Hinduísmo - lição 2 - Carlos João Correia

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HINDUÍSMO 1I
MARK W. MUESSE
O Mundo dos Veda
Objectivo
Embora a ideia de uma conquista da Índia pelos Āria seja actualmente objecto de polémica, a
influência dos arianos na religião indiana é inegável. Nesta lição procuremos investigar as
contribuições dos arianos para o surgimento do Hinduísmo. O nosso guia nesta investigação é a
rica colecção de textos arianos conhecidos como os Veda, hoje considerados pelos hindus como os
textos mais sagrados e com maior autoridade.
I.
Quando os arianos chegaram à Índia trouxeram com eles os Veda, uma tradição oral de
conhecimento composta em sânscrito e que se concentra sobretudo em questões rituais.
A. Os Veda representam a perspectiva da casta sacerdotal na sociedade ariana; não podemos saber
como é que essa visão estaria disseminada na Índia.
B. Os Veda estão divididos em quatro Samhitās ou “colecções”, cada um deles tratando um aspecto
diferente do ritual: Rig-Veda, Yajur-Veda, Sama-Veda e Atharva-Veda.
1.
A colecção mais antiga e mais importante contém mais de mil hinos dirigidos a deuses e a
deusas e é correctamente designado como Rig, i.e. “louvar” [praise]. Os estudiosos pensam
que foram compostos entre 2.300 e 1.200 antes da nossa era.
2.
O Rig-Veda contém mantras, i.e. palavras sagradas que são usadas durante o ritual.
C. Analisaremos a forma como os Veda compreendem três dimensões: o mundo físico, o mundo
divino e o mundo humano.
II.
A visão ariana do mundo natural é, em muitos aspectos, similar à de outras culturas antigas, mas,
em certos aspectos, revela-se diferente.
A. Como em muitas antigas culturas, os arianos pensavam o mundo como dividido em três níveis.
Usavam o termo triloka ou “três lugares” para se referirem à terra, ao espaço intermédio e ao
Svarga, a casa dos deuses e dos antepassados.
B. Acreditava-se que o mundo era governado por um princípio de ordem e de harmonia abstracto e
impessoal, designado como Rita, princípio que preservava o universo intacto e a unidade
existente. Rita, por sua vez, também regulava a ordem moral e a ordem do ritual.
C. Os Veda ofereciam diferentes histórias sobre a criação do mundo e, tudo indica, que não havia
problema no facto de, por vezes, essas histórias serem muito contrastantes entre si. Mesmo nos
dias de hoje, as tradições hindus contêm dezenas de narrativas bem distintas da criação.
1.
Um exemplo de um hino cosmogónico começa por nos levar aos limites da nossa
capacidade de pensar, arrastando-nos para lá das dualidades convencionais ao invocar um
tempo que não era um tempo, um lugar que não era um lugar. Uma “força vital” é
identificada, um poder que surgiu através do tapas, uma energia criadora associada com o
deus Agni e que se manifesta nos meditantes quando estão em concentração profunda.
2.
Mas através de uma súbita reviravolta, o hino torna-se profundamente humilde e
genuinamente [refreshingly] honesto nos seus versos conclusivos. Sem nunca atingir um
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nível de niilismo e cinismo, lembra-nos que todos aqueles pensamentos enunciados sobre a
origem do cosmo são especulativos.
III.
Os deuses da tradição védica são muitos e diversos, sendo pensados de uma forma muito diferente
do modo ocidental de pensar os deuses.
A. Existem cerca de 20 termos em sânscrito para a palavra portuguesa “deus”. O mais comum é deva
que significa “brilhante” ou “exaltado.”
B. Um deva é um ser divino ou poder sobrenatural, mas não é um ser omnisciente ou omnipotente.
1.
Os devas não são seres morais ou legisladores. Criados depois do mundo, estão submetidos
às suas leis, incluindo a lei Rita.
2.
O número tradicional de devas védicos é 33. Diferentes devas habitam em partes diferentes
do triloka e muitos deles têm funções divinas associadas com a natureza, a guerra e a ordem
comunitária.
C. No panteão dos deuses dos deuses védicos alguns são mais importantes do que outros; para
demonstrar o alcance da teologia védica analisaremos alguns dos deuses primordiais mais
interessantes.
1.
Indra, o deus da guerra, é o mais importante deva nos Veda. Um quarto de mais de mil
hinos no Rig-Veda é composto em sua honra.
2.
Próximo em popularidade, encontramos o deus Agni, o fogo divino. Quase um quinto dos
hinos do Rig-Veda são dirigidos a Agni, aquele que, entre todos os devas, habita nos três
níveis do mundo. Por causa da sua modalidade, Agni era mediador entre os deuses e os
humanos, realizando sacrifícios e transportando os mortos para o Svarga.
3.
Varuna era o zelador de Rita, o princípio da ordem que ele impunha mas não tinha criado.
4.
O deva Soma manifestava-se como uma planta especial cujo sumo era utilizado nos rituais.
O Soma induzia experiências extáticas a quem estivesse envolvido nele.
5.
O deva Rudra, conhecido como o “vociferante”/”uivante” [Howler], desprezando os seres
humanos e frequentemente afligindo-os com a doença e o azar, mas era, também, um
curandeiro.
6.
Entre devas menores encontramos Yama, o deus da morte; Ushas, a deusa da aurora;
Kubera, o deva da riqueza e da prosperidade. Em diferentes momentos da religião védica,
diferentes devas assumiam lugares de relevo.
D. Max Müller, o estudioso védico do séculoXIX, cunhou o termo “henoteísmo” para traduzir a
prática de se reconhecer muitos deuses e deusas, ao mesmo tempo que se venerava um deles
como sendo o supremo, i.e. uma espécie de síntese de politeísmo e monoteísmo.
IV.
Os Veda consideravam os seres humanos como almas individuais e membros de uma sociedade
estratificada.
A. Para os arianos, a essência da vida humana é associada com a alma que eles associavam com a
respiração, designando-a através da palavra ātman.
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1.
O ātman em sânscrito tem como seu cognato a palavra
“atmen” que significa “respirar”.
“atmosfera” e a palavra alemã
2.
Porque a respiração desaparece quando a pessoa morre, os arianos concluíram que a
respiração era o que animava o corpo.
A. Não há nos Veda um acordo sobre o destino último do homem. Alguns hinos védicos sugerem
que a alma caminha para os céus. Alguns textos indicam que a alma desce à “casa de argila”, o
mundo subterrâneo governado pelo deus da morte. Outros ainda imaginam que a alma se
dissolve com o corpo.
B. Quando os arianos chegaram ao subcontinente indiano, a sua sociedade estava já estratificada
segundo as ocupações.
1.
Os sacerdotes e professores eram os Brahmins; os guerreiros e administradores eram os
Kśatriyas; e os mercadores e artesãos, assim como os agricultores eram os Vaiśyas.
2.
Os Veda posteriores também mencionam uma quarta classe de pessoas a que chamavam
Śūdras e que eram as pessoas do campo.
3.
A evidência da estratificação da sociedade ariana provém do “sacrifício de Purusha”, um
hino sobre o desmembramento ritual de Purusha, o homem primordial. De Purusha, os
deuses criaram várias componentes do mundo e as quatro classes dos seres humanos. Este
mito fundamenta a divisão de classes sociais na própria natureza do mundo. Procurar
contestar ou pôr em questão a classificação social é opor-se ao que é ordenado natural e
divinamente e, deste modo, permitir o caos cósmico. O mito também estabelece um sistema
de correspondências entre o mundo natural e o mundo social em conjunto com o ritual.
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