tornam públicos os planos da
Áustria de “trocar”, com a Dinastia Wittelsbach, os Países Baixos Austríacos pela
Bavária; Frederico reúne em uma Liga dos Príncipes (Fürstbund) Hanover,
Brunswick, Hesse e Mecklenburgo (e posteriormente também a Saxônia),
supostamente para “defender” as instituições imperiais, e, sem a necessidade de
qualquer confronto, evita a efetivação daqueles planos.
69
“(...) by winning Silesia, and proving his ability to retain it, he destroyed the old German constitution and
raised Prussia to a position of virtual equality with Austria.” (CRAIG, 1968, p. 13);
70
É após a Primeira Partição que Frederico II teria mudado sua titulação de Rei “na” Prússia para Rei “da”
Prússia e que o nome passaria a ser utilizado para designar todas as possessões Hohenzollern (STEINBERG,
1945, p. 152);
41
QUADROS C e D
•
Com a Segunda Partição da Polônia (1793), a Dinastia recebe os territórios Danzig,
Thorn, Posen, Gnesen e Kalish, que formariam então a “Prússia Sul”;
•
Com a Terceira Partição da Polônia (1795)71, recebe toda a porção entre os Rios Bug e
Niemen, que formaria a “Nova Prússia Leste”;
•
Em 1807, com a derrota militar para os exércitos napoleônicos, a Prússia perde boa
parte dos ganhos obtidos nos anos anteriores, assim como todas as suas possessões
ocidentais.
71
As Partições da Polônia estão, como já dito, relacionadas especialmente com a configuração de forças entre os
três principais estados “orientais”, Rússia, Prússia e Áustria; sobre estas, ver KENNEDY (1989, pp. 118-128);
BARRACLOUGH (1946, pp.402-403) afirma que: “It was fear of Russia and open jealousy and distrust
between Austria and Prussia which led to the three partitions of Poland in 1772, 1792 and 1795.”; vale notar
que a atitude unilateral de Frederico II com relação à França em 1795 (o Tratado de Basel) é em geral
compreendida neste contexto, ou seja, foi a intenção de se concentrar sobre as disputas no Leste e aproveitar a
oportunidade de uma nova expansão territorial que teria feito com que o Monarca assinasse a paz com a França
(BROSE, 1997, p. 31);
1688
1640
1650
1660:“Aquisição”
da Prússia
1648:
Tratado de
Westphalia
1630
1670
1700
1701: “Reino”
da Prússia
1680:
Magdeburgo
1690
1720
1713: Geldern
Superior
1770
1780
“Guerra do
Tomate”
1797
1790
1810
1807: Derrota de Jena
1795: “Nova
Prússia Leste”
(Terceira
Partição da
Polônia)
1800
(1840)
Frederico
Guilherme III
FIGURA 3: QUADRO CRONOLÓGICO: 1648-1807
*Prússia envolvida apenas em: 1792-1795; 1806; 1813-1815;
1793: “Prússia Sul”
(Segunda Partição da Polônia)
1786
Frederico
Guilherme II
Guerras Napoleônicas*
1772: Prússia
Ocidental e
Ermeland (Primeira
Partição da Polônia)
1791: Ansbach e
Bayreuth
1760
Guerra dos
Sete Anos, 3ª
G. Da Silésia
1742, 1745, 1763:
Confirmação
da Silésia
1750
1744: Frísia
Leste
1740:
Silésia
1740
1ª e 2ª Guerras
da Silésia
1730
1721:
1707:
Pomerânica
Neuchatel e
Sueca
Tecklenburgo
1710
Guerra de Sucessão
Espanhola
1702: Moers e
Lingen
1680
1679: “Franja” na
Pomerânia
1666:
Cléves-Mark
e Ravensberg
1660
Guerra
FrancoSueca
EVENTOS DESTACAD0S (GANHOS HOHENZOLLERN)
1620
Guerra dos Trinta Anos
Primeira
Guerra
Nórdica
1740
Frederico II, o Grande
Guerra de Sucessão
Austríaca
Frederico
Guilherme I
“Rei Soldado”
Segunda Guerra
Nórdica
1713
Frederico III /
Frederico I
GUERRAS COM ENVOLVIMENTO DA PRÚSSIA
1640
Frederico, Grande Eleitor
GOVERNANTES HOHENZOLLERN
42
43
Gooch resume da seguinte forma a “história” da construção do Estado Hohenzollern entre
1648 e 1786:
The Great Elector attracted the attention of Europe to Prussia by his victories and his
diplomacy, created a standing army, and laid the foundations of the autocracy on which the
Hohenzollerns reared one of the mightiest political edifices of the modern world. His son
Frederick I placed the crown upon his head, and his grandson, Frederick William I, created an
administrative machine the efficiency of which was unmatched in Europe. Finding a welltrained army and an overflowing treasury on his accession in 1740, Frederick the Great seized
Silesia on the death of the Emperor Charles VI six months later, and held it against the
combined efforts of half Europe. (1948, p. 40)
Além da característica amplamente ressaltada pela historiografia do caráter fortemente
militarista daquele Estado, é necessário destacar ainda um aspecto dos processos apresentados
acima: na prática, no período entre meados do século XVII e inícios do XIX, o Estado
Prussiano se expandiu, ou foi construído através da expansão, ao longo de territórios
notadamente “orientais”. Seja pelas combinações das forças políticas na Europa do período,
pelas “oportunidades” abertas por aquelas combinações, ou por algum direcionamento
intencional dos Hohenzollern, o espaço territorial prussiano foi articulado essencialmente
como um Estado da Europa Oriental. Embora mantendo suas possessões no Ocidente, e sem
negar a importância que aquelas possam ter adquirido para seus interesses dinásticos, foi
sobre os territórios do “Leste” da Europa que, em inícios do século XIX, o Estado
Hohenzollern se afirmou enquanto entidade política.
Do ponto de vista das disputas políticas no interior do Sacro Império, Brose resume da
seguinte forma a situação em fins do século XVIII:
Thus by the late eighteenth century the political equilibrium of the Holy Roman Empire was
no longer threatened by the emperors, whose imperial powers had eroded, or by religious
antagonists, whose hatreds had found less violent outlets. The deepening feud between Austria
and Prussia, on the other hand, was a definite source of destabilization. Precipitated by
Prussia's growing power, the rivalry worsened after 1648 as the House of Hohenzollern
steadily consolidated and expanded its holdings at the expense of small states in the northwestern and north-central portions of the empire. (1997, pp. 13-14)
Em resumo, portanto, o que se assiste no período entre meados do século XVII e fins do
século XVIII é a “escalada” de uma unidade política, a Prússia, à arena central do “jogo das
guerras” do espaço da Europa Centro-Oriental. O processo de centralização de poderes em
torno da figura do Governante Central no Estado Hohenzollern, como visto, não foi isolado, e
se assemelha ao “processo social” identificado por Elias na Europa Ocidental dos séculos XII
e XIII. Este “jogo” não levou, como naquele caso, à formação de um ou alguns ‘estados-
44
economias nacionais’ unificados até fins do século XVIII, porém delineou com maior clareza
quais seriam os candidatos prováveis a assumir aquela forma. Em fins do século XVIII, o
“jogo das guerras” da Europa “alemã” transformara-se, pela expansão do Estado
Hohenzollern, na disputa entre a Áustria e a Prússia.
Neste momento convém, portanto, seguindo a proposta desta investigação, observar sobre que
relações econômicas operaram esta e outras “vontades políticas centralizadoras” e em que
medida interferiram naquele ambiente econômico; ou, em outras palavras, descrever o “jogo
das trocas” naquele mesmo espaço.
45
CAPÍTULO 2: O ESPAÇO ECONÔMICO “ALEMÃO” EM ÍNÍCIOS DO
SÉCULO XIX
2.1 – Introdução
O interesse deste Capítulo é discutir sobre que relações econômicas começam a operar, a
partir de 1648 no espaço “alemão”, as “vontades políticas centralizadoras” que estão, para
Braudel, na origem do “mercado nacional”. Como visto, o “sistema” político instituído pelo
Tratado de Westphalia propiciou um ambiente institucional adequado para operação daquelas
“vontades” entre os Estados do Sacro Império Romano.
Do ponto de vista econômico, os dois “grandes” temas da historiografia da Alemanha até o
século XX são a Guerra dos Trinta Anos e a Revolução Industrial. Em especial, no que se
refere à Guerra, esta se dedicou obstinadamente em entender, embora sem alcançar consensos
significativos: i) qual a situação econômica da “Alemanha” antes da Guerra; e ii) que efeitos
teria trazido àquela economia1, 2. Rabb, em um artigo focado precisamente sobre as
controvérsias historiográficas a respeito do tema, comenta em suas conclusões:
The attempt to see either prosperity or decline as a uniform condition in Germany before 1618
has been a major stumbling block in most approaches to the problem. The absence of unity in
Germany and the different conclusions reached by local studies make generalizations about the
economic situation before the war virtually impossible. (1962, p. 51)
Mas estas “generalizações” seriam possíveis após a Guerra? Sheehan comenta o seguinte a
respeito de inícios do processo de industrialização na Alemanha:
(...) it is misleading to talk about a German economy in the 1830s, when local, regional, and
transnational economic relationships almost certainly remained of much great importance for
most central Europeans. (1981, p. 12)
As duas citações destacadas apontam, em conjunto, para as considerações de Braudel a
respeito da conexão entre o Estado Territorial e o “mercado nacional”: não existe uma
“economia nacional” até o momento em que um Estado, a partir de uma vontade política, a
recorta de um espaço econômico mais amplo. Elaborar, portanto, um quadro geral da
1
Ver, sobre o tema, RABB (1962); CARSTEN (1956); KAMEN (1968); e POLISENSKY (1955);
O seguinte “diagnóstico” é fornecido por GAGLIARDO: “In economic terms, while no historian has argued
that the war had anything but a woeful effect on Germany as a whole, a debate has raged over whether the war
alone caused an economic downturn, or whether it merely exacerbated a decline already in evidence by 1618 (or
perhaps was even partly caused by such a decline). The weight of scholarly opinion now clearly inclines to the
latter view which, by placing Germany in a wider European context, emphasizes the early seventeenth century as
a period of transition between the long-term economic expansion of the sixteenth century and the more
recessionary environment of the seventeenth.” (1991, p. 91);
2
46
“economia alemã” antes de se instituir um Estado unificado politicamente só seria possível se
o “conceito” fosse compreendido no sentido genérico de “economia dos territórios alemães”.
Com este sentido, porém, não existiria apenas “uma” economia, ou alguma coerência que
unisse, enquanto conjunto, as diferentes “economias” daqueles territórios.
Por outro lado, a possibilidade de identificar tendências que envolvessem todos os territórios
alemães, ou que os “unificassem” economicamente, deve-se, em grande medida, à sua
“participação” na economia européia e, em especial, na chamada “Crise Geral da Economia
Européia do século XVII”3:
After 1618 there was a significant change. As the war successively struck various sections of
Germany, it drastically reduced the number of prosperous areas. Economic growth became so
rare a phenomenon that at last it is possible to conclude that decline was the prevalent
condition. (RABB, 1962, p. 51)
O que Rabb não explicita em seu artigo é o fato de que o “declínio ser a condição
prevalecente” não é uma característica particular dos territórios alemães naquele período e,
portanto, não confere àqueles a suposta coerência de um espaço econômico único.
Este “problema metodológico” tem sido resolvido pela historiografia econômica da Alemanha
pré-formação do Estado Territorial através da descrição das diversas “economias” dos
territórios alemães, que usualmente também inclui generalizações sobre as tendências gerais
daquela “economia”. Estas últimas são, porém, antes generalizações a respeito da Europa em
geral do que propriamente da economia “alemã” em particular.
Quanto à economia européia, existe consenso de que, economicamente, a Europa de, digamos,
1815, era muito similar àquela de 1648 no que se refere às atividades produtivas4. Se a
“Crise” e sua reversão afetaram aquela economia, estes efeitos foram antes locais e, no
máximo, regionais, pelo menos até meados do século XIX.
Este Capítulo, portanto, está dividido em duas seções. Em primeiro lugar, tentar-se-á
apresentar o que era, em linhas gerais, a “economia alemã” em inícios do século XIX, tendo
em mente que suas características eram, em grande medida, antes da economia européia do
3
Sobre a “Crise”, ver HOBSBAWM (1954a e 1954b); para um sumário da discussão historiográfica a respeito,
ver WALLENSTEIN (1980, Prefácio e Introdução); para a “Crise” no que se refere ao Brandemburgo, ver
HAGEN (1989, pp. 303-304);
4
Embora isso não seja verdade, como se verá, quanto à “organização social da produção”;
47
que especificamente alemã5. Na segunda seção, serão apresentadas as “principais” regiões
econômicas daqueles territórios, algumas por se destacarem pela prosperidade, outras por
fugirem ao “padrão geral” europeu, indicando, sempre que possível ou necessário, os efeitos
que a “Crise” e sua reversão tenham àquelas trazido.
2.2 – Características Gerais
A característica central que unifica a economia “alemã” até pelo menos inícios do século XIX
é o caráter predominantemente agrário tanto de sua produção quanto de suas populações
(BRUFORD, 1957, p. 293; GAGLIARDO, 1991, p. 128). Como se sabe, esta não é uma
característica particular da Alemanha naquele período6. De qualquer forma, segundo
Blackbourn, três quartos dos alemães viviam, por volta de 1800, em áreas rurais (1998, p. 3;
para Mehring [1975, Seção IV, parte 1, §13], este número seria de dois terços e, para o caso
específico da Prússia, de três quartos7) e 80% deles estavam envolvidos na atividade agrícola
(1998, p. 12). Segundo Gagliardo, 70-75% do PNB “alemão” em meados do século XVIII era
gerado pela agricultura (1991, p. 129).
No que se refere à produção agrícola, o quadro geral é, por um lado, o de pequenos cultivos
de bens de primeira necessidade destinados majoritariamente a uma economia de subsistência,
ou comercializados em raios muito limitados. E, por outro, o de grandes propriedades
destinadas ao cultivo de cereais para exportação (ver à frente).
O efeito central que a “Crise” do século XVII teria trazido a esta economia agrária ocorreria
no que se costuma chamar de “organização social da produção agrícola” e, em especial, nas
regiões que se dedicavam tipicamente à produção para exportação de grãos, notadamente o
Leste do Elba (ver à frente). Pois o século e meio após a Guerra dos Trinta Anos assiste, para
estas regiões, ao que se convencionou chamar de “Segunda Servidão no Leste”8.
5
Neste capítulo, serão considerados “territórios alemães” todos aqueles compreendidos na Europa entre os Rios
Reno e Oder, com um foco, porém, sobre aqueles que viriam a compor o Império Alemão em 1871;
6
“De fato, fora algumas áreas comerciais e industriais bastante desenvolvidas, seria muito difícil encontrar um
grande Estado europeu no qual ao menos quatro de cada cinco habitantes não fossem camponeses.”
(HOBSBAWM, 1977, p. 27);
7
Segundo HAFFNER (1998, p. 75), por volta de 87% da população da Prússia em 1800 vivia em áreas rurais;
dos 13% restantes, apenas 6% vivia em cidades com mais de 20 mil habitantes;
8
Ver, a respeito do fenômeno, especialmente ANDERSON (1989, pp. 192-220);
48
Dada a queda nos preços dos produtos agrícolas no mercado “internacional” após a Guerra
dos Trinta Anos, especialmente o dos cereais9, os grandes produtores teriam encontrado, em
uma nova forma de organização social de sua produção, ou seja, em um novo modelo de
relacionamento com as populações camponesas de seus domínios, uma forma de “compensar”
as perdas associadas àquela queda.
Mais geralmente, para Braudel, o fenômeno da “Segunda Servidão” no Leste da Europa,
iniciado já no século XVI e, portanto, antes da Crise do século posterior, seria apenas um dos
aspectos do fenômeno mais geral de transformação do Leste em uma região colonial,
fornecedora de matérias-primas para o Ocidente (BRAUDEL, 1996a, pp. 231-232)10. Isso não
impede, porém, que tenham existido igualmente impulsos de caráter interno às próprias
regiões:
Esse agravamento generalizado da corvéia nas regiões do Leste europeu tem raízes ao mesmo
tempo externas e internas. Externas: a procura maciça da Europa do Oeste, que é preciso
alimentar e abastecer de matérias-primas. Segue-se um poderoso apelo à produção exportável.
Internas: na corrida competitiva entre os Estados, as cidades e os senhores, estes últimos estão
por quase toda a parte (salvo na Rússia) em posição dominante. À decadência das cidades e
dos mercados urbanos, à fraqueza do Estado corresponde o arresto da mão-de-obra (e também
da terra produtiva) que impulsiona o sucesso dos feudais. (BRAUDEL, 1996a, pp. 233-234)11
Ou seja, a própria especialização de algumas regiões, ao longo do século XVI, na produção
exportável de grãos, impulsionada especialmente pelo aumento de sua demanda a partir do
Ocidente, teria transformado o Oriente europeu em uma região tipicamente servil,
especialmente onde não encontrou fortes resistências urbanas ou dos Estamentos em geral a
sua infiltração:
9
Segundo GAGLIARDO (1991, p. 128) esta queda seria integralmente revertida apenas a partir de meados do
século XVIII;
10
ANDERSON, porém, discorda desta associação na medida em que o “modo de produção feudal”, ainda
dominante da Europa Ocidental dos séculos XVI e XVII, seria, para o autor, incapaz de gerar uma integração
econômica entre Ocidente e Oriente avançada o suficiente para determinar os padrões sociais no Leste (1989, pp.
195-198);
11
ARDANT desenvolve igualmente uma explicação conectando o fenômeno diretamente ao processo de
centralização política dos Estados Europeus: “The countries of Eastern Europe, especially Russia, realized that
they lacked an economy of exchange strong enough on which to base a policy of modern state-building. Cities
were too rare, merchants too few, and the subsistence economy too widespread; they could not imitate the fiscal
policies of the western monarchies and impose indirect taxes. As to direct taxes, the burden and the inevitably
simplistic character of assessment led to a flight of taxpayers. In order to build the infrastructure for both
taxation and the state, they had to freeze potential taxpayers in the places of production and reduce the mobility
of the peasantry. In order to insure the inflow of taxes the czars reimposed serfdom starting in the fifteenth
century and continuing to the nineteenth; this was the same process that had occurred, and for similar reasons,
in the Late Roman Empire. All of Eastern Europe and a part of Central Europe underwent this kind of political
and social change.” (1975, p. 197);
49
The debasement of the status of the peasantry, rural poverty, the contraction of the urban
economy and of political burgher strength, and the unrestrained manipulation of village
government by the squires were intimately associated with the decline of small-scale
cultivation and the ascendancy of commercialized production, based on large and middle-sized
units. These trends helped to consolidate the institution of Gutsherrschaft, henceforth the great
citadel of seigniorial coercion. (ROSENBERG, 1958, p. 29)
Esta opinião assemelha-se à de Hobsbawm:
A área de servidão oriental pode portanto ser considerada também uma ‘economia
dependente’, produtora de alimentos e matérias-primas para a Europa Ocidental, de forma
análoga às colônias de além-mar. (1977, p. 31)
De qualquer forma, o fenômeno viria a delinear esse que é, para muitos historiadores, um
elemento central da dinâmica histórica européia, qual seja, o contraste entre um Oriente servil
de grandes propriedades e um Ocidente onde os camponeses dispunham de relativa liberdade
individual e da propriedade sobre as terras. Para Hobsbawm:
Do ponto de vista das relações de propriedade agrária, podemos dividir a Europa – ou melhor,
o complexo econômico cujo centro ficava na Europa Ocidental – em três grandes segmentos.
A oeste da Europa ficavam as colônias do além-mar. (...) A leste da Europa Ocidental, mais
especificamente a leste de uma linha que passaria mais ou menos ao longo do rio Elba (...)
ficava a região da servidão agrária. (1977, pp. 29-30)
Esta cisão, que divide a Europa em duas regiões, aplica-se igualmente à Alemanha, já que sua
linha divisória encontra-se precisamente no interior de seus territórios12. De fato, o contraste
entre o Grundherrschaft ocidental e o Gutsherrschaft oriental é um dos elementos mais
utilizados pela historiografia da Alemanha para justificar sua dinâmica histórica13.
Para Blackbourn:
Details varied, but one of the most firmly established generalizations of modern German
history is the difference between east and west. In Prussia east of the river Elbe (and the
Habsburg lands east of the Bohemian forest), under the so-called Gutsherrschaft system, the
lord enjoyed direct control over the peasant. In exchange for the land they worked, peasants
provided labor services and made other payments in cash or kind: the lord could prescribe
where they milled their grain or sold their own produce; they were not free to move without
his permission. The East Elbian lord had other powers, including police authority and rights of
‘patrimonial’ justice over the peasants on his estate, control over local government, and often
12
“In Eastern Germany, as in most parts of eastern Europe, the progressive degradation of the peasantry
started in the fifteenth century. Simultaneously, the process of the disintegration of the seigniorial system
developed further in western Europe, including German “West Elba”.” (ROSENBERG, 1958, p. 29);
13
E parece também ser assim considerado por HOBSBAWM para a Europa em geral: “O problema agrário era
portanto o fundamental no ano de 1789 (...). E o ponto crucial do problema agrário era a relação entre os que
cultivavam a terra e os que a possuíam, os que produziam sua riqueza e os que a acumulavam.” (1977, p. 29);
vale lembrar que os conceitos e definições do Grundherrschaft e do Gutsherrschaft ainda são amplamente
debatidos na literatura; ver a respeito WALLERSTEIN (1980, pp. 225-226, nota 299);
50
the right to nominate to church livings. In the regions to the west and south the prevailing
Grundherrschaft system was less stifling. Labor services had often commuted over time into
cash payments, so that peasants were in effect tenants. In some cases tenant rights had even
become hereditary. (1998, p. 4)14
A supremacia da Nobreza da Europa Oriental no Standestaat, característica já comentada,
pode portanto ser compreendida a partir de seu elemento econômico, ou seja, do papel da
Nobreza enquanto principal articuladora da produção de grãos exportáveis para o Ocidente.
Pois na Europa a leste do Elba, aquela tendeu a se envolver diretamente na produção, e, com
isso, a desempenhar um papel econômico que tipicamente não possuía nas regiões ocidentais:
Where landed estates tended to be small or medium-sized, as in most of the south, southwest
and west, noble proprietors clearly preferred a profusion of peasant tenancies to
entrepreneurial Gutswirtschaft in any case, since many of them had lived from ground rents
and various outside sources of income for so long as to have lost both knowledge of and
interest in agriculture per se. (GAGLIARDO, p. 130)
A segunda atividade em importância econômica na “Alemanha” do século XVIII era a
manufatura (GAGLIARDO, 1991, p. 136). Assim como para a agricultura, o quadro geral era
o da produção de artigos de primeira necessidade destinados a mercados de raio bastante
limitado:
Almost all of those engaged in manufacturing were craftsmen serving local needs: shoemakers,
tailors, carpenters, masons, coopers. Even in towns where trade was more diversified and
sophisticated, the gold-beater, hatter, bookbinder and skilled furniture-maker would generally
be working for bespoke customers, servicing members of court, patriciate or some other
corporations. (BLACKBOURN, 1998, p. 12)
No que se refere à “organização social” da produção manufatureira, é possível discernir dois
sistemas gerais distintos: por um lado, o antigo sistema das cidades, onde os principais
aspectos da produção (preços, quantidades, qualidade, distribuição) eram controlados pelas
guildas ou pelos chamados corpos de ofício15, 16; e, por outro, o “novo” sistema “mercantil”17,
onde aqueles aspectos eram parcial ou integralmente controlados por mercadores.
14
O próprio BLACKBOURN, porém, afirma alguns parágrafos depois: “The east-west distinction is not false,
but recent research suggests that it needs some qualification. As far as western Grundherrschaft is concerned,
everyone agrees that, while peasantry was not personally dependent to the same degree, noble and clerical lords
not only remained legal owners of the land but retained some seigneurial privileges, typically involving hunting.
The real question is whether seigneurialism in the east amounted (or still amounted) to fully fledged serfdom.”
(1998, p. 5);
15
Embora BRAUDEL utilize, para se referir a esta instituição, o termo “corpos de ofícios”, utilizar-se-á
diretamente o termo guilda, tradução direta do Zunft alemão ou do guild inglês; de qualquer forma, a expressão
“antigo sistema das cidades” será utilizada para designar o sistema produtivo manufatureiro corporativo, cuja
característica central é o controle de todos os aspectos da produção por aquela instituição citadina;
51
Through their agents of ‘factors’, merchants provided raw materials that poor rural households
worked up into finished goods. This had gone on since the late middle ages, but the practice
became much more widespread in the second half of the eighteenth century. It was found in
many branches of production, including metals, but especially in the spinning and weaving of
textiles. (BLACKBOURN, 1998, pp. 29-30) 18
No período após a Guerra dos Trinta Anos, de fato, a tendência foi tipicamente pelo
fortalecimento do sistema mercantil vis-à-vis o antigo sistema das cidades19; porém, neste
caso, as diferenças, tanto regionais quanto setoriais, são acentuadas. De qualquer modo, o
sistema mercantil tornou-se a maior fonte de produção da Europa no século XIX
(GAGLIARDO, 1991, p. 136), sendo responsável, em 1800, por 43% de toda a produção
manufatora da “Alemanha” (BROSE, 1997, p. 9).
A penetração de mercadores como organizadores da produção manufatora, competindo com
as corporações citadinas, teve como um de seus principais efeitos o deslocamento da
produção para áreas rurais vis-à-vis as urbanas. Em princípio, o Verlagsystem pode operar
tanto em áreas urbanas quanto em áreas rurais; e, de fato, mesmo nas cidades, ele parece ter se
“infiltrado”:
(...) Nesse sistema de trabalho por peça, o mestre dos corpos e ofícios torna-se muitas vezes,
por sua vez, um assalariado. Depende do mercador que lhe fornece a matéria-prima, em geral
importada de longe, que depois assegurará a venda, para exportação, dos fustões, dos tecidos
de lã ou de seda. Assim, todos os setores da vida artesanal podem ser atingidos e o sistema
corporativo então se destrói, embora mantendo as mesmas aparências. (BRAUDEL, 1996a, p.
277)
16
“The guild was a classic institution of corporate society. It was based on a specific privilege (the monopoly
production of certain goods within a particular area); it made highly elaborate distinctions between masters,
journeymen and apprentices; and to preserve this internal order and the standing of the guild it aimed to
regulate how its members should behave beyond the workshop.” (BLACKBOURN, 1998, p. 7); ou ainda: “A
vocação dos corpos de ofício é o entendimento entre os membros de uma mesma profissão e a sua defesa contra
os outros, em contestações mesquinhas, mas que afetam a vida de todos os dias. A vigilância corporativa
estabelece-se sobretudo para com o mercado da cidade que cada ofício quer ter por inteiro.” (BRAUDEL,
1996a, p. 275);
17
Neste caso, foi escolhido o termo “sistema mercantil” para designar o sistema produtivo manufatureiro no qual
o papel de organização e controle da produção é desempenhado pelo mercador, em oposição ao antigo sistema
das cidades; novamente, está sendo utilizada a tradução direta do Verlagsystem alemão, que corresponde ao
putting-out-system inglês; encontra-se com freqüência a expressão “sistema doméstico” como seu sinônimo;
18
Ou ainda: “O Verlagssystem é uma organização da produção em que é o mercador, o Verleger, quem dá o
trabalho, adianta ao artesão a matéria-prima e parte do salário, sendo o restante pago mediante entrega do
produto acabado” (BRAUDEL, 1996a, p. 276);
19
Para a discussão a respeito da Europa em geral e das causas desta tendência, ver VRIES (1983, pp. 119-127; e
pp. 131-135); Hobsbawm conecta o fenômeno à própria Crise do Século XVII: “The main result of the 17th
century crisis on industrial organization was to eliminate the crafts, and with them the craft-dominated towns,
from large-scale production and to establish the ‘putting-out’ system, controlled by men with capitalist horizons
and operated by easily exploitable rural labor.” (1954b, p. 51);
52
Porém, ao encontrar a resistência do antigo sistema das cidades, especialmente seu controle
rígido sobre a mão de obra, a tendência típica foi a de seu deslocamento para as áreas rurais,
onde eram menores as imposições sobre aquela. Ou seja, foi a resistência da organização
produtiva das cidades que fez com que o Verlager se dirigisse, em busca especialmente de
uma mão de obra menos controlada, para o campo; e, portanto, com que grande parte da
produção manufatureira da Europa se deslocasse para as regiões rurais20. O controle do
produto final, porém, se fosse “realizado” no campo ou na cidade, era do mercador, e essa era
a característica central do novo sistema21.
Nas cidades alemãs, na virada do século XVII para o XVIII, embora tendo sofrido a
concorrência do sistema mercantil, o antigo sistema ainda prevalecia. Porém, a maior parte da
produção manufatureira da Alemanha já era controlada pelos grandes mercadores e tinha se
deslocado para áreas rurais (MEHRING, 1975, Parte IV, Seção 2; WALLERSTEIN, 1980,
p.194)22.
Em especial, os setores da manufatura onde o novo sistema se instalou com maior intensidade
foram aqueles de maior tradição nos territórios alemães, ou seja, a fabricação de tecidos e a
mineração (GAGLIARDO, 1991, p. 139; BRAUDEL, 1996a, p. 280).
Se transcrevêssemos num mapa todas as ligações que ele cria [o Verlagssystem], todo o
território alemão seria cortado por seus traços múltiplos e finos. Umas após outras, as
atividades prendem-se a essas redes. (....) Mas, no século XV é o vasto setor dos têxteis o
campo operatório mais característico do sistema, dos Países Baixos, (...) até os Cantões suíços.
A fabricação dos fustões – mescla de linho e algodão –, que implica a importação, por Veneza,
do algodão da Síria, é por natureza um ramo em que o mercador, que detém a matéria-prima
20
“Toda essa evolução encontrou certas cumplicidades no interior dos corpos de ofícios urbanos. O mais das
vezes, chocou-se com sua oposição feroz. Mas o sistema tem o terreno livre nos campos, e o mercador não se
priva dessa vantagem. Intermediário entre o produtor de matéria prima e o artesão, entre o artesão e o
comprador do produto acabado, entre o perto e longe, ele é também o intermediário entre a cidade e o campo.
Para lutar contra a má vontade ou contra os altos salários das cidades, pode, se necessário, recorrer
largamente às indústrias rurais.” (BRAUDEL, 1996a, p. 277);
21
Neste sentido, portanto, não parece adequada a utilização do termo “sistema rural” para designá-lo;
22
“Frustrated by stifling corporate restrictions, renegade woolen and linen producers began as early as the
sixteenth century to move a portion of their operations beyond city walls. Raw materials like wool were
distributed to poor rural families for inexpensive spinning, collected by agents (factors), then returned to town
for weaving and finishing. By the late eighteenth century this so called putting out system had spread throughout
the Reich. In some regions, villages and small towns in the vicinity of guild-controlled cities grew into
impressive centers of cottage handicraft production. Crefeld, Elberfeld, and Barmen were classic examples of
this new type of town, while west of Aachen, pre-industrial textile output multiplied in Burtscheid, Düren, Vaels,
Monschau, and Verviers.” (BROSE, 1997, pp. 7-8);
53
longínqua, desempenha forçosamente o seu papel, seja em Ulm, seja em Augusburgo ...
(BRAUDEL, 1996, p. 280) 23
Ao longo do século XVI, com a fortuna dos grandes mercadores-financistas alemães24
(especialmente no eixo comercial e financeiro de Nuremberg, Augsburgo e Ulm), sua
penetração na produção mineira teria sido especialmente ampla. Os mercadores se
apoderavam, por exemplo, do ouro, da prata e do cobre da Boêmia e especulavam com as
ações de suas minas (chamados Kuxen) nos centros financeiros mundiais (BRAUDEL, 1996a,
pp. 280-282). Com o século XVII, e com a decadência relativa dos financistas alemães, estes
parecem ter “se retirado”, mas não completamente, da produção direta, mantendo seu papel
especialmente enquanto articuladores da distribuição (BRAUDEL, 1996a, p. 282).
