CIDADE: DIREITO OU MERCADORIA? Maria Keile Pinheiro1 Rita de Cássia Clares de Lima2 RESUMO: O artigo ora apresentado discute inicialmente as transformações ocorridas no espaço urbano brasileiro e como estas apontam para o esvaziamento do campo em detrimento da superlotação nas grandes cidades. Tendo por base as discussões trazidas por pesquisadores/as da área, o estudo reflete o atual modelo de desenvolvimento, que exclui a classe trabalhadora da participação na apropriação da riqueza social e a empurra para as periferias das cidades. Discute elementos da organização das cidades brasileiras e os principais desafios contemporâneos, refletindo como o crescimento dos centros urbanos não vem sendo acompanhado pelo crescimento da efetividade na garantia dos direitos de suas populações. Reflete como a estrutura das cidades tem se configurado como espaço de reprodução da força de trabalho e de negócio lucrativo para o capital deixando assim, evidente a luta de classes e a necessidade da organização da classe trabalhadora. Trata ainda das principais legislações que regulamentam o direito à moradia, compreendida para além da construção de casas. Por fim, apresenta a realidade do município de Iguatu/Ceará, a partir da observação do Conjunto Habitacional Novo Iguatu, relacionando a política habitacional implementada e a garantia do direito à cidade/moradia preconizados em lei. Palavras chaves: Questão Urbana. Direito à Cidade. Conjuntos Habitacionais. ABSTRACT:The article presented here initially discusses the changes occurring in the Brazilian urban space and how these link to the emptying of the countryside to the detriment of overcrowding in large cities. Based on the discussions brought by researchers / the area, the study reflects the current development model that excludes the working class participation in the appropriation of social wealth and pushes it to the outskirts of cities. Discusses elements of the organization of Brazilian cities and major contemporary challenges, reflecting how the growth of urban centers has not been accompanied by the growth of effectiveness in ensuring the rights of their populations. Reflects how the structure of cities has been configured as a space for reproduction of labor power and lucrative business for the capital leaving thus clear the class struggle and the need of the organization of the working class. It also discusses the main laws regulating the right to housing, understood beyond the construction of houses. Finally, it presents the reality of the city Iguatu Ceará, from observation of the Housing Complex New Iguatu, relating to housing policy implemented and the guarantee of the right to the city / housing envisaged by law. Acadêmica de Serviço Social do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – Campus Iguatu – CE. [email protected]; (88) 9986-3369 2 Assistente Social, Faculdade Vale do Salgado / Secretaria Municipal da Habitação de Iguatu/CE. [email protected]; [email protected]; (88) 9619-1601 1 IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1416 Keywords:Urban Issues. Right to the City .Housing Projects. 1INTROUÇÃO O crescimento do espaço urbano não acompanhado pela garantia de serviços e equipamentos que viabilizem o acesso às riquezas produzidas e as inovações construídas a partir dessa, tem sido discutido por distintos grupos, dentre esses, alguns afirmam a falência da garantia pública dos direitos sociais, enquanto há os que refletem sobre essa sociedade que generaliza a mercadoria, tratando dessa forma a própria humanidade e suas relações, como uma questão que necessita da construção de estratégias urgentes direcionadas a pensar a sustentabilidade e a emancipação humana. O acesso privado aos meios e instrumentos de produção social, a exemplo da terra, o notável inchaço das grandes cidades e as expressões da questão social imbricadas a ele, denotam uma contradição com a perspectiva do direito, sendo que, aquele que sofre mais intensas e descaradas violações, é o que trata do direito à moradia, à cidade. Este tem sido cada vez mais viabilizado pelo mercado, tornando alvo de intensos processos de especulação fundiária e imobiliária, o que incide no acirramento da segregação urbana e no crescimento exponencial de favelas (Maricato, 2013). No que tange à sua estruturação, o presente trabalho é composto por três seções de abordagens. A primeira destina-se às questões pertinentes ao processo de desenvolvimento gestado no Brasil, a organização do espaço urbano a partir dessa configuração, os rebatimentos sobre a classe trabalhadora e de sobremaneira sobre a construção das cidades. A segunda seção de abordagem problematiza os principais elementos que incidem sobre a organização das cidades brasileiras, reflete a lógica privada que contorna a garantia de direitos no atual modelo de desenvolvimento urbano e os desafios colocados para as cidades na cena contemporânea. Na terceira e última seção, será analisada a realidade do Conjunto Habitacional Novo Iguatu - Ceará, refletindo como este tem sido pensado enquanto espaço urbano, garantia de acesso a serviços e equipamentos públicos no território e as estratégias desenvolvidas com IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1417 vista a efetivação de direitos sociais como mecanismos de garantia de acesso à cidade. 2AS CONFIGURAÇÕES DO ESPAÇO URBANO NO BRASIL Ao longo de décadas o modelo de desenvolvimento gestado no Brasil tem ocasionado amplas e preocupantes transformações sociais na organização do espaço urbano brasileiro. Tem sido notável o esvaziamento do campo e o crescimento acentuado da população urbana. O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE) aponta que atualmente no Brasil a população urbana chega a ser cinco vezes maior que a rural. Corroborando com essa constatação, o Observatório das Metrópoles (2012) aponta que nas últimas quatro décadas, mais de 80% do total da população brasileira vive nos centros urbanos. A transição do modelo econômico na passagem do século XIX, economia agrícola para uma de base essencialmente urbana, desencadeou um intenso processo de crescimento das cidades brasileiras e, por conseguinte uma acirrada disputa pelo espaço urbano em todo o país, de sobremaneira, nas grandes cidades. Esta realidade agrava-se ainda mais quando analisado as condições de vida em que se encontra a maior parcela dessa população. A par dessa dinâmica, observam-se processos de urbanização acelerada, de polarização e tensionamento das relações campo-cidade, de concentração do crescimento econômico sob a lógica mercantilista do capital, intensificando a estrutura desigual das classes sociais na distribuição da riqueza socialmente produzida e no uso e ocupação da terra (TEMPORALIS, 2012, p. 295). Essa sociedade permite e garante grandes concentrações de terra e riquezas, produto de severa exploração, em oposição a um contingente cada vez mais crescente de populações sem terra. Cerca de 3% do total das propriedades rurais do país são latifúndios, ou seja, tem mais de mil hectares e ocupam 56,7% das terras agriculturáveis – de acordo com o Atlas Fundiário do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA (REPÓRTER BRASIL, 2006). Nesse sentido o campo vem sendo esvaziado em um processo de negação de direitos e a cidade transformando-se em um caos urbano que também não garante direitos, sendo o direito a moradia o mais negado por esse modelo. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1418 A consolidação do capital industrial e a edificação de um projeto de desenvolvimento pautado excepcionalmente no crescimento econômico cooperaram para a construção de uma visão de cidade capaz de oferecer melhores condições de vida e atendimento às necessidades humanas. Essa compreensão foi decisiva para estimular o movimento migratório no país, de modo particular entre as Regiões Norte e Sul (TEMPORALIS, 2012) e foi responsável por arregimentar nas grandes cidades uma significativa parcela da população brasileira. Esta vislumbrava nos grandes centros, a única alternativa de melhoria de vida. Na maioria dos casos, essa visão não se configurou real. Estruturado e fortalecido nos moldes do capitalismo, o crescimento urbano no Brasil empurrou para a periferia das cidades a maior parte da classe trabalhadora que se achegava em busca de oportunidade de trabalho. Os/as trabalhadores/as foram, aos poucos, se deparando com uma realidade urbana contrária àquela que lhes fora propagandeada, e desse modo viram-se desafiados/as a construir suas próprias estratégias de sobrevivência. Elemento central nessa organização do espaço urbano, é a luta de classes. Para Maricato (2012), os movimentos urbano e operário inauguraram uma nova forma de fazer política no Brasil e reivindicaram espaço na cena política. A consolidação de um modelo de desenvolvimento, predatório e excludente, coincide com a divisão discrepante da cidade entre aqueles/as que a constroem, via força de trabalho, e aqueles/as que podem pagar para acessá-la. Intensifica-se, pois, um forte processo de desigualdade social e segregação espacial, o qual incidirá na periferização da classe trabalhadora, e, por conseguinte na sua pauperização. A cidade não é apenas a reprodução da força de trabalho. Ela é um produto ou, em outras palavras, também um grande negócio, especialmente para os capitais que embolsam, com sua produção, com sua exploração, lucros, juros e rendas. Há uma disputa básica, como um pano de fundo, entre aqueles que querem dela melhores condições de vida e aqueles que visam apenas extrair ganhos (MARICATO, 2013, p.20). O crescimento desordenado e especulativo apresenta rebatimentos e consequências históricas para a realidade urbana brasileira. Endossa a herança acumulada no país, entre IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1419 outros elementos, o acirramento do déficit habitacional(estimado em 07 milhões de moradia, segundo a Política Nacional de Habitação, 2004), predominância do transporte individual em detrimento de transporte público de qualidade, ausência de serviços públicos básicos (saúde, educação, assistência, cultura, lazer, etc), favelização das cidades, precarização das formas de trabalho, criminalização dos movimentos sociais, extermínio da juventude, em especial a juventude negra (segundo o Mapa da Violência no Brasil, 2013, o número de homicídios de jovens negros/as no Brasil de 2002-2011 cresceu 24,1%, sendo que, essa participação no total de homicídios juvenis é responsável por 76,9%). Desse modo, fica evidente que o espaço urbano brasileiro tem se tornado, ao longo do tempo, produto de intenso valor mercadológico, onde a reprodução da vida não tem se configurado como uma relação histórica de construção e reconstrução de identidade e vínculos sociais, mas uma relação pautada na mercantilização da cidade, seus bens e serviços socialmente produzidos. Em decorrência dessa realidade, há de se inferir, que não somente o fruto do trabalho humano tem se coisificado, mas a própria humanidade, o que pressupõe a urgência na realização de reformas estruturais, as quais possibilitem a efetivação dos direitos a toda população e a emancipação humana. 3. AS CIDADES BRASILEIRAS E OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS As cidades têm crescido, mas o direito à cidade e a realização das reformas necessárias (reforma agrária, urbana, entre outras) para sua materialização tem se construído em um processo reverso. Os centros urbanos, como pontuado anteriormente, estão cada vez mais lotados por populações e esvaziados de serviços públicos universais (aqueles que resistem são alvo de Reformas/Contrarreformas) que efetivem direitos constitucionais, como o direito à cidade. No contexto atual, tem sido recorrente e naturalmente percebido, a coexistência de arranha-céus e favelas separados apenas por uma rua, um muro ou por placas de “entrada proibida”. O perfil construído e difundido dos centros urbanos e das áreas periféricas consolida um parâmetro a ser seguido e outro a ser evitado, sendo o urbano associado a IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1420 características positivas no que se trata especialmente do consumo, do acesso (privado, importa dizer) de bens e serviços, enquanto que, a imagem da periferia parece ser colocada como lugar de pessoas pobres, sem educação, e naturalmente tendentes à violência, sendo essas que vão “manchar” os centros urbanos. Os elementos destacados são produto de uma construção desigual (e combinada) do desenvolvimento urbano no país. De acordo com Prado Júnior (2008) o Brasil vem se construindo como país capitalista periférico, que fornece desde o período de sua colonização matéria prima e recursos humanos para exploração, consequentemente, suas cidades trazem uma herança de desigualdades sociais marcadas pela escravidão, pelo patriarcado e pela lógica do favor. As cidades tem se conformado como espaço de reprodução da força de trabalho e de bom negócio para o capital. Sua estrutura deixa clara a luta entre as classes, onde de um lado existem aqueles/as que buscam melhores condições de vida e do outro aqueles/as que buscam formas mais eficientes de extração da mais-valia e de acumulação de riquezas. O sistema social vigente, o capitalismo, é marcado pela propriedade privada da terra, dos meios e instrumentos de produção e reprodução e pela exploração de uma classe pela outra, “Tal exploração ocorre por meio da mais-valia relativa e absoluta, da superexploração dos trabalhadores assalariados e não assalariados de todo o mundo, incluindo os dos países mais miseráveis do planeta (Marx, 2008)”. Mesmo sendo coletivamente construída, a cidade se conforma pela apropriação privada das riquezas sociais. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948 afirma que “Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bemestar, inclusive alimentação, vestuário, habitação (DUDH, 1948, Art. XXV, Item 1)” e a Constituição Federal Brasileira (CF) de 1988que “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados (CF 1988, Art. 6º)”, ambasproblematizaram o direito à moradia, sendo este então reconhecido como direito humano universal devendo ser assegurado pelos Estados. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1421 Embora constando nas principais legislações universal e nacional, e sendo reafirmadas por leis específicas, como é o caso do Estatuto da Cidade (2001), Conferência Nacional das Cidades (iniciadas em 2003), Conselho das Cidades (2005), Lei Federal de Saneamento (2007), Plano Nacional de Habitação (2009) e Política Nacional de Mobilidade Urbana (2012), duas questões merecem ser observadas e discutidas, a primeira é que a ausência de políticas e leis não parece ser o que tem inviabilizado a efetivação do direito à moradia, do direito à cidade e a segunda se refere a ideologia que propõe a “conciliação” dos direitos universalistas, apropriação privada e a lógica patrimonialista. Contudo, as legislações que afirmam esses direitos, não devem ser desqualificadas por não conseguirem garantir a universalidade que preceituam e serem alvo de modificações e flexibilização, é preciso ter clareza de que essas foram conquistas da força popular ao tencionar o conflito de classes dentro do Estado e que para sua efetivação é preciso que as massas organizadas continuem a exigir direitos ao Estado e que este na forma do Governo construa estratégias para garantir a fiscalização e o cumprimento das normas constitucionais, em detrimento de programas focalizados e emergenciais. Como afirma Maricato (2013) “o direito à cidade depende de uma política urbana de estruturação, que democratize, principalmente, o uso e a ocupação do solo”, que garanta as reformas agrária e urbana. As riquezas naturais têm sido assimiladas de maneira desigual, estas estão hoje concentradas nas mãos de uma pequena parcela, representada pelo capital imobiliário que disputa a terra com a força de trabalho, e a empurra para as periferias na qual têm ficado relegada as questões mais degradantes da vida, reflexo da negação dos direitos fundamentais das mulheres e homens. No contexto recente das grandes obras, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, essas populações têm sido retiradas de sua moradia na semiperiferia, desocupações involuntárias que em sua maioria violam os direitos sociais. “A disputa por terras entre o capital imobiliário e a força de trabalho na semiperiferia levou a fronteira da expansão urbana para ainda mais longe: os pobres foram expulsos para a periferia da periferia (Maricato, 2013)”. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1422 Impossível não relacionar a negação do direito à cidade sem remetê-la a lógica neoliberal que escancara sua preferência pelo privado, pelo mercado e seu interesse pela falência do público. Maricato (2013) traz que nos últimos dez anos no Brasil “O investimento de capitais privados no mercado residencial cresceu 45 vezes, passando de R$ 1,8 bilhão em 2002 para R$ 79,9 bilhões em 2011” deixando claro que o direito à moradia tem sido consentido sob a tutela do mercado. O direito à cidade é muito frequentemente resumido ao acesso a moradia enquanto teto e paredes, entretanto, é muito mais amplo e se refere a um conjunto de políticas e equipamentos públicos que tratam da garantia à educação, saúde, lazer, saneamento básico, transporte, entre outros, na atualidade deixados majoritariamente sob as regras do mercado. Se descobrirmos que nossa vida se tornou muito estressante, alienante, simplesmente desconfortável ou sem motivação, então temos o direito de mudar o rumo e buscar refazê-la segundo outra imagem e através da construção de um tipo de cidade qualitativamente diferente (HARVEY, 2013, p. 48). As manifestações que tomaram as ruas do país em junho de 2013 se construíram como um transbordar da negação dos direitos previstos nas legislações urbanas. Os sujeitos que ocuparam o espaço público reivindicavam inicialmente contra o aumento das passagens, o direito a liberdade de ir e vir também tem sido alvo da política do mercado, que acarreta em uma imobilidade restringindo o acesso à cidade pela classe trabalhadora ao deslocamento ao local de trabalho. Importa ressaltar que, quando se trata das cidades de pequeno e médio porte essa realidade apresenta semelhanças, especialmente no que se refere à falência do direito à cidade em detrimento da presença significativa de veículos particulares, e, especificidades, quando vemos em cidades como as que compõem a região centro-sul do Ceará, a inexistência de transportes urbanos públicos, gratuitos. O que tem predominado são os ditames da lógica privatista, pois, o transporte urbano tem sido realizado por transportes particulares e serviços privados como táxis e moto táxis. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1423 Uma questão não consegue ser respondida: como cidades de médio porte, não possuem qualquer política pública que garanta mobilidade urbana e acesso à cidade por parte dos grupos que moram nas periferias e zona rural? Se o transporte público não é oferecido com qualidade, o setor privado apresenta um leque de opções para acessar as possibilidades da cidade por meio da “liberdade” de ir e vir e da aquisição de veículos individuais. Maricato (2013) afirma que o forte impacto da poluição do ar afeta a expectativa de vida e compromete a saúde mental, acarretando em transtornos como a depressão, ansiedade mórbida e comportamento compulsivo, realidade que, dentro da lógica atual do desenvolvimento das cidades poderá expandir-se. De acordo com o discutido fica claro que, o direito à cidade remete necessariamente ao enfrentamento da lógica privatista de forma coletiva, pois, o acesso individualizado não é garantia da universalidade, mas sim da seletividade via consumo. Quando discutido o direito à cidade(moradia, saúde, educação, saneamento, lazer), não é apenas o direito à mobilidade que vem sendo organizado a partir do consumo, sendo então fundamental para o exercício desse direito, a mobilização e a organização social. Embora as lutas específicas sejam responsáveis por diversas conquistas, é preciso clareza para compreender e construir um debate tático e estratégico consonante que paute uma luta maior, que defenda reformas que se colocam como cerne da agenda da luta urbana no país: as reformas política, agrária e urbana. Como afirma Maricato (2013)“O primeiro item necessário à política urbana hoje é a reforma política, em especial o financiamento de campanhas eleitorais”. 