o jogo como instrumento facilitador no ensino da matemática

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O JOGO COMO INSTRUMENTO FACILITADOR NO ENSINO DA MATEMÁTICA
Caique Melo Oliveira
Universidade do Estado da Bahia (UNEB) - [email protected]
Américo Júnior Nunes Silva
UNEB - [email protected]
Resumo
Este artigo objetiva apresentar os resultados de uma microinvestigação que se propõe a analisar como
o jogo pode ser utilizado como ferramenta para o ensino de matemática. Os trabalhos foram
desenvolvidos no ano de 2013 com uma turma de 9º ano, módulo 2, do Ensino Fundamental da
Educação de Jovens e Adultos (EJA), com alunos com idades variando entre 18 e 39 anos. A pesquisa
qualitativa, do tipo estudo de campo, foi dividida em duas etapas: em um primeiro momento, foram
feitas observações do objeto de estudo; num segundo momento, houve a criação e validação do jogo
Dominó de Racionais.
Palavras-chave: Educação Matemática; Jogos; Atividade lúdica.
1.
INTRODUÇÃO
O presente artigo nasceu resultante do processo de microinvestigação proposto na
disciplina de Laboratório do Ensino da Matemática I, do curso de Licenciatura em
Matemática da Universidade do Estado da Bahia – Uneb, Campus IX, objetivando analisar a
influência do lúdico como instrumento facilitador no ensino de Matemática, culminando com
a criação de um jogo.
A microinvestigação foi dividida em dois momentos: num primeiro, foi realizado o
reconhecimento do espaço onde seria desenvolvida a microinvestigação, por meio de análise
do Projeto Político Pedagógico (PPP) e observações da sala de aula. Em seguida, foi
desenvolvido um jogo de fixação, contemplando o conteúdo anteriormente trabalhado pelo
professor.
A microinvestigação foi desenvolvida com uma turma de 9º ano, módulo 2, da
Educação de Jovens e Adultos (EJA), em uma escola pública do município de BarreirasBahia. A turma contava com 19 alunos matriculados; destes, apenas 12 são frequentes, com
idades entre 18 e 39 anos.
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Como consta no PPP de 2009, que foi disponibilizado pela coordenação como
documento vigente, a escola possui doze salas de aula, cantina, sala de professores,
almoxarifado, secretaria, direção e sala de coordenação.
O colégio conta com um limitado acervo de materiais concretos, dentre estes: xadrez,
material dourado e o ábaco. A maioria do material encontra-se na sala da coordenação,
estocado em um armário. Em relação a esse material, apenas o xadrez está disponível, mas a
sua utilização é regulada, isto é, pode ocorrer exclusivamente na sala de leitura.
Embora haja a recomendação de que todas as instituições de ensino devem ter um
Laboratório de Educação Matemática (LEM), e que este, conforme Rego e Rego (2010, p.
41), “constitui um importante espaço de experimentação para o aluno e, em especial, para o
professor, que tem a oportunidade de avaliar na prática, sem as pressões do espaço formal
tradicional da sala de aula”, o colégio em questão não dispõe desse espaço.
Durante o processo de microinvestigação, pôde ser observada a prática pedagógica do
professor, pautada em resolução de problemas, mas limitada aos recursos disponibilizados
pela escola, que ainda utiliza o quadro-negro e dispõe de uma infraestrutura carente.
Em conversa com o docente, ele afirma que já tentou implementar outros materiais
como instrumento didático, a exemplo do computador, no qual planejou uma aula, explorando
um software matemático. Relata ainda que tentou implementar jogos durante a aula, a
exemplo do xadrez, mas faltavam peças, o que os impedia de jogar. Devido à precariedade
dos recursos, não foi possível desenvolver essas atividades.
2.
O JOGO COMO FERRAMENTA DE ENSINO
A matemática tem permanecido estática. Enquanto sofremos grandes transformações –
principalmente tecnológicas –, pouco tem mudado de significativo no ensino dessa ciência.
Para que se perceba isso, basta fazer um retrocesso há algumas décadas, e perceberemos que
muito pouco mudou.
As aulas de matemática, no geral, são sustentadas na mesma metodologia:
apresentação de conteúdo, exemplos, listas de atividades. Tal prática faz com que o aluno seja
levado a repetir o que o professor faz no quadro, o que, consequentemente, deixa o ensino
mecanizado, isto é, o aluno é levado a repetir, muitas vezes, não se dando conta de como
surgem as fórmulas, aceitando-as sem questionar. Marim e Barbosa (2010) pontuam que:
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quando se retira de qualquer conhecimento matemático a sua origem, quando se
omite o contexto em que surgiu e os motivos que levaram à sua construção, o que se
resta é apenas uma estratégia abstrata, um amontoado de fórmulas sem sentido, que
nada representam para o aluno. (p. 228)
É preciso pensar em um ensino que fomente o desenvolvimento crítico do indivíduo.
Conforme Alves (2009), a matemática apresentada por meio de problemas e jogos estimula a
criatividade do educando, e incita também as relações cognitivas, afetivas, sociais, além de
propiciar atitudes críticas e criativas nos alunos.