No que diz respeito ao comércio, o padrão geral “alemão” era o de volumes modestos e de
pequenas distâncias, dados a pobreza das comunicações, o limitado sistema de estradas, as
dificuldades envolvidas nos tráfegos fluviais e, especialmente, a imensa estrutura de tarifas e
pedágios. Ou seja, tratava-se essencialmente do deslocamento de produtos alimentícios ou
manufaturas simples por terra entre vilas e pequenas cidades.
No que se refere ao sistema monetário, embora tenha havido uma série de tentativas de
estabelecer um sistema uniforme para o Sacro Império Romano, através de leis ou
convenções, a prática reinante até sua dissolução em 1806 era a de cada Território Imperial,
incluindo os territórios eclesiásticos e as cidades livres, cunhar sua própria moeda. As
dificuldades em estabelecer um padrão único ou relações estáveis entre as diferentes moedas
estavam ligadas não apenas ao grande número de “emissores”, mas igualmente à prática
reinante entre os soberanos de utilizar a desvalorização monetária como instrumento de
financiamento. Esse expediente foi especialmente empregado durante e nos anos posteriores à
Guerra dos Trinta Anos. Por volta da segunda metade do século XVIII circulavam no
território, portanto, inúmeras moedas distintas, a maioria delas com base na prata. Porém,
grosso modo, três “sistemas” principais se desenvolveram.
23
O exemplo de um importante produtor de tecidos de algodão de Augsburgo indica que, em sua manufatura, ele
empregava, nos anos 1770, 350 trabalhadores, contra 3500 que “trabalhavam fora” (BLACKBOURN, 1998, p.
31);
24
A respeito destes ver, especialmente, ARRIGHI (1996, pp. 126-128);
54
O primeiro estava baseado no thaler25 e servia especialmente aos Estados do Norte. A partir
de 1556, e até aproximadamente meados do século XVIII, o thaler era a moeda oficial do
Império, com o nome de Reichstaler. Embora servisse como unidade de conta principal aos
Estados do Norte, especialmente em suas interrelações comerciais e financeiras, estes
mantiveram a prática de cunhar outras moedas, sobretudo diferentes tipos de thalers, em
nome tanto do Governante Territorial, como do Imperador, que eram constantemente
desvalorizados em relação à moeda “oficial”. No interior daqueles territórios, portanto,
continuava em circulação uma ampla gama de moedas distintas.
Um segundo sistema, baseado no florim, servia de forma semelhante aos Estados do Sul (na
Áustria, os florins austríacos). E, finalmente, as cidades livres do Império, especialmente
Lübeck e Hamburgo, e seus grandes centros comerciais realizavam suas transações
comerciais e financeiras especialmente com base no schilling e, ao longo do século XVII,
crescentemente com o marco emitido por Hamburgo. Mesmo os câmbios entre as moedas
destes grandes “sistemas” e entre aquelas e as inúmeras outras circulantes no Império (das
quais se destacam o heller e o kreuzer) mantinham-se variando continuadamente.
O último acordo monetário relevante do Sacro Império foi a Convenção de Viena, de 1753,
assinada originalmente entre a Áustria e a Bavária mas seguida pela maioria de seus Estados.
A Convenção estabeleceu uma medida padrão de prata a partir da qual seriam realizados os
câmbios entre as diferentes moedas circulantes26 porém, à época das Guerras Napoleônicas,
estes câmbios já haviam flutuado largamente.
Em termos das finanças, os principais fornecedores de crédito, tanto público como privado,
eram os financistas individuais, que agiam essencialmente como bancos27. Dentre estes, o
principal centro financeiro da “Alemanha” e mesmo da Europa Central em meados do século
XVIII era Frankfurt, já que as grandes casas financeiras com centro em Augsburgo haviam
praticamente desaparecido do cenário das finanças internacionais.
25
Moeda de prata supostamente emitida no Império desde meados do século XIV, especialmente para responder
à então escassez do ouro;
26
Chamada de “foot measure” e correspondente ao número de moedas cunhadas a partir de um marco de
Colônia, que pesava aproximadamente 233 gramas; no norte da Alemanha (Prússia, Hanover e outros) a medida
correspondia a 14 thalers, a 20 florins austríacos nos domínios Habsburgo, a 24 florins nos estados do Sul, e a 34
marcos em Hamburgo e Lübeck;
27
A era das grandes transferências intragovernamentais, especialmente o imenso fluxo de subsídios da Holanda,
da Inglaterra e da França para os Estados do Império, começaria só após meados do século XVIII;
55
Em segundo lugar estava Hamburgo que, além de concentrar um conjunto de financistas
individuais, contava, desde 1619 (GAGLIARDO, 1991, p. 147), com o Banco de Hamburgo,
que cunhava sua própria moeda bancária (o chamado Mark Banco).
Em resumo, tudo indica que a maior parte dos territórios alemães em meados do século XVIII
havia sido pouco tocada pelo que Braudel denominou “economia de mercado”, ou seja,
mantinha-se na “zona de opacidade, nesta outra metade informal da atividade econômica, a da
auto-suficiência, da troca dos produtos e serviços num raio muito curto” (BRAUDEL, 1995,
p. 12)28. Isto não impede, porém, que algumas regiões fugissem nitidamente a este padrão e se
localizassem “acima do andar térreo da vida material” (BRAUDEL, 1996a, p.7), ou seja,
participassem, de alguma forma, da “economia de mercado”: como produtoras de manufaturas
destinadas ao comércio “exterior”, como nódulos em canais de trocas de maior amplitude,
como compradoras de mercadorias produzidas em outras regiões, como locais de circulação
de moedas “internacionais”, etc. Sobre estas deverá tratar a próxima seção.
2.3 – Principais Regiões Econômicas
Para mapear adequadamente as principais regiões econômicas do território “alemão” em
meados do século XVIII, é importante, em primeiro lugar, ressaltar que a “economia de
mercado” depende, essencialmente, da circulação, seja de bens, de pessoas, de moedas, etc.
Neste contexto, pelo menos dois elementos são fundamentais no que se refere à estrutura de
circulação naquele território: i) suas principais rotas ainda seguiam os caminhos fluviais e,
especialmente, os dos vales do Reno, do Elba, do Oder e do Vístula; ii) seu eixo central
localizava-se no Norte, especialmente pelo tráfego através ou em torno dos Mares Báltico e
do Norte.
Um conjunto de portos situados às margens ou próximos a estes Mares (sendo os principais,
em sentido leste-oeste, Königsberg, Danzig, Stettin, Lübeck, Hamburgo e Bremen), portanto,
concentravam (e competiam por) a maior parte dos fluxos do território. De fato, mesmo a
circulação entre a Europa Ocidental e a Oriental ou, mais geralmente, entre o Leste e o Oeste,
seguia em geral estes caminhos, e não diretamente por terra, em função da limitação e da
precariedade das estradas e da imensa estrutura de tarifas do Sacro Império.
28
“Não esqueçamos, enfim, que, mesmo abaixo das trocas, aquilo a que chamei vida material, na falta de
melhor expressão, constituiu, durante os séculos do Ancien Régime, a zona mais espessa de todas.”
(BRAUDEL, 1995, p. 8);
56
Duas rotas centrais em sentido norte-sul ligavam o território alemão ao Mar Báltico: i) uma
delas através do vale do Vístula, desde Varsóvia até Danzig, passando por Thorn; e ii) uma
segunda, partindo de Breslau e seguindo aproximadamente os caminhos do Oder até Stettin,
passando por Frankfurt (ou seja, atravessando o território do Brandemburgo). No que se refere
ao Mar do Norte, as duas principais rotas eram: i) a que ligava Leipzig, no centro do território,
a Hamburgo; ii) a rota através do vale do Reno, que unia Frankfurt aos portos Holandeses,
passando por Colônia. Finalmente, estes portos ou centros de circulação das regiões próximas
ou nos Mares do Norte e Báltico ligavam-se através de estradas por terra entre si e com portos
holandeses, Antuérpia e Bruges.
A importância das demais rotas e pontos de circulação do território alemão era em grande
medida determinada por suas conexões àquelas rotas “centrais” e por sua capacidade de unir
os centros comerciais nelas localizados às regiões no interior do território. Algumas destas
rotas “secundárias” mais importantes eram: i) desde Belgrado até Viena, passando por
Budapeste; de Viena, atingia-se Breslau (e o caminho do Báltico) ou Leipzig, seguindo o
caminho do Danúbio, via Ratisbona e Nuremberg (e o caminho para o Mar do Norte); ii)
desde Breslau até Leipzig; iii) as rotas através da planície Norte do território, especialmente a
que ligava Colônia a Minden, e Magdeburgo a Königsberg, passando por Berlim.
O porto de Danzig fazia especialmente a ligação, através do Mar Báltico, dos países
ocidentais com o leste, pois, de Varsóvia, uma estrada por terra seguia para o Império Russo.
A importância de Stettin, por sua vez, estava especialmente associada à ligação das regiões da
Silésia, da Boêmia e da Morávia (ou do Império Austríaco em geral) ao Mar Báltico através
do vale do Oder29.
Hamburgo, por sua vez, era um dos nódulos centrais de toda a circulação do território
“alemão” em meados do século XVIII. Sua importância advinha particularmente de sua
ligação, por terra, a Leipzig, que, sobretudo através de sua feira internacional, era o grande
centro comercial interno do território e “o maior mercado da Europa Oriental” (MEHRING,
1975). A Leipzig chegavam estradas que partiam de praticamente todas as regiões
economicamente importantes, tanto do Império (especialmente as cidades da Suábia de
Nuremberg, Ratisbona e Ulm e o Império Austríaco), como de todo o Leste, e mesmo da
Itália.
29
A construção de um canal ligando o Oder ao Sper, finalizado em 1669, porém, teria desviado parte do tráfego
desta rota para Berlim e para Hamburgo (GAGLIARDO, 1991, p. 144);
57
De fato, as feiras internacionais de Frankfurt e Leipzig eram os maiores centros de exportação
e importação da “Alemanha” (GAGLIARDO, 1991, p. 143-144), e as rotas comerciais destas
para Hamburgo e Bremen eram tradicionais desde a Idade Média (HENDERSON, 1967b, p.
15). Em meados do século XVIII, a feira de Leipzig se destacava especialmente como nódulo
central de transações comerciais, enquanto a de Frankfurt como nódulo de transações
financeiras (BRAUDEL, 1996a, p. 161)30.
Porém, para BRAUDEL (1996b, pp. 75-78), a partir do século XVII, a prosperidade das
trocas não se encontra mais especialmente nas feiras, ou seja, estas já seriam formas
“arcaicas” de organização mercantil. O avanço econômico das feiras de Leipzig e Frankfurt
nos século XVII e XVIII é, portanto, antes um sinal de atraso do que de prosperidade
econômica, pois, no século XVIII, “delineia-se então uma Europa dos entrepostos que
substituiu a Europa das feiras” (1996b, p. 78). Este argumento reforça, ao mesmo tempo, a
posição de Hamburgo como um dos principais centros econômicos do teritório.
No que se refere à importância mercantil e econômica de Leipzig, porém, vale ressaltar que,
historicamente, a cidade, a partir do século XVI (mas com maior intensidade no século XVII),
atraiu para si a prosperidade que antes se encontrava sobretudo nas cidades da Suábia,
especialmente Nuremberg, Ulm e Ratisbona31, fenômeno relacionado ao deslocamento do
eixo econômico do território alemão do Ocidente para o Oriente :
A longo prazo, ocorre um movimento de gangorra a favor da Alemanha oriental, da Alemanha
mais continental. Esta subida do Leste concretiza-se já no século XVI, sobretudo depois das
falências de 1570 em Nuremberg e em Augsburgo, com a ascensão de Leipzig e de suas feiras.
Leipzig consegue impor-se às minas da Alemanha, reunir dentro dela o mercado mais
importante dos Kuxen, ligar-se diretamente a Hamburgo e ao Báltico libertando-se da escala
de Magdeburgo. Mas mantém-se também fortemente ligada a Veneza, as ‘mercadorias de
Veneza’ sustentam um setor inteiro de sua atividade. Torna-se, além disso, o lugar por
excelência de passagem dos bens entre oeste e leste. (BRAUDEL, 1996a, pp. 160-161)
30
BRAUDEL, falando a respeito da feira de Frankfurt nos séculos XVI e XVII, comenta: “Mercadores
estrangeiros mudam-se de vez para a cidade, onde representam firmas da Itália, dos Cantões suíços, da
Holanda. Segue-se uma colonização progressiva. Esses estrangeiros, habitualmente os caçulas das famílias,
instalam-se na cidade com simples direito de residência (o Beisesserschutz); é o primeiro passo; a seguir,
conseguem o Burgerrecht; em breve se comportam como senhores” (1996b, p. 67);
31
“Nuremberg, cidade de primeira grandeza, industrial, mercantil, financeira, ainda é, no segundo terço do
século XVI, levada pelo impulso que, algumas décadas antes, fizera da Alemanha um dos motores da atividade
européia. Nuremberg está, portanto, associada a uma economia de raio amplo e seus produtos, que são
enviados para longe, chegam ao Oriente Próximo, às Índias, à África, ao Novo Mundo. (...) Johannes Muller
mostrou que Nuremberg fora, durante a primeira parte do século XVI, como que o centro geométrico da vida
ativa da Europa” (BRAUDEL, 1996a, p. 160);
58
Este fenômeno pode, ao mesmo tempo, explicar parcialmente a importância comercial e a
prosperidade econômica de Breslau neste período. Tradicionalmente, a ligação das regiões do
Império Austríaco com o Norte era feita através da Suábia, via Leipzig ou Frankfurt. No
entanto, a partir de meados do século XVII, a ligação por Breslau começa gradativamente a
ocupar aquele posto e, em meados do século XVIII, a cidade já era o principal intermediário
comercial da Dinastia Habsburgo, tanto pelo caminho via Leipzig a Hamburgo, como pelo
caminho direto através do vale do Oder até Stettin32. As rotas comerciais entre a Feira de
Leipzig e tanto o Império Austríaco como o Mar Báltico, de fato, em geral seguiam por terra
até Breslau, e, portanto, por lá circulavam todos os tipos de fluxos, comerciais e financeiros.
Finalmente, a importância de cada um destes pontos ou rotas de circulação no que diz respeito
aos fluxos dependia, naturalmente, de fatores não apenas relacionados diretamente às trocas,
mas igualmente às diferentes imposições políticas e alfandegárias sobre aqueles.
Para efeitos de sistematização, é possível dividir os fluxos comerciais em dois principais
grupos: os de matérias primas e os de bens manufaturados. Estes fluxos não estão, porém,
dissociados, combinando-se para formar a ampla malha de comércio que unia praticamente
todas as regiões economicamente dinâmicas dos territórios “alemães” em meados do século
XVIII33. No que diz respeito ainda ao fluxo de matérias primas, é possível agrupá-los em três
sub-grupos centrais: o dos cereais, o dos minérios e o dos produtos tipicamente de
importação34.
O fluxo de cereais, em primeiro lugar, envolvia, direta ou indiretamente, praticamente todo o
território alemão. Considerando este território enquanto uma unidade, tratava-se tipicamente
de um fluxo de “saída”; ou seja, ainda que boa parte da produção de cereais circulasse no
interior do território para o abastecimento de algumas de suas regiões, um volume
considerável era enviado, como exportação, para fora de seus limites, não sendo significativo
o volume “importado”.
32
“Much of what the monarchy imported came through Silesia, and most of the exports from Bohemia and
Moravia were funneled abroad by the same route. Not only was Silesia the principal commercial intermediary
between the Habsburg monarchy and the outside world; it was also a major entrepot for the trade between
eastern and western Europe. Further, Silesia was one of the most industrialized parts of the monarchy and a
heavy contributor to the royal treasure.” (FREUDENBERGER, 1960, p. 384);
33
Não existem estatísticas sistemáticas a respeitos dos fluxos comerciais nestes territórios no período; os
comentários que se seguem, portanto, são de caráter geral, e têm como objetivo apenas identificar as tendências
principais envolvendo aqueles fluxos;
34
Isso não significa necessariamente que não fossem importados, para o território, minerais, como será visto
doravante; mas o terceiro grupo aqui construído refere-se especificamente a produtos que não eram
tradicionalmente produzidos em escala ampla em seu “interior”;
59
Embora envolvesse quase todo o território, eram tipicamente as regiões do chamado “Leste do
Elba” que se destacavam, no conjunto, não apenas como maiores produtoras, mas igualmente
como exportadoras dos grãos para fora dos limites do Império e/ou da Europa.
Os cereais destas regiões, de fato, participavam de um sistema de comércio que envolvia
praticamente todo o “mundo”: serviam diretamente aos consumos inglês, francês e holandês,
e eram descarregados para outras regiões por mercadores daquelas nacionalidades (ver à
frente).
Quanto à localização destas áreas, a historiografia se refere em geral indistintamente à porção
territorial da Europa a leste do traçado do Rio Elba (estendido em direção sul até o Danúbio).
De fato, tanto as regiões do território alemão situadas nesta porção (a parcela do
Brandemburgo entre os Rios Elba e Vístula35, a Pomerânia, as Mecklenburgos, a Saxônia e a
Silésia), como os demais territórios do Império Austríaco, o Império Russo e os Reinos da
Polônia e da Hungria estavam envolvidas na produção de cereais destinados à exportação. No
que se refere à produção do território “alemão”, enquanto a da porção próxima ao Mar Báltico
(Pomerânia, Mecklenburgos e Brandemburgo) tipicamente se destinava para fora dos limites
do Império (especialmente para a Inglaterra, para a França e para a Holanda), a produção das
regiões setentrionais (Saxônia e Silésia) seguia majoritariamente para os mercados imperiais.
Embora alguns autores tenham caracterizado a produção do “Leste” como “capitalista”, no
sentido de utilizarem técnicas produtivas avançadas, nem todas as suas áreas passaram, ao
longo dos séculos XVII e XVIII, por modernizações nas técnicas produtivas ou
organizacionais tais que seja possível empregar este adjetivo sem qualificações. De qualquer
forma, a produção era conduzida especialmente em grandes propriedades que utilizavam o
trabalho servil.
De fato, o fenômeno da “Segunda Servidão no Leste” é em geral associado diretamente à
produção cerealífica. O Leste teria passado, como visto, especialmente ao longo de meados
dos séculos XVI e XVII, por um processo de “especialização” na produção de cereais
destinados à exportação. Esta especialização ter-se-ia relacionado sobretudo ao aumento da
demanda mundial:
35
Segundo GAGLIARDO (1991, p. 132), 53% de toda a produção de alimentos dos territórios Hohenzollern em
fins do século XVIII era de cereais;
60
Esses suprimentos [de cereais e navais] haviam-se tornado absolutamente essenciais para a
condução da guerra terrestre e marítima na Europa, em função do esgotamento dos suprimentos
concorrentes vindos do Mediterrâneo na primeira metade do século XVI. (ARRIGHI, 1996, p.
136)36
Com a “Crise” do século XVII, porém, e especialmente com a queda dos preços dos cereais
nos mercados internacionais, a produção teria encontrado, como dito, uma maneira de
compensar as perdas a ela associadas em uma nova forma de “organização social”. Esta
mudança direcionou-se especialmente para a transformação do trabalho agrícola em trabalho
servil e para o aumento do tamanho das propriedades pela apropriação de terras comunais.
Neste contexto, embora a produção e o fluxo de cereais ainda fossem de importância
econômica vital a amplas regiões do território “alemão”, seu zênite já havia passado em
meados do século XVIII37. Seu grande auge localiza-se especialmente em meados do século
XVI, quando o mercado de cereais do Mar Báltico era “o [mercado] mais estratégico da
economia mundial européia” (ARRIGHI, 1996, p. 138).
É importante ressaltar, porém, que o declínio observado no comércio cerealífico do Báltico a
partir especialmente da segunda metade do século XVII está igualmente associado a um
relativo deslocamento do eixo de escoamento dos grãos para o Mar do Norte, relacionado
sobretudo à prosperidade de Hamburgo como entreposto comercial e financeiro da Europa38.
Até aproximadamente fins do século XV, os canais de exportação da produção cerealífica do
Nordeste Europeu eram controlados especialmente pelas cidades da Liga Hanseática39. Ao
longo do século XVI, porém, este controle passa paulatinamente aos mercadores holandeses,
que não apenas monopolizam sua distribuição, mas participam igualmente no adiantamento
dos créditos para a produção, através de agentes concentrados especialmente em Danzig
36
ARRIGHI identifica no mercado de cereais e de suprimentos navais, em meados do século XVI, um “crônico
desequilíbrio temporal e espacial entre a demanda e a oferta” (1996, p. 137);
37
“No decorrer (...) de meados do século XVI até meados do século XVIII, o volume dos carregamentos de
grãos do Báltico para a Europa Ocidental mostra uma grande flutuação, mas com uma tendência secular de
estagnação e, por fim, de declínio.” (ARRIGHI, 1996, p. 136); ou ainda “O comércio do Báltico, medido pelas
taxas aduaneiras aplicadas pelo rei da Dinamarca, declinou em quase todos os anos desde 1618 até 1630 e
manteve-se em níveis permanentemente reduzidos até muito pelo século XVIII dentro, principalmente por causa
de menores embarques de cereais para a Europa ocidental.” (VRIES, 1983, p. 157);
38
“Em julho de 1567, após muitas hesitações, os ingleses escolhem Hamburgo como escala dos seus tecidos; a
cidade, que lhes oferecia um caminho de acesso ao mercado alemão mais fácil do que aquele aberto por
Antuérpia, em breve se mostrou capaz de acabar e vender os panos crus da Ilha.” (BRAUDEL, 1996b, p. 136);
39
A respeito da Hansa, ver especialmente BRAUDEL (1996b, p. 87-91); LIST (1986, capítulo II); e CARSTEN
(1954);
61
(BRAUDEL, 1996a, p. 235)40. Danzig, em função da presença holandesa, torna-se, em
meados do século XVII, o principal porto cerealífico mundial (BRAUDEL, 1995, p. 110)41.
Entretanto, a partir de meados do século XVII e mais especialmente com o século XVIII, a
proeminência de agentes holandeses nos circuitos financeiros e comerciais da produção
cerealífica já sofre a concorrência intensa de agentes franceses e ingleses, localizados
majoritariamente em Hamburgo. Deste modo, embora Danzig ainda concentrasse, em meados
do século XVIII, boa parte da produção cerealífica dos territórios alemães destinada à
exportação, a tendência típica no período foi a de Hamburgo substituir crescentemente seu
papel enquanto centro “mundial” de exportações de cereais (HENDERSON, 1967b, p. 10)42.
O segundo fluxo de bens primários de grande importância para todos os territórios alemães é
o dos minérios. A “Alemanha” é, tradicionalmente, desde a Idade Média, um importante
centro mundial de extração43. Embora esta importância decline gradativamente a partir de
meados do século XVI, com a entrada maciça no Continente dos minérios americanos, o fluxo
de minérios ainda era, em inícios do século XIX, um dos principais do território.
Se, como visto, o fluxo de cereais é tipicamente de “saída” ao considerar o território “alemão”
enquanto uma unidade, o mesmo não pode ser dito sem reservas no que diz respeito aos
minérios. Pois, embora sejam explorados em praticamente todas as suas regiões, em alguns
casos sua oferta não é suficiente para atender à demanda44. De qualquer forma, pelo menos no
que se refere a alguns produtos (notadamente o carvão), a extração gerava um importante
fluxo de exportações.
Três regiões do território, em especial, devem ser destacadas deste amplo conjunto
“extrativista”: a Saxônia, a Silésia e a região ocidental da Renânia / Westphalia. Os minérios
40
De fato, a primazia comercial e financeira holandesa está fortemente associada ao controle, a partir de meados
do século XVI e até meados do século XVII, da distribuição dos cereais do Leste via Báltico: “Ao longo destas
lutas, a fonte primordial da riqueza e poder holandeses foi o controle do abastecimento de cereais e suprimentos
navais vindos do Báltico. (...) Graças ao declínio anterior do poder da Liga Hanseática e suas próprias
tradições de navegação (...) a comunidade mercantil holandesa estava singularmente posicionada para explorar
esse crônico desequilíbrio temporal e espacial entre a demanda e a oferta.” (ARRIGHI, 1996, pp. 136-137);
41
“Um verdadeiro rio de cereal senhorial desce o Vístula e chaga a Gdansk.” (BRAUDEL, 1996b, p. 234);
42
A importância crescente de Hamburgo como centro de exportação cerealífica deve-se igualmente a seu papel
como ponto de exportação de tecidos ingleses para o Continente (ver à frente);
43
Até começarem as importações de minérios das Américas, a “Alemanha” era, segundo KITCHEN, a maior
produtora mundial de prata (1996, p. 82);
44
As regiões de Saar e de Siège, por exemplo, importantes centros de manufatura do ferro, dependem, ainda em
meados do século XVIII, da importação de sua matéria prima, que chega especialmente da Bélgica e da
Inglaterra;
62
extraídos nestas regiões serviam tanto como matéria prima para pequenas manufaturas locais
(ver à frente), como atendiam a outras regiões manufatoras do território. A “produção” de
alguns minérios chegava mesmo a ser exportada para fora de seus limites, como é o caso, por
exemplo, do carvão extraído do vale do Ruhr, na Westphalia45; ou do ferro e do carvão da
Silésia46, que também extraía quantidades consideráveis de chumbo. No caso dos minérios
exportados, sua principal via de “saída” majoritária era Hamburgo que, através de seus
mercadores “espalhados” pelo território, controlava praticamente todo seu fluxo.
Finalmente, um grupo de matérias primas ou bens primários era tipicamente importado para o
território alemão: temperos indianos, frutas e especiarias da Península Ibérica, algodão das
Américas, pescado da Escandinávia, etc. Novamente, o grande ponto de “entrada” destes
produtos era Hamburgo e sua distribuição era feita especialmente através de Leipzig.
No que se refere ao segundo grande fluxo comercial considerado, ou seja, o de bens
manufaturados, sua variedade é bastante ampla. É necessário distinguir, em primeiro lugar, os
produtos tipicamente importados, por um lado, e aqueles produzidos internamente que podiam
tanto atender à demanda do próprio território quanto serem exportados para fora de seus
limites.
A produção manufatora interna, embora fosse igualmente bastante variada, tinha dois grandes
ramos tradicionais e centrais: o de produtos de ferro e aço e o de têxteis. O desenvolvimento
das manufaturas no interior do território, ao mesmo tempo, estava amplamente relacionado às
suas duas outras atividades econômicas centrais, ou seja, a extração de minérios e a produção
cerealífica. Este relacionamento evidencia-se nitidamente, por exemplo, nos casos da Silésia e
da Saxônia.
A Silésia, região tipicamente produtora de cereais para exportação mas também um centro de
extração de minérios, concentrava tanto pequenas manufaturas de produtos de aço e ferro,
beneficiadas com o fornecimento direto de suas matérias primas, quanto uma importante
manufatura têxtil, cujas origens localizam-se aproximadamente no século XVI. Seus produtos
45
Segundo HENDERSON, a região contava, em 1737, com 102 minas de carvão em operação, onde
trabalhavam cerca de 700 mineiros (1967a); é importante notar, porém, que a descoberta de maiores depósitos de
carvão na região ocorreria apenas em inícios do século XIX;
46
Segundo BLACKBOURN (1998, p. 32), em 1785, estavam em operação 243 minas na Silésia; a região
chegou a ser denominada, na segunda metade do século XVIII, de “Peru Prussiano”;
63
de linho47, por exemplo, encontravam, além do mercado imperial (especialmente através de
Breslau e/ou Leipzig), mercados tão distintos quanto a Inglaterra, a Holanda, a Polônia e a
Rússia, e suas respectivas colônias. Dos portos holandeses ou de Hamburgo, poderiam seguir
para a Espanha, Portugal e mesmo para o Levante.
A produção de tecidos silesiana estava tipicamente sob controle direto de grandes
proprietários de terra, em geral também envolvidos na produção cerealífica48. Esta era
conduzida sobretudo em pequenas vilas nas propriedades dos senhores, e os artesãos, sendo
em suas maioria servos (WALLERSTEIN, 1980, p. 235), pagavam àqueles uma taxa para
“comprar” o direito de produzir e vender os tecidos (chamado Weberzins). Ou seja, a
organização da indústria rural do linho silesiana estava baseada na “ordem feudal” (KISH,
1959, p. 542). Em geral, um pequeno mercador da vila adquiria as mercadorias e as
transportava até os centros comerciais próximos, especialmente Breslau. Ali, encontrava
grandes mercadores, holandeses, ingleses e/ ou hamburgueses, que adquiriam o produto e o
distribuíam. De fato, na origem da emergência da manufatura de linho silesiana destinada ao
mercado mundial está tipicamente o processo do “sistema mercantil” descrito anteriormente49.
Os principais “agentes” que operaram a transformação, ou os grandes “clientes” dos senhores
feudais, eram os mercadores de origem inglesa e holandesa50. Os senhores nobres, por seu
turno, apoiaram a expansão desta indústria rural na medida em que a mesma podia não apenas
valorizar suas terras, como converter em rendas monetárias aquelas até então pagas em
espécie pelas populações camponesas.
47
De acordo com HENDERSON (1967a), os têxteis ainda contavam por 74% do produto manufatureiro total da
Silésia em 1800, com o linho sendo o mais importante ramo da manufatura (60%); os produtos da indústria do
metal vinham em segundo lugar; na virada do século XVIII, segundo MEHRING (1975), produtos de linho eram
manufaturados em 287 diferentes localidades na Silésia, praticamente todas através do sistema mercantil
localizado em zonas rurais; as principais destas eram as de Hirshberg, Greifenberg, Schmiedeberg e Landeshut;
48
“Além do mais, pode acontecer que esses domínios possuam seus próprios burgos e sirvam de base a
empresas industriais: olarias, destilarias de álcool, fábricas de cerveja, moinhos, louçarias, altos-fornos (como
na Silésia). (...) Durante a segunda metade do século XVIII, na Áustria, os senhores participam da instalação
das manufaturas têxteis.” (BRAUDEL, 1996b, pp. 234-5);
49
“At that time [the 16th century] foreign merchants entered the Silesian countryside and organized a domestic
industry in order to tap the labor services of the rural population that had been spinning and weaving on a parttime basis and mostly for its own use. These trades deliberately bypassed the urban crafts because the corporate
fetters made the guild artisans quite incapable of adjusting to the requirements of the new production as
demanded by the foreign markets.” (KISH, 1959, p. 543);
50
KISH relata, por exemplo, uma reclamação dirigida às autoridades Habsburgo por parte dos comerciantes
locais em 1601 de que “(...) the Dutch and English competitors were undermining their traditional privilegies
and thus their very existence.” (1959, p. 544);
64
Mesmo que, desde meados do século XVIII, o comércio do linho silesiano começasse a sofrer
intensamente a competição de produtos importados e, ao mesmo tempo, do algodão como
produto substituto:
Taking advantage of the growth in world commerce during the second half of the 18th century,
the lords and the King succeeded in their efforts at industrial expansion. (…) Without doubt, the
linen trades had become one of the decisive factors in the regional economy (…). (KISH, 1959,
p. 546)
Padrão bastante semelhante, tanto no que diz respeito à organização da produção quanto aos
principais produtos, se aplica ao caso da Saxônia. As características econômicas destas
regiões, especialmente sua diversificação, ou seja, o desenvolvimento concomitante tanto da
produção cerealífica para exportação, quanto da extração de minérios e da manufatura de
têxteis e metais, as tornavam os principais centros econômicos do território em meados do
século XVIII51.