4. CONJUNTOS HABITACIONAIS FACE O DIREITO À CIDADE: UMA ANÁLISE DO CONJUNTO HABITACIONAL NOVO IGUATU – CE No Brasil o marco legal da reforma urbana tem sua base instituída na Constituição Federal (BRASIL, 1988). Nesse sentido o processo de ampliação da universalização dos direitos sociais com vista a garantir o direito à moradia, como direito social desencadeou na Emenda Constitucional Nº 26 de 2000 e no Estatuto da Cidade (Lei Nº 10.257) em 2001, que IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1424 regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal e define os instrumentos urbanísticos fundamentais para o cumprimento do direito à cidade (BRASIL, 2001). Na mesma direção dar-se-á a promulgação da Política Nacional de Habitação (2004) com o objetivo de promover as condições de acesso à moradia digna a todos os segmentos da população, especialmente o de baixa renda, contribuindo, assim, para a “inclusão social”. Essas e outras conquistas evidenciam o entendimento de que o direito a habitação é ampliado para o direito a melhores condições de vida para toda a população. O conceito de moradia vem passando por mudanças significativas, não se restringindo apenas a habitação, mas as condições de vida nesse espaço, disponibilidade de serviços, infraestrutura, equipamentos e serviços públicos como água, energia, saneamento básico, transporte, educação, saúde, lazer, enfim, a moradia deve suprir todas as necessidades para uma sobrevivência digna. Com base no estudo dos documentos que tratam do direito a moradia e da aproximação da realidade dos Conjuntos Habitacionais do Município de Iguatu, Ceará, especialmente do Conjunto Novo Iguatu, percebemos que, o direito a moradia preconizado pelas normatizações da política habitacional não vem se efetivando de acordo com as legislações estabelecidas. Os desafios colocados à política habitacional no país se referem a questões estruturais da sociabilidade vigente, esta que no Brasil assume características particulares, especialmente se considerarmos que muitas reformas foram efetuadas, mas essas sempre colocaram em destaque os interesses da minoria possuidora. Elemento que nos chama mais atenção é que ainda hoje a reforma agrária não foi realizada, intensificando as problemáticas da classe trabalhadora que nem mesmo tem a garantia de um teto para se abrigar. Historicamente vem sendo construídas ideologias que afirmam os sujeitos usuários da política habitacional como pessoas que acessaram a moradia não pelo viés do direito, mas pela perspectiva do favor. As famílias, devido a sua condição social são muitas vezes desrespeitadas em diversos direitos. Esses sujeitos são convencidos pela ideologia naturalizadora de que estar em uma periferia (longe do centro) é justificativa para não acessar IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1425 políticas públicas, e que essa é na verdade tanto para esses sujeitos como para a população das cidades, um local onde predomina a violência e o tráfico. Não negamos que as condições vividas por essa população a coloca em situação de reprodução em maior ou menor intensidade desses elementos, mas periferia não se resume a essas expressões. Assim como em outras realidades, encontramos homens e mulheres que anseiam construir uma vida digna, mas não tem o acesso a políticas que garantam, dentre outros direitos, a geração de emprego e renda, transporte público e saneamento básico. Há também a necessidade de qualificar o acesso a direitos como educação tanto básica como superior, saúde, creche, e lazer que dialogue com a identidade cultural dos/as moradores/as. Compreendendo as diversas manifestações que imprimem precariedade das condições de moradia e habitabilidade, vimos percebendo que essas refletem diretamente nas relações sociais entre os sujeitos, na forma como percebem o espaço onde estão localizados, assim como, na visão que tem de si mesmos nessa realidade. Considerando as discussões delineadas analisaremos a realidade habitacional do município de Iguatu- Ceará, a partir das sistematizações desenvolvidas ao longo do estágio supervisionado em Serviço Social na Secretaria Municipal de Habitação. Localizada na Região Centro-Sul do Estado, a cidade conta com uma população superior a 100 mil habitantes (IBGE, 2010). Na realidade discutida a questão da concentração de terra não difere da estrutura concentradora do país, o município de Iguatu apresenta, segundo o Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS), Etapa II, uma demanda registrada no Cadastro Habitacional (no processo de elaboração do documento), de um contingente de 7.286 famílias (2011), o que representa que aproximadamente 7,5% da população da cidade vive em condições de negação do direito à moradia/cidade (o cálculo apresentado foi realizado com base na população estimada pelo IBGE para o ano de 2010). Ainda de acordo com o documento tratado, a estimativa da demanda habitacional para o município nos anos de 2013 – 2023, considerando moradia em condições precárias, de aluguel, coabitadas, a construção de unidades sanitárias e IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1426 a demanda habitacional futura, o município de Iguatu apresenta um déficit de 37.233 unidades habitacionais. Com base na análise documental junto a Secretaria Municipal de Habitação de Iguatu, identificou-se que na última década as intervenções habitacionais (melhoria habitacional, substituição de casas de taipas, urbanização, regularização e integração de assentamentos precários) realizadas pelo município representam pouco mais 1.000 casas, sendo que na área urbana esse número cai para 350 residências. Essas construções se deram em sua maioria em bairros com processos de urbanização iniciada, como é o caso dos Conjuntos Habitacionais Maronildo Lima e Padre José Marques (Bairro João Paulo II), Raimundo Florentino de Gouveia e Raimundo Alves de Araújo (Bairro Lagoa Park),José Marcio Nogueira (Bairro Altiplano), Odilon Pinto Mendonça (Bairro Vila Coqueiro), Nova Chapadinha (Bairro Chapadinha) e Novo Iguatu (Bairro Verde Park). 4.1 CONJUNTO NOVO IGUATU: CARACTERIZAÇÃO SÓCIO-TERRITORIAL DA ÁREA Com base nas informações obtidas no Projeto de Trabalho Técnico Social (PTTS) e na análise dos relatórios de acompanhamento familiar, o Conjunto Habitacional Novo Iguatu, localiza-se no Bairro Verde Park, com previsão de construção de 1.000unidades habitacionais. A área é caracterizada pela existência de 08ruas, sendo 07pavimentadas com pedra tosca e 01 com asfalto. No bairro estão situadas algumas indústrias e empresas de médio e grande porte, destacando-se a DAKOTA (Indústria Calçadista) e MADEFORM (Indústria de Móveis Tubulares), sendo que estas nem sempre empregam a população local. A localidade ainda não dispõe de equipamentos sociais em seu território, ficando os serviços ofertados pelos equipamentos sociais do Bairro COHABI, II e III, este fica a uma distância de aproximadamente 300m.No entorno do Novo Iguatu, podemos listar os seguintes equipamentos comunitários e sociais, na área de Educação o Centro Educacional Municipal Padre Januário Campos, funcionando com educação fundamental (1º a 9º ano), a Escola Reino Encantado, com capacidade para atender 500 alunos/as, com educação infantil e ensino IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1427 fundamental, contudo na modalidade de ensino privado e uma creche com capacidade para atender 326 crianças com idade entre 03 e 04 anos, funcionando nos turnos manhã e tarde. Na área de Saúde o bairro dispõe de 01 Posto de Saúde com funcionamento nos turnos manhã e tarde, com capacidade para atender 1.800 famílias. Conta ainda com os serviços do Hospital Regional do Município, com atendimento de urgência e emergência, porém esses devem atender a demanda de toda a Região Centro-Sul, não se configurando como equipamento exclusivo da localidade. Na área de Assistência Social o território conta com 01 Centro de Referência da Assistência Social – CRAS, com atendimento nos turnos manhã, tarde e noite, de segunda a sexta-feira, e uma equipe formada por profissionais de nível superior nas áreas de serviço social, psicologia e pedagogia. O CRAS desenvolve o Programa de Atenção Integrada a Família (PAIF) e o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), através de acompanhamento familiar e ações socioeducativas. Na área religiosa, o território conta com 01 igreja católica (Nossa Senhora das Graças), 04 igrejas evangélicas (Assembleia de Deus, Congregação Cristã do Brasil e Adventista do Sétimo Dia). Quanto a esporte e lazer, as opções apresentam um caráter privativo, uma vez que os espaços existentes pertencem a organizações sindical ou empresarial, dentre estes, destacamse: o Clube dos Comerciários, o Clube dos Soldados e o Clube da Empresa Dakota Calçados. A presença de praças se configura como a alternativa mais viável de lazer e entretenimento para jovens, adolescentes, crianças e idosos. No território analisado existem as Praças Nossa Senhora das Graças, Praça do Canal e a Praça da Dakota. No que se refere à organização política e comunitária estas são restritas a associações de moradores/as, sendo que algumas destas estão desativadas, e a presença de sindicatos de trabalhadores/as, entre estes, Sindicato dos Trabalhadores de Calçados e Sindicatos de Vestuários de Iguatu. A política de mobilidade urbana está restrita ao transporte individual e privado uma vez que o município não conta com uma rede de transportes coletivos públicos. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1428 É nessa realidade geográfica e social que se dá o início da construção do Conjunto Habitacional Novo Iguatu. Este compõe a Zona de Interesse Social – ZEIS dentro do plano diretor, destinado para construção de habitação de interesse social com previsão de 1.000 (um mil) moradias. O Conjunto conta atualmente com 03projetos habitacionais, sendo 02destinados à melhoria habitacional para 37 famílias de diferentes localidades da cidade e 01à Regularização e Integração de Assentamentos Precários para 140famílias oriundas do entorno do Rio Jaguaribe. No ano de 2011 foram transferidas as primeiras famílias. Atualmente residem no Conjunto 177 famílias, destas, 86 são frutos de processos de ocupações ocorridos no Bairro. O primeiro ocorreu no ano de 2012 por 20 famílias e o segundo em 2014 por 66 famílias. A paciência do povo para ver efetivado seu direito parece estar fragilizada, as famílias denotam descrédito nessa espera e constroem estratégias de ação mais direta. No que se refere às primeiras ocupações, estas há cerca de dois anos vivem a incerteza da regularização da situação, e enquanto não acontece acessam a direitos como a água de uma torneira comunitária, fato que só possível após uma ação judicial. Quanto à segunda ocupação, as ações por parte da prefeitura têm sido mais incisivas no sentido de deslegitimar e estigmatizar os/as moradores/as, se tornou constante a presença da Polícia Militar do Estado do Ceará, através do Comando Tático Motorizado (COTAM) no Conjunto após as ocupações. Diante da realidade apresentada têm sido corriqueiras as dificuldades encontradas no Conjunto Habitacional Novo Iguatu, essas, de acordo com nossas análises, apontam para, além da não garantia do direito à cidade, uma inexistência de identidade comunitária, também devido às condições em que as/os moradoras/os foram levados a acessar o direito a moradia. Importante realizar algumas ponderações que refletem para esses desdobramentos, a primeira se refere ao fato de os públicos beneficiados serem oriundos de distintos espaços e de distintas relações de convivência (a grande maioria é proveniente de desocupação involuntária, predominantemente dos Bairros do Prado e Alto do Jucá, derivadas de moradias no entorno do Rio Jaguaribe) a demora da entrega das casas, a consequente ocupação de algumas e a IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1429 fragmentação e descontinuidade das ações previstas no Projeto de Trabalho Técnico Social (PTTS), este elaborado no ano de 2008, e ainda não concluído. Necessário pontuar que para a não consolidação do PTTS concorrem fatores diversos, dentre esses, o reduzido quadro de profissionais da área social lotados na Secretaria de Habitação e a indefinição da posse das moradias ocupadas. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Compreender a dinâmica de correlações de forças que incide sobre o espaço urbano brasileiro e a garantia do direito à cidade perpassa o entendimento de que essas relações têm sido historicamente tencionadas pelo interesse mercadológico e a luta por direitos pela classe trabalhadora. Em um espaço social de dominação capitalista que transforma a terra em mero produto mercadológico, a luta por um espaço urbano democrático e o acesso a cidade tem se tornado elemento central de resistência e afirmação social. As reflexões delineadas ao longo do trabalho possibilitaram uma maior apreensão sobre o processo de desenvolvimento urbano gestado no país, sua configuração enquanto modelo excludente e desigual, sustentado pela lógica mercantilista, e os rebatimentos históricos sobre a classe trabalhadora, esta fruto de um intenso processo de segregação sócioterritorial e negação de direitos, realidade que tem contornado as cidades brasileiras. Evidencia-se, pois, um direito a cidade cada vez mais conformado com a visão mercadológica dos serviços e bens socialmente produzidos, ao passo que a garantia de direitos tem se tornado algo distante pelo processo de contrarreforma que vem rebatendo sobre os direitos sociais no Brasil. Nessa perspectiva a realidade habitacional da cidade de Iguatu, sobretudo, do Conjunto Novo Iguatu onde centramos as análises, demonstram uma nítida incompatibilidade entre o déficit habitacional registrado no PLHIS e os investimentos realizados em moradia após sua conclusão. A demanda habitacional registrada se relacionada ao número de moradias construídas pelo município após a conclusão do PLHIS demonstrauma clara ineficiência da política de habitação, fato que tem gerado grandes expectativas nas famílias cadastradas ao IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1430 tempo em que incide em um sentimento de descrédito por parte da população em garantir sua moradia pela perspectiva do direito. Essa configuração tem levado as famílias a pensarem suas próprias estratégias de acesso à moradia, desencadeando, pois, em processos de ocupação no referido Conjunto Habitacional, este que em um período de pouco mais de 01ano, mais que triplicou o número de moradores/as oriundos/as de ocupações. Essa perspectiva de luta divide opinião e torna as famílias vítimas de um processo precário de moradia, uma vez que não conseguem garantir outros serviços sociais básicos, entre eles água e energia, pois não tiveram ainda sua situação habitacional regularizada. Para suprir a necessidade de acesso à água as famílias fazem uso de uma torneira coletiva que lhes foram garantidas após uma ação judicial de acordo entre os/as moradores/as e o município. De acordo com as legislações discutidas no trabalho, moradia não se restringe apenas ao acesso a casa, mas compreende um conjunto de direitos que coletivamente garantidos constroem a perspectiva de direito à cidade, entre esses, educação, saúde, cultura, lazer, trabalho e renda e mobilidade urbana. As análises em torno do Conjunto Novo Iguatu possibilitaram compreender que a existência de alguns equipamentos sociais em seu entorno não se configuram como uma realidade adequada de serviços sociais para a demanda de toda população, visto que esses quando observados em sua totalidade apresentam características e limitações que incidem diretamente sobre a qualidade de vida dos/as moradores/as. Entre outras percepções, fica evidente que o acesso a alguns direitos se dá no âmbito privado. Quando observados os espaços de cultura e lazer, esses são oferecidos predominantemente pelas empresas ou organizações trabalhistas. Em se tratando de transporte público, pode-se afirmar que inexiste no território. Analisado o número de trabalhadores/as de carteira assinada, estes/as representam apenas 24% da população entre 30 e 59 anos, pode-se assim inferir que, as políticas de trabalho e renda tem apresentado pouca incidência para o território. Ademais, o Programa Bolsa Família se apresenta como principal fonte de renda das famílias. Quando analisado, sobretudo, as políticas de educação, saúde e assistência social IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1431 pode-se inferir que esses serviços sofrerão um aumento considerável em sua demanda, uma vez que o Novo Iguatu está planejado para receber em torno de 1.000 famílias, além disso, esses equipamentos estão planejados para atender outras localidades. Assim sendo, as análises que ampararam a construção da pesquisa reafirmam que o direito à cidade no atual contexto de desenvolvimento capitalista tem se dado de maneira que não tem garantido a efetividade dos direitos fundamentais, excluindo a classe trabalhadora desse processo, ficando relegado à essa a subvida nas periferias. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). 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Aline Macêdo Câmara Gracindo3 Camila Mesquita Soares4 Gilcélia Batista de Góis5 RESUMO: Historicamente existiram pessoas habitando nas ruas, as quais geralmente foram tratadas através de instrumentos repreensivos ou quando muito de medidas paternalistas e higienistas. Julgados previamente de forma moralista, esta população dificilmente consegue alcançar seus direitos. Por viver em condições miseráveis são excluídos pelos demais. Partindo desta compreensão, o presente trabalho objetiva analisar as políticas públicas sociais e programas voltados para estes sujeitos, bem como a questão urbana, que está associada ao direito à cidade daqueles que vivem neste espaço, ou seja, dos moradores de ruas, no atual contexto neoliberal. Para tanto, realizamos uma pesquisa bibliográfica, mediante leituras sistemáticas e críticas acerca do tema aqui abordado. O objeto deste trabalho foi analisado por meio de um plano, de corte longitudinal, devido ao resgate histórico feito sobre a origem do fenômeno em questão, e após este resgate, empreendemos um estudo de corte transversal, na medida em que analisamos as políticas sociais e a questão das cidades para esta população no contexto atual. Depreendeu-se, ao final deste trabalho, que embora o atual Governo tenha estabelecido propostas voltadas para este segmento, a má utilização dos recursos financeiros e o predomínio dos interesses burgueses sobre os interesses coletivos, impedem a materialização de tais propostas. Palavras-Chave: Políticas Sociais. Moradores de rua. Cidades. INTRODUÇÃO O presente trabalho trás uma análise das políticas sociais para os moradores das ruas das cidades, por um caminho que vai desde o surgimento das políticas sociais e das cidades por uma visão crítica, explicitando a inserção desses moradores nas ruas à luz da questão Acadêmica do 6° período do curso de Serviço Social – UERN/ Bolsista PET-Saúde Rede de Atenção Psicossocial. Telefone: (83) 8746 – 3236. E-mail: [email protected] 4 Acadêmica do 4° período do curso de Serviço Social – UERN/Bolsista PET-Saúde Rede de Atenção Psicossocial. Telefone: (84) 8783 – 3380. E-mail: [email protected] 5 Professora Doutora – UERN. Telefone: (84) 9927 – 8339. E-mail:[email protected] 3 IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1434 social. Ainda que tenham existido pessoas morando nas ruas desde a antiguidade, com o processo de industrialização que induz à urbanização, a quantidade de moradores de rua aumenta consideravelmente, portanto, uma expressão da questão social que se proclama nos espaços da cidade, configurando-se como um grande problema urbano até a atualidade. Como resposta o Estado passa a intervir junto às expressões da questão social, mediante as políticas sociais, programas e projetos. Na primeira parte deste estudo, buscamos resgatar a conjuntura histórica do surgimento dos moradores de rua. Vale salientar, que aqui, não tratamos os moradores de rua como um problema, ou seja, discordamos da compreensão de que estes são tidos como “anormalidades” ou ”desajustes” a serem integrados ao sistema ou extintos dele. Na terceira parte, tratamos da questão urbana em tempos neoliberais, onde os interesses do mercado imobiliário são priorizados, em detrimento dos interesses e necessidades sociais dos moradores de rua. Já na segunda parte desta pesquisa expomos a origem das políticas sociais; e no quarto e último ponto discorremos acerca das políticas destinadas à população em situação de rua, também considerando os rebatimentos do neoliberalismo. A fim de cumprirmos os nossos objetivos, utilizamos a pesquisa bibliográfica. No entanto, a maioria dos subsídios encontrados, abordavam de forma específica das crianças que vivem nas ruas, e não da população como um todo, evidenciando a escassez de produção nesta área. 2 NÃO OS VEMOS, NÃO QUEREMOS VER: Contextualizando a origem da população em situação de rua. O fenômeno da criação das cidades não é um fenômeno recente. Estas vêm se formando desde o início da história, num processo que se inicia a partir do momento em que os seres humanos deixam de ser nômades e começam a viver em agrupamentos fixados em algum pedaço de terra, o qual, com o decorrer do tempo, vão reproduzindo-se e desenvolvendo-se. A existência de pessoas vivendo nas ruas das cidades também não se configura como um fenômeno exclusivo dos dias atuais, este foi constatado desde a IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1435 antiguidade. Já a urbanização, compreende ao processo de crescimento acelerado das cidades. Este crescimento aceleramento é favorecido pela industrialização, que se coloca não só como um processo de mudanças econômicas, mas também políticas e sociais, impondo-se, portanto, como ponto de partida para a exposição da “problemática urbana”. (LEFEBVRE, 2001, p.11). Com a Revolução Industrial, a cidade é posta como espaço produtivo, onde se encontram os grandes empreendimentos, atraindo assim, a massa trabalhadora e resultando, então, na migração campo-cidade. Estas famílias que saiam do campo, buscando uma melhor condição de vida nas cidades passaram a ocupar os cortiços, as periferias, entre outros lugares negados pela classe dominante. Emergindo, assim, a segregação espacial das classes sociais e, segundo Henri Lefebvre (2001), a exclusão do “Direito à Cidade”. Assim sendo, a industrialização, ao tempo em que determina o inchaço da cidade, a torna o lócus principal da vida humana. A partir de então, os centros urbanos ganham o honorário de possuidor da centralidade das relações sociais e econômicas. Sobre os referidos (industrialização e urbanização), indica Lefebvre: Se distinguirmos o indutor do induzido, pode-se dizer que o processo de industrialização é indutor e que se pode contar entre os induzidos os problemas relativos ao crescimento e à planificação, as questões referentes à cidade e ao desenvolvimento da realidade urbana, sem omitir a crescente importância dos lazeres e das questões relativas à cultura. [Assim], a industrialização caracteriza a sociedade moderna. (LEFEBVRE, 2001, p. 11). O dito “urbano” possui grande e incontestável complexidade, tanto que, ainda que se classifique como induzido pela industrialização, esta sociedade é chamada de sociedade urbana, e não industrial. Como demonstra o autor supracitado: Ainda que a urbanização e a problemática do urbano figurem entre os efeitos induzidos e não entre as causas ou razões indutoras, as preocupações que essas palavras indicam se acentuam de tal modo que se pode definir como sociedade urbana a realidade social que nasce à nossa volta [...]