Conforme Silva (apud SELVA; CAMARGO, 2009):
ensinar por meio de jogos é um caminho para o educador desenvolver aulas mais
interessantes, descontraídas e dinâmicas, podendo competir em igualdade de
condições com os inúmeros recursos a que o aluno tem acesso fora da escola,
despertando ou estimulando sua vontade de frequentar com assiduidade a sala de
aula e incentivando seu envolvimento nas atividades, sendo agente no processo de
ensino e aprendizagem, já que aprende e se diverte, simultaneamente. (p. 5)
O uso deste recurso como ferramenta pedagógica exige um posicionamento do
professor: este tem que ter bem claro quais são os objetivos que pretende alcançar com o jogo,
devendo deixar o aluno livre para que possa construir e elaborar seus conceitos, partindo do
concreto ao abstrato.
3.
CONSTRUÇÃO DO JOGO
Alves (2009) indica que, durante o processo da construção de jogos educativos, devese levar em consideração a realidade e especificidade de cada turma. Por isso, a primeira etapa
desta microinvestigação foi justamente a observação da sala de aula, para só então
desenvolver o jogo de fixação.
O jogo desenvolvido trabalha os conceitos de Razão e Proporção, sendo estes os
conteúdos previamente apresentados pelo professor. Durante o processo de construção do
jogo, respaldando-nos nos estudos de Kami e DeVries (apud ALVES, 2009, p. 33),
observamos que:
 o jogo deverá ter e propor situações interessantes e desafiadoras para os jogadores;
 o jogo deverá permitir a auto-avaliação do desempenho do jogador;
 o jogo deverá permitir a participação ativa de todos os jogadores.
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Durante a classificação do jogo, Alves (2009) ressalta a importância de sinalizar a
faixa etária indicada, o número de participantes envolvidos, o local de realização, os
instrumentos utilizados, as habilidades e atitudes, entre outros.
Dentro desta proposta, desenvolvemos o jogo Dominó de Racionais. A escolha de
trabalhar com o dominó partiu da necessidade de se criar um jogo não infantilizado, pois se
trata de uma turma de jovens e adultos. Santos (1997, p. 13) acentua que “a ludicidade é uma
necessidade do ser humano em qualquer idade e não pode ser vista apenas como diversão”.
Há a necessidade de se repensar os cursos de formação para discutir a ludicidade como
saber, de forma a possibilitar aos professores transitarem e percebê-lo, também, como algo
importante para a aprendizagem do público de jovens e adultos, já que o brincar não é algo
que se restringe à criança.
3.1
“DOMINÓ DE RACIONAIS”
Durante as observações em sala, percebemos que os alunos, embora já tivessem
estudado Razão e Proporção, apresentavam dificuldades quanto ao conteúdo. Por isso,
desenvolvemos o jogo “Dominó de Racionais”, buscando contribuir para o processo de
aprendizado dos alunos.
A seguir, apresentamos informações da ficha catalográfica:
Objetivo do Jogo: colocar todas as pedras na mesa antes dos adversários.
Material: 28 pedras retangulares dividido em duas partes iguais; cada espaço contém
uma expressão racional.
Jogadores: Pode-se jogar com 2, 3 ou 4 jogadores.
Figura 01: Dominó de Racionais
Fonte: Arquivo pessoal
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Cada jogador recebe 7 pedras quando começa a rodada. Se na partida houver menos de
4 jogadores, as pedras restantes ficam no “monte” para serem compradas.
 Decide-se quem inicia o jogo através de sorteio (par ou ímpar/zero ou um, outros).
 O jogo inicia quando lançada a primeira pedra. O segundo coloca uma peça que
possa ser encaixada em uma das extremidades da peça que está sobre a mesa, podendo
encaixar com uma fração igual ou equivalente.
 Se o jogador não tiver peça que encaixe nas extremidades, é possível recorrer ao
“monte”, podendo pegar apenas uma pedra por rodada. Caso o “monte” não tenha peças, o
jogador passa a vez.
 Vence o primeiro que encaixar todas as pedras na mesa.
 Obs: Se o jogo fechar, o ganhador será o jogador que tiver o menor número de
peças.
Figura 02: Alunos jogando
Fonte: Arquivo pessoal
Por se tratar de um jogo de fixação e exigir conhecimentos prévios dos jogadores,
antes da aplicação, revisamos os conceitos de razão, proporção, equivalência e operações com
frações, que são exigidos durante as jogadas.
Para validar o jogo, selecionamos um grupo de quatro alunos, sendo dois meninos e
duas meninas. No primeiro contato com o jogo, os alunos apresentaram resistência, o que
pode ter ocorrido pelo fato de sentirem-se inseguros no conteúdo de frações. Antes mesmo da
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leitura das regras do jogo, uma aluna disse que não iria jogar, pois não sabia fração. Como a
atividade não era obrigatória e todos estavam livres para participar ou não, a aluna se retirou,
sendo substituída. A liberdade dada no momento do jogo foi estrategicamente pensada, tendo
em vista que o jogo deve ser percebido como um momento descontraído e prazeroso aos
alunos; caso contrário, perde-se o sentido desta ferramenta.