Embora não tão ampla, esta mesma espécie de “sinergia econômica” entre setores aplica-se
ainda ao caso do Brandemburgo. De fato, o território é um importante centro exportador de
cereais, e, ao mesmo tempo, um dos maiores centros de exportação de roupas (também de
linho) da “Alemanha” 52.
Paralelamente a estas regiões orientais do território, porém, suas áreas “tradicionais” de
produção manufatora eram o Sul e o Oeste, ou, mais especificamente, a Renânia, a
Westphalia, as cidades da Suábia, a Bavária e Württemberg. No caso da Renânia e da
Westphalia, a “sinergia” com a extração mineral é direta:
Directly connected with the Rhenish Province was the coal and iron district, which provided it
with part of its raw materials and belonged to it industrially. There was a reciprocal
relationship between industry and an import-export trade with all parts of the world, which
was very extensive by German standards, and a significant direct traffic with all the great
emporia of world trade. The flourishing state of trade and industry encouraged the
accumulation of capital… (BLACKBOURN, 1998)
Neste contexto, tanto a manufatura de minérios como a de têxteis (especialmente a do linho)
apresentavam importantes desenvolvimentos. Os produtos de linho e de ferro da Westphalia
51
A Silésia era, em meados do século XVIII, a “região econômica central do Leste da Alemanha”
(WALLERSTEIN, 1980, p. 235); e a Saxônia, “a porção mais desenvolvida da Alemanha” (MEHRING, 1975);
52
Em 1793, por exemplo, 61% do total de manufaturas dos territórios Hohenzollern a leste do Elba consistia de
tecidos de linho, algodão e seda (GAGLIARDO, 1991, p. 139);
65
encontravam mercados como a Holanda, a Itália, a Dinamarca e mesmo os Estados Unidos,
em geral através de portos holandeses no Mar do Norte. Sobre a Renânia, Kish afirma que:
Advantageously situated at the crossroads of European trade, it had enjoyed since early
medieval times an entrepôt trade that prompted local industry and commercial endeavor. This
was particularly so because the Rhine river and an exhaustive network of roads linked the
Rhineland with the contiguous Netherlands economy, where in the 16th and 17th centuries the
emerging forces of capitalism manifested their greatest vitality. (1959, p. 554)
Ao mesmo tempo, diferentemente do Leste, a tendência típica é a de que a produção fosse
controlada diretamente pelo artesão ou por grandes mercadores, especialmente holandeses.
Em grande parte dos casos, camponeses livres, em geral pequenos proprietários de terra,
complementavam sua “renda” através do envolvimento na produção manufatora, a partir de
adiantamentos fornecidos por mercadores.
As cidades da Suábia, a Bavária e Württemberg, embora também contassem com importantes
manufaturas de ferro, destacavam-se especialmente no setor têxtil. Embora estas “velhas”
indústrias do Sul e do Oeste da “Alemanha” sejam em geral identificadas como as mais
prósperas do território, para Wallerstein, em meados do século XVIII, elas estavam
tipicamente em declínio (1980, p. 196). Pois, em seu caso, a forte dependência da produção
em relação aos mercadores estrangeiros a tornava amplamente vulnerável às flutuações
financeiras e de preços no mercado “internacional”. No caso das regiões orientais citadas
anteriormente, embora o “sistema mercantil” também tivesse apresentado um amplo
desenvolvimento, o envolvimento na produção de grandes proprietários exportadores de
cereais limitava relativamente tal vulnerabilidade.
Finalmente, em termos dos bens manufaturados tipicamente importados pelo território, o seu
maior canal de distribuição era naturalmente a feira de Leipzig. Os principais produtos eram:
os tecidos (especialmente de algodão) e os produtos de ferro da Inglaterra, os bens de luxo da
França e o vinho da Península Ibérica.
****
A Figura 4 pretende concentrar as principais informações apresentadas neste capítulo. De
qualquer forma, Snyder resume da seguinte maneira o panorama econômico da “Alemanha”
em inícios do século XIX:
The Germany of 1815 was in a weak economic position. The glory of the Hanseatic League
had disappeared with the opening of the New World, and the German states had not yet fully
66
recovered from the devastation and desolation of the Thirty Years' War. The economy
remained predominantly agricultural, with some three-fourths of the population engaged in
agriculture. In the west and in the south, where there were many small farms, the great
baronies of the lords constituted a strong aristocratic and conservative counterbalance. The
entire town population of Germany was only half as much again as the population of Paris.
There were no industries in the modern sense of the term, no important coal production, no
steam engines, no large factories. There were such countryside industries as distilleries in
Prussia and breweries in southern Germany, and such handicrafts as the making of cutlery in
Solingen, clocks and toys in the Black Forest, and weaving in Silesia, but the country workers
or peasants who devoted their spare time to handicraft were not adequate material for an
independent prosperous middle class. (1969, pp. 86-87)
Porém, além deste “panorama geral” sempre enfatizado pela historiografia que, como dito,
corresponde fortemente ao panorama europeu, um aspecto merece destaque a partir da
apresentação anterior. Se os territórios alemães continham (e tudo indica que realmente
continham) regiões que se destacavam sobre esta grande “zona de opacidade” da “economia
de auto-suficiência”, o controle quase absoluto sobre aquelas era de agentes de outras
“nacionalidades”; ou (para fugir do anacronismo do termo) de agentes que não se
relacionavam diretamente com as entidades políticas recortadas naquele espaço. Se estes
possuíam alguma “origem”, no sentido de representação política, esta era antes inglesa,
francesa e holandesa, e se possuíam um “domicílio”, este em geral era Hamburgo53. Em
outras palavras, o “jogo das trocas” não era desconhecido no continente, mas estava
fortemente descolado das unidades de poder que então se desenvolviam.
O próximo passo desta pesquisa será observar como as “vontades políticas centralizadoras”,
ou as iniciativas daquelas unidades de poder, começaram a interferir e se relacionar com este
ambiente econômico a partir do século XIX.
53
Como se sabe, a primazia de Hamburgo e de seus mercadores de várias “nacionalidades” viera subsituir o
quadro anterior onde estes controles estavam praticamente nas mãos dos mercadores holandeses: “As the only or
most important purchasers of German raw products and the only suppliers of Indian spices, they secured an
almost intolerable monopoly, which reached its climax through the unconditional dependence of Germany on the
Dutch money market during the period 1600-1750. And what Holland was with regard to Indian wares, France
was with regard to manufactures and objects d'art. Those Hanseatic towns that were not ruled by Dutch
business managers (Lieger) were in slavery to English creditors. Denmark sought to destroy German navigation,
fisheries, and trade by its tolls on the Sound and the Elbe, and by its commercial companies.” (SCHMOLLER,
1897);
Straszburg
Main
Ulm
Wurrzburg
AUGSBURGO
NUREMBERG
Bamberg
Coburg
LEIPZIG
Halle
Od
er
io
Danúb
Praga
Dresden
Frankfurt a. O.
Berlim
STETTIN
O
de
Viena
tula
Vís
Thorn
Cracóvia
Varsóvia
Königsberg
Budapeste
Elbing
Danzig
Oppeln
BRESLAU
Posen
he
Wa
rt
r
Principais Rotas Comerciais
Principais Centros Financeiros
Centros Comerciais Secundários
Principais Centros Comerciais
Fronteiras do Sacro Império
(até as Guerras Napoleônicas)
ÁSIA
®
LEGENDA
EUROPA
LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA
Manufaturas / Minérios / Cereais
Manufatura
Manufatura / Minérios
Principais Regiões Econômicas
FIGURA 4: O ESPAÇO ECONÔMICO “ALEMÃO”: INÍCIOS DO SÉCULO XIX
Karlsruhe
Mannheim
Darmstadt
FRANKFURT
r
Mainz
e
Wes
se
o
Ren
Koblenz
ale
Trier
COLÔNIA
Dortmund
Essen
Sa
Mo
a
Elb
ba
Bonn
BREMEN
HAMBURGO
Hanover
Osnabrück
Minden
Brunswick
Münster
Magdeburgo
Oldenburgo
LÜBECK
Rostock
El
la
Dusseldorf
Rotterdam
Amsterdam
Norte
Mar do
a
Stralsund M
ál
rB
tico
67
68
CAPÍTULO 3: A CONFEDERAÇÃO GERMÂNICA E A FORMAÇÃO
DO ZOLLVEREIN
Nos capítulos anteriores, foram apresentados a evolução do Estado Hohenzollern até 1806, no
contexto da situação geopolítica do Sacro Império Romano e da Europa, e um “panorama
geral” da economia dos territórios alemães por volta de inícios do século XIX. Este seria,
portanto, o “momento” de tentar articular estes dois elementos, ou seja, observar como a
“vontade política centralizadora” em geral, e a prussiana em particular, operou sobre aquele
ambiente econômico; ou como o “jogo das trocas” articulou-se ao “jogo das guerras” no
espaço “alemão”.
Deve-se ressaltar que a escolha por interromper as narrativas precedentes em inícios do século
XIX não foi casual e deverá se justificar doravante. Como será visto, as Guerras Napoleônicas
e o subseqüente fim do “sistema de Westphalia” seriam determinantes não apenas para o
ambiente institucional e econômico da Europa Central, mas igualmente para a constituição do
Estado Prussiano e para a forma com que o “jogo das guerras” passou a ser conduzido
naquele espaço.
Para iniciar adequadamente esta análise, convém inicialmente apresentar e discutir o caráter
das políticas mercantilistas conduzidas nos territórios do Sacro Império até inícios do século
XIX.
3.1 – O “mercantilismo” no Sacro Império Romano até 1806
Como visto anteriormente, o “mercantilismo” é, para Braudel, uma das forças originárias na
formação dos “mercados nacionais”1. Schmoller, ainda em 1884, escrevia a respeito:
(…) in its innermost kernel it is nothing but state making – not state making in a narrow sense,
but state making and national-economy making at the same time; state making in the modern
sense, which creates out of the political community an economic community, and so gives it a
heightened meaning. The essence of the system lies not in some doctrine of money, or of the
balance of trade; not in tariff barriers, protective duties, or navigation laws; but in something
far greater: - namely, in the total transformation of society and its organization, as well as of
the state and its institutions, in the replacing of a local and territorial economic policy by that
of the national state. (1897, §49)
1
Para FIORI, seguindo a linha de Braudel: “(...) se pode dizer que o mercantilismo foi o bisturi utilizado pelos
estados territoriais para extrair os ‘mercados nacionais’ de dentro da ‘economia-mundo’ européia do século
XVI. E depois, foi a política utilizada, pelos mesmos estados, para proteger sua nova ‘criatura’ contra a
concorrência e o ataque dos demais ‘estados/economias nacionais’ emergentes.” (2004, p. 36);
69
Analisando o “fenômeno” sob a perspectiva geral das disputas econômicas intra-européias,
Deyon comenta:
O mercantilismo pertence à história dos Estados em vias de emancipação econômica, é a
política dos que se libertam, nos séculos XV e XVI, da dominação comercial da Itália e dos
Países Baixos, dos que combatem no século XVII a das Províncias Unidas, depois no século
seguinte a da França e da Inglaterra, é um momento do desenvolvimento nacional dos
diferentes povos europeus. (2004, p. 83)
No que se refere, no entanto, à “Alemanha”, embora todos os Estados de relativa importância
do Sacro Império, ao longo especialmente do século XVIII, tenham, em maiores ou menores
graus, conduzido políticas “cameralistas”2, existem inúmeras controvérsias historiográficas
tanto no que diz respeito a seus objetivos quanto a seus resultados3. O diagnóstico em geral
mais aceito, porém, é similar ao de Barraclough:
The mercantilism of the age was not foreign to Germany; there were princes enough who saw
the advantage of pursuing a definite economic policy and stimulating economic life; but the
units were in general too small and artificial, the bounds within which they worked too narrow,
for mercantilism to register any notable success. Except for provinces like Meissen, with its
rich mineral deposits, commerce and industry in Germany, ruined in the Thirty Years War,
continued to be fragile growths, even where most carefully tended, and the middle classes
remained economically and politically weak. (1946, p. 392)
O mercantilismo não teria sido bem sucedido na “Alemanha”, segundo Barraclough, por não
ter contribuído para alterar o quadro “regressivo” de sua economia entre 1648 e inícios do
século XIX, especialmente por não ter desenvolvido o comércio e a indústria e fortalecido as
“classes médias”. Porém, do ponto de vista de Braudel, Schmoller ou Deyon, ou seja, no que
se refere à construção de “economias nacionais” como instrumento de “libertação” de
economias dominantes, até que ponto ele teria sido eficiente?
O principal representante do cameralismo entre os Hohenzollern foi Frederico II4, sendo em
geral considerado inclusive um “Absolutista Iluminado”5. As discussões precedentes, porém,
destacaram como traço central do governo de Frederico, bem como dos Hohenzollern a ele
2
Para uma descrição destas, ver GOOCH (1948, pp. 41-55);
Ver, sobre o mercantilismo na “Alemanha”, MAGNUSSON (1994, pp. 03-17; pp. 174-219); e HECKSCHER
(1955);
4
“Frederico II é o modelo perfeito. De todos os soberanos da Europa Central e Oriental da segunda metade do
século XVIII, é ele provavelmente aquele cuja administração mais lembra o ministério de Colbert.” (DEYON,
2004, p. 42);
5
O conceito foi cunhado inicialmente em 1874 pelo economista Wilhelm Roscher para descrever a última fase
do Absolutismo, a partir de 1740; recentemente, porém, vem sendo qualificado pela historiografia como
inadequado para descrever as práticas dos três principais monarcas aos quais em geral se aplica: Frederico II,
José II, da Áustria e Leopoldo II, da Rússia; ver, a respeito, WEIS (1986); e INGRAO (1986);
3
70
precedentes, o militarismo. De fato, quaisquer análises das práticas cameralistas dos Estados
do Sacro Império devem ser conduzidas a partir desta perspectiva:
As for economic principles, cameralistic practice was full of contradictions due to the fact that
economic development, though a cherished goal of government, was not an end in itself, but
had to serve the reason of state and was not supposed to disrupt the existing social order.
(BRAUN, 1975 p. 281)
Como discutido, a principal fonte de recursos financeiros do Estado Hohenzollern era de
natureza fiscal, especialmente pelas receitas dos domínios dinásticos e pelos impostos
cobrados diretamente sobre as populações, sobretudo camponesas, tanto destes como dos
domínios privados. Ao mesmo tempo, o volume populacional era uma das variáveis centrais
para manter um contingente militar significativo. Estes elementos, portanto, “explicam”
porque a principal política “mercantilista” na Prússia desde Frederico, Grande Eleitor, e ainda
mais intensamente no Reinado de Frederico II, tenha sido a colonização de seus territórios,
especialmente dos que vinham sendo gradualmente incorporados aos domínios “originais” da
Dinastia desde 16486. Neste contexto poderia ser, portanto, compreendida a (suposta)
afirmação de Frederico II de que “the first principle, the most general and most true, is this:
that a state’s true strength lies in its large population.” (citado em HAFFNER, 1998, p. 38).
A tradição de atração de populações inicia-se na “Prússia” quando o Grande Eleitor, “em
resposta” à revogação do Edito de Nantes pela França, lançou no mesmo ano (1685) o Edito
de Potsdam, “convidando” os Protestantes perseguidos a ingressarem em seus territórios7. Por
volta do ano de 1700, segundo Haffner (1998, p. 37), um em cada três habitantes de Berlim
era de origem francesa. Durante o Reinado de Frederico Guilherme I, uma nova onda de
imigração teria trazido aproximadamente 20 mil “fugitivos” da Contra-Reforma em
Salzburgo, colonizados especialmente na Prússia Leste, então devastada por epidemias de
Peste. A política populacional de Frederico II, porém, teria sido a mais extraordinária ao atrair
aproximadamente 300 mil emigrantes para os territórios prussianos (DORN, 1931, p. 404).
6
Deve-se recordar, neste contexto, que a despopulação foi especialmente severa após a Guerra dos Trinta Anos e
até meados do século XVIII; este elemento, ou seja, a falta crônica de populações, é utilizado com freqüência
não apenas para compreender as políticas Hohenzollern, mas igualmente, como visto, o fenômeno da Segunda
Servidão, dada a necessidade dos grandes proprietários de “fixar”o camponês à terra para garantir a mão de obra
necessária aos cultivos nos domínios; ver, a respeito, ANDERSON (1989); deve-se recordar, neste contexto, que
metade das receitas dos Hohenzollern eram ainda, em 1740, geradas pela economia de seus domínios diretos;
7
STEINBERG, porém, destaca o papel diplomático e político da ação de Frederico, utilizando a revogação do
Edito de Nantes para romper sua aliança com a França (1945, p. 134);
71
Além de um volume populacional significativo, qualquer exército necessita de um fluxo
regular e significativo de alimentos, uniformes e armas. Neste sentido, portanto, também
podem ser compreendidas as práticas intervencionistas recorrentes do “cameralismo” sobre
estes mercados. Frederico II, por exemplo, interveio naqueles tanto diretamente, através de
práticas de “preço máximo” e de proibição de exportações8; quanto indiretamente, com a
criação, por exemplo, dos Landschaften9. Seu interesse sobre a Silésia, e o conseqüente
investimento em suas indústrias e minas, esteve majoritariamente voltado para a extração de
minérios, sobretudo ferro, e o simultâneo desenvolvimento da manufatura de armas
(HENDERSON, 1967b, pp. 4-9), em regiões próximas a Oppeln (que possuía uma ligação
direta com Berlim).
No que se refere ao sistema de comunicações internas, Frederico II foi especialmente
refratário: em primeiro lugar, porque julgava que qualquer melhoria nos canais existentes
poderia facilitar a entrada ou a passagem de tropas inimigas (HENDERSON, 1967b, p. 37);
em segundo, porque acreditava que a retenção de mercadores transportando bens ao longo
daqueles canais seria benéfica para o orçamento do Estado, já que facilitaria a coleta de taxas
e pedágios.
Em resumo:
8
“That happened so that he could have cheap bread for his army and full granaries in case of war.” MEHRING
(1975, Parte II, Seção 2.2, §5); segundo FAY: “Frederic’s grain policy was much the same of the Great Elector,
but was pursued on a much larger scale. Generally the exportation and importation of grain was forbidden,
though he sometimes allowed his own grain officials to import under cover from Poland. With the frontiers
generally closed to grain, Frederick bought up and stored in government warehouses wheat, barley, and rye in
plentiful years when the price was low, and sold it again in years of bad harvest when prices tended to rise and
would otherwise have caused great hardship to consumers. In this way he succeeded in his aim of keeping a
fairly stable price level for grain and at the sime time made a handsome profit.” (1964, pp. 124-125);
finalmente, TILLY acrescenta que: “Much of the Hohenzollern grain policy went into building up stores and
supply systems for a big standing army, and assuring the free movement of grain into those provinces where the
army was concentrated. (…) Obviously, it served the Junkers of the East, who were simultaneously masters of
war and masters of rye.” (1975a, p. 453);
9
Tecnicamente, os Landschaften eram sociedades de crédito privadas, instituídas em nível provinciano com o
incentivo de Frederico II (em alguns casos, inclusive, com sua participação financeira), entre os grandes
proprietários de terras nobres, especialmente após a “bancarrota” generalizada causada pela a Guerra dos Sete
Anos; na prática, porém, passaram em muitos casos a se constituir como um corpo político representante da
Nobreza; ver, a respeito, ROSENBERG (1958, pp. 169-170); sobre as petições dos senhores nobres da Silésia
após a Guerra dirigidas a Frederico II, KISH afirma: “The King heard them with sympathy and granted them
their principal demand, the establishment of a land mortgage bank, the so-called Landschaft, meant to restore
the lords credit standing and channel the flow of capital once more in their direction.” (1959, p. 550); HEATON
sugere que os Landschaften teriam sido os percussores das instituições de crédito do século XIX: “They obtained
funds by selling bonds which, being backed by the entire property of all the members, enjoyed the low interest
rate of a gilt-edged security. The plan was copied after 1830 in other central European states and found a jointstock state-subsidised variant in the French Crédit Foncier, launched in 1852.” (1971, p. 25);
72
All the other state departments were rigidly subordinated to the requirements of the army. Its
maintenance was made the principal task of the treasury. Compulsory school-attendance was
ordered (though not effected) in 1717, because the army wanted a host of non-commissioned
officers who had mastered the three R's. After a heavy outbreak of the plague, peasants were
settled in the deserted districts of East Prussia, and large-scale ameliorations of bogs and sandy
plains were subsidized, because the village supplied the army with the fittest recruits. The
manufacture of cloth was encouraged, because the army had to be properly clothed. Industrial
life as a whole, with protectionist tariffs here and freedom of trade there, was regulated
according to the diverse needs of the commissariat. (STEINBERG, 1945, p. 143) 10
No que se refere a seus órgãos de execução, foram especialmente através das 17 Câmaras
Provincianas do território Hohenzollern que as políticas “cameralistas” de Frederico II foram
conduzidas.
As Câmaras, formadas em geral por 20 a 30 membros, assemelhavam-se a órgãos financeiros:
mantinham os tesouros provincianos, coletavam os impostos e a renda dos domínios reais,
regulavam as despesas oficiais, etc. Contudo, através de reuniões periódicas entre seus
Presidentes e o Monarca em Berlim, convocados para discutir com Frederico II “medidas para
aumentar as receitas de cada Província” (DORN, 1932), elas se transformaram
gradativamente nos órgãos executivos de suas políticas econômicas: colonizavam estrangeiros
em novos territórios, estabeleciam novas indústrias, observavam os movimentos do comércio
e dos preços, mantinham contanto com os mercadores locais, fiscalizavam as feiras nas
cidades, informavam-se a respeito das necessidades de consumo, inspecionavam as plantações
dos camponeses nas áreas rurais e as lojas dos comerciantes nas vilas, e viajavam à procura de
mercados para as manufaturas prussianas. Os trabalhos das Câmaras variavam, naturalmente,
conforme a Província. Na Prússia Leste, por exemplo, onde eram extensos os domínios reais,
seus trabalhos eram majoritariamente agrícolas; na Silésia, comerciais e industriais; nas
províncias da Westphalia, preocupavam-se especialmente com o desenvolvimento da
indústria mineira; na Frísia Leste, com o desenvolvimento da pesca; em Magdeburgo, com o
monopólio real do sal.
10
O fortalecimento das chamadas “classes médias”, portanto, não é, necessariamente, um objetivo per se: “The
bourgeoisie was expected to produce the weapons and the uniforms for the army and to pay the bulk of the
military taxes; the peasantry was to supply both the food and the recruits who would eat it.” (CRAIG, 1968, p.
17);
73
Para Dorn, mesmo que o objetivo de Frederico II ainda girasse especialmente em torno do
aumento das receitas disponíveis para o exército11, a realização daquele interesse representou,
na prática, um incentivo às atividades produtivas12:
At no time, however, in the entire course of its history did it perform services of greater
importance for the future of the Prussian monarchy than in the second half of the reign of
Frederick the Great. It managed to support the army of a first-rate power on the resources of a
third-rate state and at the same time accumulated a large reserve in the public treasury; it
opened up the mining industry in Silesia and in the Ruhr district; it carried through a project
for extensive internal colonization in urban and rural districts which added upwards of 300,000
inhabitants to the sparsely populated provinces of Prussia, thus making in 1786 every fifth
inhabitant a colonist; it did much to introduce the improved British agricultural methods
among the backward Prussian peasantry; it liberated the craft guilds and adapted them to the
needs of capitalistic industry while it endeavored to execute, and not altogether without
success, a comprehensive plan to industrialize an almost wholly agricultural country. (1931, p.
404)13
Em resumo, portanto, a lógica mercantilista, no contexto dos Estados do Império, dado seu
caráter militarista e expansionista, está diretamente associada ao aumento de receitas para fins
militares14. O desenvolvimento da indústria e do comércio, o fortalecimento das “classes
médias”, e, finalmente, a construção de um espaço econômico coerente, de um “protomercado nacional”, poderiam surgir apenas, neste contexto, como sub-produtos de políticas
voltadas para o que Braun denominou “razão de estado”15.
11
“To support the growing financial needs of this army was the pivotal function of the Prussian bureaucracy. All
improvements in administrative methods and the wider scope and greater intensity of bureaucracy activity were
made to serve the supreme end of producing a maximum public revenue.” (DORN, 1931, p. 405); ver ainda
STEINBERG (1945, p. 150); mais geralmente, ARDANT trata diretamente das limitações impostas aos sistemas
financeiros dos proto-estados modernos ao longo dos séculos XVII e XVIII e associa a prática mercantilista
diretamente àquelas: “We have much evidence that they [the governing classes] reasoned quite simply as
follows: seeing that taxation requires a certain economic structure, developed economic exchange active
commerce, and the division of labor, it behooves the state, and is in fact vital to its existence as a state, to bring
its power to bear upon that structure and to shape it into a structure better able to support taxation.” (1975, p.
196); e, portanto: “Fiscal concerns were at the root of mercantilist policy.” (1975, p. 196);
12
Deve-se comentar, porém, que a lógica das políticas de Frederico II ainda é tema de debates historiográficos:
“The reason for Frederick’s policy choices remain a biographical as well as a factual puzzle: did Frederick not
follow the debates and discussions then being held among the Physiocrats, members of the École comerciale,
and free-enterprise theorists, as well as the contemporary economic developments in western Europe, or were
they perhaps unknown to him? Or were the economic policies he applied from 1763 onward (as many maintain)
really ‘the best suited for Prussia’s interests?” (WEIS, 1986, p. S189);
13
O diagnóstico de WEIS, porém, é mais cauteloso: “(...) Frederick’s economic policies were beneficial in some
areas and inhibitory in others. Of course, one cannot state for certain how the prussian economy at that time
would have developed without Frederick’s direction. In any event, the productivity of his country’s economy
increased in the second half of the eighteenth century – although, indeed, no more so than in the other large
European states of the time.” (1986, p. S189);
14
VEBLEN, por exemplo, resume o “cameralismo” com a máxima: “making the most of the nation’s resources
for the dynastic purposes of the State” (1915, p. 70);
15
Mais geralmente, DEYON (2004, p. 43) afirma que: “O mercantilismo é, antes de tudo, um serviço da
política, uma administração do tesouro real, um instrumento de grandeza política e militar. O dirigismo
74
Se o mercantilismo, portanto, é compreendido enquanto uma doutrina de incentivo às
atividades produtivas e ao fortalecimento do mercado nacional per se, não se poderia julgar
inequivocamente se a Prússia foi ou não bem sucedida16 ao longo do século XVIII na
aplicação daquela “doutrina”. Entretanto, se é visto enquanto um conjunto de práticas de
intervenção na atividade econômica orientadas pela vontade política do Estado, a Prússia
certamente foi um dos mais bem sucedidos Estados mercantilistas do Império, na medida em
que aquelas conseguiram “modelar a economia às necessidades do exército” (CRAIG, 1968,
p. 15) e, ao mesmo tempo, elevar aquela unidade territorial ao “clube” das Grandes Potências,
ainda que como seu “membro” mais fraco.
Do ponto de vista da criação de um (proto) mercado nacional, porém, as políticas
mercantilistas de Frederico representaram incentivos para a formação de “espaços
econômicos coerentes” antes em nível Provinciano do que propriamente “nacional”. Como
será visto doravante, de fato, os Presidentes das Províncias se tornariam os principais
opositores da proposta de unificação tarifária do Estado Hohenzollern apresentada em 1817.
Finalmente, ainda que o desenvolvimento das atividades produtivas observado no período de
Frederico II por si mesmo pudesse apontar futuramente para uma maior unificação econômica
dos territórios prussianos (no sentido de aumentar a circulação e incentivar a “economia de
mercado”), este desenvolvimento se concentrou especialmente sobre o eixo Silésia – Berlim –
Mar Báltico, ou seja, sobre o espaço da Europa Oriental entre os Rios Elba e Vístula; e,
portanto, apontaria mais para a formação futura de um proto mercado nacional “prussiano” do
que propriamente “alemão”.
Na segunda metade do século XVIII e em inícios do século XIX, como frisam grande parte
dos historiadores da economia da “Alemanha” (especialmente para justificar o “atraso”
daquela), o “espaço econômico alemão” era notadamente segregado, sobretudo pela imensa
estrutura de tarifas, pedágios, impostos e alfândegas, a partir dos quais os Governantes
“absolutistas” tiravam boa parte de seu “sustento”17. E suas práticas cameralistas, pelo
discutido acima, apenas contribuíram para levar esta segregação a seus limites máximos.
econômico do Estado clássico corresponde a motivações financeiras, é um sistema de produção, de riqueza e
não de distribuição.”;
16
Esse parece ser precisamente o ponto de vista a partir do qual MEHRING (1975) julga as políticas econômicas
de Frederico II: “in short [...] that confused chaos of a degenerate mercantilism, completely alienated from its
original sense.”;
17
Esta segregação, de fato, advinha não apenas daqueles “entraves” mas igualmente das recorrentes “guerras
tarifárias” entre os Estados do Império; um exemplo típico foi a disputa que envolveu a Áustria, a Prússia e a
75
3.2 – A Confederação Germânica e o Estado Prussiano: 1815
Como se sabe, a Revolução Francesa e especialmente as Guerras Napoleônicas alteraram
profundamente a fisionomia política da Europa Central18. Entre outras coisas, o Sacro Império
Romano deixou formalmente de existir em 1806. Porém, o que é mais importante, a maioria
das alterações políticas e territoriais operadas sob a influência francesa no período entre 1795
e 1806, especialmente a secularização dos territórios eclesiásticos e a anexação (ou
“mediatização”) de pequenos estados e das cidades imperiais, não foram canceladas após sua
derrota em 1813. A nova organização dos territórios alemães, a Confederação Germânica,
correspondeu à transformação das aproximadamente 234 unidades políticas do Império em 38
Estados soberanos (e 04 cidades livres), como mostra a Figura 5 abaixo.
Saxônia entre 1755 e 1786 a respeito das exportações de bens manufaturados prussianos para aqueles Estados
(HENDERSON, 1939, p. 37);
18
Para uma descrição detalhada de seus efeitos em cada um dos principais Estados do Império, ver GOOCH
(1948, pp. 193-209); para descrição dos eventos diplomáticos e políticos entre 1792 e 1815, ver BRUNN (1965);
76
LEGENDA
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CONVENÇÕES
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LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA
Basel
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FIGURA 5: A CONFEDERAÇÃO GERMÂNICA: 1815
01: PRUSSIA
02: ÁUSTRIA
Estados “do Meio”:
03: HANOVER
04: SAXÔNIA
05: MECKLENBURGO-STERLITZ
06: MECKLENBURGO-SCHWEIS
07: OLDENBURGO
08: HOLSTEIN
09: BAVÁRIA
10: WÜRTTENBERG
11: BADEN
Estados da Europa Central
12: HESSE-KASSEL
13: HESSE-DARMSTADT
14: HESSE-HOMBURG
15: NASSAU
16: WALDECK
17: LIPPE
18: SCHAUNBURGO-LIPPE
19: BRUNSWICK
Estados da Turíngia
20: REUSS-SCHLEIZ
21: REUSS-GLEIZ
22: REUSS-LOBENSTEIN
23: REUSS-EBERSDORF
24: SCHWAZ.-RUDOLSTADT
25: SCHWAZ.-SONDERSHAUSEN
26: SAXÔNIA-HILDBURGHAUSEN
27: SAXÔNIA-WEIMAR-EISENACH
28: SAXÔNIA-MEININGEN
29: SAXÔNIA-GOTHA-ALTENBURG
30: SAXÔNIA-COBURG-SAALFELD
Ducados Anhalt
31: ANHALT-KÖTHEN
32: ANHALT-BERNBURG
33: ANHALT-DESSAU
Outros Estados
34: LAUENBURGO
35: LUXEMBURGO
36: LIECHENSTEIN
37: HOHENZOLLERN-HECHINGEN
38: HOHENZOLLERN-SIGMARIEN
Cidades Livres
Br: BREMEN
Hb: HAMBURGO
Lb: LÜBECK
Fk: FRANKFURT
77
Em termos de distribuição de poderes na Confederação, a “potência” dominante, como antes
no Sacro Império, continuava sendo a Áustria, embora sua presença territorial no Sul da
“Alemanha” tenha desaparecido. Em seguida, estava naturalmente a Prússia, cujos territórios
agora concentravam aproximadamente metade da população da Confederação, porém
apresentando uma localização bastante distinta do período anterior às Guerras. Como
“compensações” pela perda de territórios no Leste e por “abrir mão” de boa parte da Saxônia,
à Prússia recebeu os territórios ocidentais da Renânia e da Westphalia, especialmente para
prevenir uma possível agressão francesa19. O território Hohenzollern seria agora composto de
dois grandes blocos separados por Hanover, Brunswick e Hesse-Cassel.