. (LEFEBVRE, 2001, p. 11). Tal realidade é possuidora de grande complexidade e trás a tona diversos problemas. Desde a antiguidade já havia grupos habitando as ruas, mas, com as transformações IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1436 anteriormente referidas, estes grupos aumentaram, e a maioria da população que habitava o campo começou a migrar rumo às cidades, uma vez que, a mecanização da produção provocou a substituição do trabalho vivo pelo morto, ou seja, desemprego e consequente expulsão dos sujeitos, que se deslocavam em busca de trabalho. Entretanto, a zona urbana não era tudo aquilo que os camponeses sonhavam; lá a substituição do trabalho vivo pelo morto era sentida na pele. Desse modo, as precárias condições de vida encontradas na cidade, faziam com que alguns camponeses adotassem a rua como lar, visto que as indústrias não conseguiam absolver toda a mão-de-obra. Assim sendo, as ‘escolhas’ que se colocavam no horizonte desses sujeitos incluíam, além do assalariamento, a mendicância, a ‘vadiagem’ ou mesmo a ladroagem, largamente utilizadas como formas de resistência às novas relações sociais emergentes (SANTOS, 2012, p.34). Assim, o aparecimento das diversas expressões da “questão social”, a qual surge no interior do modelo econômico que se consolida a partir da Revolução Industrial, inclui também à urbanização desenfreada o aumento da quantidade dos moradores de rua. Conforme Guimarães (2013): [...] absolutamente coerente a perspectiva que entende que os novos eixos de conflito e suas novas formas de organização e expressão sociais, dentre as quais estão situados também a questão urbana e os movimentos sociais urbanos, nada mais são do que distintas manifestações da contradição capital-trabalho. Aliás, contradição fundante desta sociedade, reafirmada pela pobreza urbana e por seus desdobramentos.” (GUIMARÃES, 2013, p.93) A população em situação de rua pode ser definida como: “[...] pessoas que não têm moradia e que pernoitam nas ruas, praças, calçadas, marquises, jardins, baixos de viaduto, mocós, terrenos baldios e áreas externas de imóveis;” (SCHOR; VIEIRA, 2009, p.2) No caso do Brasil, alguns aspectos particulares devem ser ressaltados. O processo de colonização realizado pelos portugueses deixou amargas heranças, que refletem até hoje na nação. Primeiramente na divisão de terras, iniciada com as sesmarias, onde apenas privilegiados tinham direito a posse das terras, processo que irá confluir na formação da IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1437 estrutura fundiária determinada pela propriedade destas nas mãos de poucos, como demonstra Covolan6, ao tempo em que menciona Prado Junior, para respaldar sua colocação: Os primeiros colonos foram empresários, nobres ou fidalgos próximos do trono, capazes de grandes investimentos, sendo-lhes concedidas grandes frações de terras e poderes. O reino precisava deles para este empreendimento, e conhecia suas pretensões, pelo que sua política se orientou [nas palavras de Prado Junior, 1942, p.114] “desde o começo, nítida e deliberadamente, no sentido de constituir na colônia um regime agrário de grandes propriedades”. (COVOLAN, 2010, disponível em: <www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/8mostra/5/262.pdf>) Além disso, tal processo teve como base a escravidão e exploração dos negros, determinando desde cedo sua posição inferior no sistema social. Mesmo depois da Lei Aúrea (1888), os negros continuaram sofrendo as consequências de séculos de submissão aos brancos. Muitos deles foram abandonados nas ruas pelos seus ex-donos, sem receber assistência por parte do governo. Como defende Gilberto Freire em entrevista acerca da temática da democracia racial: [...] depois que o Brasil fez seu festivo e retórico 13 de maio 7, quem cuidou da educação do negro? Quem cuidou de integrar esse negro liberto à sociedade brasileira? A Igreja? Era inteiramente ausente. A República? Nada. A nova expressão de poder econômico do Brasil, que sucedia ao poder patriarcal agrário, e que era a urbana industrial? De modo algum. De forma que nós estamos hoje, com descendentes de negros marginalizados, por nós próprios. Marginalizados na sua condição social. [...]. (FREYRE, 15.03. 1980, em entrevista à jornalista Lêda Rivas) Outro viés relevante é o fenômeno do clientelismo que consiste na troca de favores políticos. As práticas clientelistas impedem que o cidadão se veja como tal, uma vez que, apresenta seus direitos na forma de concessões benemerentes. A ideologia do favor preconizada pelos capitalistas encontrou terreno favorável junto a grande maioria da Fernanda Cristina Covolan, autora do artigo intitulado de “Sistema Sesmarial no Brasil”. O qual aborda tal sistema de terras a partir da revisão bibliográfica de clássicos autores da história do Brasil, tais como Holanda (1976), Prado Junior (1942), Sodré (1973), dentre outros. Artigo apresentado na 8° Mostra de Acadêmica da UNIMEP (evento ocorrido durante os dias 26 a 28 de outubro de 2010) e disponível em: <www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/8mostra/5/262.pdf> 6 7 Referente ao dia 13 de maio do ano 1988, data em que foi sancionada a Lei Áurea. Esta Lei, assinada pela princesa Isabel (1846-1921), caracteriza-se como o marco legal do fim da escravidão no Brasil. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1438 população, que pelo seu baixo nível de politização, incorpora e transmite de geração em geração tal ideologia. Dessa forma, Então o brasileiro é aquele que quando vai a qualquer instituição pública exercer seus direitos, está sempre pensando e se colocando na posição daquele que vai pedir um favor e depende da boa vontade de quem o atende, recebendo-o bem ou não. Ele não se sente como cidadão usufruindo seus direitos e, para ele, ser pobre não é um problema social, mas uma vergonha individual. (ESTEVÃO, 2007, p.60). Estas particularidades brasileiras colaboram para que considerável percentual das pessoas da rua seja constituído hoje por negros e que, independente de raça, desconhecem seus direitos. A existência desses moradores e o retrato das vidas nas ruas do Brasil, assim como os diversos motivos, que os levam a essa inserção, evidenciam a desigualdade que constitui o perfil social do país. Em virtude da dinamicidade, complexidade e na rapidez do cotidiano da vida urbana, principalmente nas grandes cidades, a pobreza é invisibilizada e, muitas vezes, quando vista, é banalizada. Essa situação é reflexo de uma sociedade desigual e excludente, onde se expressam contextos de pobreza e marginalização. Assim, mencionar a situação dos moradores de rua significa referir-se também à pobreza, ainda que não somente a isso, como justifica Schor: “[...] o que leva as pessoas às ruas? [...] ainda não se conseguiu uma resposta consistente. Sabe-se que alguns fatores encontram-se sempre associados. Assim, álcool, desemprego e rompimento de relações familiares surgem repentinamente nas histórias pessoais daqueles que foram viver nas ruas. Pobreza, dissolução dos vínculos familiares e desemprego são condições que muitas famílias, e pessoas, enfrentam. Nem todas, contudo, levam a perda das condições mínimas que impedem a chegada às ruas.” (SCHOR, O Estado de S. Paulo, 01/06/2011. Disponível em: <http://www.estado.com.br/noticias/impresso,e-utopia-pretender-impedir-quesurjam-moradores-de-rua,559677,0.htm>) Entre os finalmente referidos (os que não perdem “as condições mínimas que impedem a chegada às ruas”), podemos mencionar a existência de casos em que o motivo da IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1439 inserção neste meio foi o agravamento de algum transtorno mental ou envolvimento com álcool, crack e outras drogas. Valendo ressaltar que: O consumo e a venda de drogas não são, certamente, a causa única que leva as pessoas às ruas. São, entretanto, um importante elemento da dinâmica das ruas possibilita a geração de renda, reduz a eficácia das ações públicas, degrada as condições físicas e seduz jovens e adolescentes. [...] as intervenções junto aos moradores de rua devem ser multidimensionais. Isso porque todas as dimensões da vida dessas pessoas se encontram atingidas: saúde, emprego, família, moradia, sociabilidade [...]. (SCHOR, O Estado de S. Paulo, 01/06/2011. Disponível em: <http://www.estado.com.br/noticias/impresso,e-utopia-pretender-impedir-quesurjam-moradores-de-rua,559677,0.htm>). Desse modo, fica cediço que ao elaborar políticas públicas sociais para a população em situação de rua, a sua heterogeneidade e multidimensionalidade devem ser consideradas, assim como as suas particularidades no Brasil. A efetividade das ações voltadas para este segmento social está no reconhecimento deste em sua totalidade, recusando-se visões reducionistas. 3 RUAS DE QUEM? O adensamento da problemática no contexto atual /neoliberal O capitalismo exerce domínio sobre todas as dimensões da vida. Com ele, todos os aspectos da vida social passam a ser influenciados e direcionados a funcionar sob sua lógica, tendo em vista que “o modo de produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social, política e espiritual.” (MARX, 1982a, p.25). Transformando tudo em mercadoria, também transforma a terra. Em toda a história, quem teve terra, teve mais condições de desenvolver os meios para sua sobrevivência, mas, na medida em que o capitalismo vai se intensificando, a aquisição dessas vai sendo dificultada. Assim, possuir terra torna-se sinônimo de poder. O processo de urbanização do Brasil possuiu um viés de melhora da “imagem da cidade”. Neste processo, buscava-se proporcionar às cidades brasileiras, que antes possuíam aspecto mais rural (por ter sua economia voltada, principalmente, para a produção de café) embelezamento que reproduzisse os modelos europeus. Nesse sentido se configura uma IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1440 política urbana de cunho higienista e segregadora. Os moradores de rua são vistos como problemas que se disseminam pela cidade, que causam risco à segurança e tiram a beleza dos espaços. No atual estágio do sistema produtivo, o estágio de financeirização da economia que se caracteriza pela forte ofensiva neoliberal, o que é priorizado, na verdade, são os interesses do mercado imobiliário em contraponto às necessidades sociais no âmbito da cidade, incluindo as necessidades habitacionais. A segregação espacial entre as classes têm continuidade em tal estágio, os bairros centrais possuem preços altíssimos e, com isso, a classe trabalhadora continua sendo ejetada para os bairros periféricos ou para os bairros de mínima ou nenhuma especulação imobiliária. Segundo Furine e Goes (2003) “[...] a população de rua une local de trabalho, local de moradia e local de lazer num só – que se torna o eixo da territorialização” (FURINE; GOES, 2003, p.3). Quanto a isso, e a partir de sua pesquisa com população de rua, Maciel (2004) afirma que: “é comum, portanto que o centro da cidade se torne o local predileto daqueles que vivem na e da rua. A concentração de pontos comerciais, o fluxo intenso de pedestres justifica a escolha pelos centros das cidades.” (MACIEL, 2004, p. 29). Acontece que a presença de moradores nas ruas dos centros das cidades ou em áreas de interesse imobiliário, se contrapõe aos interesses da classe possuidora e aos interesses das grandes empreiteiras. Assim, é perceptível que nas cidades há “os violentos contrastes entre a riqueza e a pobreza, os conflitos entre poderosos e oprimidos, [mas estes] não impedem nem o apego à Cidade, nem a contribuição ativa para a beleza da obra.” (LEFEBVRE, 2001, p. 13). Com isso, ricos e pobres, possuidores de grandes imóveis e aqueles que de posse não têm nada ou possuem pouca coisa, como uma coberta, uma caixa que à noite vira cama, constituem uma única ou várias cidades. Depreende-se, então, que o atual sistema, ao tempo em que mercadoriza, que coloca tudo a favor de uma classe (aquela que possui poder aquisitivo), impossibilita a liberdade humana. Esclarecem Netto e Braz (2012): [...] um projeto de emancipação humana que foi conduzido pela burguesia revolucionária, resumido na célebre consigna liberdade, igualdade, IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1441 fraternidade.Entretanto, a emancipação possível sob o regime burguês, que se consolida no século XIX, não é a emancipação humana, mas somente a emancipação política. Com efeito, o regime burguês emancipou os homens das relações de dependência pessoal, vigentes na feudalidade; mas a liberdade política, ela mesma essencial, esbarrou sempre num limite absoluto, que é próprio do regime burguês: nele, a igualdade jurídica (todos são iguais perante a lei) nunca pode se traduzir em igualdade econômico-social – e, sem esta, a emancipação humana é impossível. (NETTO; BRAZZ, 2012, p.31-32) Assim, igualdade e capitalismo não são compatíveis. Dizer, portanto, que “todos são iguais perante a lei” oculta desigualdades entre classes e o domínio de uma sobre a outra. Os privilégios que são derivados desse domínio também se expressam nos espaços da cidade. Se há segregação para com a classe trabalhadora, essa situação se aprofunda ainda mais tratandose dos moradores de rua, os quais são, ainda, constantemente vítimas de julgamentos de caráter moralistas: são associados ao perigo, drogas, sujeira e, por isso, sofrem para conseguir emprego. Aos moradores de rua, é excluído o direito de exercer diversas atividades na cidade, como freqüentar os espaços de convivência e lazer. 4 CONTEXTUALIZANDO AS POLÍTICAS SOCIAIS Historicamente, a maior parte da humanidade vem sofrendo com os males sociais (fome, desemprego, subemprego, violência etc.) que expressam a chamada questão social e que se intensificaram após a Era Industrial. Com isso os sujeitos atingidos por tais males deram início, na Inglaterra, a algumas manifestações grosseiras contra o modo de vida que levavam; mas gradativamente as manifestações se politizaram ocupando a esfera política. Por esta razão, a repressão e a caridade utilizadas para amenizar estes “problemas” e manter a “ordem”, já não eram tão eficazes tendo que abrir caminho para medidas encabeçadas pelo aparelho estatal. Em outros termos: A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvendo da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e da repressão. O Estado passa a intervir diretamente nas relações entre empresariado e a classe trabalhadora, estabelecendo não só uma regulamentação jurídica do mercado de trabalho, através da legislação social e trabalhistas específicas, mas IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1442 gerindo a organização e prestação dos serviços sociais, como um novo tipo de enfrentamento da questão social. Assim, as condições de vida e trabalho dos trabalhadores já não podem ser desconsideradas inteiramente na formulação de políticas sociais, como garantia de bases de sustentação do poder de classe sobre o conjunto da sociedade (IAMAMOTO; CARVALHO, 1998, p. 77). Neste sentido, as políticas sociais surgem a partir da intervenção do Estado no social, que, pressionado pelos movimentos sociais que reivindicavam melhores condições de vida, passou a “assumir” o ônus de um sistema produtivo predatório. No entanto, foi um processo lento e árduo até as políticas sociais se consolidarem como mecanismos garantidores de direitos, não obstante mecanismos ideológicos de sustentação dos interesses burgueses. No período em que a Revolução industrial se estia e intensificava-se, a pobreza agravou-se, em virtude disso, algumas tímidas medidas foram tomadas pelo governo inglês. Ainda em seu estágio embrionário as denominadas protoformas das políticas sociais costumam ser caracterizadas como promotoras de benefícios significativos para a classe trabalhadora mas, na verdade, eram medidas coercitivas, considerando que obrigavam os indivíduos a submeter-se as condições para receberem parcos recursos. Exemplo são as leis inglesas que não protegiam, mas pelo contrário prejudicavam o trabalhador, haja vista que, elas obrigavam as classes subalternas a trabalharem independente das suas condições de trabalho ser precárias ou não. Sendo leis que serviam ao mercado, objetivando expandi-lo através da intensa exploração do proletariado. As primeiras formas de políticas sociais eram assim, promotoras tanto do trabalho forçado, como dos auxílios mínimos, para que os mais pobres pudessem estar em boas condições para produzir. Dentre essas leis inglesas destacam-se a lei de Speehamland (1795) que tinha um caráter menos repressor do que as demais, pois disponibilizava um abono financeiro (que dava apenas para suprir as necessidades alimentícias) tanto aos empregados como aos desempregados. Mas ao mesmo tempo exigia que o trabalhador se fixasse na cidade, não podendo ir morar em outro local, pois, visava à concentração da mão-de-obra. Entretanto, a tendência do mercado era crescer, sendo assim esta lei representava um entrave à expansão industrial. Por esta razão, a Speenhamland foi abolida sendo criada em 1834 a Poor Law IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1443 Reform, que trazia em seus pressupostos a ausência de qualquer renda conferida pelo governo, motivando os sujeitos a venderem desesperadamente a sua força de trabalho, já que esse era e é o único meio de sobrevivência na sociedade capitalista. Essa lei surge primordialmente para servir ao capital, pois, para promover a liberdade e a competitividade de que o mercado tanto necessita, desprotegia e desassistia os sujeitos motivando- os a competirem entre si a fim de garantirem sua própria sobrevivência. Era um período de desumanização, intensificação da pauperização e de extrema violação dos direitos. O que não se diferencia muito do atual quadro social. Conforme Behring e Boschetti: Pode parecer exagerado atribuir a uma lei assistencial o ‘poder’ de impedir o estabelecimento do livre mercado, mas o fato é que, enquanto as anteriores leis dos pobres induziam o trabalhador a aceitar qualquer trabalho a qualquer preço, a Lei Speenhamland, ao conttário, permitia ao trabalhador minimamente “negociar” o valor de sua força de trabalho, impondo limites (ainda que restritos) ao mercado de trabalho competitivo que se estabelecia. A sua renovação, em 1834 pela Poor Law AmendmentAct(...) marcou o predomínio, do capitalismo, do primado liberal do trabalho como fonte única e exclusiva de renda, e relegou a já limitada assistência aos pobres ao domínio da filantropia (BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 49-50) Neste prisma, no estágio concorrencial do capitalismo, alimentado pela ideologia liberal, as expressões da questão social são tratadas de forma repressiva e assistencialista, tendo em vista “que o Estado, nas mãos dos capitalistas (...), atendia praticamente apenas aos interesses do capital. O essencial das funções do Estado burguês restringia- se às tarefas repreensivas: cabia- lhes assegurar (...) a manutenção da propriedade privada e da ‘ordem pública’” (NETTO; BRAZ, 2010, p.173). Vale acrescentar que esta repressão andava de mãos dadas com ações de cunho filantrópico. No liberalismo, o Estado assume o papel de regulador da relação capital/trabalho, para atender especialmente às exigências do mercado. Neste cenário, onde apenas a intervenção no social deve ser evitada, as políticas sociais são negadas, pois são reduzidas á estimulantes da preguiça e da ociosidade. Mas, a ideologia liberal se tornou insustentável, não só devido às duas grandes guerras mundiais, mas também a quebra da bolsa de valores de Nova York (1929-1932). Foi adotado então, o WelfareState, ou Estado de bem-estar social, pelos países IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1444 europeus e pelos E. U. A, com o objetivo de integrar os sujeitos ao esforço de reativar o crescimento econômico. Podemos perceber que ao invés das medidas de proteção social avançar juntamente com o desenvolvimento das forças produtivas, elas regrediram, o que aprofundou as manifestações da “questão social”, que por sua vez, acordou as classes subalternas para uma longa e árdua luta por direitos sociais, políticos e civis. Diante deste cenário é que surgem as lutas sociais, reivindicando do Estado respostas para a situação vivida, que por vez se deram em forma de políticas sociais. Uma vez que o esforço do “Estado a serviço dos monopólios para legitimar- se é visível no seu reconhecimento dos direitos sociais (...). A consequência desse reconhecimento, resultado da pressão dos trabalhadores, foi a consolidação de políticas sociais (...)” ( NETTO; BRAZ, 2010, p 205- 206). Estas se configuraram como medidas emergenciais, residuais e