Iniciado o jogo, ficou evidente a empolgação dos jogadores; a vontade de “ganhar” era
clara nas falas de cada um. Os alunos utilizavam termos conhecidos no dominó tradicional,
tais como “vou contar o jogo”, “estou cheio de buchas”.
Durante o jogo, alguns jogadores sentiam dificuldades nas operações com frações.
Para sanar o problema, foi indicado que recorressem ao papel e descobrissem frações
equivalentes e/ou o quociente. Quando recorriam aos registros, sentiam dificuldade quanto à
representação das operações, como pode ser observado na figura 03.
Figura 03: Registros dos jogadores
Fonte: Arquivo pessoal
Quando os jogadores utilizavam o papel, demoravam em média cinco minutos para
chegarem a um resultado, o que evidencia a dificuldade deles quanto a operações com
frações. Isso fazia com que os outros jogadores ficassem impacientes pelo longo tempo de
espera.
Após o primeiro contato dos alunos com o jogo, decidimos fazer algumas alterações
no “Dominó de Racionais”, para que o mesmo ficasse mais acessível e prazeroso aos
jogadores. Para tanto, optamos por retirar as operações com frações, substituindo-as por seus
respectivos resultados. Por exemplo, a operação
com as demais equações.
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foi substituída por
; o mesmo foi feito
Apesar das modificações realizadas, algumas dificuldades persistiam. Agora, era o
quociente que assustava os alunos; eles afirmavam não saber resolver a divisão. Mas, quando
contextualizadas no cotidiano, resolviam, por exemplo, a fração , que, à primeira vista, não
tinha “resultado”. Porém, comparando ao dinheiro, chegaram a uma resposta satisfatória.
4.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O jogo pode ser explorado enquanto instrumento facilitador do ensino da matemática,
como indicam diversos autores que discutem acerca da ludicidade, pois este recurso
desenvolve a criatividade, crítica e fomenta o raciocínio lógico no educando, de maneira
espontânea e prazerosa.
No processo da microinvestigação, quando apresentada a proposta do trabalho, os
alunos demonstraram interesse pela atividade final (o jogo). As aulas do professor eram
pautadas em resoluções de problemas, mas a repetição do método cansava os alunos, que
acabam desanimando com os problemas postos. Nesse contexto, a novidade do jogo deixou
um encantamento na turma.
Durante a aplicação do jogo, os alunos se sentiram inseguros quanto ao conteúdo
explorado, mas, pelo fato de estar contextualizado em um jogo conhecido por todos ali
presentes, e por ser um objeto de diversão de muitos, a resistência ao erro foi superada pela
vontade de jogar. Logo, os alunos estavam utilizando seus conhecimentos matemáticos de
maneira simples e prazerosa, sem a tensão característica da avaliação, ou mesmo do erro, –
não havia medo de errar – algo que talvez não acontecesse em uma lista de exercício por
exemplo.
Depois da primeira jogada, os alunos pediram para repetir o jogo, o que é um indício
de que estavam se divertindo com a prática, rompendo com o estereótipo de que “se é
matemática, não pode ser divertido”. Em um certo momento, um aluno comentou: “Esse jogo
é massa... Mas que pena, não tenho tempo”, pensando no fim da aula.
A microinvestigação cumpriu o que se propunha, dando uma resposta à indagação
inicial: o jogo pode ser utilizado como instrumento facilitador no ensino da matemática?
Consideramos pertinente apontar o jogo como recurso de ensino-aprendizagem, tendo em
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vista a validade da experiência realizada resultante nesse artigo. O lúdico, assim como as
novas tecnologias, é uma importante ferramenta pedagógica para os anos finais do Ensino
Fundamental, em particular ao público da EJA, por permitir, a partir de ações possivelmente
prazerosas, a aproximação dos estudantes com o conhecimento matemático, a desmistificação
da imagem dessa ciência como difícil e desconectada das situações cotidianas.
REFERÊNCIAS
ALVES, Eva Maria Siqueira. A ludicidade e o ensino de matemática: uma prática possível.
Campinas: Papirus, 2009.
MARIM, V.; BARBOSA A. C. I. Jogos Matemáticos: uma proposta para o ensino das
operações elementares. In: OLIVEIRA, C. C.; MARIM, V. Educação matemática: contextos
e práticas docentes. Campinas: Alínea, 2010.
REGO, R. M.; REGO, R.G. Desenvolvimento e uso de materiais didáticos no ensino de
matemática. IN: LORENZATO, S. O laboratório de ensino de matemática na formação de
professores. Campinas: Autores Associados, 2010.
SANTOS, S. M. P. O lúdico na formação do educador. Petrópolis: Vozes, 1997.
SELVA, K. R.; CAMARGO, M. O jogo matemático como recurso para a construção do
conhecimento. Disponível em: <http://www.projetos.unijui.edu.br/matematica/cd_egem
/fscommand/CC/CC_4.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2014.
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