Seguidos da Áustria e da Prússia20 estavam os chamados “Estados do Meio” (Mittelstaaten):
Oldenburgo, Hanover, Holstein, Mecklenburgo-Sterlitz, Mecklenburgo-Schweis, Baden,
Württemberg, Bavária e Saxônia. O termo foi cunhado especialmente para designar aquelas
entidades que, embora nitidamente inferiores política e territorialmente com relação à Áustria
e a Prússia, podiam se colocar como obstáculos ao expansionismo de ambas:
In practice Austria and Prussia were the two states that inevitably played a role on the
European stage, while the others tried to prevent either one of them from gaining a dominant
position or (...) the two together establishing a joint hegemony. (BLACKOBURN, 1998, p. 93)
Todos os 38 membros da Confederação eram Estados Dinásticos e apenas quatro cidades
mantiveram seu status de cidades livres: Frankfurt, Hamburgo, Bremen e Lübeck.
19
“Thus it was the English desire for a strong barrier against French aggression, reinforced by the necessity for
finding territorial compensations to offset the Russian absorption of nearly the whole of Poland, which led to the
acquisition by Prussia of a major accretion of territory on the Rhine -- a cardinal change in the political
geography of the Prussian state and in the direction of Prussian policy without which its rise to predominance
between 1815 and 1871 would scarcely have been thinkable.” (BARRACLOUGH, 1946, p. 411); a
conseqüência, como comenta o próprio autor, foi a de que “(…) the center of gravity of the former BrandenburgPrussia, having been shifted to the east by Napoleon, now tilted even more sharply to the west.”
(BARRACLOUGH, 1946, p. 393); vale notar, porém, que, nesta ocasião, embora a região fosse, de fato, uma
das mais desenvolvidas economicamente dos territórios alemães, suas grandes reservas de carvão ainda não
haviam sido descobertas e não havia sinais de que se transformaria, em meados do século, na principal área
industrial da Alemanha; ou seja, estas compensações não foram uma “vitória” da Prússia, pelo contrário: “(...)
Prussia received its compensation for Polish losses in a place where it had never expected it and where indeed it
was not all that welcome ... The frontier which had to be defended there was still regarded as threatened; the
‘Watch on the Rhine’ was not an enviable task. (...) The British historian A. J. P. Taylor has called this
compensation by annexation of the Rhineland a kind of practical joke played on poor Prussia by the great
powers.” (HAFFNER, 1998, p. 92);
20
Nem todos os seus territórios, porém, foram incluídos na Confederação, mas apenas aqueles que faziam antes
parte do Sacro Império; do Império Austríaco estavam excluídos portanto os Reinos da Hungria, Dalmácia,
Galícia, Croácia e Eslavônia, Lombardia e Veneza, Istíria, a Principalidade da Transilvânia e o Ducado de
Bucovina; do Reino da Prússia, agora dividido em 10 províncias (09 em 1824, com a junção das Províncias de
Cléves-Berg e do Baixo Reno), não faziam parte as Províncias da Prússia Leste e Oeste e Posen (as sete outras
eram: Silésia, Brandemburgo, Saxônia, Westphalia, Baixo Reno, Cléves-Berg e Pomerânia);
78
A estrutura política da Confederação21, como articulada pelas Atas Finais do Congresso de
Viena22 e, posteriormente, pela Constituição Final de Viena em 182023, correspondeu a uma
forma de associação bastante frouxa entre seus membros, que mantiveram praticamente todas
as prerrogativas de Estados soberanos. Ao mesmo tempo, as possibilidades efetivas de
atuação da Confederação enquanto unidade política foram bastante limitadas24. De fato, a
opinião geral entre os historiadores é a de que a forma pela qual a Confederação foi articulada
teria “respondido” a duas necessidades centrais da conjuntura política da Europa pósnapoleônica: por um lado, a de evitar a formação de um Estado soberano unificado no espaço
da Europa Central; e, ao mesmo tempo, a de assegurar a existência de uma entidade com uma
articulação política suficiente para inibir a expansão de outros Estados sobre aquele espaço25.
Em outras palavras, a Confederação teria garantido um “equilíbrio de poder” entre as cinco
“Grandes Potências”, ou correspondido a uma espécie de “pentarquia” européia. Para Portillo:
La Confederación Germánica surge, como es sabido, ante todo con esta voluntad, la
reordenación del espacio alemán como sistema de seguridad europeo sobre las bases
planteadas en el Congreso de Viena. (...) En realidad, como es también sabido, se estaba
assistiendo a un reordenamiento de Europa que congeniara las aspiraciones de cinco o a lo
sumo seis grandes poderes. (...) Ambos circunstancias – la necessidade de reordenar el centro
europeo y la búsqueda de un nuevo sistema de seguridad – enmarcan y contextualizan el
nacimiento de la Confederación Germánica en 1815. (1994, p. 12)26
O elemento essencial para garantir a estabilidade desta “solução”, pelo menos internamente à
Confederação, seria, naturalmente, um “compromisso” entre seus dois maiores Estados, já que
suas disputas, ao longo do século anterior, haviam determinado em grande medida os
21
Para detalhes sobre esta, ver PORTILLO (1994); para um resumo da Ata Final da Confederação, lançada em
1820, ver ORRUÑO et al. (1994, pp. 165-166);
22
Para uma descrição sumária, ver GULICK (1965);
A chamada Wiener Schluβakte, aprovada por unanimidade pelo Bundestag da Confederação naquele ano;
Como comenta PORTILLO, mais especificamente, as possibilidades políticas da Confederação estavam mais
relacionadas a questões internas a seus Estados membros: “Efectivamente, escasos son los elementos de
definición positiva del orden interalemán que se hallan en los documentos fundacionales de la Confederación.
Únicamente se precisan y detallan, também posteriormente en 1819 y 1820, aquellos que más podían servir
para el mantenimiento del principio monárquico, la legitimidad dinástica y el control de los movimientos y
grupos revolucionarios.” (1994, p. 11);
25
“In the interest of European peace the princes would have to relinquish the right to wage war on each other
and agree to live together in a loose association or confederation of states. At the same time the fact that the
princes would remain rulers of virtually sovereign states was the best possible insurance against the creation of
a united Germany. Thus before the Congress of Vienna assembled in the autumn of 1814 the Great Powers had
already decided upon the creation of a German Confederation.” (CARR, 1979, p. 3);
26
A crítica de SCHROEDER (1992) com relação à utilização da idéia de “balanço de poder” ao sistema
instituído com o Congresso de Viena não altera o elemento que interessa especialmente a esta pesquisa, ou seja,
o congelamento das fronteiras políticas do espaço alemão; GULICK comenta, de qualquer forma: “The
settlement as a whole, unfair in many respects, incomplete in numerous details, destined to be thus endlessly
revised, was yet remarkably consistent with the ideal of re-establishment in Europe a balance state system.”
(1965, p. 665);
23
24
79
conflitos militares no interior do Sacro Império27. Hobsbawm resume da seguinte forma o
panorama político da Europa Central em 1815:
Em termos econômicos e territoriais, a Prússia lucrou relativamente mais com a organização
de 1815 do que qualquer outra potência, e de fato tornou-se pela primeira vez uma grande
potência européia em termos de recursos reais (...). A Áustria, a Prússia e o rebanho de Estados
alemães menores, cuja principal função internacional era fornecer um bom estoque de criação
para as casas reais da Europa, vigiavam-se mutuamente dentro da Confederação Alemã,
embora a ascendência da Áustria não fosse desafiada. A principal função internacional da
Confederação era manter os Estados menores fora da órbita francesa, na qual eles
tradicionalmente tendiam a gravitar. (1977, p. 121)
Deixando temporariamente de lado as discussões a respeito das bases em que esse
“compromisso” foi estabelecido e as conseqüências que traria posteriormente, o período entre
1815 e 1866 não testemunhou, de qualquer forma, conflitos militares entre os Estados da
Confederação e, portanto, naquele sentido, atingiu o objetivo ao qual supostamente se
propôs28. Em outras palavras, o “jogo das guerras” foi “congelado” durante 50 anos, ou
passou a ser travado em outras esferas que não diretamente através de conflitos bélicos.
Do ponto de vista econômico, as conseqüências da Revolução Francesa e das Guerras
Napoleônicas não foram da magnitude daquelas trazidas ao território “alemão” em termos
políticos. Porém, como se sabe, uma das exigências do Tratado de Tilsit de 1807 foi a
aderência ao Bloqueio Continental pela Rússia e pela Prússia29, ou seja, ao Decreto de Berlim
de novembro de 1806, pelo qual os portos continentais estariam fechados a quaisquer
transações com a Inglaterra e todos os bens de origem ou embarque ingleses seriam
confiscados e destruídos30. Ao mesmo tempo, e ainda mais importante para aquelas
“economias”, foi o fato de não ter ocorrido um retorno à chamada “política comercial frouxa”
27
“ .. cualquier proyecto de ordenamiento interalemán y de seguridad europea debía pasar por un compromiso
entre las dos grandes potiencias alemanas.” (PORTILLO, 1994, p. 13); deve-se comentar que isso é verdadeiro
mesmo considerando que os resultados da disputa Habsburgo-Hohenzollern fossem fortemente determinados
pelo balanço da guerra “maior” entre a França e a Inglaterra, como o foram durante o século XVIII (KENNEDY,
1989);
28
“Despite latent tension, Habsburg-Hohenzollern rivalry was more muted in these years than it had been in the
eighteenth century. There was to be peace between the sovereign members of the Confederation until 1866.”
(BLACKBOURN, 1998, p. 96); para HOBSBAWM: “De fato, não houve nenhuma Guerra total na Europa,
nem qualquer conflito armado entre duas grandes potências, da derrota de Napoleão à Guerra da Criméia, em
1854-6. Na verdade, exceto a Guerra da Criméia, não houve nenhuma Guerra que envolvesse mais do que duas
grandes potências entre 1815 e 1914” (1977, p. 118), embora GULICK advirta que: “the absence of a general
European war cannot reasonably be attributed to the arrangements mode at Vienna and Paris in 1814-15, since
many significant parts of those arrangements were soon changed.” (1965, pp. 666-667);
29
“From Napoleon's point of view, all the campaigns which France had waged since 1793 were only part of the
war against England; his victories in Italy, Germany and elsewhere were important to him only in so far as they
served his ultimate purpose.” STEINBERG (1945, p. 165);
30
Como se sabe, a Áustria (em 1809) e a Suécia (em 1810) também entrariam no Bloqueio;
80
dos anos anteriores à Guerra. Em geral, todos os países europeus adotaram o “protecionismo”
e “fecharam” seus mercados a bens tanto manufaturados como agrícolas31.
Como discutido no capítulo anterior, todas as regiões economicamente dinâmicas do território
“alemão” possuíam uma característica comum: dependiam, em maiores ou menores graus, de
agentes de outras “nacionalidades” como articuladores do comércio e da produção, tanto
manufatora quanto agrícola (especialmente aqueles de origem inglesa “sediados” em
Hamburgo). A “economia” exportadora de grãos do Leste do Elba, os “grandes” centros
manufatores e mineradores (Silésia, Saxônia, Brandemburgo, Renânia e Westphalia), os
centros internos de “distribuição” (Leipzig e Frankfurt) em geral eram controlados por estes
agentes, cujos canais de circulação giravam em torno dos Mares do Norte e Báltico. Desta
forma, tanto o Bloqueio Continental como as políticas protecionistas dos países europeus após
1815 representariam um profundo choque àquelas economias.
A produção de grãos para exportação, em especial, foi seriamente afetada. De fato, todo o
período entre 1806 e 1837 é considerado como de “crise agrícola” nos territórios alemães
(BLACKBOURN, 1998, p. 68; KITCHEN, 1996, p. 24), com os preços dos grãos no mercado
“internacional” atingindo níveis próximos àqueles do período após a Guerra dos Trinta
Anos32. As regiões dedicadas exclusivamente às atividades cerealíficas (como a Pomerânia,
Posen, as Mecklenburgos, e as Prússias Leste e Oeste) foram naturalmente mais atingidas33.
No que se refere à manufatura, tanto de têxteis quanto de metais, embora algumas regiões
tenham experimentado um rápido surto de prosperidade como conseqüência do Bloqueio
Continental34, em geral concorda-se que, após 1815, apenas aquelas que “se especializaram”
31
Este seria precisamente o período da instituição das chamadas Leis do Trigo na Inglaterra, que também foram
eventualmente adotadas pela França e pela Holanda: as importações de cereais pela Inglaterra estiveram
inteiramente interrompidas entre 1814 e janeiro de 1816, novamente de novembro de 1817 a fevereiro de 1818 e
de fevereiro de 1819 até 1822;
32
“La primera parte del siglo XIX, y, especialmente, la época posterior a las guerras napoleónicas, trajo
consigo una crisis en la agricultura alemana. En un comienzo, la imposibilidad de exportar a Inglaterra ejerció
presión sobre los precios; después, las buenas cosechas de 1819 a 1821 produjeron sobre-producción y una
caída dramática de los precios. Hasta los años 1830 no se superó la depresión agrícola de la década
anterior…” (PIEREMKEMPER, 2001, p. 104);
33
Segundo BROSE (1997, p. 111), entre 1824 e 1834, 230 grandes proprietários da Prússia Leste teriam
declarado falência; boa parte das propriedades falidas foram compradas por elementos não Nobres ou
“burgueses”, cujo direito de aquisição de domínios “nobres” havia sido recentemente garantido pelas Reformas
de Stein e Hardenberg (ver à frente); desta forma, aproximadamente entre 10 e 15% das propriedades Nobres
teriam passado para as mãos de Comuns na Prússia Leste neste período;
34
Em especial a região da Renânia a oeste do Reno, anexadas diretamente por Napoleão, não apenas pela
interrupção da concorrência de produtos ingleses, mas igualmente pela “abertura” dos mercados da França e da
Bélgica;
81
na produção para o mercado “interno” foram capazes de manter sua atividade relativamente
ativa. Mesmo nestes casos, porém, as guerras tarifárias no interior da Confederação, que se
intensificaram especialmente na segunda década do século (ver à frente), limitavam
fortemente as possibilidade de expansão naquele “mercado”35.
Henderson assim resume a situação:
The Napoleonic wars had seriously disorganized the German economy. (…) Overseas trade
had been drastically curtailed, while internal commerce had been forced into unaccustomed
channels. (…) The flood of imports of manufactured goods (particularly textiles and hardware)
from England when the German ports were opened on the collapse of the Continental System
seriously hampered the efforts of German industrialists and merchants to increase their sales in
the home market. The depression of industry and trade at this time reached its climax in 1817
when the failure of the harvest led to a serious shortage of food supplies. (1967b, p. 14)
Nesta conjuntura, a crise agrícola rapidamente transformou-se em uma crise econômica e
financeira para a maioria dos Estados da Confederação, e especialmente para a Prússia:
For at least a decade after the Napoleonic Wars Prussian agriculture, industry and trade were in
a depressed condition. The export of cereals, timber and linen cloth – the staple trades of
Prussia’s Baltic ports – were grievously restricted by the high tariffs of many European
countries. In the years 1821-5, for example, the quantity of cereals sent to Britain from Danzig
and Elbing was only about one-fifth of what had been exported between 1801 and 1805. An
increase in the export of raw wool to Britain was, for a time, almost the only favourable aspect
of Prussia’s Baltic trade. West of the river Elbe the small-scale manufactures of the Prussian
provinces of Saxony, Westphalia and the Rhineland could not compete with cheap massproduced British goods. (HENDERSON, 1968, p. 119)
****
Seria, porém, com um “novo Estado” que a Prússia deveria enfrentar os anos de crise após
1815, pois o período entre 1807 e aproximadamente 1814 havia sido precisamente aquele
35
Em termos relativos, o setor mais afetado foi o da manufatura do linho, voltado especialmente ao mercado
“externo”; a Silésia, neste contexto, foi seriamente atingida e tendeu a se “desindustrializar”; seu setor têxtil,
além de já ter começado a experimentar, em meados do século XVIII, a concorrência dos tecidos de algodão e
dos tecidos de linho do Norte da Irlanda e da Escócia, “sofreu” relativamente mais com a crise, em função de ser,
como visto, em geral dirigido pela aristocracia senhorial, que tendeu a deslocar seus investimentos para a compra
de terras; as manufaturas de algodão foram especialmente beneficiadas com o Bloqueio e a interrupção da
concorrência dos tecidos ingleses; a região mais beneficiada neste caso foi a Saxônia, que tendeu a se tornar
“menos agrícola”; os avanços das manufaturas saxônicas no período não foram totalmente perdidos após 1815, e
a região passou a fornecer largamente para o mercado interno; o mercado de lã bruta, essencialmente exportador,
foi praticamente destruído durante o Bloqueio, mas, após o fim da Guerra, se expandiu relativamente, em função
das grandes importações britânicas; o preço da lã teria subido tanto (em relação aos cereais) que grandes
proprietários do Leste do Elba tenderam a converter suas plantações em pastagens, especialmente no
Brandemburgo, nas Mecklenburgos e na Saxônia (o que eventualmente teria levado a uma relativa queda dos
preços após 1825);
82
onde as chamadas “Reformas” do Estado Hohenzollern foram em sua maioria
implementadas36.
Para grande parte dos historiadores, as Reformas representaram na prática apenas um avanço
temporário das chamadas “alas reformistas” da burocracia e do exército prussianos, que já
vinham se articulando no interior do Estado desde o século XVIII37. Haffner identifica nestas
tendências uma espécie de crise “interna” que ameaçava, tanto quanto a crise “externa”, a
existência da Prússia enquanto Estado independente:
Not only in its foreign policy did Prussia find itself caught in the crossfire of the great
European conflict with Napoleon and the French Revolution, but this crossfire also ran right
through domestic politics, and Prussia was fighting for its existence in a state of internal
division, pulled one way and another between reform and reaction. (1998, p. 72)
Com a derrota militar de 1806 e a imposição do Tratado de Tilsit, as forças reformistas teriam
ganho espaço político suficiente para conduzir algumas de suas principais propostas, para se
verem novamente eclipsadas pela ala “conservadora” após a derrota de Napoleão e o
Congresso de Viena38:
36
O período das Reformas se inicia, formalmente, em julho de 1807 quando Frederico Guilherme III apontou
uma Comissão para Reorganização Militar, essencialmente designada para investigar as causas da derrota de
1806 e propor medidas de reorganização do exército; ver, a respeito das Reformas Militares, CRAIG (1968);
logo depois é instituída uma Comissão Imediata encarregada de uma reformulação de todo o sistema político da
Prússia; ver, especialmente, SEELEY (1879); para uma resenha das interpretações historiográficas das
Reformas, ver RÜRUP (2000);
37
Para BROSE (1997, p. 61), por exemplo: “In stark contrast to Francis in Austria, the Hohenzollern's
administration had discussed ambitious reforms such as reorganization of the bureaucracy along French lines,
peasant emancipation, a popular militia, termination of guild restrictions, and other measures to liberalize the
economy. But Frederick William possessed neither the self assurance to trust his instincts and his enlightened
advisers, nor the audacity to challenge conservatives entrenched in the bureaucracy, army, and nobility.
Consequently, the social, governmental, and military system of Frederick the Great came crashing down in
1806, a victim of France's spreading revolution.”; para o autor, de fato, mais geralmente: “There were forces of
change at work everywhere in the German state and society on the eve of the French Revolution, but none had
progressed to the point of upsetting Germany's balance. The Holy Roman Empire survived in altered form
despite the ravages of the Reformation, the Thirty Years War, and Austro-Prussian rivalry.(…) Finally,
absolutism found no serious, far reaching challenges from the private discussions, correspondence, and partly
underground culture of the cultivated bourgeoisie..” (1997, p. 23);
38
A derrota de 1806 e o Tratado de Tilsit são destacados pela historiografia como eventos determinantes para o
Estado Prussiano, na medida em que evidenciaram seu caráter exclusivamente militarista; para CRAIG (1968),
por exemplo: “In referring thus briefly to the basic weakness of the Frederician state, one must add hastily that
its collapse, like its rise, was essentially military in nature.” (p. 22) “In the months that followed the capitulation
of Tilsit, only the most optimistic could place much faith in the continued existence of Prussia as an independent
state.” (p. 37); para STEINBERG: “The Prussian state was a mechanical automaton without a living spirit;
when one particle of the machinery broke, the whole works came to a standstill and became a useless heap of
scrap. The recently annexed inhabitants of Hanover and Westphalia rejoiced openly at the downfall of their
conquerors. The Brandenburgers, Pomeranians and East Prussians accepted it equably, not a few even with
satisfaction.” (1945, p. 164); e, finalmente, para BROSE: “The kingdom that previous Hohenzollerns had forged
into a great European power was halved in size, compelled to support a French army of occupation, and forced
to pay a huge indemnity. Prussian ports were closed to English commerce and a decade of lucrative agricultural
83
In this internal struggle the defeat of 1806-7, which threatened its existence, resulted in
temporary victory for the reforming party; the saving War of Liberation of 1813-15, however,
led to the triumph of reaction. (…) Yet in this impoverished and humiliated Prussia all the
great reform plans, which prior to the disaster had been just plans, were now carried out, hard
upon each other: the liberation of the peasantry, self-administration for the cities, opening up
of the officers’ corps to commoners, equal rights for nobility and bourgeoisie with regard to
land ownership, equal civil rights for the Jews, free pursuit of trades, the new French military
system, abolition of corporal punishment in the army – in short, the entire social programme of
the French Revolution. (HAFFNER, p. 72 e 83)
O programa de Reformas, bem como os diferentes graus de suas implementações, não serão
discutidos exaustivamente39, inclusive porque, como a citação anterior indica, o “triunfo da
reação” em 1813 fez com que grande parte daquelas “não saísse do papel”40. Duas de suas
conseqüências, porém, são de especial importância: a reestruturação do sistema administrativo
e burocrático do Estado e as reformas no que se costuma denominar “mercado de fatores”.
Com respeito à reformulação administrativa e burocrática, conforme conduzida especialmente
por Stein (Ministro do Comércio em 1804) e Hardenberg (Chanceler do Estado entre 1810 e
1822), a grande inovação foi o desaparecimento de todos os órgãos de caráter provinciano até
então existentes. O Diretório Geral foi formalmente abolido ainda em 1806 e substituído por
um Staatsministerium (Ministério de Estado) de caráter inteiramente funcional e geral,
composto de cinco ministérios: da Guerra, das Relações Internacionais, do Interior, das
Finanças Públicas e da Justiça. O Cabinetsministerium foi formalmente extinto e em seu lugar
foi estabelecido um Conselho de Estado, uma espécie de “Câmara Nobre”, na qual os
príncipes reais, os Ministros, os Presidentes das Províncias, os Comandantes dos Corpos
Militares e outros 34 membros apontados pelo Rei possuíam voz.
exports to the booming industrial island halted. The subsequent recession in an already devastated countryside
quickly spread to the towns, where many artisans and manufacturers had to close shop. Prussia's tax base was
demolished, making it doubly difficult to pay the French.” (1997, p. 62);
39
Para estas descrições, ver especialmente SEELEY (1879, pp. 447-498); sobre as interpretações da Reforma,
embora a opinião mais comum entre a historiografia seja a de que representaram, de fato, uma “revolução
modernizadora” no Estado Prussiano (ver, especialmente, FINER, 1975, pp. 152-154), ROSENBERG as
descreve da seguinte maneira: “There was no revolution against either absolute government or privilege as
such. A streamlined system of political absolutism; a modified pattern of aristocratic privilege and social
inequality; a redistribution of oligarchical authority among the revitalized segments of the traditional master
class; a promotion of personal liberty and freedom of occupation and economic enterprise – these were the
principal results of the work of the bureaucratic saviours of Prussia.” (1958, p. 203);
40
“Each one of the reforms was in practice a shadow of what was intended, and a curiously grim parody of the
French Revolutionary ideal. True the serfs were emancipated: which merely meant that they could move if they
chose. For the rest the noble could still exact services from them (unless the peasant paid a quit rent), the
noble’s exemption from the land tax survived until 1861, his police authority in his district until 1872, and even
his domestic jurisdiction over his own peasants until 1848. The municipal reform did indeed begin a new era;
but it was only a start.” (FINER, 1975, p. 154); HAFFNER comenta ainda que: “Prussia had no need to restore
its Hohenzollerns, but it no longer wished to think about reforms.” (1998, p. 95);
84
As Câmaras de Guerra e Domínios foram abolidas e em seu lugar foram instituídas 10
Províncias (9, em 1824), encabeçadas por um Presidente, divididas em Distritos
Governamentais e sub-divididas em Áreas, contando ainda com uma Assembléia consultiva
formada pelas três “classes” (nobreza, burguesia e campesinato). O poder judiciário foi
separado do executivo e seria composto das Cortes Locais, das Cortes Provincianas e das
Cortes Superiores. Finalmente, ainda que tenha sido formado um Ministério da Guerra, a
organização militar foi mantida em separado e independente da estrutura burocrática central:
cada Província conteria um Corpo Militar sob comando de um General, cada Distrito
Governamental, uma Divisão, e cada Área, um Regimento.
Como se nota, portanto, as Reformas instituídas naquele período representaram, na prática, a
consolidação de uma burocracia “moderna” no Estado Prussiano, ou seja, não mais de
caráteres provinciano e patrimonial41.
Por outro lado, as Reformas trouxeram também mudanças ao ambiente “institucional” dos
territórios prussianos, com a abolição simultânea do monopólio das guildas de conduzir
atividades comerciais e de seus privilégios com relação ao trabalho; do monopólio das
populações urbanas em conduzir atividades manufatoras; e das restrições impostas aos
“comuns” para a aquisição de propriedades rurais. Em poucas palavras, portanto, as Reformas
instituíram uma espécie de “ambiente econômico livre” no que se refere aos “mercados” da
terra e do trabalho42.
3.3 – A Tarifa de 1818 e a Formação de Uniões Alfandegárias: 1815-1828
Definidos em linhas gerais os acertos políticos que em princípio garantiriam a “paz” no
espaço europeu em 1815, o governo prussiano precisava, como a maioria dos demais,
organizar suas finanças:
41
“Compared with the monarchist absolutism of the eighteenth century the institutionally structured Prussian
civil service state after 1815, with its clear division of competences, begins to look like a constitutional state
(...).” (HAFFNER, 1998, p. 95);
42
Deve-se destacar, porém, que, neste aspecto, elas institucionalizaram tendências que já vinham em grande
medida sendo observadas em várias regiões do território prussiano desde meados do século XVIII; após a Guerra
dos Sete Anos, por exemplo, com a “falência” de grandes proprietários de terras nobres, um pequeno grupo de
“comuns” solicitara e recebera permissão para adquirir tais propriedades; desde essa época, outras permissões
foram sendo regularmente conferidas e, portanto, uma espécie de “mercado de terras” já estava bastante
desenvolvido em inícios do século XIX, ao ponto de o período entre a virada do século XVIII e a derrota de Jena
ter sido caracterizado como de “febre” especulativa naquele mercado; o mesmo vale, como visto anteriormente,
no que se refere à disseminação de manufaturas em áreas rurais;
85
The budget deficit for 1818 was estimated at 9,000,000 Thalers. Moreover too much money
was in circulation. Prussia was on the verge of bankruptcy and there was a real danger that the
government would be unable to pay either the troops or the civil service. (Henderson, 1968, p.
124)
As tentativas iniciais de estabelecer acordos comerciais com Estados vizinhos foram
praticamente incipientes43. Ao mesmo tempo, a imensa estrutura de coleta de impostos, taxas
e pedágios havia se tornado extremamente dispendiosa para o Governo. Os impostos
alfandegários, como se sabe, não eram uniformes no território e não eram cobrados nas
fronteiras, mas nas estradas e rios navegáveis (segundo Henderson existiam, em 1815,
aproximadamente 60 taxas diferentes desta natureza [1967b, p. 22]; Snyder acusa 67 tarifas
distintas e 119 moedas em circulação no território [1969, p. 87]). A multiplicação das
alfândegas, ao mesmo tempo, não apenas na Prússia mas em grande parte dos territórios
alemães44, estimulava uma ampla rede de contrabando interno45, diminuindo, portanto, as
receitas oriundas de tarifas sobre as transações comerciais.
Neste contexto, ainda em 1814, o então Ministro das Finanças von Büllow foi encarregado
diretamente por Frederico Guilherme III de preparar um plano para a reconstrução do sistema
de finanças “públicas” dos territórios:
The depressed condition of Prussian agriculture, industry and commerce; the hostile tariffs of
other European countries and the failure to secure any substantial reduction in those tariffs
forced Prussia to look for salvation in a reform of her own custom system. (...) her financial
needs made it imperative to increase considerably the revenue from import duties and if the
tariff were too high the income derived from it would fall. (...) Some local dues had been
abolished in December, 1805, but a more thorough reform was clearly needed.
(HENDERSON, 1968, pp. 36-37)
As “compensações” recebidas pela Prússia em 1815 colocavam ao Estado um problema
similar, porém agora em um contexto geopolítico bastante distinto daquele com o qual a
Dinastia Hohenzollern se defrontara em 1648. Naquele ano, como visto, os dois principais
territórios dinásticos (o Brandemburgo e a Prússia) estavam separados territorialmente, como
agora suas porções ocidental e oriental. Naquela ocasião, tornou-se uma das prioridades
43
Em 1814, por exemplo, um tratado comercial com a Bélgica pelo qual as manufatoras da Renânia e da
Westphalia poderiam ser enviadas àquele território com baixos impostos ficou em vigor por apenas um ano (de
novembro de 1814 a novembro de 1815);
44
Apenas os territórios do Sul haviam, ainda no período napoleônico, instituído um sistema tarifário “moderno”,
com a unificação dos impostos alfandegários e o deslocamento da cobrança para as fronteiras: a Bavária, em
1807, Württemberg, em 1810, e Baden, em 1812;
45
Segundo BLACKBOURN, praticamente todo o comércio que se manteve imediatamente após as Guerras era
daquela natureza (1998, pp. 11-12);
86
dinásticas a conexão daqueles dois “blocos” através da expansão territorial sobre os espaços
que os separavam. No novo contexto geopolítico da Europa, porém, as possibilidades de
alterações ulteriores nas fronteiras definidas pelo Congresso de Viena eram bastante
limitadas46.
Do ponto de vista econômico, estes dois espaços eram em grande medida complementares, já
que o bloco “oriental”, como visto, era sobretudo agrícola, e a Renânia e a Westphalia, a
porção “ocidental”, especialmente manufatoras e mineradoras. Ao mesmo tempo, as conexões
produtivas daquele espaço econômico em geral, antes garantidas sobretudo por agentes
“internacionais”, haviam sido fortemente desarticuladas pelo Bloqueio Continental e pelas
políticas protecionistas dos Estados Europeus47.