imediatistas que em meio á crise econômica gerada pela quebra da bolsa de valores e a devastação causada pelo segundo pós- guerra seriam úteis para controlar os conflitos sociais e reativar o crescimento econômico pela esfera do consumo. Sendo assim, as políticas sociais surgem não porque o Estado está unicamente preocupado com a classe trabalhadora, mas porque ele sabe que é necessário amenizar as expressões da questão social, tendo em vista que, sua intensificação promove mobilização e lutas sociais que são ações prejudiciais ao capitalismo. Neste contexto se insere as políticas sociais, que assumem um papel ambíguo, na medida em que expressam- se tanto como respostas, as necessidades sociais dos trabalhadores; como mecanismos que sustentam tanto política como economicamente o sistema produtivo. Com isso as políticas sociais se difundiram e após a Segunda Guerra Mundial se generalizaram, com o objetivo de implantar o pleno emprego, que geraria o consumo, que por sua vez sanaria os problemas de supercapitalização, superprodução e subconsumo. Sendo assim, o Estado foi chamado a intervir no social a fim de promover a recuperação econômica dos países, pois ao ser cooptado pela burguesia, o aparelho estatal assume a função não apenas de garantir “a reprodução e a manutenção da força de trabalho, ocupada e excedente, IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1445 mas é compelido (e o faz mediante os sistemas de previdência e segurança social, principalmente) a regular a sua pertinência a níveis determinados de consumo” (NETTO, 1992, p.23). Com isso objetiva- se preservar a “paz social”, silenciando os clamores dos desapropriados dos meios de produção por melhoras sociais. É de suma importância salientar, que a expansão das políticas sociais no Estado Social, variou de país para país. Na Alemanha, por exemplo, tivemos políticas voltadas para a seguridade social destinada aqueles que não estavam em condições de trabalhar, e tinham como meta desestruturar a organização dos trabalhadores. Este modelo foi implantado por Otto Von Bismarck, e funcionava de acordo com as contribuições feitas pelos beneficiados, mercantilizando assim, o direito. Já na França, as políticas sociais, denominadas de Estado Providência, ironicamente, pelos liberais e não se faz necessário explicar o porquê, contemplavam aqueles que sofriam acidentes de trabalho. Dessa maneira, é perceptível que: O surgimento da politicas sociais foi gradual e diferenciado entre os países, dependendo dos movimentos de organização e pressão da classe trabalhadora, do grau de desenvolvimento das forças produtivas, e das correlações e composições de força no âmbito do Estado. Os autores são unânimes em situar o final do século XIX como o período em que o Estado capitalista passa a assumir e a realizar ações sociais de forma mais ampla, planejada, sistematizada e com caráter de obrigatoriedade (BEHRING; BOCHESTTI, 2007, p.64). Entretanto, a interferência excessiva do Estado começou a incomodar alguns setores da sociedade, tanto por estar limitando a liberdade de mercado essencial ao sistema capitalista como por não conseguir evitar a queda nas taxas de lucro, evidenciando que o problema não era na esfera do consumo, como pensara Keynes, e sim da produção; o que resultou no fim do Estado de Bem- Estar Social, pois “na passagem dos anos sessenta aos setenta do século XX, ele entrou em crise e mecanismos de reestruturação foram implementados pela burguesia monopolista, revertendo as conquistas sociais alcançadas no segundo pós-guerra (...)” (NETTO; BRAZ, 2010, p. 206). A partir de então o mundo experimentara o capitalismo monopolista- financeironeoliberal, que consiste num estágio do capitalismo que perdura até hoje; caracterizado pela IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1446 extrema concentração e centralização das indústrias e do capital bancário nas mãos de uma minoria, que se apoia na ideologia neoliberal. Esta última retoma os pressupostos liberais, que dentre outros aspectos defende a não intervenção estatal a fim de preservar a liberdade de mercado. À diferença do período keynesiano, que baseava- se no fordismo, que por sua vez pregava a produção em massa e padronizada, visando o consumo em massa; está nova fase do sistema econômico, volta- se para a esfera da produção, compreendendo que seria mediante a diversificação dos produtos que as taxas de lucro se manteriam elevadas. Em outros termos: É que o liberalismo Keynesiano sustenta- se no fortalecimento da demanda, ou seja, na capacidade de compra, de consumo da população, e isso é possível com pleno emprego e bons salários (...) é por esta razão que Keynes defende a participação do Estado. Enquanto isso, o neoliberalismo, contrariamente, propõe o fortalecimento da oferta, reduzindo os custos de produção, particularmente com a diminuição do valor da força de trabalho (precarizando salários, direitos trabalhistas, e serviços e políticas sociais estatais); aqui a ênfase não está na ampliação da capacidade de consumo (para a produção em massa), mas na diminuição dos custos e flexibilização da produção (no contexto de crise), e é esse o motivo pelo qual a orientação meoliberal recai na defesa da ‘liberdade’ do mercado e a não participação (social) do Estado (MONTANÕ; DORIGUETTO, 2011, p. 204). Dessa forma, as políticas sociais que durante o Estado Social estiveram no seu auge de extrema expansão; com o predomínio da ideologia neoliberal foram desregulamentadas, e desmontadas, reduzidas a políticas de governo para os pobres dos pobres. Sendo assim, a questão social voltou a ser tratada ora por medidas repressivas; ora assistencialistas, experimentado também processos de criminalização e judicialização. Com isso, propagam- se as desigualdades sociais, a opressão, e a exploração, típicas do modo de produção vigente. Os neoliberais naturalizam assim as refrações da questão social, na medida em as veem como males necessários ao bom funcionamento do sistema. Entretanto, a intervenção estatal ainda é útil, considerando que: (...) para facilitar a concorrência, mantém uma certa política social- assistencial, claramente precária e direcionada (focalizada) às pessoas e grupos que não logram ascender os patamares de sobrevivência. O restante de respostas ás necessidades sociais deve ser promovido, ora pelo mercado, ora por entidades assistenciais (MONTANÕ; DORIGUETTO, 2011, p. 65). IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1447 Dessa maneira, percebemos que o que se confira atualmente é a expansão da política de assistência social, de modo focalizado, emergencial, e extremamente seletivo; expansão essa que visa proporcionar alguma renda mínima para os sujeitos que não estão inseridos no mercado de trabalho, a fim de que os mesmos possam ter condições de participar do sistema na condição de consumidores marginais. Esta estratégia atente aos interesses burgueses tanto em termos econômicos, pois fazem os sujeitos alimentarem a concorrência de mercado, como em termos políticos na medida em que promove o quietismo político, fazendo com que os beneficiados não mais contestem o modo como o país vem sendo governado. Quanto a saúde, a educação e a previdência, passaram a fazer parte do reino mercatório, sendo ofertadas das mais diversas formas e pelos mais diversos preços, ou mesmo ficando a cargo de ações filantrópicas, amplamente divulgadas pelos meios midiáticos. 5 POLÍTICAS SOCIAIS PARA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA Será que as pessoas da rua querem deixar este espaço? Será que estas podem continuar vivendo desta forma com dignidade? O primeiro passo para se implantar políticas sociais eficazes voltadas para este público-alvo, é saber que o mesmo é constituído heterogeneamente por uma diversidade não só de raça, cor, sexo, idade e gênero mas também de diferentes crenças, mentalidades e visões de mundo. Por esta razão, não é interessante trabalhar com conceitos fechados acerca deste grupo social. Vivemos em uma forma de organização social específica que tem contribuído para que os sujeitos de rua continuem vivendo a mercê de sua própria sorte, tendo os seus direitos violados em suas mais diversas maneiras. Apenas recentemente, estes tornaram- se objeto de preocupação social. Deste modo, iremos expor aqui alguns projetos e ações voltados para atender as necessidades de quem vive nas ruas. Considerando que: As políticas sociais são concessões/conquistas mais ou menos elásticas, a depender da correlação de forças na luta política entre os interesses das classes sociais e seus segmentos envolvidos na questão. No período de expansão, a margem de negociação se amplia; na recessão, ela se restringe. Portanto, os ciclos econômicos, que não se definem por qualquer movimento natural da economia, mas pela interação de um conjunto de decisões ético-políticas e econômicas de homens de carne e osso, IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1448 balizam as possibilidades e limites da política social (BEHRING, 2009, p.19). Portanto, partindo deste entendimento de que as políticas sociais sofrem as limitações subjetivas e objetivas que se apresentam em cada contexto, passemos a sua análise. Em âmbito federal tem-se aPolítica Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua, resultado das reuniões do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), coordenado pelo Ministério de Desenvolvimento Social e combate à Fome (MDS)e instituído pelo Decreto s/nº, de 25 de outubro de 2006,a qual vem nortear a elaboração e execução das políticas públicas para estes usuários, objetivando a sua reinserção à vida social. E a Política Nacional Para a População em Situação de Rua, criada pelo Decreto 7.053, de dezembro de 2009, que visa a execução de projetos intersetoriais como o denominado Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop) que objetiva acolher moradores durante o dia. Entretanto, para que os princípios norteadores destas políticas venham a ganhar concretude é necessário que haja uma mobilização articulada entre as três esferas governamentais e a sociedade civil organizada (Movimento Nacional da População de Rua, Pastoral do Povo da Rua e do Colegiado Nacional dos Gestores Municipais da Assistência Social). Outros acontecimentos de grande importância nacional foram o I e o II Encontro Nacional Sobre População em Situação de Rua. Sendo o primeiro realizado em 2005, com a finalidade de dar ênfase à necessidade de políticas públicas para os moradores de rua; e o segundo realizado em 2009, o qual colocava em pauta a Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua e incentivava a participação política desta população. Em relação à Assistência Social, temos alguns avanços como o que está presente na Lei Orgânica de Assistência Social, que incorporou a tarefa de elaborar programas que atendam tal demanda específica. A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) apresenta a seguinte norma voltada especificamente para este público: “no caso da proteção social especial, à população em situação de rua serão priorizados os serviços que possibilitem a organização de um novo projeto de vida, visando criar condições para adquirirem referências IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1449 na sociedade brasileira, enquanto sujeitos de direitos” (2004,37). Além disso, encontramos ainda alguns serviços que não são exclusivamente destinados à população de rua, mas a cobrem como, a proteção especial para quem teve seus “direitos violados e, ou, ameaçados e cuja convivência com a família de origem seja considerada prejudicial a sua proteção e ao seu desenvolvimento” (PNAS, 2004, 37); e os serviços de média complexidade acionados quando da violação dos direitos, porém, sem a quebra da relação familiar e comunitária. Nesta última modalidade destacamos dois instrumentais técnico-operativos que atendem as demandas das ruas: o Plantão social e a Abordagem de Rua. E por fim os serviços de proteção social especial de alta complexidade que oferecem atenção integral aos “indivíduos que se encontram sem referência” (PNAS, 2004,38), como: Casa Lar, República, Casa de Passagem, Albergue, etc. É importante esclarecer que o aparato jurídico explanado a pouco, não esgota todo o arsenal teórico- normativo que reconhece as necessidades do povo da rua; e não representa o fim da luta pela materialização dos direitos do mesmo. Afinal, ainda há muito a ser conquistado, considerando que: O direito assume, portanto, na formação social capitalista, uma função ideológica de alta complexidade com consequências sócio-políticas. Isso porque quando reconhece os agentes da produção como sujeitos iguais, na verdade, efetiva-se aí um modo particular de ordenar e disciplinar os conflitos sociais. Entram em cena dispositivos normativos e ideológicos que servem ao processo de naturalização das relações econômicas e de classe, na medida em que os indivíduos são tratados de modo genérico, destituídos das relações reais e históricas que vivenciam (BEHRING; SANTOS, 2009, p.15). Na forma de organização social especifica em que vivemos a aprovação dos direitos no plano normativo, acaba se transformando numa forma de conter os ânimos daqueles segmentos mais atingidos pelos processos de pauperização, logo mais propícios a reivindicar. Essa é mais uma estratégia utilizada pelos capitalistas para mistificar as reais relações sociais de dominação, exploração e opressão que caracterizam o sistema. Não obstante, isso não retira a significância dos direitos já conquistados e que de fato beneficiam as classes oprimidas. Em relação à saúde, devido as suas singularidades (caráter itinerante, falta de higiene, IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1450 e possível envolvimento com drogas) a população em situação de rua vem sendo desassistida pela saúde pública brasileira. Por outro lado, esta só recorre aos serviços de saúde, quando a doença a impedi de realizar as suas atividades cotidianas, o que dificulta a prestação dos mesmos (BRASIL, 2012). Dessa forma, a PSR, além de enfrentar uma variedade de barreiras para uso dos serviços de saúde, como a limitação, muitas vezes, tem dificuldade de identificar o local apropriado para procurar assistência. São poucas as equipes de saúde específicas e as eSF tradicionais, com a lógica hegemônica da territorialização rígida nem sempre têm as portas abertas a esse grupo social. Os serviços de urgência, em sua maioria, são distantes e inacessíveis. Longas esperas podem significar perda de refeições ou acesso a abrigamento. (BRASIL,2012,p. 39-40). Entretanto, o Sistema Único de Saúde (SUS) apresenta estratégias específicas como os consultórios de rua,instituídos pela Política Nacional de Atenção Básica em conformidade com a lógica da atenção psicossocial, priorizando a política da redução de danos, que desenvolvem ações articuladas com outros pontos de atenção à saúde, dependendo das demandas dos usuários, visando atender as mesmas no seu próprio espaço de vivência, atuando para além dos “muros das instituições”. Desse modo, em 2009 o Ministério da Saúde propõe o Consultório de Rua como uma das estratégias do Plano Emergencial de Ampliação de Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas no Sistema Único de Saúde-PEAD, sendo incluída também, em 2010,no Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack com o objetivo de ampliar o acesso aos serviços de saúde, melhorar e qualificar o atendimento oferecido pelo SUS às pessoas que usam álcool e outras drogas através de ações de rua. (BRASIL, 2010, p.9). Na esfera estadual o quadro de ações estratégicas para o povo da rua, tem se mantido na sua grande maioria na dimensão ideológica, sendo consolidados apenas em alguns estados como o de Pernambuco, que implantou em 2008 o Programa Vida Nova que vem assistiras crianças, adolescentes e jovens das ruas. Em âmbito municipal, as políticas públicas sociais para a população em situação de rua não têm sido objetivadas, tendo em vista o baixo nível de adesão dos municípios à Política Nacional para População em Situação de Rua (apenas Brasília, São Paulo e Gôiania aderiram). No caso dos já citados consultórios de rua, por exemplo, só foram implantados em poucos municípios, assim como o Centro de Referência IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1451 Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), que para muitas cidades ainda é um sonho. O cadastramento desta população no Cadastro Único instituído nacionalmente é uma das ações mais executadas pelos municípios, objetivando proporcionar o acesso desta aos programas e benefícios sociais e produzir informações úteis à elaboração e adequação das políticas públicas às necessidades da mesma. Os desafios para que a população em situação de rua possa ser atendida com dignidade continuam ganhando dimensões cada vez maiores, em virtude do predomínio da ideologia neoliberal. A falta de recursos financeiros e a morosidade do governo federal em aplicar os mesmos, são umas das principais lacunas, que contribuem para que as propostas nacionais para esse segmento da sociedade, não passem de idealizações. É preciso fortalecer os mecanismos de participação popular como fóruns e conferencias a fim de que os moradores de rua assumam o pratagonismo nas decisões concernente a eles e assuntos de interesse geral. CONSIDERAÇÕES FINAIS A população de rua se insere no quadro de pobreza urbana, mas não pode ser resumida a isso, pois são diversos os motivos que os levam a viverem nas ruas da cidade. Assim, em uma disposição mais ampla, inclui-se na problemática do urbano. A vida das pessoas que habitam as ruas é complexa e dinâmica e não se pode querer intervir nesta, a fim de adequá-la a ideologia reinante, uma vez que, deve-se respeitar a singularidade destes sujeitos, seus modos de ser e de se constituírem enquanto tais. Trata-se de uma expressão da questão social que, primeiramente, aumenta em razão da urbanização desenfreada e da não absorção de toda mão de obra por parte do mercado. Além de sofrer influências de outras mudanças no modo de vida da população, advinda do “modo de viver urbano”, como a questão das drogas e do agravamento dos transtornos mentais. Assim, as mudanças no mundo do trabalho, como a intensificação do desemprego, também têm suas contribuições para esse quadro. Contudo, ainda que não haja consonância entre o atual modo de sociabilidade e a igualdade, as políticas sociais são os instrumentos capazes de resgatar a dignidade desses IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1452 cidadãos que vivem nas ruas, a qual constitui- se como um direito. Porém, após análise das políticas sociais direcionadas a esse segmento depreendeu- se que a materialização destas se resume a tímidas iniciativas que são em sua maioria, tolhidas pelos ideais neoliberais, direcionadas pela classe dominante, o que as tornam imediatistas, focalizadas e seletivas. Enquanto estas continuarem sendo implementadas de cima para baixo e de forma desarticulada, isto é, totalmente impregnadas pelo autoritarismo burguês e sem haver a descentralização da participação popular e a distribuição do poder decisório, os seus resultados não serão exitosos. Sendo assim, a população em situação de rua continuará exposta as mais diversas expressões da questão social. É necessário que haja ações articuladas e concretas executadas pelas três esferas governamentais e pela sociedade civil. O povo da rua deve assumir seu protagonismo social e participar ativamente da elaboração das políticas sociais, que são o principal instrumento consolidador de seus direitos; superando assim a crise democrática na qual vivemos. É imprescindível para o estado se aproximar desta população sem, no entanto, privá-la de sua liberdade, valor ético de extrema importância em suas vidas. REFERÊNCIAS BEHRING, Elaine Rossetti. Política Social no contexto da crise capitalista In: Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivonete. Política Social: fundamentos e história. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2007. BEHRING, Elaine Rossetti. Seguridade Social no Brasil: conquistas e limites à sua efetivação. In: Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. BEHRING, Elaine R.; SANTOS, Silvana Mara de Morais. Questão social e direitos. 