Por outro lado, as deliberações do Congresso de Viena no que diz respeito às relações
comerciais entre os Estados da Confederação foram bastante limitadas. Sua Constituição
Federal, pelo Artigo 19, estabelecia que os Estados Confederados reservavam para si o direito
de decidir, na primeira reunião da Dieta da Confederação em Frankfurt, sobre a maneira de
regular o comércio e a navegação de um Estado para outro. Por um acordo de março de 1815,
posteriormente endossado pelo Ato Final do Congresso, os Estados separados ou atravessados
pelo mesmo rio navegável deveriam regular por consentimento os detalhes referentes a sua
navegação, observando o princípio da liberdade. Até inícios de 1817, porém, nenhuma
resolução concreta com relação ao comércio terrestre ou fluvial havia sido efetivada,
especialmente pela forte resistência da Áustria, e os Estados em geral mantinham suas
políticas protecionistas autônomas. Ao mesmo tempo, as iniciativas e pressões de alguns
Estados e Organizações Comerciais para a transformação da Confederação em uma zona de
livre comércio48 foram em geral negligenciadas ou ignoradas pela Dieta Federal, tanto nas
Conferências de Calsbach de 1819, quanto na Reunião Ministerial de 1820.
É sobre esta conjunção de fatores interligados, ou seja: a eminência de uma falência financeira
do Estado Prussiano; a desarticulação produtiva de seus espaços econômicos e, com esta, a
46
Isso evidenciou-se, por exemplo, no fracasso das tentativas do futuro Ministro das Finanças da Prússia von
Motz, em 1815, de manter a Principalidade de Fulda, que eventualmente faria tal conexão (ver, a respeito,
HENDERSON, 1968, p. 80);
47
Para HENDERSON, ainda: “The failure to secure East Frisia meant that Prussia no longer possessed even a
minor port on the North Sea and all the overseas trade of western provinces had to pass through such ports as
Antwerp, Rotterdam, Hamburg and Bremen over which she had no control. The failure to bridge the narrow gap
between Prussia’s western and eastern provinces hampered trade between the industrial Rhineland and
Westphalia and the predominantly agrarian territories east of the Elbe.” (1968, p. 46);
48
Especialmente dos Estados do Sul, sobretudo Württenberg;
87
diminuição das receitas fiscais advindas de suas fontes; o ambiente protecionista generalizado
da Europa; a necessidade de conectar e articular de alguma forma seus dois “blocos”
territoriais49; e, finalmente, o início de discussões a respeito de tratados comerciais e
alfandegários entre alguns Estados da Confederação a partir de suas pressões mal sucedidas
junta à Dieta Federal em estabelecer áreas de livre comércio comuns, que se deve
compreender a natureza das medidas instituídas sobre o território Prussiano em 1818.
O plano solicitado ao Ministro das Finanças, conforme apresentado em janeiro de 1817,
consistia de dois elementos principais: a substituição, por um lado, da massa de impostos
gerais, provincianos, locais e privados por um imposto indireto unificado sobre bens
consumidos internamente, e, por outro, de todas as taxas relacionadas a bens importados ou
que cruzassem o território por uma tarifa unificada a ser cobrada nas fronteiras, baixa o
suficiente para desencorajar o contrabando.
O plano permaneceu por mais de um ano em negociações, pois a resistência advinha de todas
as frentes e atacava ambas as propostas: tanto a tarifa, considerada “baixa” pela chamada ala
“protecionista” da burocracia, quanto o imposto unificado, especialmente combatido pelos
representantes provincianos. A nova Lei Tarifária seria promulgada em maio de 1818. Sobre
os bens importados deveria ser aplicada uma tarifa única a ser cobrada nas fronteiras
(Einfuhrzoll)50 e sobre os bens consumidos internamente, fossem ou não importados, um
imposto indireto unificado (Verbrauchssteuer). Sobre os produtos importados e consumidos
internamente,
portanto,
seriam
aplicadas
ambas
as
taxas
que,
juntas,
atingiam
aproximadamente 10% do valor para bens manufaturados e entre 20 e 30% do valor para bens
tropicais e sub-tropicais. Os bens em trânsito pelo território pagavam apenas a tarifa de
importação (e, em casos excepcionais, um imposto de exportação) e alguns pedágios. Todos
os demais impostos indiretos e proibições de importação ou exportação foram abolidos51,
sendo elaborada uma lista de bens livres de todos os impostos, estando a maioria das matérias
49
“At a stroke of the pen the population of Prussia doubled, the centre of gravity of the kingdom moved from
Poland to Germany, and Prussia became the guardian of Western Germany against France. Prussian policy
changed direction accordingly; it now became a primary objective in Berlin to extend Prussian influence over
the territories separating Brandenburg from the Rhineland; in short, the unification of North Germany was
thrust upon this powerful and restless state by the facts of her political geography.” (CARR, 1979, pp. 7-8);
50
A tarifa inicialmente foi diferenciada para as duas Províncias Ocidentais, sendo ligeiramente menor do que a
utilizada para as Orientais; as duas seriam unificadas em 1821;
51
Os impostos diretos seriam eventualmente reformulados e unificados em 1820 com a instituição do famoso
Klassensteuer, ou seja, um imposto proporcional segundo as “classes” (sendo estabelecidas quatro categorias
principais, com três sub-grupos cada, de acordo com a propriedade, o grau de educação e a ocupação funcional);
88
primas nela incluídas. Em 1821, os impostos de importação e consumo seriam combinados
em uma única tarifa, e os impostos de trânsito incluídos em uma conta separada.
Embora se saiba, por Braudel, que a abolição dos pedágios e das barreiras internas não
representa, por si só e diretamente, a formação de um mercado “nacional”, ela certamente é
um elemento importante em qualquer processo de unificação econômica, ainda que sua
motivação central no caso da Prússia em 1818 tenha sido, como visto, de caráter financeiro e
político. O objetivo central da tarifa, para a maioria dos historiadores especializados, era antes
aliviar os imensos custos de manutenção do sistema tarifário anterior e reduzir o contrabando,
aumentando, com isso, as possibilidades de arrecadação fiscal do Estado; e, ao mesmo tempo,
ampliar, através da criação de uma “zona” econômica, a influência política da Prússia,
especialmente na porção norte da Confederação. Para Henderson, por exemplo:
The Kingdom was divided into two groups of provinces and some financial sacrifice from
abolishing internal dues would be necessary if trade between them were to be encouraged. But
both parts of the country lay on important trade routes and transit dues levied on international
commerce would not only benefit the Prussian exchequer but would be a useful weapon to use
against small German neighbours. (HENDERSON, 1968, p. 38)
A respeito do futuro Ministro das Finanças da Prússia (a partir de 1825), que seria o principal
articulador do Zollverein (embora morresse antes de este ser efetivamente implementado),
Henderson afirma ainda que:
As early as 1815 Motz realized that Prussia’s new frontiers were unsatisfactory and that some
attempt must be made to bridge the gap between the eastern and western provinces. The failure
to keep Fulda showed Motz that there was little hope of securing a territorial link between the
two parts of Prussia. He realized later that his objective could be secured in another way – by
the establishment of customs unions between Prussia and states with territories in the corridor
separating the Rhenish-Westphalian provinces from the eastern part of the Kingdom. (1968, p.
80)
****
O novo sistema tarifário da Prússia foi amplamente criticado, dentro e fora de seus territórios.
Internamente, tanto a ala “protecionista” como a “liberal” não aprovaram o sistema, ainda que
por motivos inversos (a primeira por julgar a tarifa muito baixa, e a segunda, muito alta); em
outros Estados da Confederação, e mesmo da Europa em geral, protestava-se em função dos
efeitos que supostamente causaria: a alteração nos padrões comerciais da Europa Central; e a
perda do mercado consumidor prussiano. Segundo List:
89
Os Estados alemães menores e de segunda categoria, além de já estarem excluídos dos
mercados austríacos, francês e inglês, tinham agora que ser excluídos também do mercado da
Prússia, o que os afetava com particular dureza, já que muitos deles estavam cercados,
totalmente ou em grande parte, por províncias prussianas. (1986, p. 66)
De fato, o maior efeito do novo sistema não seria sobre a conjuntura de crise econômica e
financeira do Estado Prussiano52, mas sobretudo nas reações políticas, e especialmente nas
políticas econômicas, que desencadeou entre os Estados da Confederação. Em uma palavra,
sua instituição foi um dos principais estopins do processo que conduziria à formação de três
Uniões Alfandegárias no interior daquele espaço em 1828.
O problema imediato trazido pelo novo sistema era o relacionamento comercial entre a
Prússia e seus enclaves ou, mais especificamente, o de como seriam tratados os bens partindo
de ou chegando àqueles Estados53. O Governo prussiano decidiu unilateralmente, algumas
semanas após a divulgação da nova tarifa, tratá-los como seu próprio território e, portanto,
cobrar impostos de importação dos bens que cruzavam suas fronteiras em direção àqueles. Tal
decisão causou imediatos protestos por parte dos enclaves, especialmente de SchwarzburgSonderhausen, e da maioria dos Estados da Confederação, iniciando-se uma espécie de guerra
tarifária entre aqueles e a Prússia54.
Eventualmente, porém, através de negociações sucessivas, apoiadas especialmente pela
pressão econômica que seu extenso território poderia exercer, todos os enclaves adotaram
tanto o sistema tarifário quanto o sistema fiscal da Prússia. O primeiro deles foi precisamente
Schwarzburg-Sonderhausen, em maio de 1819, porém ainda apenas em sua porção norte,
cercada pela Prússia.
O processo, porém, através do qual a Prússia gradualmente “impunha” seu novo sistema a
todos os enclaves de seu território, encontrou, em alguns casos, fortes resistências, das quais
os Ducados de Anhalt são os melhores exemplos.
Como dito, o princípio da livre navegação fluvial foi acordado no Congresso de Viena, porém
ainda não havia, em 1819, sido ratificado. O Ducado de Anhalt-Köyhen utilizava
52
De acordo com HENDERSON, os primeiros sinais de superação da “crise” na Prússia só viriam em meados da
década de 1820 (1968, p. 42);
53
Como se nota pela Figura 5, tratava-se dos três Ducados Anhalt, de uma parcela do território da SaxôniaWeimar-Eisenbach, de uma parcelo do território de Schwarzburg-Sonderhausen e de parcelas de SchwarzburgRudolstad;
54
Hesse-Cassel, por exemplo, ainda em inícios de 1819, proibiu a entrada de qualquer bem de origem prussiana
em seu território;
90
intensamente o Elba como canal de transações comerciais com os territórios do Sul da
Confederação, especialmente com a Saxônia, sobretudo através da ligação de seu porto de
Ressau com Dresden. Sua estratégia de “resistência” e de evasão das tarifas de importação
prussianas foi, portanto, apoiando-se no princípio da livre navegação, concentrar todo seu
tráfico sobre aquela rota. Quando um mercador de Köyhen, em junho de 1820, negou-se a
pagar a tarifa prussiana ao entrar no território via Saxônia em direção a Ressau, seu navio foi
detido, e o Duque apelou à Dieta Federal da Confederação.
A questão trazida pelo Duque apressou a assinatura do Ato de Navegação do Elba (em junho
de 1821, ratificado em dezembro), através do qual foram estabelecidas as 15 casas
alfandegárias oficiais com permissão para cobrar tarifas e os valores daquelas. Todos os
monopólios e privilégios de navegação de cidades e guildas com portos ao longo do Rio
foram abolidos.
A Prússia, embora endossando o Ato, instituiu, em inícios de 1822, para evitar a entrada de
bens em seu território através de Köyhen (que poderiam ser re-exportados para outros
territórios55), uma espécie de “cordão de isolamento” em suas fronteiras. Paralelamente, suas
negociações com o Ducado de Anhalt-Bernburg evoluíram, e a porção Norte daquele, bem
como o distrito de Mühlinmgen, aderiram aos sistemas fiscal e tarifário da Prússia em outubro
de 1823; com a subida de von Motz ao Ministério das Finanças Públicas, e com sua política
de ameaças freqüentes aos Ducados, a última parcela de Anhalt-Bernburg aderiu ao sistema
em maio de 1826.
Com o argumento de que Ressau havia se tornado um ponto de entrada de bens “ilegais” no
território Prussiano, von Motz instruiu seus agentes, em 1827, a cobrarem novamente
impostos de importação sobre mercadorias seguindo em direção a Köyhen pelo Elba, a menos
que se pudesse “provar” que seriam consumidos no próprio território. Os Ducados de Köyhen
e Dessau, portanto, apelaram novamente à Dieta Federal, que os apoiou. Porém, neste caso, a
Prússia se recusou a aceitar a decisão da Dieta e, frente à ameaça de instituir um novo “cordão
de isolamento”, os dois Ducados acabaram cedendo e aderindo a seu sistema.
Os dez anos entre 1818 e 1828, de fato, assistiram a intensas negociações de tratados
comerciais e alfandegários envolvendo praticamente todos os Estados da Confederação. Neste
55
De fato, HENDERSON (1968) sugere que os Ducados de Anhalt tornaram-se, naquele período, verdadeiros
centros de contrabando de bens estrangeiros para a Prússia;
91
sentido, a outra iniciativa central de von Motz foi a aproximação de Estados que encontravam
dificuldades em estabelecer outros acordos. Esse foi especialmente o caso de HesseDarmstadt que, em inícios de 1823, negociava com a Bavária, Württemberg, Baden, HesseCassel, Nassau, Saxônia-Weimar, os Ducados da Saxônia e as Principalidades Reuss para a
formação de uma zona de livre comércio. O Estado, essencialmente agrário, havia sido
amplamente prejudicado com a tarifa prussiana, pois encontrava, desde então, dificuldades em
obter bens manufaturados a preços acessíveis.
Frente aos impasses nas negociações com os demais Estados do Reno e do sul, HesseDarmstadt acabou por abandoná-las, unificar interna e isoladamente seu sistema de impostos,
transferindo as tarifas alfandegárias para as fronteiras, e se aproximar da Prússia. Este é mais
um dos exemplos citados pela historiografia no qual as motivações prussianas nas
negociações estiveram mais relacionadas a aspectos políticos do que propriamente
econômicos. Pois as vantagens puramente econômicas advindas de um tratado alfandegário
com Hesse-Darmstadt eram menores do que as prometidas por um tratado apenas comercial.
A razão da escolha de Motz por uma união alfandegária teria sido, portanto, sobretudo pelos
efeitos políticos que geraria: o de, por um lado, aumentar a influência da Prússia sobre o
espaço da Alemanha do norte; e, por outro, o de neutralizar parcialmente os esforços de
formação de outras Uniões no centro e no sul.
Em fevereiro de 1828, Hesse-Darmstadt adotou o sistema alfandegário da Prússia, embora
tenha mantido seu sistema próprio de impostos internos. Devido às diferenças naqueles,
portanto, tarifas sobre alguns bens comercializados entre os Estados continuariam a ser
cobradas. Por um acordo suplementar, supostamente secreto, o Estado consentia em que a
Prússia alterasse os valores de suas tarifas em futuros acordos com Estados que não fizessem
com ele fronteira; e, ao mesmo tempo, garantia à Prússia a liberdade de tomar medidas
retaliativas contra políticas econômicas de outros Estados.
Dessa forma, portanto, em fevereiro de 1828, a União Alfandegária do Norte foi formalmente
estabelecida, embora não fosse a primeira desta natureza na Confederação, pois a União
Alfandegária do Sul já havia sido formada em janeiro daquele mesmo ano.
De fato, frente, por um lado, às fortes resistências da Áustria em conduzir qualquer acordo
comercial no âmbito da Confederação Germânica, e, por outro, à pressão do sistema tarifário
prussiano de 1818, as discussões entre os demais Estados, especialmente os do Sul (Bavária e
92
Württemberg) e os do Reno (Baden, Hesse-Darmstadt e Nassau), já haviam se iniciado desde
181956. Os Estados do Reno eram especialmente favoráveis à formação de uma área de livre
comércio para assegurar o tráfico nas importantes rotas comerciais que “comandavam”57. A
Bavária e Württemberg, por outro lado, privilegiavam uma União Alfandegária, na medida
em que viam como ameaça a suas manufaturas a liberdade irrestrita de comércio. Estas
diferenças entre os dois “blocos” eventualmente se mostrariam impeditivas ao avanço de
quaisquer negociações entre seus Estados58.
Como já comentado, Hesse-Darmstadt foi o primeiro a abandonar as negociações e se
aproximar da Prússia, seguido por Nassau que, na ocasião, uniformizou suas tarifas. Bavária e
Württemberg, alarmadas com a “deserção” dos Estados do Reno, decidiram-se, em um acordo
preliminar autônomo ainda em 1824, por uma União Alfandegária. Até a eventual
implementação desta, porém, seguiram-se alguns anos em que novamente foram
experimentadas aproximações com os Estados Renanos, todas contudo fracassadas pelos
motivos já comentados. A União Alfandegária do Sul foi estabelecida, finalmente, em janeiro
em 1828, sendo formada pela Bavária (porém sem o território do Palatinado), Württemberg,
Hohenzollern-Hechingen e Hohenzollern-Sigmaringen. Os impostos de importação instituídos
sobre os bens manufaturados eram inferiores àqueles da União do Norte, porém superiores no
caso dos bens tropicais e sub-tropicais.
****
O estabelecimento das duas Uniões Alfandegárias supra-citadas em inícios de 1828 trouxe
vários problemas para os Estados da Confederação que não participavam de nenhuma delas.
Hanover, Oldenburgo e Brunswick, por exemplo, Estados essencialmente agrícolas,
dependiam fortemente da importação de bens manufaturados, especialmente da Prússia. Era
de seu interesse, portanto, manter as estradas entre os portos do Mar do Norte e os mercados
de Frankfurt e Leipzig abertas e “livres”. Os Estados Turingianos, ao mesmo tempo,
controlavam importantes passagens comerciais e, portanto, dependiam fortemente da
manutenção de um fluxo regular por seus territórios. A Saxônia, por outro lado, era umas das
56
“The failure to carry out Article 19 of the Federal Constitution, the introduction of the Prussian tariff of 1818
and the continuance of the Austrian prohibitive system forced the South German States to try to improve their
economic position without reference to either Austria or Prussia.” (HENDERSON, 1968, p. 59);
57
Baden, neste contexto, era especialmente resistente à colocação de tarifas elevadas, na medida em que possuía
um trânsito comercial considerável, dada sua posição entre a França, a “Alemanha” e a Suíça;
58
“The united front of the South German States against Prussia and Austria had been broken and there followed
a series of tariff wars between them.” (HENDERSON, 1968, p. 61);
93
principais regiões manufatoras do espaço “alemão” e, por isso, temia restrições às suas
exportações por parte dos “blocos” comerciais e alfandegários que se formavam.
Ainda antes de se formarem as duas Uniões, de fato, tanto a Prússia como a Bavária, que
disputavam de forma mais intensa o espaço econômico e político na Confederação, tentaram
ampliar sua influência sobre aqueles Estados. No caso da Prússia, seu interesse estava
particularmente voltado para Hesse-Cassel, Nassau e Saxônia-Weimar, que garantiriam a
união comercial entre os blocos oriental e ocidental de seu território. Todos estes, porém,
resistiram fortemente às iniciativas de ambos os “lados”.
A Saxônia, neste contexto, tentou uma aproximação comercial com os Ducados da Turíngia:
além de pertencerem à mesma Casa Dinástica, embora em diferentes linhagens, eles
representavam as únicas alternativas de expansão de seu mercado, na medida em que seu
território estava “cercado”, nas demais “frentes”, pela Áustria, pela Prússia e pela Bavária, ou
seja, pelos Estados economicamente mais influentes da Confederação.
Em março de 1828, o primeiro acordo para uma futura União entre o Reino da Saxônia,
Saxônia-Weimar e os demais ducados saxônicos da Turíngia foi rascunhado. Os termos da
União exigiam, por um lado, que seus membros abrissem mão de ingressar em qualquer outra
União Alfandegária; e, por outro, que mantivessem as estradas em bom estado. A partir deste
acordo prévio, seguiu-se um período de intensas pressões políticas sobre a questão: os Estados
da Confederação já organizados em outras Uniões tentavam “barrar” a iniciativa; a Áustria e
os demais Estados Europeus (notadamente a França, a Inglaterra e as Províncias Unidas)
estimulavam a formação desta União da Alemanha “do Meio” (Mitteldeutscher, como veio a
ser chamada), com vistas a evitar que qualquer uma das duas já estabelecidas se fortalecesse
em demasia59.
As negociações se iniciaram em agosto de 1828 e no fim de um mês já haviam sido
concluídas: os Estados de Hanover, Saxônia, Hesse-Cassel, Nassau, Brunswick, Oldenburgo,
Frankfurt, Bremen, os Ducados Saxônicos, as Principalidades Reuss, Hesse-Homburg,
Schwarzburg-Rudolstadt e o Alto Reino de Schwarzburg-Sonderhausen formaram então a
União Comercial da Alemanha “do Meio”, que entraria em vigor em dezembro daquele ano.
59
Comenta-se em geral que o interesse da Inglaterra na formação de uma União “do Meio” com baixas tarifas
residia especialmente na manutenção das rotas de Hamburgo e Bremen para a Itália, através de Hanover, HesseCassel, o Reno e a Suíça, e para a Boêmia, através dos Estados Turingianos e da Saxônia; no caso dos Países
Baixos, seu interesse residia sobretudo em suas exportações, a partir de Amsterdam e Rotterdam, para os Estados
do Sul, especialmente do açúcar refinado;
94
A União, diferentemente das do Sul e do Norte, não era alfandegária, mas apenas comercial.
Pelo acordo, seus membros se comprometiam a não ingressar em qualquer União
Alfandegária antes do fim de 1834 (quando o tratado entre a Prússia e Hesse-Darmstadt
expirava); a manter as estradas existentes em bom estado e construir algumas outras; e a não
cobrar impostos de trânsito sobre bens de ou para outros membros, com a condição de serem
para consumo “interno”60.
O comentário historiográfico geral a respeito da União da Alemanha “do Meio”,
especialmente a partir das dificuldades em estabelecer um acordo alfandegário que tenderia a
tornar convergentes as políticas econômicas de cada um de seus membros, é o de que, na
prática, o acordo foi estabelecido sobretudo para, por um lado, evitar a expansão e o
fortalecimento econômico das Uniões Alfandegárias do Norte e do Sul (especialmente pois
“emperraria” o comércio no sentido Leste-Oeste); e, por outro, para manter “abertas” as
principais rotas comerciais do espaço alemão em sentido Norte-Sul, especialmente as de
Hamburgo e Bremen para Frankfurt e Leipzig, pelas quais trafegava um importante volume
de bens ingleses61.
De qualquer forma:
At the end of 1828 three customs unions had been formed in Germany. The Prussia-HesseDarmstadt union, though nominally an arrangement between two independent sovereign
States, was, in fact, the absorption of the smaller country into the custom system of the larger.
The Bavaria-Württemberg union fell far short of the great South German customs union which
it had been hoped too construct. The Middle Union had no common tariff and its objects were
to a great extent negative – to prevent either of the other unions from expanding.
(HENDERSON, 1968, p. 68)
60
Com essa medida, portanto, impediu-se a passagem de bens livremente entre os dois territórios da Prússia;
“Before throwing in their lot with Prussia, a group of middle states that included Saxony, Hesse-Cassel,
Hanover, Frankfurt am Main and several tiny principalities, chose an independent course. This ‘Middle Union’
amounted to little more than an attempt to preserve its members’ autonomy between the northern and southern
commercial blocs. Its aim was to keep open the trade routes along which British imports travelled from North
Sea ports to the merchant capitals of Frankfurt and Leipzig.” (BAZILON, 1990, p. 197);
61
Aachen
o
Ren
Freiburg
Basel
Straszburg
Ulm
Munique
Augsburgo
Nuremberg
Bamberg
Coburg
Wurrzburg
Main
Weimar
Leipzig
Magdeburgo
a
Berlim
er
io
Danúb
Praga
Frankfurt a. O.
Od
Dresden
Bál
Stettin
Mar
O
de
Viena
Breslau
Posen
he
Wa
rt
r
Oppeln
Danzig
tula
Vís
Thorn
Varsóvia
Königsberg
Cidades Principais
Fronteiras Políticas
Rios Principais
Fronteiras da Confederação
CONVENÇÕES
Estados da Confederação
fora de Uniões Alfandegárias
ou Comerciais
União Comercial da Alemanha
“do Meio”
União Alfandegária do Sul
União Alfandegária do Norte
ÁSIA
®
LEGENDA
EUROPA
LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA
FIGURA 6: UNIÕES ALFANDEGÁRIAS NA CONFEDERAÇÃO GERMÂNICA: 1828
Stuttgart
Mannheim
Zurich
r
Frankfurt
e
Wes
Darmstadt
Fulda
Erfurt
ale
Mainz
Wetzlar
Elb
Sa
Koblenz
Gotha
Brunswick
Hanover
Hamburgo
Rostock
ba
Colônia
Dortmund
Münster
Minden
Bremen
Lübeck
El
la
se
Mo Trier
Luxemburgo
Rotterdam
Amsterdam
Oldenburgo
Norte
Mar do
Kiel
tico
95
96
3.4 – A Formação do Zollverein
Como se nota pela Figura 6, embora a zona de “liderança” econômica da Prússia já fosse, em
1828, significativa no “espaço” da futura Alemanha, através da União Alfandegária do Norte,
um importante “corredor” comercial, ligando os Mares do Norte e Báltico aos Estados do Sul,
à França, à Suíça e à Áustria, ainda estava fora de seu “controle”, e seus grandes blocos
territoriais ainda não estavam comercialmente conectados.
Deve-se comentar, neste contexto, que a principal “arma” que a União da Alemanha “do
Meio” possuía em sua estratégia de “barrar” o “expansionismo” econômico e, especialmente,
comercial da Prússia era precisamente o controle das rotas comerciais que partiam do Mar do
Norte, notadamente de Hamburgo e Bremen, e seguiam, em direção sul, até Frankfurt e
Leipzig, e dos Países Baixos até a Itália e a Boêmia. Como visto, a primeira representava na
prática a principal rota comercial da “Alemanha”, candidata mais provável à localização do
“jogo das trocas”: através da importação e exportação de bens com a Inglaterra, dos negócios
além-mar, da distribuição tanto para o território alemão, como para os Impérios Russo e
Austríaco, da conexão com o Oriente através da Itália, das feiras de Leipzig e Frankfurt, da
“residência” dos grandes financistas e banqueiros.
Não parece, portanto, surpreendente que os seis anos entre a formação das três Uniões de
1828 e o Zollverein tenham assistido a uma cuidadosa “costura” política por parte da Prússia
para desarticular a União do Meio. Esta costura teve diversas frentes e foi personificada
especialmente por seu Ministro das Finanças, von Motz, ao qual Henderson se refere da
seguinte forma:
He appreciated the inherent weakness of this union which appeared to block any further
attempts of Prussia to extend her tariff system to neighbouring territories. He saw that mutual
jealousies and internal dissensions would soon break out among the members of the Middle
Germany Commercial Union. Motz realized that he might yet achieve his aims by a change in
tactics. He now approached the problem of securing the economic unification in a new way.
He tried to improve commercial relations between Prussia and the southern states. (1968, p.
92)
O primeiro passo foi a assinatura, em maio de 1829, de um tratado comercial entre as Uniões
do Norte e do Sul, com vistas a uma futura União Alfandegária. Porém, ainda mais
importante, o Estado Prussiano tentou atrair para si, ou desviar, o volume comercial que
utilizava os “caminhos” da União da Alemanha “do Meio”. Essa “estratégia” foi conduzida
especialmente através do “investimento” em rotas “alternativas”. Pois a política de von Motz
97
concentrou-se em, por um lado, negociar a “abertura” do Reno e, por outro, construir duas
grandes estradas em sentido Norte-Sul ao longo dos territórios prussianos. É o que comenta
Bazilon:
Berlin outflanked and destroyed the Middle Union by concluding commercial and roadbuilding agreements with neighbours states. Withouth toll-free access to seaports, the small
states found themselves checkmated. By 1840 Saxony was prepared to negotiate entry into the
Prussian customs union. (1990, p. 197)
Pelos acordos finais do Congresso de Viena, a navegação do Reno seria livre de tarifas de
trânsito jusqu’a la mer. Porém, os privilégios das cidades de Colônia, Mainz e Manheim
foram mantidos, e, portanto, as cargas transportadas deveriam ser transferidas de embarcação
em seus portos. Ao mesmo tempo, a Holanda, que controlava sua foz, manteve, especialmente
ao defender uma interpretação particular do termo jusqu’a la mer, o virtual monopólio que
possuía sobre o comércio ao longo da rota.
Desde o Congresso de Viena, portanto, e especialmente a partir de 1820, a Prússia passou a
protestar regularmente junto à Dieta da Confederação contra os privilégios comerciais
holandeses no Reno. Em 1825, um acordo de divisão do tráfico foi estabelecido entre as três
principais companhias de navegação que nele operavam, duas holandesas e uma alemã. O
importante ramo entre Rotterdam e Colônia, porém, foi mantido por uma das companhias
holandesas.
A Prússia renovou, portanto, suas pressões políticas sobre a questão e chegou a articular uma
frente de pequenos estados para se dirigir à Dieta. Após um longo período de negociações, o
Ato de Navegação do Reno foi assinado em março de 1831: a navegação seria “livre até o
mar” para navios que pertencessem a membros dos Estados do Reno62. O monopólio das
guildas de navegação foi quebrado, assim como a obrigação de troca de embarcações em
Colônia, Mainz e Mainheim.
Por outro lado, os projetos de construção de estradas em sentido Norte-Sul através do
território prussiano representaram formas não apenas de desviar o tráfico sob controle da
União da Alemanha “do Meio”, mas igualmente de “forçar” negociações com seus Estados
membros, já que aquelas necessariamente passariam por seus territórios.
62
Com essa provisão, evitava-se que a Prússia realizasse a conexão entre seus blocos oriental e ocidental
utilizando o Reno (via Mar do Norte);
98
Uma das estradas projetadas, na porção Oriental dos territórios prussianos, partiria de
Hamburgo e, seguindo os vales do Elba e do Saale, atingiria o Norte da Bavária. A rota tinha
duas alternativas no que diz respeito à sua porção norte: diretamente pelo território de
Hanover; ou através dos territórios de Lauenburgo e Mecklenburgo-Schweis. Após atravessar
o território prussiano, em sua porção sul a rota necessariamente passaria ainda pelos Ducados
Saxônicos.
Embora as negociações com os territórios do Norte tenham sido mal-sucedidas, a Prússia
estabeleceu, entre julho e dezembro de 1829, acordos com os Ducados Saxônicos (da
Saxônia-Coburg-Gotha e da Saxônia-Meiningen-Hildburghausen63) e com as Principalidades
Reuss para a construção da estrada. Os termos dos acordos, ou a maneira de garantir a
passagem através daqueles territórios foi, notadamente, a concessão de empréstimos e
subsídios64.
A porção central da estrada, portanto, de Magdeburgo até Bamberg, na Bavária (através das
montanhas da floresta turingiana, via Gotha e Coburg), foi aberta em 1831. Ainda mais
importante, ao sul de Gotha a estrada ligava-se a outras rotas em direção Nordeste (via Erfurt)
e Sudoeste (para Frankfurt e Wurzburg). O tráfico nestas novas estradas não pagaria pedágios;
por artigos supostamente secretos das negociações, ainda, os Estados saxônicos entrariam no
sistema alfandegário da Prússia quando suas obrigações com a União da Alemanha “do Meio”
expirassem, ou seja, em janeiro de 1835.
A segunda estrada projetada, na porção Ocidental dos territórios, sairia de Bremen seguindo
pelo vale do Weser até Minden (e atravessando, portanto, o território de Hanover), e seguiria
para o Sul até Frankfurt, passando pelo território de Hesse-Darmstadt. Toda a seção em
território prussiano foi rapidamente construída e, com isso, uma boa parte do volume
comercial de Bremen, um dos mais importantes portos do Mar do Norte, foi deslocada para
aquela rota.