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Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1456 A IMPORTÂNCIA DA COLETA SELETIVA PARA O MEIO AMBIENTE: UMA ANÁLISE DA ASSOCIAÇÃO ENGENHO DO LIXO DE JUAZEIRO DO NORTE-CE Andressa Duarte Feitosa8 Angélica Carolina de Camargo Oliveira9 Ana Luiza de Melo Pinho10 Luciana Bessa Silva.Faculdade11 RESUMO: O presente artigo objetiva analisar o âmbito do terceiro setor, dando ênfase as ONG’S, qual o seu papel na sociedade, verificando seus serviços e objetivos. Especificamente destacando a Associação Engenho do Lixo de Juazeiro do Norte-CE, com o seu papel de reciclar e preservar o meio ambiente em uma luta sempre contínua, de conscientização da sociedade. Também destacando o papel importante dos catadores na luta por reconhecimento de sua profissão. Para tal pesquisa foi utilizado material bibliográfico sobre o tema e visitas ao espaço referido para conhecer desta forma o âmbito em sua essência. Palavras-Chave: ONG, meio ambiente, Engenho do lixo, terceiro setor. ABSTRACT: This article aims to analyze the scope of the third sector, emphasizing the NGO'S, what their role in society, verifying their services and goals. Specifically highlighting the Association's Mill Waste Juazeiro-EC, with its role to recycle and preserve the environment in a fight always continuous awareness of society. Also highlighting the important role of collectors in the struggle for recognition of their profession. Was used for such research publications on the topic and visits to the area to know that in this way the scope in its essence. Keywords: NGO, environment, garbage Ingenuity, third sector. INTRODUÇÃO 8 Faculdade Leão Sampaio-FALS, (88) 9627 3691, [email protected] Faculdade Leão Sampaio-FALS, (88) 9705 8837, [email protected] 10 Faculdade Leão Sampaio-FALS, (88) 9927 1542, [email protected] 11 Leão Sampaio-FALS (88)9921 3568. [email protected] 9 IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1457 Este trabalho é voltado para o tema terceiro setor e ONG’S, faz uma retrospectiva histórica destes, diferenciando-os, sendo que com a entrada do terceiro setor na sociedade na década de 1990, com o cenário ampliado, ligados a fundações e empresas, este acaba por desresponsabilizar o Estado passando a responsabilidade para a sociedade civil, fragmentando e modificando o papel das ONG’S. Dando ênfase para a Associação Engenho do lixo, vai ser relatado o movimento dos catadores de materiais recicláveis, com suas lutas por melhorias de trabalho, a busca por respeito na sociedade na tentativa de ser enxergado como um profissional reconhecido, com o seu importante papel no processo de reciclagem, preservação do meio ambiente e conscientização dos indivíduos, em um mundo tão devastado. O Engenho do lixo trabalha com a coleta seletiva com algumas famílias, mas nem todo o lixo recolhido é separado, pois não há ainda uma consciência de todos, ao longo dos anos a instituição foi sendo reconhecida no cenário local, nacional e até internacional através do seu trabalho. O interesse pela construção de um artigo neste tema foi entender a importante missão de um trabalho não reconhecido perante a sociedade e o sistema social vigente e que é de extrema importância tanto para as pessoas como para o meio, desta forma compreendendo e podendo repassar o conhecimento adquirido na busca de uma maior visibilidade desta atividade. 1-ONG’S E TERCEIRO SETOR Nas três últimas décadas, segundo Gohn (2005), em 1970,1980 e 1990 com as mobilizações dos movimentos sociais e populares na luta contra o regime militar pela democratização, temos a entrada de novos atores no campo de atuação da sociedade civil demarcando a participação dos cidadãos na vida pública. Nesta fase o papel das ONG’S era voltado para fortalecer a representatividade dos movimentos populares e a sua estruturação, conscientizando-os. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1458 Assim, as ONG’S eram reconhecidas como ONG’S cidadãs, movimentalistas e militantes, elas encobriam a face produtiva que gerava inovações para o campo de alternativas as demandas sociais. Nos anos 90 é ampliado o cenário com o surgimento de entidades autodenominadas de terceiro setor, que se encontrava vinculadas as empresas e fundações, com o perfil ideológico e projeto político definido, momento em que algumas ONG’S entram em crise e se fragmentam. Este período confere um novo protagonismo para as ONG’S, com o papel mais ativo, com especialização voltada para alguns temas como mulher, saúde etc. De acordo com a visão de Gohn (2005), o terceiro setor veio para enfraquecer politicamente as ONG’S cidadãs, com o seu polo associativo pouco ou nada politizado preocupado apenas com a sua integração ao status quo vigente sem questionamento, assim considerado um setor contraditório em que o modelo de desenvolvimento é inspirado no novo modelo de civilização em que a ética, a justiça e a igualdade sejam prioritárias e inegociáveis, tornando assim um problema para as instituições, em que o impacto com a realidade é lenta. Segundo Montaño (2007), o terceiro setor tem o seu desvendamento voltado para uma análise crítica e ontológica, numa visão voltada para a própria realidade histórica como um todo, ou seja, a realidade como interlocução e a teoria como sua reprodução, porém este conceito não é fenomenalmente isolado, ele tem o seu início com movimentos e tendências de transformação do capitalismo como um todo, tendo fenômenos que participam do seu produto inserido no movimento geral da realidade desvendando a essência do objeto em questão. Observa-se que temos o “conceito hegemônico” e o “fenômeno real” em que o hegemônico expressa de forma ideológica trazendo a aparência e encobrindo a essência, fenômeno real é pensado como sendo organizações da sociedade civil conduzindo a desarticulação do real, propiciando a aceitação do fenômeno em questão, em que para responder as demandas sociais é desresponsabilizados o Estado e o mercado, sendo assumido agora pela sociedade civil este processo trás o marco legal do chamado terceiro setor. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1459 Estas transferências de responsabilidade são chamadas de forma ideológica, parceria entre a sociedade civil e o Estado, onde se fundamenta na redução de gastos sociais, ou seja, é mais fácil a prestação de serviços das ONG’S precários e pontuais/locais do que o Estado desenvolver políticas universais permanentes e de qualidades. Vale ressaltar que essa transferência tem como visão objetiva um esvaziamento do direito a serviços sociais de qualidade, mas que tenta fazer parecer que é um processo de transferência de atividade de uma esfera ineficiente e não especializada (Estado) para uma esfera mais democrática e mais eficiente (terceiro setor) tendo assim uma aparente forma de divórcio da política econômica (governo e mercado) com a política social (parceria do Estado e terceiro setor). Todo esse processo trás grandes consequências que se processa em certo deslocamento: de lutas sociais para parceria, do âmbito público para o privado, do universal para o local, do permanente para o focalizado etc. Consideram-se as organizações do terceiro setor, um suporte de minimização das políticas sociais por parte do Estado, com implantação de programas em nome da parceria defendida como medida de reforma do Estado. Segundo Santos (2007), dentro desta perspectiva o assistente social tem que intervir no privilégio dos direitos, nos princípios de equidade e justiça social, para sua ação. Pode-se perceber que o profissional é indispensável na necessidade de observar como uma prática que se configura na construção e reconstrução da reprodução da vida social. Levando adiante, para entender a Associação Engenho do Lixo a qual será tratada neste presente artigo faz-se necessário abordar sobre os pressupostos a qual esta está vinculada, como os catadores de materiais recicláveis e o meio ambiente. 2-MOVIMENTO NACIONAL DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS, LEIS E MEIO AMBIENTE. O Movimento Nacional dos Catadores (as) de Materiais Recicláveis (MNCR) surgiu em meados de 1999 com o 1º Encontro Nacional de Catadores de Papel. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1460 O 1º Congresso Nacional dos Catadores (as) de Materiais Recicláveis aconteceu no dia 1º junho de 2001, em Brasília, evento em que reuniu mais de 1.700 catadores e catadoras, no congresso onde foi lançada a Carta de Brasília, documento que expressa às necessidades do povo que sobrevive da coleta de materiais recicláveis. Mesmo antes do Congresso os catadores impulsionavam a luta por direitos em diversas regiões do Brasil. A articulação de diversas lutas por um mesmo objetivo torna possível a organização de movimento nacionalmente. No ano de 2003 aconteceu o 1º Congresso Latino-americano de Catadores em Caxias do Sul – RS, que reuniu catadores (as) de diversos países. O movimento ganhou força tornando expressivo, divulgando Carta de Caxias, nesse momento o MNCR começa a mostrar sua força nacionalmente com as articulações regionais. Muitas lutas foram travadas em todo o Brasil e muitas conquistas alcançadas. Em março de 2006 o MNCR realizou uma grande marcha até Brasília levando suas demandas para o Governo Federal, exigindo a criação de postos de trabalho em cooperativas e associações bases orgânicas do movimento. Esse evento se tornou um marco histórico da luta dos catadores no Brasil, cerca de 1.200 catadores marcharam na Esplanada dos Ministérios e levaram as autoridades suas reivindicações. A meta é a criação de 40 mil novos postos de trabalho para catadores e catadoras de todo o Brasil. Isso se deu, não pelo acaso, mas pelo esforço dos lutadores do MNCR. Em março de 2006 o MNCR realizou uma grande marcha até Brasília levando suas demandas para o Governo Federal, exigindo a criação de postos de trabalho em cooperativas e associações bases orgânicas do movimento. Esse evento se tornou um marco histórico da luta dos catadores no Brasil, cerca de 1.200 catadores marcharam na Esplanada dos Ministérios e levaram as autoridades suas reivindicações. A meta é a criação de 40 mil novos postos de trabalho para catadores e catadoras de todo o Brasil. Através do surgimento do MNCR ampliou-se a luta dos catadores (as) por uma vida digna. O trabalho de coleta de materiais recicláveis significa garantir alimentação, moradia e condições mínimas de sobrevivência para uma parcela significativa de nosso povo brasileiro. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1461 Com cerca de oito anos de luta que os catadores(as) do Brasil têm sua problemática discutida em diversos espaços e sua voz ampliada no Movimento Nacional dos Catadores. Isso se deu, não pelo acaso, mas pelo esforço dos lutadores do MNCR. Com o surgimento do MNCR ampliou-se a luta dos catadores(as) por uma vida digna. Nossa categoria é historicamente excluída da sociedade e muitos catadores(as) ainda sobrevivem de forma precária em lixões e nas ruas. O trabalho de coleta de materiais recicláveis significa garantir alimentação, moradia e condições mínimas de sobrevivência para uma parcela significativa de nosso povo brasileiro. Assim, o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) é um movimento social que há cerca de12 anos vem organizando os catadores e catadoras de materiais recicláveis pelo Brasil afora. Buscando a valorização da categoria de catador, mostrando que é um trabalhador e tem sua importância. O objetivo é garantir o protagonismo popular da classe, que é oprimida pelas estruturas do sistema social, tendo por princípio garantir a independência da mesma, que dispensa a fala de partidos políticos, governos e empresários. Acredita na prática da ação direta popular, que é a participação efetiva do trabalhador em tudo que envolve sua vida, rompendo com a indiferença do povo e abrindo caminho para a transformação da sociedade. A missão do MNCR é contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e sustentável a partir da organização social e produtiva dos catadores de materiais recicláveis e suas famílias, orientados pelos princípios que norteiam sua luta tais como: 1ºautogestão 2ºação direta, 3º independência de classe, 4º solidariedade de classe, 5º democracia direta e 6ºapoio mútuo. Buscamos a organização de nossa categoria na solidariedade de classe, que reúne forças para lutarmos contra a exploração buscando nossa liberdade. Esse princípio é diferente da competição e do individualismo, busca o apoio mútuo entre os companheiros (as) catadores (as) e outros trabalhadores. Lutamos pela autogestão de nosso trabalho e o controle da cadeia produtiva de reciclagem, garantindo que o serviço que nós realizamos não seja utilizado em beneficio de alguns poucos (os exploradores), mas que sirva a todos. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1462 Podemos notar que o trabalho do Movimento Nacional de Materiais Recicláveis vai além da conscientização da necessidade e da urgência do trabalho dos catadores e catadoras de materiais recicláveis, pois atuam ressignificação humana regatando a dignidade e a importância de seu trabalho para as futuras gerações. Algumas leis são ressaltadas no âmbito ambientalista e da profissão de catadores de materiais recicláveis. A lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, onde destaca-se alguns de seus artigos: VII - destinação de resíduos que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do SISNAMA, do SNVS e do SUASA, entre elas a disposição final, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos; VIII distribuição ordenada de rejeitos em aterros, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos. (LEI nº 12.305/2010 art. 3º) Dando ênfase para destinar corretamente os resíduos de forma a poder reciclar os que servem no caso os recicláveis, até mesmo minimizando os danos a saúde e ao ambiente. O poder público, o setor empresarial e a coletividade são responsáveis pela efetividade das ações voltadas para assegurar a observância da Política Nacional de Resíduos Sólidos e das diretrizes e demais determinações estabelecidas nesta Lei e em seu regulamento. (LEI nº 12.305/2010 art.25) Todos os três âmbitos citados devem se preocupar com o meio em que vivem, e procurarem preservá-lo de forma consciente. Decreto nº 7.405, de 23 de dezembro de 2010, institui o Programa Pró-Catador, para Inclusão Social e Econômica dos Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis. Fica instituído o Programa Pró-Catador, com a finalidade de integrar e articular as ações do Governo Federal voltadas ao apoio e ao fomento à organização produtiva dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, à melhoria das condições de trabalho, à ampliação das oportunidades de inclusão social e econômica e à expansão da coleta seletiva de resíduos sólidos, da reutilização e da reciclagem por meio da atuação desse segmento. (DECRETO nº 7.405/2010) IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1463 O catador desta forma consiste em um ser dotado de direitos como as demais profissões, necessitando de melhorias para a realização de seus trabalhos, de suas oportunidades e das condições econômicas. De acordo com a CBO (classificação brasileira de ocupações) o catador é uma profissão no código 5192 - 05 Catador de material reciclável. O catador apesar de ser um sujeito de extrema importância para a sociedade é aquele que menos é reconhecido e que menos ganha, sendo explorado e vivendo em condições miseráveis muitas vezes. Em suas condições de exercício o trabalho é exercido por profissionais de forma autônoma ou em cooperativas, para venda a empresas ou cooperativas de reciclagem. O trabalho é exercido a céu aberto, em horários variados. O trabalhador acaba por ser expostos a variações de clima, riscos de acidentes, à violência urbana, dentre outros. Podem trabalhar em várias áreas como: catador de ferro-velho, catador de papel e papelão, catador de sucata, catador de vasilhame, enfardador de sucata (cooperativa), separador de sucata (cooperativa), triador de sucata (cooperativa). Está em tramitação o projeto de lei (PL 6.039/2009) para aposentadoria dos catadores, onde 80% não possuem. Nesta linha pode-se destacar e necessita-se mencionar a política, leis e princípios do meio ambiente, estando totalmente vinculada a categoria profissional dos catadores de materiais recicláveis que lutam constantemente por melhorias, e para que as pessoas se conscientizem da importância de preservação do meio. A Lei 6.938/81, tem como princípios, diante dos incisos VI e VIII do artigo 23 e artigo 225 da politica nacional de meio ambiente preservar, com melhorias e recuperar a qualidade ambiental, diante do SISNAMA. (Sistema Nacional do Meio Ambiente). Ministério do Meio Ambiente (MMA) é o órgão responsável pelo planejamento coordenação, controle e supervisão da politica nacional do meio ambiente. De acordo com artigo 40, inciso V, da lei 6.938/81 diz que através da tecnologia do meio ambiente é essencial á divulgação sobre os dados ambientais em que a formação de uma IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1464 consciência pública é necessária para a preservação da qualidade ambiental do equilíbrio ecológico. 3-ASSOCIAÇÃO ENGENHO DO LIXO A Associação Engenho do Lixo conhecida como ONG Engenho do Lixo foi idealizada pelo Francisco Alvino há 16 anos pela necessidade de mudar a vida dos catadores de lixo da cidade de Juazeiro do Norte para que eles se sentissem como cidadãos e serem reconhecidos pela sociedade como seres humanos. Depois de 12 anos de existência é que a instituição foi legalizada e fundada no dia 09 de agosto de 2009. O objetivo da entidade é conscientizar a população sobre a importância de preservar o meio ambiente, além de socializar os catadores de lixo junto com a sociedade, tornando-os como profissionais da reciclagem. Hoje está localizada em um galpão alugado na Rua Pedro Cruz Sampaio, no bairro Juvêncio Santana, em Juazeiro do Norte. Toda a estrutura física da ONG foi montada com produtos e objetos que foram jogado no lixo e reaproveitado pela instituição. No local além do galpão enorme que abriga os produtos que foram deixados no lixo e trazidos pelos catadores, tem também o escritório, refeitório e a cozinha. A ONG tem como diretoria a seguinte composição: Presidente Francisco Alvino, Vice-Presidente Antônio José da Silva, 1º Secretário José Romão dos Santos, 2ª Secretária Maria Valdelice Martins Rodrigues, 1º Tesoureiro Rosiane Pereira dos Santos Silva, 2º Tesoureiro Antônio Jerônimo da Silva, Conselho Fiscal (Efetivos), Luiz Carlos Barbosa de Oliveira, Francisca Batista Dias, José Amaro da Silva, Cícero Kinan Jerônimo da Silva e Francisca Maria dos Santos. Ao longo desses anos a instituição foi sendo reconhecida no cenário local, nacional e até internacional através do trabalho de coleta seletiva e consciência ambiental que vem sendo realizada no município. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1465 A associação ajuda na limpeza da cidade através da coleta seletiva. Todo o trabalho é feito manualmente. Atualmente cerca de 80 catadores de material reciclável estão cadastrados na instituição e a comercialização é a única fonte de renda das famílias que compõe a associação. Tudo que é arrecadado pelos associados na rua é trazido para a sede da instituição, separado de acordo com a especificidade do objeto e depois é vendido para as empresas que reciclam este material. Os materiais que eles recolhem são folhas de papel, plástico, baterias, lâmpadas fluorescentes, pilhas, baterias de celular, tubos de imagem, embalagens de leite etc. Aquilo que para você é lixo na ONG tudo é reaproveitado, reciclado. Por mês a associação coleta em média de 50 a 60 toneladas de lixo. Todo o material é vendido para empresas aqui da região do cariri e também para cidades de outros estados. A associação também faz um trabalho de coleta de óleo de frituras dos restaurantes, das residências, barracas que trabalham com o material. Todo esse óleo coletado era transportado para Quixadá onde era transformado em biodiesel. Recentemente a associação recebeu do Governo do Estado uma máquina para filtrar esse óleo comestível. Com a chegada desta máquina o óleo que é enviado para Quixadá para ser transformado em biodiesel, já vai sem as impurezas deixadas no óleo com as frituras. Para fazer esse processo dois catadores de lixos foram capacitados para manusear a máquina aqui em Juazeiro. No local os catadores também têm todas as refeições do dia doadas pelo Programa Mesa Brasil, Assistência Médica e acesso a educação já que todos são analfabetos e agora tem oportunidade de participar do Brasil Alfabetizado. As aulas acontecem de segunda a sexta após o almoço. E ainda eles desenvolvem um trabalho de artesanato com o lixo que vem da rua e chega à sede. Os desafios da instituição é construir a própria sede, no qual o terreno já existe e dentro do próprio lugar construir casas para as famílias dos catadores de lixo que ainda não tem uma casa para morar e implantar a coleta seletiva do lixo no município, pois isso facilitaria o trabalho dos catadores, que tem grande dificuldade por o lixo está todo misturado. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1466 4-CONSIDERAÇÕES FINAIS Buscou a análise das ONG’S com ênfase para a Associação Engenho do lixo de Juazeiro do Norte-CE, que trabalha com a coleta e venda de material reciclável. Sendo esse trabalho realizado por pessoas que já se encontravam excluídos da sociedade, assim buscando o reconhecimento destes como catadores de materiais recicláveis e a sua ressocialização. Os entraves evidenciados na instituição consistem principalmente na falta de investimento e infraestrutura, onde são poucos os apoios por parte do Estado, deixando a maior responsabilidade financeira ser quitada pela venda de matérias recicláveis coletados, a falta de instrumentos de trabalho qualificado é outro problema referenciado, levando em conta o maior índice de periculosidade. A falta de infraestrutura do local também é preocupante, pois o mesmo é alugado, não reformado e pequeno para conciliar várias atividades, como: separação do lixo, sala de estudo, assistência médica e refeitório, sem contar que também serve de moradia para algumas famílias de catadores. Se houvesse a ajuda do Estado somada com a conscientização da população para o desempenho deste trabalho que beneficia não apenas os membros da instituição, mas sim, a população como um todo e o meio ambiente, haveria uma mudança significativa deste quadro de destruição do meio e exclusão social. Percebe-se a importância do estudo realizado tanto academicamente como fora dele para a reflexão crítica em vista a transformação de si mesmo e depois da sociedade. REFERÊNCIAS CBO, Classificação Brasileira de Ocupações, 9 de Outubro de 2002. Portaria ministerial nº. 397. Constituição Federal, 1988. Decreto nº 7.405/2010. Programa Pró-catador. Constituição Federal, 1988. Lei nº 12.305, de 2 de Agosto de 2010. Política Nacional de Resíduos Sólidos. Constituição Federal, 1988. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1467 GOHN, Maria Glória. O Protagonismo da Sociedade Civil; Movimentos Sociais, ONG’S e redes solidárias, São Paulo: Cortez, 2005. Lei 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Política do Meio Ambiente. Constituição Federal, 1988. Ministério do Meio Ambiente. Brasília, Governo Federal, 2003. MNCR: Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis. Disponível em:<http://www.mncr.org.br/> MONTAÑO, Carlos. Terceiro setor e questão social; crítica ao padrão emergente de intervenção social. São Paulo: Cortez, 2007. SANTOS, Vera Núbia. Terceiro setor no Serviço Social brasileiro: aproximações aos debates, Revista Serviço Social e Sociedade, ano XXVIII- Nº 91, Ed. Cortez, São Paulo, 2007. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1468 A Seca como um desafio MORAIS, Ezael Vieira de12 Resumo: Este artigo analisa as frentes e emergência em Antonina do Norte, entre os anos de 1980 a 1983, com ênfase na burla praticada pelos funcionários do que organizavam o serviço, até os trabalhadores do eito no cotidiano das tarefas impostas pela SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste). Nas reformas ou construção dos açudes percebemos através, da análise das entrevistas com pessoas que trabalharam nas frentes, as formas de resistência ao modelo organizacional de fixar o sertanejo ao campo, evitando uma migração até a capital, Fortaleza. Os trabalhadores ao colocar um carro de mão cheio de terra na parede do açude, passavam pelo apontador e deixavam duas fichas em vez de uma. Houve também por parte dos organizadores a criação de turmas fantasmas, constando apenas na documentação dos engenheiros, assim, burlando as normas, pessoas que assinavam por essas turmas ganhavam quase nada e outros lucravam muito. Outros casos registrados são os de fornecedores que mercearias pegavam o cheque dos trabalhadores e cobravam uma porcentagem para descontar o cheque ou os obrigava a comprar em sua mercearia. Nosso trabalho analisa essas formas de romper com o tecido social empregadas pelos trabalhadores e agentes do governo em período de crise econômica no sertão cearense. Palavras-chave: emergência, resistência, burla. Abstract: This article analyzes the fronts and emergency Antonina do Norte, between the years 1980-1983, with emphasis on fraud practiced by officials who organized the service, until workers furrow in the daily tasks imposed by SUDENE (Superintendency for the Development of northeast).In renovations or construction of dams realized through the analysis of interviews with people who worked on the fronts, forms of resistance to organizational model to fix the backcountry to the field, avoiding a migration to the capital, Fortaleza. Workers to put a wheelbarrow full of dirt on the dam wall, passed by pointer and left two chips instead of one. There was also the part of the organizers of the creation of ghosts classes, consisting only of engineers in the documentation, thus circumventing the rules, people who subscribed for these classes earned almost nothing and others profited much. Other reported cases are from suppliers that grocery workers caught the check and charged a percentage to cash the check or forced to buy at your grocery store. Our work examines these ways to break the social fabric used by employees, and agents of the government in times of economic crisis in the backlands of Ceará. Key words:emergency, endurance, fraud. 12 Especialista em História e Sociologia pela Universidade Regional do Cariri (URCA) Email:[email protected]. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1469 Introdução A seca é o colapso da agricultura. O Nordeste, a muito tempo sofreu com a ausência de chuva que ultrapassa em tempo de regularidade climática, quase toda a metade do ano. A economia familiar nordestina cearense, não estava preparada e ainda não tem uma preparação estrutural para enfrentar o problema. A própria criação da SUDENE, tinha como objetivo “resolver o problema da seca” através do diagnóstico preventivo sobre seca ou inverno. Para assim viabilizar os recursos necessários e amenizar os problemas que a seca trazia, como a fome, a desnutrição das crianças, os desempregos, a formação dos flagelados. Isso possibilitou a formação das emergências como política de governo. Quando acontece uma seca, toda a estrutura sofre, mas o peso maior é suportado pelos que estão mais embaixo. A seca na verdade é o colapso da produção agrícola. Esse colapso se traduz em fome. Onde a população é assalariada, atravessa-se a seca. Com obras de emergência se substitui o salário, mesmo que de forma precária. (FURTADO,1998, p 22). Diante do desafio de compreender este fenômeno de forma crítica acreditamos quehistória social se faz com a interdisciplinaridade ligada a antropologia, propondo uma leitura da comunidade, privilegiando as posições sociais e as hierarquias. Uma história dos costumes na contramão dos eventos, a dimensão da vida privada. E nome de destaque é o de Edward Palmer Thompson, pesquisador inglês que o analisa uma “história vista de baixo”, na experiência das pessoas comuns. As novas abordagens, juntamente com o prisma antropológico, cimentaram e convenceram o público acadêmico e intelectual sobre a necessidade de se fazer uma história na qual o objeto de estudo e as fontes de pesquisa fossem novas: inquéritos policiais, processos judiciais, o que fertilizou o campo de pesquisa, e os meios, como os que foram usados para se fazer este trabalho. Numa roupagem inovadora, preocupada em fechar o leque de informações e convivência peculiar das pessoas comuns, refazendo e transmitindo o conhecimento do enorme bloco humano de convívio social, amplamente diversificado. E, IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1470 claramente envolvendo e compreendendo essa ótica do processo histórico com outras visões mais abrangentes de história. Thompson, analisa a “economia moral”, no livro As Peculiaridades dos Ingleses, como um complemento regulador do mercado e apaziguador em momentos de escassez e de fome. Ou seja o controle e a permanência de laços paternalistas que formam o tecido social. A própria forma de caridade cristã em prover de mantimentos para saciar a fome, é percebida como “organização das pessoas comuns”,conhecedoras da injustiça social. A argumentação de Thompson, sobre a economia moral, pressupõe a interferência de fazendeiros, paternalistas, no grande avanço do mercado, (laisser-faire), ou melhor, a organização do mercado pelo mercado, auto regulação dos preços, entretanto, a “ajuda” para suprir a fome gera outro comportamento, a permanência de laços de “fidelidade” e o apoio que os “pequenos” têm para com os “grandes”. A revogação da velha economia moral de “provisão” não foi obra de uma burguesia industrial, mas dos fazendeiros capitalistas, proprietários de terras partidários do progresso técnico, grandes moageiros e comerciantes de cereais. (THOMPSON, 2001, p.94). Ele percebia que pela via popular se deu uma resistência ao modelo de mercado, consumo e o próprio tratamento com os pobres que se implantava com o capitalismo. Este autor analisa os problemas sociais, nas mudanças de atitude que os trabalhadores, os camponeses fazem em momentos de crise. Isso nos leva a compreender que o poder está em constante movimento, no caso da transição do feudalismo para o capitalismo, ora exercido pelos “nobres”, ora contestado pelos pobres. Thompson deixa escapar entre linhas as armadilhas do poder que compreendemos não elitista, pois ele é percebido na ação dos pobres em momentos de instabilidade econômica, uma relação de força para equilibrar as ações e atitudes da sociedade. E, ainda acreditamos que os pobres não são passivos aos problemas originários de qualquer ordem, seja econômica, religiosa ou cultural, em que as ações sofrem freios, quando pensadas para impor ou reprimir, acabam forçando no interior do social revoltas ao modelo estabelecido, seja ele qual for. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1471 A Resistência dos atores As emergências eram frentes de serviço organizadas pelo governo do estado para ocupar a mão de obra livre no período da seca, oferecendo serviço braçal, como construção de açudes, reforma de estradas, perfuração de poços de aluvião, etc. A compreensão das emergências como locais de resistências, nos levam a perceber que os trabalhadores muitas vezes burlavam as normas estabelecidas. Por intermédio de alguns políticos locais, alguns menores são empregados para trabalhar, outros são empregados e não aparecem no eito. São formas de relações de poder que formam as resistências. Esse universo conflitante é o espaço onde convivem as mais variadas formas de sobrevivência, esperanças e sonhos. Como exemplo, podemos ver, na construção de um açude,na propriedade do sr. José Pedro, no município de Antonina do Norte, em 1982, onde vinte homens trabalham para manter o sustento. Os trabalhadores recebiam como tarefa diária quarenta carros-de-mão, cheios de terra, cavados e colocados na parede, diariamente. Alguns fabricavam fichas iguais às do encarregado, alterando a quantidade da produção. Em cada carro de terra colocado deixava-se uma ficha, segundo Pedro Vieira: O caba, vinhabutava um carrinho de terra, a gente dava a ficha. Aí ele vinha butava um carrinho de terra, ía chegava lá demorava no barreiro, quando despejava o carro de terra, dizia ‘duas ficha aí, butei dois carros, butei você não prestou atenção’. A gente ficava nessa confusão. A gente pra não fazer confusão, pra não dar muito problema, a gente dava a ficha. Toda vida é de ter um para caçar confusão. (PEDRO VIEIRA, 2005 ). No final da emergência, a quantidade de carros de terra baixou para trinta ou até vinte e cinco. Esta tarefa era efetuada até meio dia, o tempo ocioso era aproveitado de forma individual no sítio de cada trabalhador. As frentes de trabalho tinham um caráter organizacional, o trabalho era mais uma forma de disciplinar o homem do campo, mantendo-o em sua região e propriedade. No meio social, comunitário, alguns trabalhadores acreditavam que o açude construído servia apenas às IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1472 necessidades do proprietário. Mas o Termo de Constituição de Servidão e Utilização da Água Para Fins Domésticos, citava o prazo de quinze anos a partir da data fixada no documento. Pelo presente instrumento particular de Constituição de Servidão e Utilização, os abaixo assinados, José Pedro de Moura e sua mulher Francisca Maria da Conceição, brasileiros, casados, agricultor e do lar, respectivamente, ele portador da cédula de identidade nº 817.114 SSP-CE, ela portadora da carteira de trabalho nº 013538 série 554 e residente no sítio Rocinha, município de Antonina do Norte-Ceará; concedemos a título permanente de Servidão e Utilização pública, numa área de 1,0 há. ( um vírgula zero ) hectare, em nossa propriedade rural, situada no sítio Rocinha, município de Antonina do Norte, desse Estado, registrado no Cartório de Registro Imobiliário de Saboeiro-Ce, sob nº 3.134 no livro 3, as águas represadas no açude a ser construído pelo Programa de emergência da SUDENE-ano 1981, através do GESCAP da SAAB. Confessamos que a Servidão e Utilização Pública que livre e espontaneamente constituímos, implica em tornar de uso e comum de todos que habitam o local para fins domésticos- águas represadas pela obra acima referenciada à semelhança das águas consideradas públicas pelo Art. 5º do Código de Águas (Decreto Federal nº 24.643/34), pelo prazo de 15 anos comprometendo-nos com extensão a nossos sucessores (...) São tentativas de institucionalizar relações de cunho “comunitário”, que buscam aparentemente reforçar o sentimento de coletividade, ao mesmo tempo em que procura manter o homem do campo fixado em sua região. Embora se possa perceber o conflito entre a intervenção do Estado que supostamente vem “socorrer” as vítimas da seca e as relações de poder que permeiam as frentes de trabalho. Todo este processo social, humano, permite a observação atenta, conflitante, num ambiente de hostilidades já comentadas, mas que precisa de um aparato mais específico e teórico para assim podermos observar de forma microscópica essas agravantes sociais. Dessa forma vemos que a História Social procura enfatizar como os pobres, os trabalhadores reagem às atitudes advindas do Estado, ora para suprir a carência de mantimentos, ora para sistematizar frentes de emergência, sendo organizadas para manter a “ordem” no Sertão. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1473 Mas segundo Oliveira (1981, p. 55) as frentes de emergência reforçaram as oligarquias regionais, pois os coronéis empregaram seus eleitores reais como também os trabalhadores fantasmas que povoavam as emergências durante os períodos de seca. Isso levou de certo modo a desorganização de várias obras que ficaram inacabadas. No viés da construção dos açudes, das barragens, que propunham uma solução para o problema, foram construídos diversos açudes em várias localidades, com a intenção de providenciar ao menos para aquela localidade, água para a sobrevivência das pessoas e dos animais, até o próximo inverno. Porém à falta de recursos, ou do repasse do recurso, as obras careciam de uma técnica ou planejamento anterior que garantisse a preservação de água acumulada. Por outro lado, dos pobres, dos trabalhadores, existe uma permanência das ações diante de problemas relacionados à escassez de alimentos. Nas comunidades que vivem momentos como a seca, ou qualquer outro problema que atinge a coletividade e que implique em reorganizar esta comunidade, acontecem resistências, mais explícitas ou veladas. Percebemos que, uma ação provoca uma reação, mesmo que não seja de imediato, mas ela acontece, porque é uma teia social muito complexa, podemos imaginar praticamente todos os tipos de convivência e relações. Pois tratamos de grupos de pessoas, convivendo lado a lado, objetivando sobreviver de todas as maneiras possíveis. Alguns trabalhadores procuravam confundir o ficheiro, objetivando aumentar a soma dos carros de terra colocados na parede. Ao se aproximarem do ficheiro, quando já estavam de volta com o carro vazio, diziam que tinham posto dois carros. No começo do serviço a tarefa era diária, semanal, depois o engenheiro, que eventualmente visitava o local de trabalho resolveu fazer empreitada de 50 carros de terra por dia para cada pessoa, mas era muito “puxado”, muito cansativo, pois a terra era muito cristalina. O engenheiro mudou para 30 carros por dia para cada pessoa, mesmo assim os trabalhadores encontraram dificuldade para fazer o trabalho. Passando em seguida ao acordo de que cada trabalhador colocaria 70 carros por semana. A empreitada feita, o restante da semana, os trabalhadores cuidavam de suas pequenas propriedades, ou iam trabalhar em outro serviço. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1474 Quando nóiscomecemo a trabaiar no açude, a gente trabaiava por dia .Trabaiava os cinco dia da semana, aí depois o engenheiro foi chamou Zé Tintino pra fazer empeleita. Aí ele butou 50 carro para cada pessoa por dia, mais aí nóis fumo fazer o teste, não dava, forçava de mais. Ele mudou pra 30 carro pra cada um . Aí nóisachemo muito. Aí o engenheiro disse, vamos butar 70 carro pra semana. A gente butavaos 70 carro e o resto da semana a gente ficava livre pra cuidar noutro serviço. Ficamo até terminar a seca. Onde a gente cavava era piçarra. (PEDRO VIEIRA , 2005 ) Já no açude do Arapuá, entre os anos de 1981 a 1982, localizado a aproximadamente 3km da cidade. O trabalhador colocava 25 carros de terra na parede do açude diariamente. Nessa construção, foi usado um trator para adiantar o serviço e o trabalho braçal. Trabalhava no açude uma quantidade de pessoas em torno de 100 homens. Pegavam no trabalho às 7 horas da manhã até às 11 horas e de uma hora até às 5 horas da tarde. O organizador, o Sr.Antonio do Padre, percebeu que era inviável o trabalho diário e propôs ao pessoal a empreitada. Haja vista que ele contribuiu com a compra das ferramentas como, picareta, pá, enxada, etc. pois o Estado não supria os trabalhadores de ferramentas para a execução do serviço. Como nas outras emergências, alguns trabalhadores tentaram romper o modelo organizacional de empreendimento. Tentaram copiar as fichas e enganar o ficheiro. Existia também pessoas que tentavam violar as fichas. A gente tinha as fichas que fizemos de papel carimbada, teve gente que tentava tirar cópia; moiava a ficha, apregava noutro papel. Mas tudo isso a gente procurava corrigir, justamente pra evitar de dar prioridade a um e outro não. (ANTONIO DO PADRE, 2005) Na propriedade do Sr. Zé Batista, no Sitio Serra dos Almeidas, a 5km da cidade, nesse mesmo período, o trabalho realizado parecia com o trabalho feito nas demais emergências. A proposta inicial era colocar 25 carros de terra diariamente na parede. Devido às dificuldades de remoção da terra, as ferramentas inadequadas, solo seco e duro, optaram pelas empreitadas. Por exemplo, 50 ou 60 carros por semana, chegando até 125 carros. O combinado entre os trabalhadores e o dono da terra, e os organizadores do serviço era locomover-se com o carro não muito cheio para evitar quebrá-lo ou evitar correr com o mesmo, como narra o senhorChico Almeida. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1475 Rompendo o tecido social Estas experiências são formas de obstruir a mão de obra nas emergências. O trabalho organizado pelo governo, ou qualquer órgão que possa ser responsável por ele parece ter uma sombra de aparência, no sentido de ser desvalorizado pelo sertanejo. Percebemos que os sertanejos têm a figura do Estado como provedor dos despossuídos, de resolutos da seca. Esta visão acarreta em praticamente todos os momentos, resistências internas, nas mais simples frentes de emergência, à mais complexa. A variação na quantidade de homens trabalhando não impede que esse mecanismo possa acontecer de forma assistemática e cotidiana. As fichanóisinventemo e quando foi com uns 3 dias, já tinha ficha diferente no mei das outra. Eles fazia e trazia, só que não deu certo não, colar não, porque nóisfizemo tudo de uma qualidade só, tudo era vermeinha, as ficha. Eles trouxeram um vermeio que dava pra gente conhecer as ficha no mei das outra. Aqui rapaz, no tempo desse um sufoco, o caba inchia o carrim de terra lá na cabeça da serra e partia de lá os pinote, naquelas barrera, chegava lá com o carro quebrado. ( ZÉ BATISTA , 2005 ) O leque de rupturas se tornou uma prática cotidiana no descumprimento dos objetivos planejados. A corrupção não ficava apenas nos chamados cassacos, mas também nos escritórios que administravam as atividades. Engenheiros criavam turmas de trabalho só nos papéis e recebiam os cheques. Nos carros pipas, rodava-se a quilometragem do velocímetro com a mão, ou colocava o macaco no caminhão para adiantar os quilômetros e receber o dinheiro sem trabalhar. (CLÁUDIO , 2000). Fazendeiros e trabalhadores envolvem de forma ampla o espaço ocupado pelos representantes do governo. A influência entre eles deixam claras as atitudes tomadas nos momentos de seca declarada. Os acordos verbalizados entre os engenheiros atendem uma carência individual de reciprocidade que perpassa todas as esferas que movem à sociedade, a econômica, a política e a social. Assim, a “economia moral” se define em termos de relações de classes, como a forma (ou o meio) em que estas relações de classes, são “negociadas” e mostra-nos IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1476 “como a hegemonia não é simplesmente imposta (ou contestada), mas é articulada no dia-a-dia de uma comunidade e pode ser sustentada somente por concessão e paternalismo (patronage) nos tempos bons e por atitudes de proteção nos tempos ruins”. (NEVES, 1998, p. 53) A economia moral é reafirmada em qualquer momento no qual a própria relação paternalista “não resolve o problema”, ela continua coexistindo e se articulando diariamente. Não pressupõe uma cisão com o modelo econômico vigente, mas reorienta a resistência nos momentos difíceis. O paternalismo não cobre de forma precisa os pequenos agricultores, donos de sítios, procura apenas manter o morador sob o domínio do fazendeiro pelo viés da provisão. Os fazendeiros protegem os seus moradores. A mão de obra abundante que na época de plantio ou colheita migrava para a fazenda com sua força de trabalho, já na época de crise, a fazenda não absorve essa mão-de-obra, pois ela agora está com a produção reduzida e os próprios moradores são em número suficiente para efetuar a colheita. Na época de seca, os pequenos proprietários consomem sua reserva anual de alimentos, ficando sem possibilidades de sobrevivência, sendo necessário à formação de turmas de trabalhadores, num regime emergencial, provendo a manutenção da família. A falta de ferramentas, o descumprimento das empreitadas, a formação de turmas fantasmas, os duplos empregos, a ociosidade, deixaram muitas obras inacabadas. No entanto, nem todo açude feito pelas emergências foi embora logo com as primeiras chuvas. A reforma ou construção dos açudes ajudaram a manter, pelo menos por mais tempo o homem do campo no campo, melhorando gradualmente as possibilidades de sobrevivência no semiárido cearense. Os rasgos que as intempéries fizeram no tecido social não desestruturaram por completo as intenções de provimento de água. A estrutura agrária está embasada na agricultura, na pecuária, na criação de ovinos e caprinos, com a continuidade da seca e a crise na agricultura, o rebanho de gado, ovelha, consequentemente perde valor de mercado. O próprio algodão que resiste muito bem à seca, se não chover entre dezembro e março ele não produz como em tempos de bom inverno. Mediante a crise da agricultura é que a fome se estabelece e prejudica a população rural e urbana. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1477 Não podemos ter uma visão unilinear dos fatos, ou simplesmente relacioná-los à problemas climáticos, a ociosidade, a escassez de ferramentas. Pretendemos compreender que várias ações foram tomadas no intuito de sobrevivência. Se em algumas turmas, os trabalhadores só estavam legalizados com relação a uma situação de doença, da pessoa dele, ou algum membro da família, sendo que a ausência do trabalhador necessitaria de um atestado médico para justificar a falta. Concluímos que o universo que rege as frentes de emergência, é um universo conflituoso, onde os sertanejos sobrevivem cotidianamente com conflitos internos e externos que foram percebidos através das várias formas de rompimento durante a tessitura das diárias, das empreitadas. O rompimento através das fichas nos levou a diagnosticar que o gerenciamento organizacional das emergências incitou de imediato, formas atitudinais visando ir contra o mesmo. Por outro lado a própria ociosidade é produto da “organização” das emergências, no que diz respeito à quantidade de ferramentas insuficientes. Percebemos ainda que as relações de amizade, de compadrio, costumeiras estão entrelaçadas nas ações dos trabalhadores como coparticipantes no teatro social que retrata a vida real. “A economia moral” (NEVES, 1998) declara o fio não verbal que delimita as relações no seio das emergências. As temáticas de organização dos órgãos governamentais para orientar os trabalhos, tiveram como intermediários os acordos verbalizados entre o feitor e o cassaco. Acordos que visam efetivamente como tentativa de amenizar os problemas trazidos com a seca. A própria estrutura do sertão permite ou permitiu, que em tempos de crise os sertanejos adotem várias estratégias de sobrevivência, resistindo à própria execução da jornada de trabalho. A construção dos açudes não resolveu de uma vez por todas o problema da seca, mas diminuiu as consequências da mesma. Pois nem todo açude construído deve ser caracterizado como açude sonrisal, já que muitos ainda continuam com suas estruturas de construção preparadas para receber água. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1478 A fome é percebida durante as secas, durante as frentes de emergência como um obstáculo a ser vencido. Podemos perceber a fome como elemento desagregador que suscitam revoltas ou desvalor social. Em vários momentos a precária alimentação foi motivo de desânimo individual. Em 1983, a fome não levou o trabalhador à inanição, mas o debilitou fisicamente e moralmente, pois alguns tinham apenas feijão com arroz, ou simplesmente o feijão como alimentação básica. Por outro a estrutura de propriedade da terra, no município pode ser caracterizada pelo latifúndio, como as grandes fazendas de criação de gado e produção de algodão. Já em Antonina do Norte, a partir de 1950, migrantes paraibanos se estabeleceram e compraram terras, desde pequenos lotes de 150 tarefas, até outros de 1.000 tarefas(1hectare é igual à 3,3 tarefas). Nas fazendas acima de mil tarefas, as relações costumeiras entre os moradores e os fazendeiros são relações assimétricas e de subserviência. Estas relações perpassam o ambiente do médio criador forjando as relações desiguais que envolvem desde os pequenos até os grandes proprietários de terras. A seca é o lugar de repensarmos as ações de resistência dos trabalhadores rurais, que ao verem suas já precárias condições de vida reduzida a uma situação de miséria profunda, procuram agir de várias formas para usufruir os benefícios do Estado. Muitas vezes burlando as normas de controle social. Referencias BURKE, Peter. (org) Escrita da História: novas perspectivas- São Paulo: UNESP, 1992. CARDOSO, Ciro Flamarion, Ronaldo Vainfas (orgs). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. CARVALHO, Júlia Walesca Gomes de. Aspectos gerais da criação de um município no interior do Ceará: Antonina do Norte. Crato, 1990:83. Monografia- Curso: Ciências econômicas. Universidade Regional do Cariri. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1479 CHNDLER, Billy J. Os feitosas e o sertão dos inhamuns. Edições UFC. COELHO, Jorge. Indústria das secas. 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O relacionamento econômico e político é feito em Antonina e os votantes são também de Antonina. Ele veio morar aqui porque a terra era melhor para trabalhar, tinha mais mata. Francisco Ananias de Almeida, entrevistado em 26/09/2005 (Chico Almeida): 20-05-1941, Altaneira – CE. Chegou em Antonina em 06 de janeiro de 1949; a família veio morar aqui porque as terras eram melhores e mais baratas para comprar. Francisco Cláudio Pereira, entrevistado em 19/06/2005 (Cláudio): 26-08-1962, Antonina do Norte – CE. È comerciante. João Bosco de Moura, entrevistado em 19/09/2005 (João Bosco): 04-05-1949, Coremas – PB. Chegou no Sítio Serra dos Almeidas em 1957. Veio morar aqui porque o pai comprou um terreno para trabalhar. José Batista da Silva, entrevistado em 19/09/2005 (Zé Batista): 09-02-1951, Cajazeiras – PB. Chegou em Antonina em 1963 e mora no Sítio Serra dos Almeidas. Veio para cá porque a terra era melhor de trabalhar. José Dias Irmão, 21/05/2005 (Zerim): 06-03-1940, Cajazeiras – PB. Veio morar no Sítio Arapuá porque as terras eram boas. Manoel José da Silva, entrevistado em 1997 (Manoel Barro): 29-03-18899 – 29-10-1998, Saboeiro – CE. Era agricultor e morava em Antonina do Norte. Pedro Fernandes Cruz, entrevistado em 19/09/2005(Pedro Fernandes): 03-12-1939, Antonina do Norte-CE (Mocambo). Agricultor e mora no Sítio Serra dos Almeidas. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1481 Pedro Vieira de Moura, entrevisto em 19/09/2005 (Pedro Vieira): Agricultor e mora na sede de Antonina do Norte. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1482 AS TRANSFORMAÇÕES TERRITORIAIS E SEUS ELEMENTOS INDUTORES DA DINÂMICA POPULACIONAL: O CASO DA REGIÃO METROPOLITANA DO CARIRI Thiago do Nascimento13 Resumo: A rede urbana enquanto uma produção social, expressa o movimento da sociedade que a produz. Entendemos que a dinâmica e o padrão da rede, podem sofrer alterações através do tempo, por meio das ações dos grupos sociais, políticos e econômicos como profícuos instrumentos de transformações, funcionando como disseminadores ou inibidores do desenvolvimento e das interrelações socioespaciais. Nesse sentido, apresentamos nesse texto, uma discussão em torno da dinâmica populacional e a formação da rede de cidades na Região Metropolitana do Cariri. O objetivo desse trabalho é identificar as transformações territoriais ocorridas nas cidades que compõe o triângulo CRAJUBAR, com isso, analisando o papel dos agentes supracitados considerados como elementos indutores de mobilidade populacional. Junto a isto, analisaremos o reflexo do crescimento dessas cidades na dinâmica social, política e econômica da área de estudo. Assim, a população tem um grande papel de duplo protagonismo no território, podendo ser concebida, por um lado, como um agente que organiza e transforma o espaço, com base nos seus bens materiais e imateriais e, por outro lado, como recurso desse mesmo espaço. Palavras – chave: Transformações territoriais, Dinâmica Populacional, Região Metropolitana do Cariri Introdução A emergência do processo de reestruturação produtiva em âmbito internacional, neste final de século, tem contribuído, em nível nacional, regional e local, para configuração de espaços urbanos selecionados. Tais espaços tem apresentado transformações significativas em termos econômicos, políticos e sociais em um esforço de inserção nessa dinâmica global. Modificaram-se as formas e os processos urbanos até então vigentes nas cidades; intensificouse a velocidade das transformações tecnológicas; as cidades pequenas e de porte médio Graduado em Geografia – URCA. Especialista em Geografia e MeioAmbiente – URCA. [email protected] 13 e-mail: IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1483 passaram a constituir uma importante fatia do dinamismo regional: mudaram a direção e o sentido dos fluxos migratórios. O processo de urbanização foi um fenômeno que surgiu com a industrialização e intensificou-se no período pós-guerra, alterando a estrutura espacial geográfica com relativo esvaziamento do campo. A presença da indústria predominantemente no perímetro urbano criou forças polarizadora em torno de um único centro formando as primeiras aglomerações urbanas, que se constituíram de um núcleo e uma região periférica com intenso fluxo de comércio, serviços públicos e mão-de-obra. No decorrer das últimas décadas, a dinâmica dos grandes centros urbanos brasileiros tem seguido às tendências de concentração populacional. Com isso, as estruturas preexistentes nas médias e grandes cidades tiveram que se adaptara essa tendência forçando um processo de refuncionalização dos espaços públicos e privados; de valorização de áreas outrora desvalorizadas; e de reorganização/reavaliação das infraestruturas disponíveis. Dessa forma, os instrumentos de planejamento e gestão urbanos, também tiveram de passar por uma atualização. A questão de o espaço ultrapassar uma certa dimensão, atingindo um outro âmbito, o da região, é ponto suscetível de controvérsias, porquanto não há consenso sobre qual deve ser o tamanho desse espaço, o que o torna relativamente impreciso. Para contornar parcialmente tais dificuldades vem sendo adotado pelo IBGE o conceito “aglomerações urbanas”, que embora semelhante ao de região metropolitana, serve para designar outros espaços urbanos, situados em nível sub-metropolitano, que congregam mais de uma cidade, notadamente cidades que começariam a experimentar o processo de conurbação. Esta categoria espacial pressupõe a existência de uma cidade principal que organiza, econômica e funcionalmente, localidades periféricas próximas. Na verdade, ainda nos anos 70, DAVIDOVICH E LIMA (1975) identificaram no país a existência de estruturas espaciais experimentando um intenso processo de urbanização, onde, progressivamente, se concentrava a população. Distinguiram ”uma hierarquia de áreas urbanas compreendendo aglomerações resultantes da expansão de uma cidade central; IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1484 aglomerações por processo de conurbação; aglomerações de cidades geminadas; aglomerações sem espaço urbanizado contínuo”. O trabalho das autoras tornou-se referência para estudos subsequentes que se debruçaram sobre o mesmo tema, principalmente no que se refere à primeira das três distinções conceituais, a que aponta o processo de conurbação em espaços urbanizados contínuos. Neste sentido, estaremos relacionando este conceito com o desenvolvimento local das pequenas cidades. Acreditamos que uma das formas de se entender as reais condições da população de uma determinada região é por meio da análise da Mobilidade Humana (ROCHA, 1998). Perceber os movimentos que a população realiza deve sinalizar pistas para uma melhor e mais apurada compreensão das transformações territoriais que esta região tem se submetido. As transformações territoriais têm encontrado relevância nas pesquisas da Geografia Humana. Diante do intenso processo de metropolização e crescimento urbano das cidades médias, verificado deste as últimas décadas, percebe-se a emergência das pequenas cidades em empreender ações que visam aperfeiçoar sua forma de sustentabilidade econômica. Este trabalho busca caracterizar a recém criada Região Metropolitana do Cariri, localizada no interior do Ceará, e descrever com bases em dados secundários obtidos no IBGE o comportamento do crescimento populacional nos nove municípios que compõe a região metropolitana e a estrutura econômica destes municípios. Pressupostos históricos-geográficos na formação e desenvolvimento da Região Metropolitana do Cariri A Região do Cariri, localizada no Sul do Estado do Ceará, é um geosistema que está a 426m acima do nível do mar e possui extensão territorial de 5.025,655 km2. Agrega vários municípios e esta ligação regional ajuda a promover o crescimento conjunto dos municípios como: Barbalha, Crato, Jardim, Juazeiro do Norte, Missão Velha, Nova Olinda, Porteiras e Santana do Cariri, formam a Microrregião do Cariri (MR032). Para compreender uma região IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1485 é preciso viver essa região, ou seja, é o cotidiano que revela as dificuldades regionais (GOMES, 2009) Região é, assim, um espaço vivido, por tratar-se de “uma porção territorial usufruída por um determinado grupo social, cuja permanência na área é suficiente para estabelecer usos e ocupação, costumes, especificidades da organização social, cultural e econômica” (RIBEIRO 1993, p. 214). O espaço do Cariri cearense socialmente produzido diferencia-se de outros espaços por apresentar aspectos resultantes de experiências vividas e historicamente produzidas pelos moradores da Região. Diz Gomes (2009, p. 54) que: A noção de região é complexa, pois ao tentarmos fazer da geografia um conceito científico, herdamos as indefinições e a força de seu uso na linguagem comum e a isto se somam as discussões epistemológicas que o emprego mesmo deste conceito nos impõe. Uma das alternativas encontradas pelos geógrafos foi a de adjetivar a noção de região para assim diferenciá-la de seu uso comum. Ao tentar precisar, no entanto, o sentido do conceito de região através de associações, surgiram outros debates que interrogam mesmo a natureza, o alcance e o estatuto do conhecimento geográfico. Conforme SANTOS,(1994:82) “considera a periodização indispensável na análise de uma configuração territorial e espacial, por conter as noções de regime e de ruptura”. Sendo assim na década de 1960; houve uma tentativa de implantação da industrialização na região, tratando-se do Plano Morris Assimov (professor norte-americano), que pretendia implantar nos municípios do Triângulo Crajubar o projeto, resultado de uma série de parcerias, com destaque para os bancos estatais e regionais. O Projeto Assimov foi resultado de um convênio da Universidade Federal do Ceará e Universidade da Califórnia, a Fundação FORD e a USAID, que contaram com o apoio do Governo do Estado e do BNB, que contaram com pequenas e grandes indústrias. Tendo o objetivo de promover a industrialização do interior do estado do Ceará, como forma de erradicar a pobreza e o desemprego. A região do Cariri Cearense foi escolhida para a implantação desse projeto por apresentar vantagens, pelo fator de aqui já haver energia elétrica vinda de Paulo Afonso, mesmo antes de Fortaleza, matéria-prima em abundância, muita água, uma emergente classe IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1486 empresarial e uma significativa população que servia para mão-de-obra e consumo dos produtos. O referido plano fracassou antes mesmo de decolar, pois as empresas que sobreviveram ao fracasso foram as empresas de cerâmica (CECASA e NORGUAÇU), a de papel (SULCEPA), a de açúcar (AÇUSA) e a de cimento (IBACIP). Entretanto o plano êxito do projeto não foi atingido. Vale ressaltar que, mesmo o Projeto Assimov não tendo alcançado o efeito desejado, foi bem sucessivo quanto ao de estímulo á industrialização na região do Cariri; desde então, o setor industrial dinamizou-se; sendo considerado um potencial na geração de emprego, servindo como meio de minimizar o problema de desemprego. (OLIVEIRA, 1999:50). O processo de expansão comercial do triângulo Crajubar teve como pano de fundo o que aconteceu no cenário nacional a partir 1980, década em que o Brasil reduziu as intervenções do Estado e na economia, mediante a adoção de políticas neoliberais, escassez de vários bens de consumo na região, causando o aparecimento de novas oficinas e pequenas fábricas. Regionalizar o Cariri cearense implica gerar incentivos ao desenvolvimento econômico e possibilitar o planejamento integrado de municípios com ações conjuntas e permanentes dos poderes públicos nas áreas de ordenação do território. Conforme a Lei Complementar nº 78 de 26 de junho de 2009, que criou a Região Metropolitana do Cariri, o planejamento do uso e ocupação do solo, transporte, sistema viário regional, habitação, saneamento básico e tratamento dos resíduos sólidos, meio ambiente, controle de enchentes, desenvolvimento econômicos e social, saúde, educação e segurança pública são políticas que garantem a especialização e a integração sócioeconômica da Região. Possibilita o crescimento demográfico, com migração flutuante que impacta positivamente a atividade econômica, considerando que os serviços são importantes na capacitação de mão de obra e ampliação da oferta de emprego e geração de renda. Vale destacar que a Região Metropolitana do Cariri – RMC foi criada, em conformidade com o que dispõe o Art. 43 da Constituição Estadual, e passa a integrar a IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1487 organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, sendo que as unidades organizacionais geoeconômicas, sociais e culturais, têm ampliação condicionada ao atendimento dos requisitos básicos, verificados entre o âmbito metropolitano e sua área de influência. Santos (1994, p. 66), explica que: Regiões metropolitanas são áreas onde diversas cidades interagem com grande frequência e intensidade como forma de incorporar outros núcleos urbanos sob o comando de um núcleo central em jogo de forças econômicas, políticas, sociais e culturais que se inserem em um espaço densamente urbanizado, a partir de uma interdependência funcional baseada nas unidades de infraestrutura urbanas e nas possibilidades que esse fato acarreta para uma divisão do trabalho interno bem mais acentuada que em outras áreas. A Região Metropolitana do Cariri mencionada pela lei já mencionada, foi formada pelos municípios de Juazeiro, Barbalha e Crato, bem 26 como pelos municípios que lhes são limítrofes: Caririaçu, Farias Brito, Jardim, Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri, conforme figura 01, adiante. Figura 01: Região Metropolitana do Cariri. Fonte: Secretaria das Cidades. A Região do Cariri é uma unidade organizacional geoeconômica, social e cultural, que teve ampliação condicionada ao atendimento dos requisitos básicos verificados no âmbito IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1488 metropolitano e sua área de influência tais como: evidência da conurbação, necessidade de organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum, existência de relação de integração de natureza sócioeconômica ou de serviços. A Metamorfose do Triângulo CRAJUBAR: Elemntos Indutores da Transformação Territorial O homem já não é mais um ser isolado, mas como um indivíduo social por excelência. Podendo acompanhar a expansão e distribuição da raça humana, provocando mudanças demográficas e sociais. O fenômeno humano é dinâmico, em especial, na tranformação qualitativa e quantitativa do espaço habitado. O processo de metropolização do espaço e de formação de um médio aglomerado metropolitano, desenvolveu-se assentado num sistema de redes que acabou subvertendo a tradicional relação e hierarquia entre os lugares. A densidade dos fluxos de comunicação fez com que alguns lugares desse aglomerado se tornassem próximos a lugares distantes, enquanto lugares vizinhos passaram a desenvolver poucas relações entre si. A antiga ideia de primazia das relações entre a cidade e sua região, que encontrou seu apogeu teórico na teoria dos lugares centrais, de Christaller, e na de pólos de crescimento, de Perroux, encontrou limites e renovou antigas questões. Esse sistema de redes pode ser compreendido na sua forma mais simples: como sendo constituído por dois tipos de rede. Uma, que denominamos de rede de proximidade territorial e, outra, de proximidade relativa. A rede de proximidade territorial é formada por redes materiais, em especial a circulação, como é o caso, às redes de transportes viários. O que importa afirmar é que a densidade das redes de circulação viária e sua capacidade de fluidez redimensionam as distâncias entre os lugares. Quanto mais as redes viárias tiverem fluidez e permitirem conexões mais rápidas, tanto mais os pontos nodais dessas redes tenderão a diminuir, acentuando algumas centralidades e alterando profundamente a relação entre as cidades. Muitas vezes, no transcorrer de um percurso entre duas cidades, a primeira, de origem, e, a IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1489 segunda, de destino, muitas cidades são ultrapassadas sem serem notadas, sendo, portanto, ignoradas. Com a revolução nos transportes e o desenvolvimento das redes viárias, as vantagens, por exemplo, de uma cidade se colocar a meio caminho entre duas cidades, como local de parada e abastecimento, as quais, no passado, foram elementos indutores do desenvolvimento de serviços urbanos, desapareceram. Apenas alguns pontos do espaço são reforçados, incrementando sua heterogeneidade. Como dissemos, além da rede de proximidade territorial temos a rede de proximidade relativa. A rede de proximidade relativa diz respeito às redes imateriais, como a rede de fluxos de informação e comunicação, as quais, não se pode esquecer, requerem infraestrutura material, como os cabos de fibra ótica implantados sob o solo. As redes imateriais permitem que, o que está territorialmente distante fique próximo e, nesse sentido, a rede proporciona uma aproximação. O