Em inícios da década de 1830, uma espécie de primeiro “resultado” da “estratégia” de Motz, e
de grande importância para o futuro da União da Alemanha “do Meio”, viria, quando Hesse63
Os cinco ducados saxônicos da Turíngia transformaram-se, em 1825-6, em quatro, quando a Linhagem
Saxônia-Gotha se extinguiu; os territórios foram divididos entre os ducados da Saxônia-Coburg-Saalfeld
(doravante Ducado da Saxônia-Coburg-Gotha), da Saxônia-Meiningen (doravante Ducado da SaxôniaMeiningen-Hildburghausen) e da Saxônia-Hildburghausen (doravante Ducado da Saxônia-Altenburgo);
64
Coburg, por exemplo, recebeu empréstimo de 80 mil thalers e subsídios de 25 mil th.; e Meiningen um
empréstimo de 25 mil th.;
99
Cassel, “violando” a cláusula dos acordos da União de não ingressar em nenhuma outra
alfândega até 1834, entra, em agosto de 1831, no sistema alfandegário da Prússia, em termos
semelhantes a Hesse-Darmstadt65. O Estado, porém, obteve diversas concessões para a Feira
de Cassel e, ao mesmo tempo, a garantia da Prússia de não penalizar os tráficos em sentido
Norte-Sul de Estados fora do seu sistema, já que as conseqüências poderiam ser sentidas
diretamente por aquela.
Com o acordo, a Prússia não apenas uniu, em termos comerciais e alfandegários, seus dois
blocos territoriais, como separou a União da Alemanha “do Meio”: Hanover não possuiria
mais uma ligação comercial “direta” com os Estados Turingianos e com a Saxônia. Em maio
de 1832, Hanover, Oldenburgo, Brunswick, Nassau, Bremen e Frankfurt fizeram um protesto
formal à Dieta contra Cassel pela violação de seu acordo com a União da Alemanha “do
Meio”, mas, frente à defesa veemente da Prússia, a mesma nunca passou qualquer julgamento
sobre a questão.
Enquanto Hanover liderava tais protestos, as negociações prussianas seguiram, por um lado,
com a Saxônia66 e, por outro, com os Estados do Sul e os Ducados Saxônicos; e, ao longo do
ano seguinte, foram finalmente seladas com a formação do Zollverein, que entrou em vigor
em janeiro de 1834. Bazilon faz o seguinte comentário a respeito da evolução destes
acontecimentos:
Liberals south of the River Main objected the treaty on political grounds, but the government
of Bavaria and Württemberg concluded that the economic advantages outweighed possible
risks. Saxony joined a week later, after Prussia granted the same tariff concessions to the
Leipzig trade fair enjoyed by its own commercial centres. Berlin also agreed to ease duties on
such vital semi-finished goods as the cotton and woolen yarn used in Saxon textile mills.
These compromises satisfied Saxony’s most influential business interest and persuaded its
government to minimize the sovereignty issue in anticipation of financial gain weigh. (1990, p.
189)
65
A entrada foi influenciada sobremaneira pelos distúrbios revolucionários de 1830, uma parte dos quais foi
dirigido precisamente contra as casas alfandegárias do território;
66
Com o “colapso” da União da Alemanha “do Meio”, tornou-se quase imperativo para a Saxônia entrar no
sistema prussiano; suas manufaturas importavam a maioria de suas matérias primas, especialmente algodão, via
territórios prussianos; sua população crescente dependia da importação de trigo da porção que havia sido
adquirida pela Prússia em 1815; seus mercadores, porém, eram alegadamente contra a entrada, pois as tarifas
adotados pelo sistema prussiano eram relativamente superiores às então vigentes; deste modo, embora os acordos
tenham começado ainda em 1831, eles não avançaram até 1833, especialmente pela resistência, por um lado, dos
tecelões da Silésia e das feiras de Frankfurt am Oder e Naumburgo (que temiam a competição de Leipzig) e, por
outro, dos comerciantes da Feira de Leipzig;
100
Formado inicialmente por 22 Estados67 (Figura 7) para um período inicial de oito anos, o
Zollverein era estritamente uma união alfandegária e, portanto, alguns de seus EstadosMembros, como a Bavária e Württemberg, puderam manter seus sistemas fiscais próprios.
Suas questões seriam reguladas por um Congresso Geral anual no qual era necessária a
unanimidade68. Frente às pressões de Hanover na Dieta Federal da Confederação, que nesse
momento se dirigiriam para a re-abertura das discussões do Artigo 19 da Constituição
Federal, foi inserida uma cláusula no acordo prevendo que, em se adotando o livre comércio
na Confederação, a União seria automaticamente dissolvida. A contingência foi incluída com
o objetivo claro de evitar qualquer precedente de intervenção da Dieta na União.
No mesmo ano, Hanover e Brunswick formaram, em uma espécie de “retaliação” ao
Zollverein, uma União Fiscal (Steuerverein), à qual viriam se juntar ainda Oldenburgo (em
1836) e Lippe-Schaumburg (em 1838). Além destes, estavam inicialmente fora do Zollverein:
as três cidades hanseáticas, Frankfurt, as duas Mecklenburgos, Schleswig, Holstein e
Lauenburgo, Nassau, Baden e a Áustria. O território do Zollverein, portanto, ainda não
“possuía” acesso à costa do Mar do Norte e às fozes de importantes rios alemães,
notadamente, o Elba, o Weser e o Reno.
Em resumo:
The Zollverein was founded after fifteen years of bitter economic strife that followed the issue
of Prussia’s tariff of May 1818. The notion that it was set up as the result of the rise of a
German national consciousness and was a touching example of brotherly co-operation on the
part of the various States will not bear examination for a moment. Banaerts points out that ‘the
formation of the German customs union was characterized by the very opposite of this
‘national movement’ which legendary history and inaccurate writings subsequently ascribed to
it’. The States concerned fought for their own narrow interests and many of them joined the
Zollverein only when economic depression and empty exchequers made further resistance to
Prussia impossible. (HENDERSON, 1968, p. 95)
67
Em 1834, a Confederação Germânica contava com 37 Estados e 04 Cidades Livres; os 22 Estados do
Zollverein eram: a Prússia, os três Ducados de Anhalt, Waldeck, Hesse-Darmstadt, Hesse-Cassel, Bavária,
Württemberg, Saxônia, os quatro Estados Saxônicos da Turíngia, as quatro Principalidades Reuss, SchwazburgRudolstadt, Schwazburg-Sonderhausen, Hohenzollern-Hechingen e Hohenzollern-Sigmarien;
68
Apenas 15 destes Congressos foram de fato realizados entre 1834 e 1866;
o
Ren
Freiburg
Basel
Straszburg
Zurich
Munique
Augsburgo
Nuremberg
Berlim
er
io
Danúb
Praga
Frankfurt a. O.
Od
Dresden
Bál
Stettin
Mar
O
de
Viena
Breslau
Posen
he
Wa
rt
r
Oppeln
Danzig
tula
Vís
Thorn
FIGURA 7: O ZOLLVEREIN: 1834
Leipzig
Magdeburgo
Weimar
Bamberg
Coburg
Wurrzburg
Main
Ulm
Fulda
Stuttgart
Mannheim
Darmstadt
Frankfurt
r
Mainz
e
Wes
Trier
Wetzlar
Erfurt
ale
Koblenz
Gotha
Sa
Colônia
Brunswick
Hanover
Elb
a
Rostock
ba
la
se
Aachen
Dortmund
Münster
Minden
Bremen
Hamburgo
Lübeck
El
Mo
Luxemburgo
Rotterdam
Amsterdam
Oldenburgo
Norte
Mar do
Kiel
tico
Varsóvia
Königsberg
ÁSIA
Cidades Principais
Fronteiras Políticas
Rios Principais
Fronteiras da Confederação
CONVENÇÕES
Estados da Confederação
fora de Uniões Alfandegárias
ou Comerciais
União Fiscal
Territórios do Zollverein
LEGENDA
EUROPA
®
LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA
101
102
CAPÍTULO
4:
A
FORMAÇÃO
DO
“ESTADO-ECONOMIA
NACIONAL” ALEMÃO
Para Blackbourn (1998), a história do “longo século XIX” germânico tratou-se, entre outras
coisas, de um conjunto de distintas “respostas” à pergunta formulada originalmente por
Schiller e Goethe em 17971. Por outro lado, a historiografia alemã “tradicional”, tendo
Treitschke como seu principal porta-voz, enxerga antes no mesmo uma seqüência “lógica” e
“natural” de eventos que encaminharam a “Alemanha” para a Kleindeutschland de 1871. De
uma forma ou de outra, porém, sabe-se que aquela “resposta” foi, do ponto de vista político,
eminentemente efêmera.
Pelo menos um de seus elementos, entretanto, teve um caráter de permanência: a exclusão da
Áustria das entidades às quais doravante atribuir-se-ia o adjetivo “alemão”, ainda que ela
tenha sido incorporada ao Terceiro Império de Hitler. A data central para esta exclusão, como
se sabe, foi a vitória da Prússia na Guerra de 1866.
Muito ainda se discute entre os historiadores a respeito das ações deliberadas da Prússia para
conduzir a Alemanha ao Império de 1871: se e desde quando teria “adotado” aquela
“estratégia”? Quais de suas iniciativas podem ser enquadradas na mesma? Até que ponto as
Guerras da Unificação Alemã faziam parte de seus “planos”?
Independentemente, porém, dos inúmeros matizes que comumente se atribuem à ação da
Prússia, e abrindo mão de julgamentos a respeito de sua intencionalidade, o contexto político
da Europa do século XIX, e especialmente o da Confederação Germânica, são suficientes para
considerar seu conflito com a Áustria como um dos elementos centrais em sua estrutura
política ao longo de todo o século.
Se a Guerra de 1866 selou politicamente seus resultados, qual seria seu momento decisivo em
termos econômicos?
1
Ver p. 4, nota 11 da Introdução;
103
4.1 – A Evolução do Zollverein
A “evolução” do Zollverein entre 1834 e 1866 consistiu, do ponto de vista formal, sobretudo
no aumento do número de seus Estados-Membros, ou seja, a União não alterou seu caráter
estritamente alfandegário. Na prática, porém, o espaço por ela delimitado começou
gradativamente a apresentar (ou ser conduzido na direção de) certas características típicas de
um “espaço econômico coerente”. De qualquer forma, em 1866, após a Guerra AustroPrussiana, 29 dos 32 Estados da recém extinta Confederação Germânica e a cidade de
Frankfurt2 faziam parte da União (Figura 8).
A Prússia permaneceu exercendo controle praticamente integral sobre a mesma, o que
significava, na prática, decidir acerca das tarifas adotadas e dos acordos “internacionais”
estabelecidos (ainda que, formalmente, tais decisões devessem ser tomadas por unanimidade
em seus Congressos Gerais anuais). Esse “controle”, porém, foi exercido em um ambiente de
permanentes pressões internas e externas, e para garanti-lo, portanto, a Prússia precisou
utilizar todas as possibilidades abertas por seu relativo poder político, militar e tributário.
Ao mesmo tempo, e paralelamente a estas pressões, a Prússia tentava atrair, também
utilizando toda a sorte de instrumentos, a entrada sucessiva dos Estados remanescentes da
Confederação no Zollverein. Estes ingressavam, em geral, sob um misto de pressão3,
necessidade4 e “sedução” prussianas, sobretudo pela concessão de vantagens comerciais e
financeiras5.
2
No âmbito da Confederação, só não eram membros do Zollverein, portanto, as três cidades Hanseáticas e a
Áustria;
3
Karl Von Rotteck, por exemplo, o então eminente líder da causa liberal no Parlamento de Baden, afirmava, em
1835, às vésperas da entrada do Estado na União: “(...) no, no aceptamos esta unidad, cujo fundamento no es
realmente una economia nacional alemana sino, por el contrario, una explotación de la nacíon alemana y una
operación financiera del gobierno. No aceptemos esta unidad y mostremos a la nación que nuestros sentidos y
nuestros esfuerzos se dirigen hacia algo más elevado y noble que convertirmos em un remolque de Prussia y que
no hemos perdido la esperanza de alcanzar todavia esse fin mas elevado.” (citado em ABELLÁN, 1997, p. 43);
4
Um comerciante da Saxônia afirmava, em dezembro de 1833: “(...) a direct line of communication will be
formed over Offenbach; all the Saxon manufacturers who have hitherto visited our fairs will in future proceed to
Offenbach; the remaining portion of our transit and active trade will follow in the same channel; our retail trade
with the immediate neighbourhood, already so considerably impaired, will be almost entirely ruined, and the
majority of our fellow-citizens will in vain seek their livelihood, whilst our neighbours will reap the fruits of this
new formation of the trade of our German Fatherland from the enjoyment of which we shall willfully have
excluded ourselves.” (citado em HENDERSON, 1968, p. 117);
5
BAZILON comenta que: “Recent scholarship therefore tends to find the raison d’être for the Zollverein in the
state’s desire for a dependable source of non-tax revenue. Governments became financially independent of
legislatures that were susceptible to liberal influences, a result that certainly impeded political modernization.”
(1990, p. 196);
o
Ren
Koblenz
Basel
Zurich
Stuttgart
Mannheim
Darmstadt
BADEN (1836)
Freiburg
r
Straszburg
e
Wes
Ulm
Wurrzburg
Frankfurt (1836) Mai
n
Fulda
Munique
Augsburgo
Nuremberg
Bamberg
Mar
Bál
er
io
Praga
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Dresden
Frankfurt a. O.
tico
O
de
Viena
Breslau
Posen
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Wa
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r
Oppeln
Danzig
tula
Vís
Thorn
Varsóvia
Königsberg
FIGURA 8: A EVOLUÇÃO DO ZOLLVEREIN: 1834-1866
Leipzig
Magdeburgo
Weimar
Coburg
Erfurt
ale
NASSAU (1836)
Wetzlar
Gotha
Sa
Aachen
BRUNSWICK (1842)
Brunswick
Berlim
ba
Colônia
Dortmund
LIPPE (1842)
Münster
Minden
Hanover
El
LUXEMBURGOa (1842)
l
Mainz
se
Mo Trier
Luxemburgo
Rotterdam
Amsterdam
HOLSTEIN (1865)
Rostock
Od
Lübeck (1887)
LAUENBURGO
MECKLENBURGO (1866)
(1865)
Hamburgo (1888)
Stettin
Bremen
(1888)
Oldenburgo
Elb
a
OLDENBURGO
(1854)
HANOVER (1854)
Norte
Mar do
Kiel
SCHLESWIG (1865)
Cidades Principais
Fronteiras Políticas
Rios Principais
Fronteiras da Confederação
CONVENÇÕES
Entradas Posteriores
Entradas em 1865-6
Entradas em 1854
Entradas em 1842
Entradas em 1836
Territórios do Zollverein em
1834
ÁSIA
®
LEGENDA
EUROPA
LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA
104
105
Os Estados tradicionalmente fortes da Confederação, sendo ou não membros do Zollverein
(notadamente, Bavária, Württemberg, Hesse-Darmstadt, Cassel, Hanover, Oldenburgo,
Brunswick, Saxônia e as cidades Hanseáticas), tentavam, por sua vez, manter, com diferentes
graus de intensidade e sucesso, sua política de “resistência” ao que se então denominava
“expansionismo prussiano”.
A “resistência” dos Estados do Norte, alguns ainda organizados sob a União Fiscal, dava-se
em nome do “liberalismo”, a partir de seu interesse em manter as rotas comerciais
continentais que partiam dos Mares do Norte e Báltico “abertas”; pois, desta forma, poderiam
continuar desempenhando seu “papel” tradicional naquele sistema comercial, ou seja, o de
serem “porta” de entrada e pontos de distribuição (neste caso, especialmente Frankfurt) dos
bens importados da Inglaterra e da Holanda (e também crescentemente dos EUA),
manufaturados ou coloniais. Nesta resistência, puderam portanto contar freqüentemente com
o apoio daqueles “fornecedores”.
Os Estados do Sul, especialmente a Bavária e Württemberg, com seus interesses
protecionistas relacionados a seus frágeis setores manufatureiros, protestavam a cada passo
“liberal” tomado pela Prússia. Os resultados obtidos, porém, com a participação no
Zollverein, não apenas pela abertura dos mercados do Norte, mas igualmente pelo volume de
receitas recebidas, aumentavam sobremaneira o “custo de oportunidade” de prescindir
daquela participação6.
Além destas pressões “internas”, a Prússia se deparava freqüentemente com as “externas”.
Como dito, a idéia de um “balanço de poder” permeara toda a retórica dos acordos do
Congresso de Viena; e a perspectiva da emergência de uma potência econômica unificada no
espaço da Europa Central poderia ameaçar aquele “balanço” tanto quanto uma unidade
política.
Tais pressões manifestavam-se especialmente em termos das políticas comerciais adotadas
pelas “potências” européias: nas negociações de tratados envolvendo o Zollverein, em acordos
paralelos entre países com intensas relações comerciais, na imposição direta de restrições aos
Estados do Zollverein, etc. A Inglaterra, como já comentado, articulava estas pressões tanto
6
Sobre as vantagens financeiras e comerciais do Zollverein para os Estados do sul comparativamente à Prússia,
HENDERSON afirma: “The benefits derived from establishing the Zollverein were felt sooner in South
Germany than in the North. Prussia obtained only a comparatively small extension of markets and this was
offset by a decline in customs receipts. Bavaria and Württemberg, however, could now send their products to the
populous districts of North Germany. So there was an expansion of Southern industries.” (1968, p. 138);
106
diretamente, através de sua ligação dinástica com Hanover, como através de suas intensas
conexões comerciais com Frankfurt e Hamburgo. Sua preocupação imediata, além da
possibilidade de imposição de restrições a seu comércio, voltava-se sobretudo para o
desenvolvimento do setor manufatureiro continental, especialmente o de tecidos de algodão,
que poderia ameaçar um de seus principais mercados consumidores.
Para a Holanda, também uma grande fornecedora de manufaturas e bens coloniais
(especialmente do café do Brasil e da Jamaica) para o Continente, eram igualmente
alarmantes as possibilidades de restrições comerciais, por um lado, e do desenvolvimento da
produção de manufaturas, por outro, em seu caso sobretudo na região Renana, já que o
escoamento de seu comércio utilizava notadamente a rota do Reno, partindo de Amsterdam
ou Rotterdam7. Desta forma, a Holanda utilizou as vantagens geradas pelo controle da foz do
Rio para, simultaneamente, impor restrições à saída de cereais do território do Zollverein e
para enviar para aquele seus produtos manufaturados, especialmente o açúcar refinado.
Imediatamente após o estabelecimento do Zollverein, a estratégia da Prússia foi impor, em
nome da União, tarifas adicionais a navios holandeses que seguissem pelo Reno. Sua manobra
seguinte, no entanto, seria a de buscar uma aproximação comercial com a Bélgica, com vistas
a substituir Amsterdam e Rotterdam por Antuérpia como centro comercial do eixo Renano,
aproveitando-se especialmente de sua ligação por estradas a Colônia.
Um tratado comercial com a Bélgica, portanto, seria assinado em 1844, ficando em vigor por
seis anos. Se o acordo, por um lado, levou ao aumento das importações de ferro pelo
Zollverein, principal interesse da Bélgica no mesmo, por outro lado a Holanda, sentindo os
efeitos negativos sobre seu comércio, aceitou o estabelecimento do livre comércio e
navegação ao longo de todo o Reno, encerrando, dessa forma, seu monopólio sobre as
transações que passavam por sua foz.
No caso da França, dado seu posicionamento geopolítico, as preocupações econômicas
aliavam-se mais diretamente às conseqüências políticas que o surgimento de uma “potência”
7
Vale notar que os “negócios” da Holanda no eixo comercial do Reno não se restringiam apenas à compra e à
venda, mas igualmente às transações financeiras que as envolviam: adiantamentos de créditos, seguros, etc:
“Their commerce by this route was of two kinds. On the one hand, the export of coffee from Java and Brazil to
Germany was still largely under the control of Dutch middlemen who secured profits both from financing the
trade and from shipping the goods – a lucrative trade both to merchants and to the State. (…) On the other hand,
the export of other colonial products and of manufactured and semi-manufactured articles was coming under the
control of German importers who either used Dutch intermediaries merely as commission agents or go into
direct touch with the producers.” (HENDERSON, 1968, p. 167);
107
econômica unificada poderia gerar. Ao mesmo tempo, suas exportações de vinho e seda para
o território poderiam ser igualmente ameaçadas. Sua estratégia foi a assinatura de tratados
comerciais com os Estados da Confederação que ainda não haviam ingressado no Zollverein,
notadamente Nassau e as duas Mecklenburgos, não apenas para garantir suas vendas
naqueles, mas igualmente para servirem como pontos de entrada de “contrabando” no
território da União.
Interessa destacar ainda, no “cenário” externo do Zollverein, as conturbadas relações entre a
Prússia e a Áustria. Como visto, no processo que levou ao estabelecimento da União em 1834,
e, de fato, desde a formação das primeiras Uniões Alfandegárias na Confederação Germânica,
a Áustria se manteve relativamente independente. Não apenas porque, internamente, não
havia passado por uma “modernização” (leia-se, uniformização e deslocamento para as
fronteiras) de seu sistema de alfândegas e impostos, como para manter sua autonomia e a
possibilidade de “proteger” suas regiões manufatureiras. Em poucas palavras, a Áustria
resistia a acordos que interferissem em sua autonomia tarifária e fiscal.
Gradativamente, porém, após o estabelecimento do Zollverein, seja pelas pressões causadas
pela existência de um bloco comercial e tarifário unificado nas regiões com as quais mantinha
ligações comerciais, seja pela percepção das vantagens potenciais que sua entrada poderia
gerar, a Áustria começou a tomar certas iniciativas que apontavam naquela direção.
Especialmente porque, pode-se especular, sua situação econômica e financeira tendeu a se
deteriorar ao longo das décadas de 1830 e 1840 (ver à frente). Em novembro de 1841, às
vésperas da renovação dos tratados do Zollverein, conduziu-se a primeira tentativa, porém
ainda mal-sucedida, de reforma em seu sistema interno de tarifas, condição necessária para
qualquer possibilidade de ingresso no mesmo.
A Prússia, porém, se nos primeiros acordos parecia disposta a negociar a entrada da Áustria,
começa, a partir da década de 1840, não apenas a demonstrar desinteresse pela questão, mas a
tomar certas ações dirigidas a evitá-la. O expediente típico utilizado nesta política era a
manutenção de tarifas moderadas. A cada nova negociação tarifária no âmbito do Zollverein,
a Prússia resistia às pressões protecionistas tanto dos Estados do Sul, como dos representantes
de regiões manufatoras de alguns de seus próprios territórios que, com o avanço do processo
108
de industrialização a partir de meados do século, passaram a fazer eco às alas “protecionistas”
da Confederação (notadamente, a Renânia e a Westphalia)8.
A entrada da Áustria seria debatida no âmbito da Confederação a partir de 1849,
especialmente com o fracasso das tentativas da Prússia em dissolver a mesma e substituí-la
por um Estado unificado sem a presença da Áustria, materializado no evento conhecido como
“humilhação de Ölmutz”9. A proposta austríaca, porém, formalmente apresentada à Dieta da
Confederação em 1850, seria mais ousada: a substituição do Zollverein por uma União
Econômica que incluísse todos os Estados da Confederação.
A proposta, como foi notado pelos observadores contemporâneos, representou uma
demonstração nítida de que a Áustria, doravante, adotaria uma postura mais ativa nos assuntos
da Confederação e do Zollverein, o que, por sua vez, poderia ameaçar a posição prussiana.
Para viabilizá-la, a fronteira alfandegária entre a Áustria e a Hungria foi abolida em 1850 e o
sistema tarifário do Império foi reformado em 1852. O momento mostrava-se oportuno pois o
acordo do Zollverein venceria em fins de 1853 e precisaria ser renovado. Segundo Henderson:
Thus, on the eve of the ninth Zollverein General Custom Congress the aims of Austria and
Prussia had been clearly stated. Austria favored the creation of an Austro-German customs
union. Prussia offered no more than an Austro-Zollverein commercial treaty. The position of
the smaller German States was less plain. As far as possible they avoided coming to any
decision but hoped to make satisfactory terms – especially financial terms – for themselves by
playing off one German Great Power against another. (1968, p. 209)
A atitude da Prússia frente à “ameaça” austríaca foi negociar em 1851, sem a consulta aos
demais membros do Zollverein, a entrada de Hanover e da União Fiscal no mesmo. O acordo
com Hanover, por um lado, “empurrava” a Prússia em direção ao liberalismo, já que o Estado
era o mais ativo dentre os defensores daquelas políticas; e, por outro, a “garantia”, caso os
demais membros do Zollverein, especialmente os “protecionistas” do Sul, se aproximassem da
Áustria. Pelo acordo, o Zollverein e a União Fiscal seriam amalgamados em janeiro de 1854,
e Hanover, por seu turno, receberia uma série de vantagens financeiras e comerciais10.
8
“Prussia continued to favour moderate duties. She had to consider the interests of her agricultural eastern
provinces as well as those of her manufacturing districts. She thought, too, that so long as her duties remained
fairly low it would be impossible for Austria (with her high tariff) to attempt to enter the Zollverein and to gain a
new influence in Germany economic affairs.” (HENDERSON, 1968, p. 181);
9
Para o mesmo, ver JOLL (1971); deve-se lembrar igualmente que em 1848 Metternich, o principal opositor da
“modernização” alfandegária, foi afastado do cargo de Primeiro Ministro, o que contribuiu igualmente para a
mudança em sua política com relação ao Zollverein e à Confederação em geral;
10
“Prussia was prepared to grant much that she had previously refused since she was faced with the possibility
of the defection of the South German States when the existing Zollverein treaties expired at the end of 1853. In
109
Os anos de 1851 e 1852 assistiram, portanto, a uma verdadeira “queda de braços” entre a
Áustria e a Prússia no que se refere à questão alfandegária e comercial. O Congresso Geral do
Zollverein, em 1852, chegou mesmo a ficar “emperrado” por meses, já que a Prússia insistia
em negociar a renovação da União antes de discutir os planos austríacos. O resultado final –
que contou inclusive com a intervenção diplomática do Czar, interessado na manutenção de
um bloco político unido como contrapeso à França na Europa Central – foi a assinatura de um
tratado comercial entre a Áustria e a Prússia, em 1853. Segundo Henderson, o Tratado, que
duraria por doze anos:
(...) was in fact a Prussian success which to some extent balanced the ‘humiliation’ of Olmütz.
The chief obstacle in the way of renewing the Zollverein treaties had been removed and further
negotiations for Austria’s admission to the Zollverein had been postponed until 1860. This
gave Prussia the opportunity of strengthening the free-trade and anti-Austria elements in the
Zollverein. Prussia had prevented Austria from entering her custom union, had frustrated the
attempt to detach the South German States from the Zollverein and had secured the adhesion
of the Tax Union. (1968, p. 223)
Um segundo episódio similar ocorreria ainda na década de 1860, estimulado especialmente
pelo acordo comercial entre a França e a Inglaterra assinado em 1860. O fato de a França
“aplicar” os termos do tratado apenas ao comércio com a Inglaterra, e não estendê-lo, como
aquela, aos demais países com os quais mantinha relações comerciais, poderia prejudicar os
fluxos comerciais do Continente. A França, neste contexto, utilizou a conjuntura para
pressionar por uma diminuição das tarifas aplicadas pelo Zollverein a seu comércio, contra a
qual os Estados do Sul manifestaram-se veementemente.
A Prússia novamente negociou unilateralmente com a França, em 1862, um acordo de
redução de tarifas, na expectativa de “forçá-lo” posteriormente aos demais membros do
Zollverein. Como a União deveria ser novamente renovada em 1865, a aceitação do tratado
poderia ser utilizada pela Prússia como condição de sua manutenção. Se a manobra fosse bem
sucedida, as chances de a Áustria ingressar no Zollverein estariam praticamente eliminadas:
The free-trade era opened on 23 January 1860, when Britain and France accorded each other
most-favoured-nation status. The Prussian government resisted overtures from Paris for almost
two years before deciding to join the movement toward lower tariffs. Berlin eventually
decided that a commercial agreement with France promised greater advantage than did a
defensive alliance with Austria; and Vienna, in any event, would never endanger its
undeveloped domestic industry by encouraging foreign competition. Conversion of the
Zollverein to free trade would esclude Austria from the organization forever, a consequence
these circumstances the adhesion of Hanover would, to some extent, compensate Prussia for her loss of
economic influence in South Germany.” (HENDERSON, 1968, p. 214);
110
that despleased even those middle states, such as Saxony, that stood to gain from easier access
to the French market. (BAZILON, 1990, p. 209)11
O ano de 1862 assistiu, portanto, ao início de uma espécie de “guerra de bastidores” que
colocava a Áustria e a Prússia no campo de batalha. Após a subida ao poder de Bismarck,
porém, sua posição seria peremptória: os membros do Zollverein que não estivessem
dispostos a aceitar os termos do acordo comercial com a França poderiam livremente
abandonar a União. O resultado da manobra, novamente, foi positivo: o acordo foi aceito sem
a saída de nenhum dos membros do Zollverein e o mesmo foi renovado por mais quinze anos.
Em resumo, “às vésperas” da Guerra da Dinamarca (1864), considerada a primeira das
Guerras da Unificação Alemã, a Prússia saía vitoriosa de uma “guerra” comercial e, em
grande medida, econômica, que já a acompanhava por aproximadamente 30 anos. Como se
sabe, o resultado do conflito seria o controle prussiano de Schleswig e do porto de Kiel (em
Holstein), a anexação de Lauenburgo, e a entrada de Schleswig e Holstein no Zollverein.
Apenas um ano depois, a Guerra Austro-Prussiana, que custou à Prússia apenas três breves
semanas de conflito, selaria os destinos políticos da Confederação Germânica. Após a Guerra,
a Prússia comunicou o fim da Confederação, anexou diretamente Hanover, Hesse-Cassel,
Nassau, Schleswig-Holstein e Frankfurt e formou, junto com outros 22 Estados, a
Confederação da Alemanha do Norte. O que é ainda mais importante, os Estados do Sul, os
mais combativos opositores da Prússia (além da Áustria) na antiga Confederação,
estabeleceram com a mesma uma aliança militar, temendo o expansionismo de Napoleão III.
A Confederação da Alemanha do Norte era uma união alfandegária e seus tratados específicos
seriam assinados em meados de 186712. O Zollverein contaria agora com oficiais próprios e
com um Conselho e um Parlamento Alfandegários, que apenas a Prússia tinha formalmente o
direito de convocar e dissolver.
11
HENDERSON adiciona que: “If Prussia were able to force upon the Zollverein a commercial treaty with
France that killed all hope of an Austro-German customs union, Prussia’s economic position in Germany would
obviously be greatly strengthened. Victory in the economic field might well be the prelude to victory in the
political field. It was becoming clear that the Germanic Confederation would soon have to be reformed.” (1968,
p. 279);
12
Hamburgo e Bremen, porém, mantiveram sua independência econômica e não ingressaram na União;
111
Finalmente, com a Guerra Franco-Prussiana, a Prússia consegue finalmente “quebrar” a
resistência dos Estados do Sul e, após a rápida derrota da França13, o Segundo Império
Alemão foi proclamado em janeiro de 1871, no Salão dos Espelhos, em Versailles.
4.2 – O “estado-economia nacional” alemão
Foi desta forma, portanto, como uma espécie de sub-produto da disputa entre a Áustria e a
Prússia, que se delimitou um espaço interno “economicamente coerente” na Europa Central,
já relativamente estabelecido em 1866. Porém, pode-se perguntar: em que medida aquele era,
de fato, um espaço “coerente”?
Em termos comerciais, embora interesses divergentes segregassem os Estados do Zollverein, a
política tarifária da Prússia – que, como visto, precisava responder, simultaneamente, a
pressões “protecionistas” relacionadas ao setor manufatureiro, tanto internas quanto externas
ao território prussiano, e a pressões “liberais”, tanto dos centros comerciais como dos setores
agrícolas – acabou por “representar”, de certa forma, todo o território. A “coerência interna”
foi, portanto, “forçada” ou “costurada” por esta política, na medida em que, por um lado, as
regiões tradicionalmente manufatureiras podiam se servir livremente do mercado “interno”
como consumidor de seus produtos relativamente “protegidas” da concorrência externa; e, ao
mesmo tempo, utilizar-se dos canais comerciais tradicionais do Continente como meio de
exportação, especialmente para suas porções orientais; e que, por outro lado, as regiões
tradicionalmente agrícolas podiam tanto “alimentar” o setor manufatureiro com suas matérias
primas ou bens primários em geral, como continuar lucrando com o comércio de exportação
de grãos, ainda que gradativamente menos.
Como se nota pela evolução do Zollverein (Figura 8), as maiores “resistências” ao
estabelecimento daquela “coerência” foram colocadas pelos Estados do Norte e pelas cidades
hanseáticas, ou seja, pelos elementos tradicionalmente envolvidos na “economia de mercado”
do território “alemão”.
De qualquer forma, a “divisão de trabalho” tradicional em espaços “economicamente
coerentes”, que consiste na troca livre entre regiões manufatureiras e agrícolas, e que
13
Para uma descrição do Império, ver MOMMSEN (1995); para o período entre 1862 e 1870, ver ABRAMS
(1995, cap. 3); para o período entre 1871 e 1919, ver STÜRMER (2001); para a descrição da Guerra FrancoPrussiana e dos detalhes do processo de unificação política, ver FOOT (1971);
112
necessita que ambas acompanhem o ritmo de desenvolvimento econômico, foi gerada, no
território do Zollverein, como sub-produto da política comercial da Prússia. Sua “resposta” à
disputa política no interior da Confederação acabou levando à “internalização” de espaços que
podiam estabelecer aquele tipo de sinergia. O ferro extraído tanto na Silésia como na Saxônia
podia servir às manufaturas da Renânia e da Westphalia; o carvão destas últimas, como
combustível às manufaturas das primeiras; os grãos das regiões orientais podiam alimentar as
populações que aumentavam em todo o território; os centros comerciais podiam articular o
comércio de entrada e saída do mesmo; porém, agora, todos deveriam pagar os tributos,
utilizar a moeda, receber financiamentos do Estado Prussiano.
A articulação desse mercado “interno” seria concretizada na prática pelos avanços naquele
que Blackbourn considera como o setor mais dinâmico na “Alemanha” até pelo menos a
década de 1870: o de transportes e comunicações (1998, p. 117). Os progressos se deram,
como se sabe, notadamente na construção de estradas de ferro, que foram igualmente
acompanhadas pela “abertura” dos canais fluviais internos à navegação, que se fazia, cada vez
mais, através de navios a vapor.
As primeiras estradas de ferro abertas no território alemão, na segunda metade da década de
1830, eram pequenas linhas de subúrbio, em geral conduzidas apenas pelo capital privado14.
Entre 1839 e 1846, porém, data-se em geral o primeiro grande “boom” de construção de
ferrovias, empreendimentos já conduzidos diretamente pelo capital público, ou através de
parcerias com o capital privado.15 O surto construtivo segue em ritmo acelerado até as últimas
décadas do século, de forma que, por volta da época da constituição da Confederação da
Alemanha do Norte, a “Alemanha” já contava com diferentes sistemas ferroviários, tanto em
sentido norte-sul como leste-oeste, notadamente:
•
em sentido norte-sul: i) na porção leste do território, o sistema que ligava Stettin a
Berlim, de onde as linhas podiam seguir em direções sul (Praga) e sudeste (Breslau);
ii) na porção central do território, de Hamburgo a Cassel, via Bremen, seguindo para o
14
A primeira na Bavária, aberta em fins de 1835, de Nuremberg a Furth; a segunda, em 1838, de Berlim a
Potsdam; a terceira, também em 1838, entre Brunswick e Wolfenbuttel;
15
Em 1839, uma linha de 70 milhas de Dresden para Leipzig; em 1840, mais quatro linhas importantes: Leipzig
para Magdeburgo, Munique para Augsburgo, Frankfurt am Main para Mainz e Mannheim para Heidelberg; em
1841, Berlim para Anhalt, Dusseldorf para Elberfeld, Colônia para Aachen; esta última, concluída em 1843, em
especial, era parte da nova rota através da Bélgica para Antuérpia, dentro dos planos da Prússia de evitar os
centros comerciais holandeses do Reno;
113
sul e o oeste; iii) na porção ocidental do território, o sistema através do vale do Reno,
das fronteiras da Holanda às da Suíça;
•
em sentido leste-oeste: i) o sistema ao longo da planície do Norte (Aachen, Hanover,
Berlin, Danzig, Königsberg); ii) o sistema através da porção central (Essen, Cassel,
Dresden, Breslau, Beuthen); iii) o sistema na porção sul (Mannheim, Stuttgart,
Munique, Viena);
No que se refere à “unificação” das finanças, é necessário ter em mente, como dito, que, até
inícios do século XIX, os principais agentes financeiros nos territórios da “Alemanha” eram
casas bancárias privadas de origem “internacional”, estabelecidas especialmente em Frankfurt
e Hamburgo. A Prússia, porém, dispunha na prática de um importante volume financeiro
gerado pelas receitas do Zollverein que era, como visto, administrado “diferencialmente”.
Dessa forma, a Prússia pôde gradativamente, tanto através do manejo daqueles recursos, como
da administração de sua própria dívida pública, transformar-se no principal agente financeiro
dos Estados-Membros do Zollverein.
Ao “abrir mão” da parcela de receitas que seria a ela destinada em função de sua relativa
preponderância populacional na União, a Prússia criava, na prática, uma espécie de “dívida
pública” de seu Estado com relação aos demais membros da União. Estes, por sua vez,
ganhavam a liberdade financeira necessária para agirem, no âmbito de seus territórios, de
forma semelhante. Uma espécie de fluxo financeiro interno, circular e permanente, criava-se,
dessa forma, no território delimitado pelo Zollverein, através do qual as receitas alfandegárias
eram recolhidas e redistribuídas diferencialmente no interior do mesmo.
Ao mesmo tempo, as receitas adicionais necessárias àquele “sistema” começaram
gradativamente a serem fornecidas por agências privadas criadas especialmente para este fim,
estimuladas fortemente pelo “setor público”: as sociedades anônimas, tanto companhias como
bancos16, que freqüentemente negociavam com títulos emitidos pelo governo (especialmente
16
“The first of these banks, protecting its masters against the unlimited risks involved in setting up railway
companies and the like, was the Darmstadter Bank, founded by an international consortium led by Sal
Oppenheim Jr & Cie of Cologne. This soon gravitated to Berlin, to be close to the seat of power and industry, as
did the Disconto Gesellschaft, the Dresdner Bank, the Commerzbank and many others, while the Deutsche Bank
began there. The Berlin stock exchange was the German leader and, after 1873, the Reichsbank added further to
the city’s financial importance. Russian loans were managed from there for the next twenty years, as was the
trade of the entire Baltic region, and much investment in both North and South America.” (STÜRMER, 2001, p.
48);
114
da Prússia) 17. Em 1818, quando a Prússia inicia o expediente de multiplicação de sua dívida
pública, são os Rothschild, estabelecidos em Frankfurt, que agenciam o empréstimo,
levantado no mercado de Londres. A partir da década de 1840, porém, serão os bancos
criados sob a tutela do setor “público” que passariam a agir como intermediários daqueles
negócios18. Em uma palavra, as finanças do território do Zollverein foram “nacionalizadas”.
No que se refere à unificação monetária, os acordos originais do Zollverein previam, em seu
Artigo 14, que os Estados-Membros deveriam “tomar medidas em futuro próximo” para
padronizar seus sistemas. Suas obrigações financeiras poderiam ser pagas em thalers da
Prússia ou em florins dos Estados do Sul, a uma taxa de 7 florins para cada 4 thalers. A
“moeda” da Áustria, o florin austríaco, estaria portanto fora do “sistema”.
Em 1838, no Segundo Congresso Geral do Zollverein, que foi simultaneamente uma
Convenção Monetária (chamada Convenção de Dresden), foi estabelecida uma nova relação
entre os três principais padrões monetários da Confederação, ainda com base no marco de
Colônia (ver capítulo 2).
Após uma tentativa frustrada, em 1842, de estabelecer uma moeda única para os Estados do
Zollverein (o Vereinmünze, valendo 2 thalers prussianos ou 3,5 florins dos Estados do Sul), a
Convenção Monetária de 1857 (chamada Convenção de Viena), estabeleceu novos padrões de
conversão e novas regras gerais para a emissão monetária, desta vez incluindo a Áustria.
A proposta original austríaca era substituir a prata pelo ouro como padrão monetário da
Confederação, especialmente em função da grande desvalorização do florin austríaco com
relação ao thaler. A proposta foi naturalmente rejeitada pela Prússia e estabeleceu-se o acordo
conhecido como Deutsche Münzverein.
17
Um grande avanço neste processo foi a fundação, em 1846, do Diskontogesellschaft, conhecido como Banco
da Prússia, como instituição semi-privada, sob controle público, para emissão de moeda; e especialmente sua
reorganização, em 1856, quando foram abolidas todas as limitações de emissão de moeda e proibido o uso de
moedas bancárias estrangeiras no território prussiano;
18
Sobre a disputa entre os Rothschild e os novos bancos “alemães”, ver KITCHEN (1978, pp. 87-101); vale
notar que os Rothschild, de fato, eram os principais fornecedores de crédito para os Habsburgo; a substituição
destes nos mercados financeiros da “Alemanha” corresponderam, portanto, a mais um elemento na “decadência”
da Dinastia: “The poor performance of the Austrian and Hungarian economies prompted the
Diskontogesellschaft to enter the Austrian capital market in search of bargains and to make up for the
shortcomings of banks like the Rothschilds in Frankfurt and Vienna who were no longer able to meet the
demands of the Austrian government for fresh bond issues. In this process the Diskontogesellschaft gradually
absorbed the Rothschilds in Frankfurt.” (KITCHEN, 1978. p. 116)
115
Novamente, não houve consenso quanto à adoção de uma moeda única no interior da
Confederação19 e apenas uma nova padronização monetária foi acordada. As três principais
moedas circulantes no território deveriam ser padronizadas doravante pelo pound métrico
(Zollpfund), com peso de 500 gramas, em substituição ao marco de Colônia. Um pound
métrico de prata seria convertível a 30 thalers, ou 52,5 florins, ou 45 florins austríacos. Duas
novas moedas de prata (o Vereinsthaler e o Vereinsthaler duplo) e duas novas de ouro (o
krone e o meio krone) deveriam ser emitidas tanto no interior do Zollverein com nos domínios
Habsburgo. As demais moedas deveriam ser retiradas de circulação do território. Foram
estabelecidos, finalmente, limites superiores de emissão monetária para cada região envolvida
no acordo.
O projeto de criação do Vereinsthaler nunca evoluiu. Ao mesmo tempo, com a grave crise
financeira pela qual passaria em 1858, especialmente agravada pela Guerra da Itália em 1859,
a Áustria abandonou a Convenção, desvalorizando sua moeda e adotando o padrão ouro. Com
a Confederação da Alemanha do Norte, a emissão de moedas bancárias era agora
responsabilidade e exclusividade do Banco da Prússia. E, como se sabe, em 1871, o Império
adotou o padrão-ouro e o thaler tornou-se sua moeda oficial, com o nome de marco.
Kindelberg resume o processo de unificação econômica na “Alemanha” da seguinte forma:
In 1818, Prussia consolidated tariffs within its borders, which included, after eighteenth
century conquests, Silesia and Saxony and stretched from the east to the Rhineland. A further
consolidation occurred in 1834 with the formation of the Zollverein and southern and northern
monetary agreements, followed by their joining into a single money. A common law for bills
of exchange was agreed on in 1851, weights and measures in 1856-1858, and a commercial
code in 1857-1861. With the victory of Prussia over France in 1871 the unification of
Germany – ex Austria which had been a challenger of Prussia for leadership in the greater
Germany until its 1866 defeat by Prussia – was complete, even enlarged by the acquisition of
Alsace and Lorraine. The Prussian taler, renamed the mark, was made the empire's monetary
unit of account. The Reichbank was established in 1875. With their interest in world trade, the
Hanseatic cities held aloof from the Zollverein as long as politically possible, but the last,
Hamburg, finally succumbed in 1881 after the 1879 tariff. (1996, p. 151)
Um indicador pertinente de que o “espaço” delimitado pelo Zollverein já apresentava, na
década de 1860, um relativo grau de articulação interna, podendo ser caracterizado, portanto,
como um “mercado nacional” nos termos de Braudel, foi sua capacidade de se manter
relativamente imune aos conflitos políticos que envolveram seus “Estados” naqueles anos:
19
“Particularist prejudice stood in the way of the acceptance of Saxony’s sensible proposal that the Zollverein
should adopt a uniform monetary system based on a unit worth one-third of a Prussian Thaler. Not until thirtythree years later was such a coin (the mark) introduced throughout Germany.” (HENDERSON, 1968, p. 140);
116
Despite the political conflict of the years 1862 to 1866, economic relations among the
Zollverein states remained intact, and even the war failed to disrupt trade and commerce
among them. Total revenues accruing to members of the Custom Union in 1866 were only 11
per cent lower than in the previous year. It was as if the Zollverein had an independent
existence unaffected by the turmoil generated by the struggle for political hegemony.
(BAZILON, 1990, p. 210)
Porém, o mesmo autor adverte:
Yet economic integration could proceed only so far on the basis of common tariff policies and
administrative measures negotiated among sovereign states. A centuries-long tradition of
Prussian expansionis, together with the Customs Unions’ history of internecine squabbling,
suggested that sooner or later Berlin would oblige its partners to yeald their autonomy. (1990,
p. 210)
4.3 – Conclusões e Hipóteses
Pode-se dizer, praticamente sem riscos de exageros, que não existe uma data, ou um evento
singular, na história da “Alemanha”, cujas interpretações sejam tão variadas e polêmicas
quanto a instituição do Segundo Império Alemão. Dentre estas, uma, em particular, elaborada
especialmente para combater o mito da “missão” prussiana de liderar o “espírito alemão”
rumo à constituição de uma Nação Alemã moderna, vê no Império um subproduto da
expansão política e militar da Prússia, bem sucedida não por “representar” o “espírito
alemão”, mas antes pela genialidade de Bismarck:
(…) in the nineteenth century the disparate German lands were unified by ‘blood and iron’, a
political, diplomatic and military process culminating in Prussia military defeat of Austria in
1866 at Königgratz and her victory over France at Sedan in 1870. (…) In practice, unification
can legitimately be seen as a form of Prussian expansionism. (…) The unification of Germany
(…) was the result of Birmarck’s skilful diplomacy in promoting the interests of Prussia by
harnessing national and economic sentiment in favour of a Kleindeutsch solution to the
German question. (ABRAMS, 1995, pp. 8-9)20
Independentemente da quantidade e variedade das interpretações, porém, poucas relacionam
de forma direta e detalhada a unificação política com a unificação econômica, alvos da breve
reconstrução histórica desenvolvida nesta pesquisa. Em termos econômicos, o tema mais
popular entre a historiografia do período continua sendo o processo de industrialização
20
Para uma discussão de Bismarck, ver SCHNABEL (1954); e MARTIN (1954); para as ações de Bismarck no
período até 1870, ver WALLER (1999, caps. 2 e 3); para a discussão historiográfica do papel de Bismarck na
unificação e, mais geralmente, na história da Alemanha do século XX, ver PFLANZE (1971, pp. 3-14);
117
observado nos territórios alemães a partir, aproximadamente, da década de 185021; e, mesmo
nas apreciações a respeito do Zollverein22, é em torno de seus efeitos sobre aquele,
especialmente, que as pesquisas se concentram.
O estudo de Henderson, porém, foge a este padrão. O autor sugere diretamente que “Prussia’s
‘customs’ empire proved to be the first step toward the establishment of a German Empire
under Prussian domination” (1968, p. 341), defendendo a hipótese de que o estabelecimento
do Império Alemão representou sobretudo uma vitória econômica daquele Estado. A
unificação econômica teria, para Henderson, antecedido e facilitado a unificação política.
Sheehan, porém, comentando a interpretação de Henderson, afirma:
Henderson, like the majority of scholars who have worked on the Zollverein, simply assumed
that it had an important economic impact. His major concern was with the bureaucratic
decisions which led to its formation and extension. Furthermore, once the union was in place,
it became the basis for talking about a German economy, which was historically linked to the
national economic system established in 1866-1871. (1990, p. 12)
A conexão entre os processos de construção do Zollverein, por um lado, e de fortalecimento
da Prússia, por outro, era evidente para os observadores contemporâneos. Metternich, ainda
em 1829, notando a aproximação das Uniões Alfandegárias do Norte e do Sul, afirmava:
In the great Confederation there is arising a smaller subsidiary union, a status in statu in the
full sense of the term, which will only too soon accustom itself to achieve its ends by its own
machinery in the first place and will only pay attention to the objects of the machinery of the
Confederation in so far as they are compatible with the former. (citado em HENDERSON,
1968, p. 96)
O Cônsul Geral da Inglaterra em Hamburgo, em uma carta enviada para o Comitê para o
Comércio do Conselho Privado, escrevia, em 1833:
(...) their Lordships observe with regret the perseverance of the Prussian Government and the
success which has attended its endeavours to establish and to extend a system, the manifest
object of which is that of combining commercial monopoly with political aggrandizement. (...)
Their Lordships will further bear in mind, in any reduction of duties which they may possibly
have to propose, in regard to imports from the shores of the Baltic, the war which they
conceive to have been declared by Prussia upon British commerce and will be strongly
21
Ver, sobre a industrialização da “Alemanha”, KEMP (1987, cap. 11); PIERENKEMPER (2001, pp. 83-120);
POLLARD (1981); HENDERSON (1967b); TREBILCOCK (1981, pp. 22-105); sobre o papel do Estado, ver
HENDERSON (1967a); para a interpretação da tese clássica de GERSCHENKRON (1962, pp. 5-30) a respeito
do processo, ver TILLY (1994);
22
Para a discussão historiográfica sobre o Zollverein, seus efeitos sobre a industrialização e sobre a unificação
política, ver BAZILON (1990); e TILLY (1994);
118
inclined to favour the productions of countries actuated by a more liberal and friendly spirit.
(citado em HENDERSON, 1968, p. 98)
Blackbourn adverte, porém, que seria um exagero supor, como fizeram vários autores com
relação aos posicionamentos políticos da Prússia, que a construção do Zollverein tenha tido
como motivação primordial a unificação alemã (1998, p. 117). A tarifa de 1818, por exemplo,
foi instituída com objetivos fiscais, e esteve relacionada especialmente à configuração
territorial da Prússia de 1815.
Considerando estas “recomendações”, a historiografia tende a localizar, portanto, no ano de
1849 o momento a partir do qual é possível enquadrar a política da Prússia como direta e
coerentemente dirigida para aquele fim. Após a humilhação de Ölmutz, e com as iniciativas
austríacas em “tomar as rédeas” políticas e econômicas da Confederação, a Prússia teria
passado a agir com o objetivo de unificar política e economicamente a Alemanha excluindo a
Áustria. É o que sugere Bazilon:
Although Berlin ignored the political implications of Motz’s edifice for some years, the
Zollverein in due course transcended its ‘originally purely administrative and fiscal objectives’
and ‘turned out to be a step on the way to a large unified Empire’. (1990, p. 190)
Observando a evolução dos processos de centralização política e de “unificação” econômica
na Europa Central do século XIX sob a ótica do modelo de Fiori, estas polêmicas são, em
grande medida, dirimidas; e algumas conclusões principais se insinuam.
Em primeiro lugar, tudo indica que a construção de uma unidade política centralizada
precedeu temporalmente o processo de unificação econômica no espaço da Europa “alemã”.
Como visto, a Europa Central assistiu, entre o fim da Guerra dos Trinta Anos e a Revolução
Francesa, à construção e à expansão de um Estado Territorial, que manteve, neste período,
poucas características de uma unidade econômica “coerente”. Mais geralmente, nenhuma das
entidades políticas que coexistiam e disputavam com a Prússia pela hegemonia naquele
espaço apresentaram tais características.
Em outras palavras, até inícios do século XIX, as forças que “empurraram” o Estado
Hohenzollern em direção ao absolutismo, à concentração de poderes, à expansão territorial,
agiram pouco no sentido de aproximá-lo aos canais comerciais, aos centros financeiros, às
regiões envolvidas no comércio de longa distância, ou seja, à “economia de mercado” nos
termos de Braduel.
119
O “mercantilismo” Hohenzollern, como visto, não se concentrava especialmente sobre o
fortalecimento econômico ou sobre a formação de uma “economia nacional”. O Estado
Prussiano nasceu e ascendeu politicamente prescindindo de conexões com os centros
econômicos do Continente, utilizando, para isso, sobretudo sua eficiente máquina militar de
extração fiscal, que se re-alimentava a cada nova conquista territorial. E isto foi possível
especialmente por aquele Estado ter ocupado um lugar “peculiar” na dinâmica geopolítica
européia dos séculos XVII e XVIII, “encravado” como estava entre as principais forças
políticas daquele espaço.
Como se pode notar pelo Quadro 1 da Figura 9 abaixo, os territórios prussianos encontraramse “pressionados”, ao longo do século XVIII, por praticamente “todos os lados”. O Reino da
Suécia, como se sabe, saía de uma etapa notadamente expansionista, e, até meados do século,
ainda ameaçava os territórios Hohenzollerrn. Os Habsburgo ainda eram a Dinastia mais
poderosa do Sacro Império e estiveram em guerra contra a Prússia em mais de uma ocasião,
especialmente pela disputa em torno da Silésia. O Reino da Polônia, embora em fins do século
viesse a desaparecer do cenário político europeu, ainda ocupava, até meados daquele século,
todo o território entre o Brandemburgo e a Prússia. E, após seu colapso e a “contenção” da
Suécia, o Império Russo viria ocupar o espaço político deixado na Europa Oriental. A França
entraria em sua fase tipicamente expansionista, especialmente com o Reinado de Luis XIV,
que iniciou uma seqüência de “Guerras de Agressão” contra os Estados europeus. A Inglaterra
mantinha suas pressões sobre o Continente, dados seus interesses econômicos, especialmente
comerciais, sobre aquele e, neste sentido, tentava manter “sob controle” a pressão francesa.
Finalmente, o Sacro Império ainda continha importantes Dinastias disputando pela
“hegemonia” política em seu interior, notadamente os Wittelsbach, da Bavária, e os Wettin,
da Saxônia.
Essa configuração “peculiar” teria levado à primeira etapa na concentração de poderes do
Estado Hohenzollern, que se prolongaria até aproximadamente fins do século XVIII,
caracterizada sobretudo por uma lógica estritamente territorialista, e, portanto, sem conexões
diretas com as “forças econômicas” de seus territórios.
120
QUADRO A: SÉCULO XVIII
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FIGURA 9: CONFIGURAÇÕES GEOPOLÍTICAS DA EUROPA: SÉCULOS XVIII e XIX
121
Com a Revolução Francesa e a e as Guerras Napoleônicas, uma nova dinâmica política se
delineou na Europa, com a “varredura” operada pelos exércitos de Napoleão, que, entre outras
coisas, levou ao fim do Sacro Império Romano. A configuração geopolítica européia (ver
Quadro 2), a partir do estabelecimento da Confederação Germânica como instrumento de
“congelamento” de fronteiras, “pacificou-se”, embora mantendo uma tensão permanente. Este
“congelamento” se sustentou, como se sabe, sobre uma espécie de “pacto” entre as “Grandes
Potências”, materializado pela Santa Aliança, que se aliou à Inglaterra em seu objetivo
comum de “conter” a França. A Confederação Germânica pôde servir tanto àquele objetivo,
como ao de “conter” a Rússia, que ingressava então em seu processo de construção do Estado
e de expansão territorial.
Literalmente no centro deste “equilíbrio”, a disputa entre a Áustria e a Prússia tornou-se o
principal elemento dinâmico no interior da Confederação, porém sendo vedada a
possibilidade de eclosão de qualquer conflito direto que o ameaçasse. Como todas as
“Grandes Potências” envolveram-se na determinação da “solução” encontrada em Viena, e
todas defendiam, ao menos temporariamente, sua manutenção, não haveria espaço para a
adoção de uma lógica estritamente territorialista no processo de construção do Estado
Prussiano.
Neste momento, que coincide, ao mesmo tempo, com a divisão da Prússia em dois blocos
territoriais em grande medida complementares do ponto de vista econômico, inicia-se,
portanto, uma nova fase, com distintas características, naquele processo. Em outras palavras, a
nova configuração geopolítica européia do século XIX, gerada essencialmente pela seqüência
da Revolução Francesa, das Guerras Napoleônicas e do Congresso de Viena, “empurrou” a
Prússia para outros “caminhos” no processo de concentração de poderes e fortalecimento de
seu Estado.
Esses levariam, entre outras coisas, à tarifa de 1818, ao Zollverein de 1834, ao acordo com
Hanover de 1853, ao acordo com a França de 1862, ou seja, às datas fundamentais para a
consolidação do “mercado nacional”, ou de um “espaço econômico coerente”. Foi desta
forma, portanto, que o “jogo das guerras” articulou-se novamente, porém de forma original,
ao “jogo das trocas”, para dar origem ao “estado-economia nacional” alemão.
Como visto, as principais forças econômicas de “mercado”, naquele espaço, concentravam-se
em alguns pontos e rotas fortemente controlados por agentes “internacionais”. Em sua disputa
122
(pacífica) com a Áustria, a Prússia foi levada a “internalizar” aquelas forças, especialmente
pela forma que conduziu as questões do Zollverein. O processo de integração política,
doravante, poderia, com a aquisição gradual daquela “coerência econômica” no território
delimitado pelo Zollverein, contar com uma nova “arma”: o “mercado nacional”.
Com a Guerra da Criméia, o primeiro sinal de que o “equilíbrio” europeu se desintegrava, o
processo encontrou suas etapas finais nas chamadas Guerras de Unificação Alemãs. Em
primeiro lugar, com a Guerra da Dinamarca, que incorporou, do ponto de vista político, os
Estados do Norte da Confederação; alguns anos depois, com a Guerra Austro-Prussiana, que
excluiu definitivamente a Áustria dos “assuntos” alemães; e, finalmente, com a Guerra Franco
Prussiana que, por um lado, conteve a França em seus limites Ocidentais, e, por outro,
“quebrou” a resistência dos Estados do Sul ao “expansionismo” prussiano. Nos anos
seguintes, com a “internalização” dos últimos territórios do espaço “alemão” que ainda não
funcionavam de acordo com a lógica daquele “mercado nacional” (ou seja, as três cidades
hanseáticas), o processo estaria finalmente concluído.
Não parece relevante “decidir”, neste contexto, se a Prússia possuía ou não “intenções” em
unificar a Alemanha, incluindo ou não Áustria. Importa antes que a situação geopolítica da
Europa do século XIX colocou ambas em uma espécie de “guerra fria” que passou a ser
disputada, pela Prússia, na “arena” econômica.
A criação de um “espaço econômico unificado”, progressista e desejável do ponto de vista
político como possa ser, não precisa ser encarada, portanto, como uma “escolha” prussiana:
foi antes o “caminho” para o qual aquela conjuntura a “empurrou”. Porém, ao fazê-lo,
transformou-a em um “estado-economia nacional”, dotando-a com isso de uma dinâmica
econômica e política que desafiaria até mesmo os que já haviam alcançado aquele status
séculos antes: a França e a Inglaterra. Se o “caminho” da construção do Estado Prussiano, ao
longo dos séculos XVII e XVIII, prescindiu de conexões com o “mercado”, ao longo do
século XIX foi precisamente sobre elas que se apoiou. Neste processo, gradualmente, os
elementos de um mercado nacional foram sendo criados: em primeiro lugar, um espaço de
tributação exclusiva; em segundo, a adoção de uma política comercial comum; em terceiro, a
unificação monetária, com a “expulsão” do florim dos mercados do Zollverein e a
consolidação do thaler como sua moeda oficial; finalmente, a “nacionalização” das finanças e
a multiplicação da dívida pública, que dariam origem ao que se costuma denominar “capital
financeiro”.
123
Para Fiori, o “jogo das guerras”, a partir da necessidade de seus “jogadores” em se financiar,
imbricou-se, de uma maneira particular, em um determinado momento histórico, com o “jogo
das trocas”, para dar origem à unidade do “estado-economia nacional” na Inglaterra e na
França. No século XIX europeu, quando o “jogo das guerras” já era jogado em outros
“tabuleiros”, quando os “primeiros colocados” já estavam definidos, a conexão dos dois
“jogos” novamente fez nascer mais uma destas unidades. O que levou a Prússia à vitória no
“jogo das guerras”, portanto, foi sua conexão original com o “jogo das trocas”, embora, no
momento da vitória, o vencedor não fosse mais propriamente o Estado prussiano, e sim a
unidade sui generis do “estado-economia nacional” alemão, dotado como tal de uma força
que poderia mesmo, como o fez, desestruturar o sistema político e econômico da Europa no
século posterior.
Nesse sentido, um dos possíveis desdobramentos para o qual esta pesquisa aponta é a
avaliação do grau em que este processo (ou seja, a criação da unidade híbrida do “estadoeconomia nacional” alemão) teria contribuído para a experiência sem precedentes de
crescimento econômico observada na Alemanha em fins do século XIX, que a transformaria
eventualmente em um das maiores potências industriais e financeiras do mundo.
124
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APÊNDICE 1: ESTRUTURA GERAL DO SACRO IMPÉRIO ROMANO1
Estrutura Política
Formalmente, o Sacro Império Romano era composto politicamente pelo Rei dos Germanos,
que deveria ser nomeado Imperador pelo Papa (até 1508), e pelos Estados Imperiais
(Reichsstände). A titulação de Rei dos Germanos, em toda a história do Império, sempre foi
concedida através de eleições: ainda no século IX, pelos líderes dos cinco principais povos
das terras do Império (francos, saxões, bávaros, suábios e turíngios); posteriormente, por seus
principais duques, eclesiásticos e seculares; e, finalmente, a partir do século XIV, com a Bula
de Ouro de 1356, pelos Eleitores (Kurfürsten) do Império.
A Bula de Ouro, definida na Assembléia que reuniu os principais líderes eclesiásticos e
seculares do Império em Nuremberg, estabeleceu, além da lista de Eleitores, que seus
territórios deveriam ser indivisíveis e, ao mesmo tempo, que a sucessão deveria ser garantida
para que o voto estivesse sempre a eles associado. Prescreveu ainda que quatro votos seriam
suficientes para eleger o Rei, ou seja, o princípio da maioria; e, finalmente, estabeleceu uma
série de privilégios associados à figura dos Eleitores, colocando-os com papel político de
destaque no Império.
Os direitos imperiais (regalia) atribuídos ao Imperador foram primeiramente enumerados em
Assembléia em 1158. A lista incluía questões relacionadas a estradas públicas, tarifas,
cunhagem de moedas e a investidura de oficiais e nobres. O último Imperador Hohenstauffen,
Frederico II, porém, concedeu, em 1220, o Confoederatio cum princibus ecclesiasticis,
abrindo mão de um grande número de regalia em favor dos bispos, incluindo questões
relacionadas a tarifas, cunhagem de moeda e fortificações. Em 1232, o Statutum in favorem
principum estendeu estes direitos aos territórios seculares. A partir deste momento, os
governantes territoriais passam a ser denominados domini terrae, ou “senhores” de suas
terras.
A partir de 1486, a Assembléia onde se reuniam os Eleitores e os demais duques seculares e
eclesiásticos passou a se denominar Assembléia Imperial (Reichstag), estabelecendo-se como
corpo legislativo do Império. A Assembléia só se tornaria permanente, porém, após 1663.
1
A principal referência a respeito da estrutura e da história política do Império é BRYCE (1964); para um
resumo, ver GAGLIARDO (1991, pp. 2-4); ou GOOCH (1948, cap. 3);
135
A estrutura política básica do Império foi estabelecida formalmente com as quatro Bulas
aprovadas na Assembléia Imperial de Worms em 1495, cujo conjunto ficou conhecido como
Reforma Imperial (Reichsreform). Entre outras coisas, a Reforma designou os Círculos dos
Estados Imperiais (que só foram finalizados, porém, em 1512) e o Tribunal de Justiça
Imperial (Reichskammergericht) como a Corte Suprema para todos os territórios do Império,
em paralelo ao Conselho da Corte Imperial (Reichshofrat), que continuou a existir. Os
Círculos, inicialmente estabelecidos em seis, mas ao longo dos anos seguintes atingindo o
número de dez, seriam instrumentos para a execução da legislação imperial, em especial para
a coleta de impostos.
Ao mesmo tempo, a Reforma instituiu a Paz Territorial Eterna (Ewiger Landfriede), segundo
a qual o Império seria um corpo legal único e, portanto, a feudalidade não poderia ser
instrumento de relações políticas entre seus membros. A Reforma estava relativamente
concluída em 1555 com o Regimento Executivo Imperial (Reichsexekutionsordnung), que
regulava os detalhes de funcionamento dos Círculos. Por volta de meados do século XVII,
portanto, a estrutura de poder no Império era aproximadamente como se segue.
Os poderes territoriais mais destacados recebiam o status formal de “imediatos” (unmittelbar)
ao Imperador ou possuíam “imediatice” imperial (Reichsunmmitelbarkeit). Em princípio,
qualquer categoria titular poderia ser um Imediato (duques, conselhos de cidades, bispos, etc)
e o status concedia a seu dono a soberania territorial (Landeshoheit) sobre seus domínios, ou
seja, o direito de decidir sobre questões legais, arrecadação de impostos, justiça, poder de
polícia, etc. Em fins do século XVII, existiam no Império cerca de 1800 destas unidades.
O status de Estado Imperial (Reichsstandschaft), por outro lado, era concedido àquelas
unidades que, dentro deste conjunto, pagassem os tributos imperiais, ou seja, estivessem
incluídas na Reichsmatrikel, a lista de unidades pagadoras do Império. Formalmente, não
havia autoridade acima de um Estado Imperial além do Imperador.
Os Estados Imperiais estavam organizados através dos dez Círculos Imperiais (Reichskreise) e
a eles era concedido o direito de voto na Assembléia Imperial. Esta Assembléia era
constituída por três Conselhos: o Conselho de Eleitores, o Conselho de Príncipes e as Cidades
Livres (Freistädte) ou Cidades Imperiais (Reichsstädte).
O Conselho de Eleitores era composto, de acordo com a Bula de Ouro de 1356, por sete
membros, chamados Príncipes Eleitores (Kurfürsten): o Rei da Boêmia, o Arcebispo de
136
Mainz, o Arcebispo de Trier, o Arcebispo de Colônia, o Duque da Saxonia-Wittenberg (ou
Saxônia Eleitoral), o Margrave do Brandemburgo e o Conde-Paladino da Renânia. Esta
estrutura sofreu poucas alterações ao longo dos séculos seguintes2, e, em fins do século XVIII,
o Conselho de Eleitores era formado por oito membros, com a inclusão, na lista anterior, de
Hanover.
O Conselho de Príncipes (Fürstenrat) era composto por duas “bancadas”, a eclesiástica
(Geistlichebank) e a secular (Weltlichebank). No século XVIII, havia aproximadamente 100
votos neste Conselho. Como regra, os maiores Territórios Imediatos tinham voto individual
(Virilstimme) e os menores eram agrupados em Cúrias com voto coletivo ou curial
(Kuriatstimmen). As cúrias da bancada secular eventualmente organizavam-se através de
Colegiados de Condes Imperiais3. A bancada eclesiástica, incluía, além de bispos e
arcepispos, o Grão Mestre da Ordem Teutônica e o Grão Mestre da Ordem de São João,
ambos com votos individuais.
O Conselho das Cidades Imperiais era agrupado em dois Colegiados: da Suábia e do Reno,
cada um com um voto coletivo na Assembléia. Ao Conselho, porém, não era permitida a
participação nas decisões acerca de várias questões políticas relevantes, como, por exemplo, a
admissão de novos territórios no Império.
Finalmente, os membros dos Círculos Imperiais (Reichskreisstandschaft) tinham direito a
assento e voto nas Assembléias Circulares ou Dietas Circulares (Kreistage). A importância
destas Assembléias residia no fato de os votos de Condes terem o mesmo peso daqueles dos
Príncipes (ver a estrutura das titulações abaixo) e, portanto, de serem o principal espaço
político dos Estados Territoriais menores, que não participavam das Assembléias Imperiais.
Originalmente, todos os Estados Imperiais eram membros de algum Círculo Imperial e da
Assembléia Imperial. Gradualmente, entretanto, este quadro foi sendo alterado4. Já no século
XVIII, é comum a algumas famílias ou territórios seculares possuírem representação nas
2
Durante a Guerra dos Trinta Anos, o Conde-Paladino da Renânia perdeu seu status de Eleitor, passado ao
Duque da Bavária. Após a guerra, o oitavo Eleitorado foi então criado para incluir novamente a Renânia. Em
1692, o Duque de Brunswick-Hanover tornou-se o nono membro do Conselho. Em 1777, com a extinção da
Dinastia da Bavária e com sua herança pelo Conde-Paladino da Renânia, os dois votos passaram a representar
apenas um, e o Conselho volta a ter oito membros, permanecendo neste número até a dissolução do Império;
3
Era comum que algumas famílias principescas com voto individual no Conselho também participassem nos
votos curiais destes Colegiados;
4
O status de Estado membro de um Círculo Imperial de uma família ou de um ramo de uma família extintos
passava em conjunto com o território a seu novo governante, assim como suas obrigações fiscais; mas as
posições na Assembléia Imperial nem sempre eram automaticamente herdadas;
137
Assembléias dos Círculos Imperiais, mas não na Assembléia Imperial, e vice-versa. Alguns
Estados Imperiais, inclusive, podiam não estar representados em qualquer das Assembléias.
Finalmente, o Império possuia duas Cortes Supremas separadas: o Conselho Áulico em Viena
e o Tribunal Cameral Imperial em Wetzlar.
As informações descritas acima estão resumidas na Figura 10 abaixo.
IMPERADOR
ESTADOS
IMPERIAIS
Renânia (+Bavária
em 1777)
votos na
Eclesiásticos
organizados através de
ASSEMBLÉIA
IMPERIAL
Colônia
CÍRCULOS
IMPERIAIS
ASSEMBLÉIAS
CIRCULARES
Mainz
Trier
SaxôniaWirttemberg
Brandemburgo
Boêmia
Brunswick-Hanover
(em 1693)
Áustria
Bavária
Burgùndia
Francônia
Reno Eleitoral
CONSELHO DE
ELEITORES
CONSELHO DE
PRÍNCIPES
Bancada
Secular
CONSELHO
DAS CIDADES
Bancada
Eclesiástica
Reno-Westphalia
Saxônia
Reno Superior
Votos
Individuais
Votos
Curiais
Colegiados de
Condes Imperiais
Saxônia Superior
Suábia
FIGURA 10: ESTRUTURA POLÍTICA DO SACRO IMPÉRIO ROMANO
Estrutura Geral das Titulações Nobres
Além desta estrutura política hierarquizada, o Império também estava organizado segundo
uma estrutura bastante formal para a Nobreza, que se mesclava e confundia com a primeira.
Em termos de sua constituição, a Nobreza estava dividida segundo três categoriais formais
principais na segunda metade do século XV: i) os Governantes Territoriais; ii) os Cavaleiros
Imperiais; e iii) a Nobreza Territorial.
Os Governantes Territoriais tinham o direito ao Landeshoheit em suas possessões e
representação na Assembléia Imperial, ou seja, eram reconhecidos como Estados Imperiais
138
(Reichsstände). Estes, junto com suas famílias, formavam a Alta Nobreza (Hochadel) e
estavam sub-divididos em dois grupos: i) príncipes (Fürsten); e ii) condes (Grafen) e lordes
(Edlen Herren).
Os Cavaleiros Imperiais eram, da mesma forma que os anteriores, governantes de Territórios
Imediatos, com o direito ao Landeshoheit em suas possessões, porém seus territórios não
estavam incluídos nos Círculos Imperiais e não pagavam os tributos imperiais. Não eram
considerados, portanto, Estados Imperiais. Os Cavaleiros Imperiais se agrupavam
basicamente em três Círculos “Cavaleirescos” (Ritterkreise): os da Suábia, da Francônia e da
Renânia.
A maioria das famílias nobres pertencia, porém, à categoria de Nobreza Territorial
(Landsadel), não possuindo o direito ao Landeshoheit em suas possessões, estando sob
jurisdição dos governantes dos Territórios Imediatos correspondentes.
Os Príncipes eram a categoria nobre mais influente no Império. Originalmente, o privilégio
central de estar incluído no chamado Rank Principesco era o direito a voto individual no
Conselho de Príncipes da Assembléia Imperial. As Casas que possuíam voz individual neste
conselho em 1582 foram chamadas Casas Principescas Antigas (Altfürstliche Häuser),
totalizando vinte famílias (entre estas se encontravam os Hohenzollerns, como imediatos do
Margraviato do Brandemburgo).
Originalmente, o número de votos seculares individuais no Conselho de Príncipes não era fixo
e dependia das divisões e heranças das famílias principescas. Em princípio, cada ramo possuía
um voto individual. Quando era criado um novo ramo, porém, nem sempre era criado um
novo voto. Inversamente, quando um ramo se extinguia, o voto deveria ser herdado por algum
ramo remanescente, regra que não foi, porém, sempre respeitada. Em geral, votos de famílias
extintas eram preservados e dados às famílias que herdavam o território correspondente.
As Casas que receberam o direito a voto no Conselho de Príncipes ao longo dos séculos XVII
e XVIII e entraram no Rank Principesco neste período são chamadas de Novas Casas
Principescas (Neufürstliche Häuser). Como os títulos foram gradativamente sendo utilizados
como instrumentos políticos, e não necessariamente como representação de domínios
territoriais, algumas entre estas não possuíam sequer Territórios Imediatos no Império.
139
Os Condes eram governantes territoriais que possuíam o status de Estados Imperiais, mas não
estavam incluídos no Rank Principesco e, portanto, não participavam da Assembléia Imperial.
Finalmente, os governantes de Territórios Imediatos sem qualquer titulação eram
denominados Lordes Nobres (Edlen Herren).
As informações descritas acima estão resumidas na Figura 11.
Governantes de Territórios
Imediatos com direito à
soberania
“Alta Nobreza”:
podiam ser Estados
Imperiais
“RANK”
PRINCIPESCO
Voto individual no
Conselho de Príncipes
da Assembléia
Imperial e nas
Assembléias Circulares
NOBREZA
GOVERNANTES
TERRITORIAIS
CONDES
CAVALEIROS
IMPERIAIS
NOBREZA
TERRITORIAL
LORDES
Participação apenas no
Colegiado de Condes
Imperiais do Conselho
de Príncipes da
Assembléia Imperial
Sem voto nas
Assembléias do
Império
FIGURA 11: ESTRUTURA GERAL DAS TITULAÇÕES NOBRES DO SACRO
IMPÉRIO ROMANO
140
APÊNDICE 02: EVOLUÇÃO TERRITORIAL E DINÁSTICA HOHENZOLLERN
ATÉ 16185
A chamada “Marca do Norte” ou “Velha Marca” (Nordmark ou Altmark), centro do futuro
Margraviado do Brandemburgo, havia sido originalmente estabelecida como território
germânico em 948 pelo Imperador Otto I. A posse de fato sobre a região, porém, seria perdida
pelos próximos dois séculos para os povos eslavos; e o domínio germânico só seria
consolidado (e eventualmente expandido para o leste) a partir de meados do século XII,
seguindo o processo geral de “colonização alemã do leste” (Ostsiedlung)6.
Os principais artífices deste processo para o caso da Marca foram os representantes da
chamada Dinastia Ascaniana de Margraves, lá instalada em 1134 quando Alberto, o Urso,
príncipe da Casa de Anhalt, recebe do Imperador a soberania sobre o território.
Ao longo de seus dois séculos de possessão sobre o Brandemburgo, a Dinastia Ascaniana
adquire territórios contíguos à Marca original, ultrapassando, inclusive, o Rio Oder em
direção Leste; e o território recebe a denominação de Marca do Brandemburgo e, em 1230, o
status de Eleitorado do Império. A Marca, por volta de meados do século XIV, já é constituída
pela chamada “Marca do Meio” (entre os Rios Elba e Oder, e onde se localizava o centro da
Dinastia), a “Velha Marca”, a oeste do Elba, e a “Nova Marca”, do Oder até as margens do
Vístula7.
Após a extinção da Dinastia Ascaniana em 1319, o território passa à soberania dos
Wittelsbach, tradicional casa Dinástica do Império, e posteriormente é vendido ao Imperador
Luxemburguês Carlos IV. Neste período, grande parte dos avanços territoriais empreendidos
pela Dinastia Ascaniana no que diz respeito à colonização germânica é perdida à Pomerânia,
mas especialmente à Polônia, em função de constantes trocas de soberania e do aparente
desinteresse político, especialmente dos luxemburgueses, no território8.
5
A evolução dinástica dos Hohenzollern pode ser encontrada com detalhes em CARLYLE (1858); para a
história da Prússia e do Brandemburgo neste período, ver CARSTEN (1954); e HAFFNER (1998);
6
“Entre o século XII e o século XIII, até mesmo no século XIV, os colonos da Germânia em sentido lato (...)
instalaram-se a leste do Elba, graças a complacências políticas e sociais, e a violência também. (...) Trata-se de
um movimento imenso. Mas esta colonização faz-se no interior de um povoamento eslavo já instalado, numa
rede mais ou menos cerrada, chamada a resistir aos recém-chegados, a fechar-se por necessidade sobre eles.”
(BRAUDEL, 1995, pp. 84-85); para o fenômeno, ver ainda HAFFNER (1998); e CARSTEN, (1954);
7
Por volta de meados do século XVII, porém, a Marca estava dividida, para efeitos administrativos, em três
regiões, ou províncias, o Altmark, o Mittelmark (a cuja porção norte chamava-se Uckermark) e o Neumark;
8
“The decline of the march began after the extinction of the Ascanian dynasty in 1319, when Louis of Bavaria
sought to obtain the province for the Wittelsbachs. The subsequent contests for possession and the concessions
141
No início do século XV, em 1412, o então Imperador Luxemburguês Segismundo
transplantou a Dinastia Hohenzollern para o Brandemburgo, como recompensa pelo apoio a
sua candidatura9 imperial, e o então Burgrave de Nuremberg, Frederico VI Hohenzollern,
recebe o título de Statthalter (Vice-Regente) do território (apenas em 1417 Frederico passaria
a ser um dos Eleitores do Império). Data, portanto, do início do século XV a conexão entre o
futuro território da Alemanha e a família Hohenzollern10.
Por outro lado, a primeira documentação histórica referente aos “Zollerns”, do ano de 1061
(FAY, 1964, p. 6), localiza a residência original da família na porção sudoeste do Império, na
região conhecida por Suábia11. Por volta de 1170, um membro da família, Conrado de
Hohenzollern, teria deixado a região para lutar ao lado do Imperador Frederico Barbaroxa,
recebendo, como recompensa, o título de Burgrave12 de Nuremberg, cidade situada na Região
da Francônia. Como a titulação não estava associada à posse de terras, Conrado e seus
descendentes lentamente adquiriram, através de compras, casamentos ou conquistas, domínios
nas cidades de Ansbach e Bayreuth (ou no território conjunto denominado Culmbach) e em
torno delas. É nesta região, portanto, que as fontes históricas localizam a “origem” da
Dinastia, sem quaisquer conexões com o Brandemburgo ou com qualquer uma de suas
possessões em 1648.
Antes da Guerra dos Trinta Anos, as formas mais comuns de expansão e aquisição de novos
territórios pelas Casas Dinásticas do Sacro Império Romano eram os casamentos e os acordos
dinásticos13. As polêmicas e disputas entre as princpais Casas, neste contexto, em geral eram
made to secure support inevitably played into the hands of the aristocracy, whose power reached its peak under
Sigismund's absentee rule.“ (BARRACLOUGH, 1946, p. 357, nota 2);
9
Existem versões conflitantes com respeito às razões da investidura; CARLYLE, biógrafo de Frederico II, por
exemplo, atribui a ação do Imperador ao pagamento de dívidas por ele adquiridas com a Dinastia (1858, cap. 1);
BARRACLOUGH (1946, p. 358), por exemplo, afirma a respeito: “Engrossed in the problems of Bohemia and
Hungary, in dire need of money and allies, and in despair of governing the land, which had become more of a
liability than an asset, Sigismund made Frederick of Hohenzollern, burgrave of Nürnberg, his lieutenant in the
march of Brandenburg and later, in 1415, created him Elector in reward for his services.”
10
“The original march of Brandenburg was merely created to protect the bishoprics of Magdeburg,
Brandenburg and Havelberg. It was remote from the centres of international affairs and the great trade-routes;
it lacked metal mines, salt-pits and timber; its sandy soil was unsuited for intensive agriculture and for
horticulture. The twin-town of Cölln-Berlin, its capital, was amongst the least important Hanse towns; the
University of Frankfurt-on-the-Oder, founded in 1506, contributed little to science and learning.”
(STEINBERG, 1945, p. 129);
11
Algumas regiões do Império receberam nomes associados às tribos germânicas que lá habitavam
“originalmente”, como é o caso da Suábia e da Francônia, e de outras, como a Turíngia, a Bavária e a Saxônia;
12
A denominação de Burgraviato (ou Burgraviado) e de Burgraves associava-se essencialmente às cidades do
Império (Burgraf = Burg + Graf = “Conde do Burgo”);
13
Falando a respeito dos Hohenzollern neste período, HAFFNER comenta que: “They were average German
territorial princes, no better no worse than many who are now forgotten, and they pursued the same busy and
142
resolvidas pelo Conselho de Eleitores ou diretamente pelo Imperador, dependendo da força
dos últimos vis-à-vis o primeiro. Duas questões em particular frequentemente eram trazidas às
discussões do Conselho: a possibilidade de herança de territórios por mulheres e a divisão
destes entre herdeiros masculinos. Dependendo da instituição ou não, para os territórios de
cada Dinastia, das chamadas Leis Sálica e de Primogenitura, uma mesma Dinastia podia
possuir (e frequentemente possuía) mais de uma Linhagem, associadas à possessão de
diferentes territórios.
Quando os Hohenzollern herdam a Marca Eleitoral do Brandemburgo em 1415, a Dinastia
apresentava apenas uma Linhagem. Porém, dado que possuía territórios tão dispersos quanto
Ansbach, Bayreuth e Nuremberg, na Francônia, e o Brandemburgo, alguns anos depois ela
seria dividida.
O primeiro e o segundo Eleitores Hohenzollern, Frederico I e Frederico II, acumularam todas
as titulações associadas à Dinastia. Após a morte de Albert Achilles, Terceiro Eleitor do
Brandemburgo, a Dinastia foi contudo dividida em duas linhagens. O Sistema de
Primogenitura havia sido aprovado pelo Imperador à época de Albert Achilles, em 1473,
através de um dispositivo conhecido como Dispositio Achillea. Os territórios da Dinastia só
poderiam a partir de então serem divididos em três partes, ou seja, o Brandemburgo, Ansbach
e Bayreuth, cada qual devendo seguir individualmente o Sistema de Primogenitura.
Com a morte de Alberto Achilles, portanto, em 1486, a Dinastia é dividida em duas
Linhagens: a Linhagem Culmbach, associada aos territórios da Francônia, e a Linhagem do
Brandemburgo, associada à Marca. O ramo Culmbach assim iniciado, conhecido futuramente
como “Velha” Linhagem Hohenzollern-Cumlbach, se extinguiria apenas em 1618, ocasião em
que seus domínios retornariam à Linhagem do Brandemburgo. Porém, o Dispositio não evitou
que mesmo o território do Brandemburgo fosse dividido, pois o Sistema de Primogenitura só
se aplicava ao território eleitoral, ou seja, à Kurmark.
Com a intenção de garantir que, no caso de extinção da Linhagem Culmbach, seus territórios
passariam à do Brandemburgo, Johann George, Sétimo Eleitor, estabeleceu em 1598 um
acordo de Mitbelehnung com o Imperador, conhecido como Gera Bond. Pelo acordo, todos os
domínios Hohenzollern, com exceção dos territórios de Ansbach e Bayreuth, seriam a partir
petty family politics as the rest of them: a policy of marriage and inheritance aimed at the acquisition of ‘claims’
and the gathering into family ownership of as many territories as possible.” (HAFFNER, 1998, p. 15);
143
de então indivisíveis, ou seja, deveriam, em caso de extinção de um ramo, ser repassados ao
outro. O objetivo central do Eleitor, com o acordo, era o de garantir aos Hohenzollern do
Brandemburgo a herança da Prússia Oriental, sob posse dos Hohenzollern-Culmbach,
Linhagem em vias de se extinguir
Originalmente, “prussianos” era a denominação utilizada para designar uma das muitas tribos
de origem báltica que ocupavam a porção norte da Europa Oriental na Idade Média, situada
em torno das margens do Lago Vístula, próximo ao litoral do Mar Báltico, que teria ali se
estabelecido desde o século V a.c.. Formavam um grupo étnico distinto dos Germanos e dos
Eslavos, falando uma variedade de línguas pertencentes ao ramo ocidental da família de
línguas bálticas, denominado posteriormente “velho prussiano”14.
A primeira menção em fontes históricas a esta designação aparece em conexão com o nome
de Adalberto de Praga, em 997, para lá enviado como missionário em uma Cruzada de
cristianização. Só no século XIII, porém, a tribo seria cristianizada, não sem resistência e
violência, pela Ordem dos Cavaleiros Teutônicos, convocados para a missão pelo Papa
Honório III, em 1217. A Ordem lá se estabeleceu, adotando a designação de “Prússia”, e
formou um Estado eclesiástico pertencente ao Sacro Império Romano, bastante próspero,
segundo as fontes, ao longo de todo o século XIV15.
O envolvimento do Estado em uma série de guerras com os Reinos da Polônia e da Lituânia
ao longo do século XV, porém, assinala sua decadência, e, em 1466, pelo Segundo Tratado de
Thorn, a Ordem perde sua independência para a Polônia e o Estado se retira do Império. A
porção oeste da “Prússia” (em relação ao traçado do Vístula) é diretamente ocupada pelos
poloneses, e denominada desde então “Prússia Real”, e a porção Leste permanece ocupada
pela Ordem, porém como feudo da Polônia.
Desde então, a Ordem sucessivamente tentou evitar a homenagem ao Rei polonês. Em 1511,
Albert de Hohenzollern-Culmbach, um dos filhos do Margrave de Ansbach-Bayreuth, é
escolhido pelo Imperador Maximiliano como Grão Mestre da Ordem Teutônica e, portanto,
senhor territorial da chamada “Prússia Leste”. A escolha do Imperador parece ter sido
orientada precisamente pela intenção de contrabalançar a influência polaca ou, até mesmo,
14
A língua teria morrido definitivamente em 1667; vale notar, apenas a título de registro, que existem diversas
divergências em torno da origem e das características destes povos, especialmente entre os historiadores
alemães, poloneses e lituanos;
144
obter a independência do território: Albert parte para a Prússia com a promessa de não render
homenagem a seu tio, o Rei da Polônia. Após 14 anos de disputas em torno da questão, que
incluíram conflitos armados, Alberto, seu tio e os cavaleiros da Ordem chegam em 1525 a um
acordo, supostamente agenciado por Lutero.
O Grão Mestre introduziu a Reforma na Prússia, dissolvendo o Estado eclesiástico da Ordem
Teutônica, e se fez Duque hereditário, estabelecendo a capital do ducado em Königsberg.
Passam a existir, portanto, a “Prússia Real” (futura Prússia Oeste em 1772, com a Primeira
Partição da Polônia), domínio territorial direto do Rei da Polônia; e a “Prússia Ducal” (futura
Prússia Leste), ou o Ducado da Prússia, feudo da Polônia, sob governo, portanto, de um
Hohenzollern da Linhagem Culmbach.
Paralelamente, aproveitando-se das dificuldades financeiras enfrentadas pela Ordem,
Frederico II, Eleitor Hohenzollern do Brandemburgo, recuperou para a Dinastia o território
conhecido como “Nova Marca”, antes vendido à Ordem Teutônica e então recomprado pelo
Eleitor em 1455.
Com a intenção de garantir a herança da Prússia pelos Hohenzollern, o Oitavo Eleitor,
Joachim Friedrich, não apenas se casa com uma das filhas do então Duque da Prússia, mas faz
o mesmo com seu herdeiro, futuro Nono Eleitor, Johann Sigismund. Ao se extinguir, portanto,
em 1618, a “velha” Linhagem Hohenzollern-Culmbach, a Linhagem do Brandemburgo
recebe, como herança, a Prússia Ducal.
Os ganhos associados à extinção da Linhagem Culmbach, porém, não se restringiram apenas à
Prússia. Pois Albert Friedrich, último representante da “Velha” Linhagem, casa-se com a filha
mais velha do Duque de Cléves, cujos domínios, além do Ducado de Cléves, consistiam de
Julich, Berg, Ravenstein, Ravenserg e Mark. Com a morte do único herdeiro masculino do
Ducado em 1609 (sua irmã, esposa de Albert Frederico da Prússia, já havia morrido em
1608), o Nono Eleitor, em nome da Prússia, reclama a suposta herança sobre os territórios. A
questão, porém, só seria decidida, como visto, em 1666, pois outras irmãs, especialmente a
Duquesa do Palatinado Superior (Pfalz-Neueberg), também reclamam a herança.
Com o fim da Guerra dos Trinta Anos, o Tratado de Westphalia atribuiu como
“compensações” à Dinastia, especialmente por “perder” à Suécia a parte Posterior da
15
É deste século, por exemplo, o florescimento de diversas cidades da Prússia, como Danzig e Königsberg,
através, especialmente, de suas ligações comerciais via Mar Báltico e seu envolvimento com a Liga Hanseática;
145
Pomerânia, a Pomerânia Anterior e os Principados secularizados de Halberstadt e Minden, e
confirmou sua possessão sobre o Ducado da Prússia, ainda como feudo da Polônia. O Tratado
de Westphalia determinou finalmente que o Ducado secularizado de Magdeburgo, governado
pelo Duque da Saxônia, deveria ser repassado aos Hohenzollern após sua morte, que ocorre
em 1680.
Finalmente, em 1618, com a extinção da Velha Linhagem Culmbach, os tios do então Nono
Eleitor Hohenzollern do Brandemburgo iniciam a Nova Linhagem Culmbach, associada aos
territórios Hohenzollern da Francônia, só extinta em 1806.
A evolução dinástica dos Hohenzollern entre 1415 e 1618 pode ser visualizada na Figura 12
abaixo.
FREDERICO
I ELEITOR – 1415:1440
Margrave de Ansbach-Bayreuth
(1372-1440)
JOHANNES
(1401-1464)
FRIEDRICH
(1460-1536)
JOACHIM I
V ELEITOR: 1499
(1484-1535)
Acordo de
MITBELEHNUNG –
GERA BOND – 1598
CHRISTIAN
(1581-1655)
FREDERICO II
II ELEITOR: 1440
(1413-1471)
ALBERT ACHILLES
(1414-1486)
III ELEITOR: 1471
JOHANN CICERO
IV ELEITOR: 1486
(1455-1499)
Acordo de
ERBVERBRUDERUNG
com o Ducado de
Leignitz – 1537
Dispositio
Achillea – 1473
JOACHIM
ERNST
(1583-1625)
“Nova” Linhagem HohenzollernCulmbach, extinta em 1806
Início da “Velha”
Linhagem HohenzollernCulmbach
Grão-Mestre da Ordem
Teutônica – 1511
Duque da Prússia – 1525
ALBERT
(1490-1568)
JOACHIM II HECTOR
VI ELEITOR: 1535
(1505-1571)
Recuperação, por compra,
do Neumark – 1456
ALBERT FRIEDRICH
(1553-1618)
Extinção da “Velha”
Linhagem HohenzollernCulmbach – 1618
JOHANN GEORGE
VII ELEITOR: 1571
(1525-1598)
JOACHIM FRIEDRICH
VIII ELEITOR: 1598
(1547-1608)
Duque da Prússia –
1618
JOHANN SIGISMUND
IX ELEITOR: 1608
(1572 – 1619)
FIGURA 12: EVOLUÇÃO DINÁSTICA HOHENZOLLERN: 1415-1618
146
APÊNDICE 03: GOVERNANTES HOHENZOLLERN: 1618-1918
ELEITORES DO BRANDEMBURGO
• George Guilherme (1619-1640): Décimo Eleitor
• Frederico Guilherme I, Grande Eleitor (1640-1688): Décimo Primeiro Eleitor
• Frederico III (1688-1701): Décimo Segundo Eleitor
REIS DA PRÚSSIA
• Frederico I (1701-1713)
• Frederico Guilherme I, o Rei Soldado (1713-1740)
• Frederico II, o Grande (1740-1786)
• Frederico Guilherme II (1786-1797)
• Frederico Guilherme III (1797-1840)
• Frederico Guilherme IV (1840-1861)
• Guilherme I (1861-1888)
• Frederico III (1888)
• Guilherme II (1888-1918)
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APÊNDICE 04: METODOLOGIA DE ELABORAÇÃO DAS FIGURAS
As Figuras Esquemáticas apresentadas nessa pesquisa, na forma de Mapas, foram elaboradas
como compilações de Mapas Históricos disponibilizados em sites de pesquisa na Internet. A
principal fonte utilizada foi o Kartenserver do Institut Für Europäische Geschichte Mainz –
IEG (www.ieg-mainz.de), disponibilizado em seu site na Internet (www.ieg-maps.unimainz.de).
A partir de um de seus Mapas Históricos, escolhido aleatoriamente, os contornos da Europa
central foram digitalizados utilizando o programa CorelDRAW 12 for Windows, bem como a
localização das principais cidades e rios do Continente, como apresentado abaixo.
As Figuras foram então elaboradas através da sobreposição da Figura Primária sobre os
Mapas Históricos obtidos na Internet, e a posterior digitalização das informações desejadas,
utilizando o programa CorelDRAW 12 for Windows. Como fontes, além dos Mapas do IEG,
foram utilizados:
•
a série de Mapas do WHKMLA (World History at Korean Minjok Leadership
Academy) Historical Atlas, disponibilizados no site www.zum.de/whkmla/histatlas);
•
a série de Mapas Históricos organizados pelo Germany GenWeb Project,
disponibilizados no site www.rootsweb.com/~wggermn/;
•
a coleção de mapas da EURATLAS – Periodical Historical Atlas of Europe,
disponibilizada no site www.euratlas.com;
•
a coleção de mapas da Perry-Castañeda Library da University of Texas at Austin,
disponibilizada no site www.lib.utexas.edu/maps/;
•
a série de mapas organizada pela Rundfunk Berlin-Brandenburg, na ocasião da
elaboração do Preussen Chkronik – Eines Deutschen Staates (programa de
comemoração dos 300 anos da Prússia), disponibilizada no site www.preussenchronik.de;
Foram utilizados, ainda, como fontes de informações adicionais:
•
os mapas do Diercke Schulatlas für Höhere Lehranstalten (DIERCKE, 1928);
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•
os mapas do Penguin Atlas of World History, vols. I e II (HILGEMANN, W.;
KINDER, H., 1974 e 1978).
Figura Primária:
Königsberg
Danzig
Stettin
Oldenburgo
Thorn
Hanover
Minden
Berlim
Brunswick
Magdeburgo
r
de
O
Dresden
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