desenvolvimento dessas redes, materiais e imateriais, foi imprescindível para a grande metamorfose pela qual passou o CRAJUBAR. Sua compreensão exige levar em conta as distâncias, em termos de superfície de terreno, mas também em termos de intensidade, velocidade e densidade dos fluxos. Tanto para as redes de circulação viária, como para as imateriais. Lacerda et. al. (2000) afirma que essa primeira fase do processo de metropolização, foi caracterizada por um modelo de crescimento urbano extensivo, gerando um desenho do território semelhante a uma mancha de óleo com um centro e uma periferia de forma tentacular em contínua expansão. Em geral, os tentáculos seguiram os eixos viários, onde existia uma pequena oferta de infra-estruturas básicas e serviços urbanos. Nesse contexto, a despeito da distribuição espacial eqüitativa dos distritos industriais – ao sul, ao norte e a oeste –, a área sul, que anteriormente à década de 1990 já apresentava um maior dinamismo, vem consolidando essa tendência prenunciando um maior desenvolvimento dessa parcela territorial da RMC. Mediante ao progresso da Região do Cariri, citamos três projetos executados nos últimos dez anos, bem como muitos outros em fase de implantação, IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1490 além daqueles que provavelmente serão atraídos para essa mesma parcela territorial nos próximos anos. Esses projetos e suas respectivas repercussões urbanísticas nas áreas localizadas no seu entorno foram agrupados, considerando a sua funcionalidade, conforme a relação a seguir. Em relação a projetos industriais, a inserção de unidades industriais na produção calçadista, passando a microrregião do Cariri, no sul do estado, passou a se configurar como o principal pólo calçadista na estrutura de produção cearense e a terceira no Brasil, se tornando o terceiro pólo calçadista brasileiro, cuja área envolve diretamente três municípios sendo: Barbalha, Crato e Juazeiro do Norte, que proporcionará um grande dinamismo, tanto do ponto de vista da economia como também da configuração territorial. Pois margeando a Rodovia CE- 060, que é a via de ligação entre Barbalha e Juazeiro, com isso, pulsionará o adensamento urbano ao longo do eixo rodoviário, por meio de moradias de classes média e altae (ii) na expansão da periferia dos núcleos urbanos existentes.deste territorio. O Distrito Industrial do Cariri localiza-se na Rodovia CE-292, nas proximidades de áreas de urbanização consolidada em padrões predominantes de classe média alta e baixa, e este último por conta da população atraída para a região em decorrência dos postos de trabalho, que ali estão sendo gerados. Apresentando tendências de expansão e de promoção de mudanças significativas nos moldes dos padrões urbanísticos existentes, aumentará a demanda por novas moradias em virtude da multiplicação de atividades industriais. No tocante a projetos de mobilidade das pessoas, das informações e dos bens, temos a ampliação do Aeroporto Regional do Cariri/Orlando Bezerra de Menezes, pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária, mediante Portaria nº- 35, de 8 de março de 2012, dispõe como atribuição que passou a assumir o aeroporto favorecerá um crescimento de passageiros e uma ampliação nos destinos. O aeroporto está localizado na parte norte da RMC, devido à sua localização estratégica, atende as regiões Centro Sul do Ceará, Noroeste de Pernambuco, Alto Sertão da Paraíba e Sudoeste do Piauí, representando um dos principais instrumentos para o desenvolvimento econômico da região, bem como o aeroporto encontra- IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1491 se eqüidistante de todas as capitais do Nordeste brasileiro. Durante todo o ano atende o mais variado público devido às muitas potencialidades da região do Cariri, destacando-se o turismo religioso, de negócios e ecológico. Não acarretará grandes impactos no padrão de ocupação de suas áreas vizinhas devido aos parâmetros urbanísticos restritivos. A criação do Metrô do Cariri, com operação comercial da cidade de Juazeiro do Norte à cidade do Crato, contribuindo com a mobilidade da RMC, interligando importantes pólos geradores de viagens, como universidades, comércio, escolas, indústrias. Provendo soluções planejadas em transporte de massa frente ao rápido crescimento urbano que se forma entre os três municípios. Atender à demanda turística gerada pelos festejos regionais, que chegam a movimentar mais de um milhão de pessoas. Junto a isto, induzirá um adesamento ao longo do eixo, atendendo ao crescente processo de urbanização e integração regional; com um padrão de moradia destinado às classes média e média baixa. A expansão do Shopping Center pré-existente e o incremento de mais dois equipamentos do gênero, agregada à ampliação da participação de grandes redes de varejo, entretenimento e alimentação nacionais e multinacionais nos mesmos evidenciam o dinamismo econômico e social de Juazeiro do Norte. Por fim, os projetos turísticos, que foi a ampliação do Centro de Apoio ao Romeiro, na cidade de Juazeiro do Norte, em frente à Basílica de Nossa Senhora das Dores, para vendas de produtos religiosos. E o próximo projeto é a construção do anfiteatro da Praça de Romeiros. Além disso, os projetos tendem a ampliar, mediante ao processo de desenvolvimento da região. Território e Hierarquia Urbana: O caso da conurbação CRAJUBAR Um esforço reflexivo no sentido de tentar compreender as reais e potenciais dimensões no presente do arranjo sócio-espacial cearense regional e nacionalmente conhecido como CRAJUBAR. O mesmo, conforme sugere a construção do vocábulo, é fruto de uma suposta articulação entre as vizinhas cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha. Estas três IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1492 cidades, situadas no extremo sul do Estado do Ceará, mantém vínculos estreitos tanto em termos de proximidade territorial quanto de complementaridade sócio-econômica no Cariri cearense. O aglomerado Crajubar – aqui também reconhecido como regional –, reconhecido tanto pelas esferas técnicas de governo quanto pelos pesquisadores brasileiros em geral como tal, ganhou recentemente o status de metrópole. Se consideradas as quatro dimensões mais elementares da análise geográfica, conforme Santos (1992), verifica-se que os enfoques sobre a metrópole privilegiam desde sempre tanto a forma característica – especialmente seu tamanho mínimo e a forma de expressão fenomênica mais moderna, a exemplo do que Ascher (1995 apud MOURA, 2009) denominou de metápole –; quanto a função, o processo histórico e sua estrutura. Todavia, dentre todas as abordagens, um aspecto parece recorrente. Guy Di Méo, ao discorrer sobre o processo de metropolização, concorda que as metrópoles representam, desde os tempos pré-modernos, os interlocutores privilegiados de outras cidades que elas controlam, dominam e as integram aos seus movimentos e suas redes de trocas (DI MÉO, 2008). O mesmo ainda acrescenta que, As metrópoles preenchem assim uma série de funções essenciais (políticas, econômicas, culturais ou ideológicas); aquelas que concernem, no mais alto nível, o governo dos homens, de suas atividades, de seus valores. Elas constroem uma rede mundial, um tipo de tecido de centralidades combinando lógicas hierárquicas e resilientes. De todo modo, elas se apóiam sobre conjuntos territoriais de porte variável, ligados entre si por seu indispensável papel de intermediários. Assim, tratase de uma larga gama de áreas urbanas engrenando metrópoles assentadas no coração das regiões que dividem os territórios nacionais até as metrópoles mundiais e as cidades globais que governam o planeta. (Idem, p.02) Di Méo reporta-se àquelas localidades que, em maior escala, tendem progressivamente a se regionalizar conformando as chamadas regiões metropolitanas. Porém, o referido autor, desprovida de definições baseadas em apriorismos, adverte que o processo de metropolização pode ser observado “a partir de um nível mínimo de concentrações humanas mais ou menos difusas.” É ainda mais enfático afirmar que, IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1493 Trata-se de um mínimo pouco preciso, o de aglomerações de algumas centenas de milhares de habitantes (se avizinhando a um milhão?) dispostos em torno de um ou de vários centros urbanos... Até constituir conjuntos territoriais agrupando de uma a duas, ou até três dezenas de milhões de indivíduos, dentre os mais expressivos entre eles. (Ibid, p.3) As considerações acima parecem pertinentes, na media em que se tem evitado qualquer influência de cunho determinista ou estruturalista para o enfoque pretendido. A preferência analítica aqui explicitada, apóia-se tanto na abordagem da metrópole a partir da experiência urbano-metropolitana no Cariri cearense, quanto na sua presença enquanto representação – na perspectiva apontada por Lefebvre (1983), segundo a qual, podemos pensar no fenômeno urbano-metropolitano como “presença e ausência”. Esse nos parece ser um antídoto contra juízos reducionistas. Na última década a região do Cariri, em especial o conjunto urbano reconhecido como Crajubar, tornou-se locus privilegiado de grandes empreendimentos públicos e privados no interior do Estado do Ceará. Trata-se de uma realidade supostamente singular, pelo menos no que tange ao histórico processo de urbanização no Cariri. O que se pretende por em causa é o surgimento de uma emergente forma espacial e social que combina arranjos socioeconômicos e espaciais já sedimentados em nível local com outros novos que remetem ao processo de metropolização do Cariri cearense. Tal fato parece evidenciarse por duas razões. A primeira deve-se ao fato de que, na última década, o aglomerado urbano regional do Crajubar ter entrado na agenda dos governos estadual e Federal, bem como das grandes corporações nacionais e internacionais como foco de dinamismo e competitividade. Isso se explica pela expansão dos investimentos públicos, em grande parte direcionada para dotação e adequação da infra-estrutura urbana e de serviços, e privados. Da parte do Estado, os investimentos nas áreas de Educação são de relevo, destaque para a expansão da Universidade Regional do Cariri/URCA e abertura de três novos campi da Universidade Federal do Ceará/UFC que por sua vez, foram recentemente convertidos em unidades da nova Universidade Federal do Cariri/UFCA. No campo dos serviços de saúde, a construção do Hospital Regional do Cariri, já em operação e programado para atender as demandas de alta complexidade de todo o Cariri e do centro sul do estado, constitui um importante pilar. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1494 Para verificar a ocorrência de relações entre configuração espacial, movimento e usos do espaço no Crajubar foi aqui empregada a representação linear ou axial. Tal desenho é obtido mediante a inserção do menor número das maiores linhas retas capazes de cobrir todos os percursos (permeabilidades) acessíveis a veículos através da malha viária e demais e espaços abertos. Os dados vetoriais resultantes da representação linear são transferidos para aplicativos computacionais especificamente construídos para análise configuracional, capazes de “ler” a matriz de intersecções entre as linhas representativas da permeabilidade dos espaços públicos e calcular valores numéricos que expressam propriedades espaciais (conectividade, acessibilidade, escolha etc.). Em fases anteriores as estruturas espaciais das cidades objeto de estudo foram exploradas também em perspectiva diacrônica, ou seja, os processos de formação e transformação das centralidades foram estudados do ponto de vista de seus desenvolvimentos ao longo do tempo. Tais estudos precedentes demonstraram aspectos morfológicos semelhantes no crescimento urbano de Crato e Barbalha: os núcleos originais de ambas as cidades organizaram-se em torno de uma praça da qual partiram os primeiros eixos comerciais, dando origem aos seus centros ativos (área em que coincidiam a maior concentração e diversificação de atividades, bem como o conjunto das linhas com mais altos valores de integração do sistema). Essas áreas são até hoje identificadas como centros tradicionais das cidades. Comparada com aquelas, Juazeiro do Norte é uma cidade excêntrica. Apesar de também se ter organizado inicialmente em torno de uma praça, os eixos mais integrados no sistema são as vias de expansão que assinalam o espraiamento da mancha urbana, refletindo o rápido processo de crescimento que atingiu a cidade a partir de meados do século XX. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1495 Crato Figura : Representação axial de Juazeiro do Norte – global (esquerda) e local (direita) Fonte: Sob base cartográfica de 1998 atualizada a partir das imagens do Google Earth® O mapa que representa os valores de integração global da cidade do Crato revela que nos bairros Centro e Seminário (indicados pelas letras “a” e “b”) se encontra a maioria das linhas mais integradas (linhas axiais em cores quentes). Ou seja, o núcleo de integração (conjunto dos eixos que apresentam os mais altos valores de integração do sistema), indicativo das vias de maior acessibilidade topológica, e, portanto, principais geradoras potenciais de movimento corresponde ao bairro Centro, expandindo-se para os bairros Seminário e Pinto Madeira (indicado pela letra “c”). Com crescimento da cidade, principalmente a partir da década de 1970, adensa-se a ocupação nas porções superiores – ao pé da serra –, como o bairro Parque Granjeiro (indicado por um “d”), lugar escolhido para as novas residências da elite que deixava o centro tradicional da cidade. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1496 É importante destacar que o bairro Centro além de centro ativo, também corresponde ao centro histórico do Crato. Estudos anterioresv demonstraram que a transformação da estrutura global da cidade interferiu localmente sobre os padrões de modificações do patrimônio edificado. Ou seja, segundo os princípios do movimento natural definido por Hillier (1996) como o movimento resultante da configuração espacial ou do modo como a estrutura viária se articula, maior acessibilidade potencial traduz-se em maior movimento o que por sua vez atrai usos que se beneficiam desse movimento, o que significa frequentemente, o setor terciário. No Brasil, o edifício histórico tende a ser visto como incompatível ou é considerado “desatualizado” para abrigar as funções comerciais. Daí as reformas, atualizações estilísticas, substituições e demais transformações de desmonte do patrimônio edificado, principalmente quando há muita valorização econômica na área. Retornando o olhar ao mapa que representa a escala local (R3), destacam-se a Avenida Padre Cícero (indicada por um “f”) e algumas vias dos bairros Seminário e SãoMiguel (indicado por um “e”). Juazeiro do Norte IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1497 Figura 3: Representação axial de Juazeiro do Norte – global (esquerda) e local (direita) Fonte: Sob base cartográfica de 1998 atualizada a partir das imagens do Google Earth® A representação axial da cidade de Juazeiro do Norte apresentou uma distinção: seu centro ativo não está complemente inserido no núcleo de integração. Na representação em escala global o centro ativo da cidade, indicado pela letra “a” no mapa acima, localiza-se na periferia das vias mais integradas. Uma hipótese para tal deslocamento do núcleo de integração é o crescimento da cidade em direção ao leste - ao longo das vias de acesso ao Aeroporto do Cariri (indicado pela “d” no mapa). A centralidade topológica espraia-se pelos bairros Franciscanos e Limoeiro (indicados pelas letras “b” e “c”, respectivamente). Quanto à escala local (R3), destacam-se as avenidas Padre Cícero (ligação com o Crato – indicado por um “f” no mapa) e Leão Sampaio (ligação com Barbalha – indicada por um “g” no mapa acima Estas vias de ligação metropolitana, além de apresentarem alta conectividade e grande comprimento (fatores que influenciam para cima o cálculo da acessibilidade topológica), delineiam novos eixos de crescimento, que como será visto a seguir, tem forte expressão também na escala regional. É interessante ressaltar ainda que o Horto (indicado pela letra “e” no mapa acima onde se localiza a estatua do Padre Cícero e que recebe milhões de fiéis por ano, encontra-se numa IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1498 das porções mais segregadas da cidade. Pode-se inferir que por ser este um atrativo de forte apelo simbólico prescinde de propriedades espaciais indutoras de movimento, sendo, portanto, de per se, um magneto gerador de fluxos e usos. Barbalha Figura 4: Representação axial de Barbalha – global (esquerda) e local (direita) Fonte: Sob base cartográfica de 1998 atualizada a partir das imagens do Google Earth® A estrutura espacial da cidade é espraiada, devido aos acidentes geográficos como o vale do rio Salamanca que divide a cidade em três porções: (1) ao sul do rio, a ocupação “tradicional” correspondente ao centro histórico (indicado pela letra “a” no mapa da Figura 6) e adjacências; (2) também ao sul, mas segregado da primeira, uma ocupação mais recente ligada ao incremento industrial da cidade denominada Buriti (indicado por um “c”); e, (3) uma nova área de expansão, ainda de baixa densidade, cujo eixo principal de crescimento é a via que faz ligação com Juazeiro, denominado bairro Mata (indicado por um “d”). Tal como o apresentado para a cidade de Crato, o centro topológico de Barbalha também coincide com seus centros ativo e histórico, o que contribui para uma transformação deletéria do patrimônio edificado. Entretanto, em visitas à cidade percebeu-se que o centro IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1499 comercial da cidade tem caráter estritamente local e resume-se a poucas ruas. Por outro lado, as vias do centro onde predominam atividades comerciais e de serviços ganham destaque na representação axial que calcula a integração em escala local (R3). No núcleo de integração em escala local localizam-se, também, lugares que agregam caráter simbólico ao centro como a sede da prefeitura, o mercado público e o largo da Igreja do Rosário onde acontece o maior evento religioso e cultural da cidade: a festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio. CRAJUBAR Figura 5:Representação axial do Crajubar – global (esquerda) e local (direita) Fonte: Sob base cartográfica de 1998 atualizada a partir das imagens do GoogleEarth® Quando a modelagem da estrutura espacial das cidades objetos de estudo foi reconstruída para contemplar o complexo Crajubar considerado em seu conjunto, emergiu um núcleo de integração que incide sobre o bairro Triângulo de Juazeiro (indicado pela letra “b” no mapa acima). Assim, a representação axial reforça a hipótese condutora deste estudo, do surgimento de uma nova centralidade em escala metropolitana, hipótese motivada pela criação da Região Metropolitana do Cariri, e fortalecida por observações empíricas acerca da IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1500 ocupação recente do bairro onde estão sendo instalados equipamentos que respondem a uma escala regional como o Hospital Regional do Cariri, faculdades, shopping centres e lojas de grande e médio porte. A modelagem da estrutura espacial do complexo Crajubar, considerados tanto o raio de abrangência global (Rn) quanto local (R3) indicou, ainda, um processo de formação de uma outra centralidade de caráter regional, ainda que em dimensão menor, no eixo de ligação entre Juazeiro e Barbalha (Av. Leão Sampaio, indicada pela letra “c”). Este achado motivou a observação da via, em julho de 2010, quando foram constatadas várias ocorrências indicativas de um rápido processo de transformação de padrões de uso e ocupação do solo, tais como o surgimento de novos loteamentos, lançamento de empreendimentos imobiliários etc. em áreas até recentemente ocupadas por atividades agrárias e residências isoladas. Dinâmica Populacional nos Municipios do CRAJUBAR Os municípios de Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha, estes dispõe de uma localização relativamente privilegiada, daí o expressivo papel que as cidades assumem, já que, localizadas na divisa do Estado do Ceará e do Pernambuco, estabelece relações com municípios dos dois estados, mantendo assim, um fluxo constante e expressivo de pessoas, capitais, informações, mercadorias e serviços. Tal situação geográfica proporciona uma grande dinamicidade econômica às cidades, o que lhes atribuem o desenvolvimento das funções urbanas. Como por exemplo, nos setores da saúde, comércio, serviços, educação e bancário. Fato que lhes conferem uma centralidade da mobilidade populacional da região, pois comparando com as cidades circundantes, o Cajubar possui as funções urbanas mais desenvolvidas, enquanto as cidades de seu entorno possuem funções urbanas ainda pouco articuladas e infra-estruturas que não cumprem um papel regional mais expressivo. Assim, existe um fluxo constante de pessoas ao Crajubar, com interesses diversificados. Neste caso, torna-se relevante notar a participação diferenciada do Crajubar nos circuitos econômicos como indicador do processo de organização espacial da região. Os dois circuitos da economia urbana (SANTOS, 1979) apesar de diferentes são solidários entre si, IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1501 estabelecendo diversificadas relações entre as atividades que os caracterizam. Considerando que os municípios do Crajubar não contém densidade significativa de atividades próprias do circuito superior e que muitos produtos e serviço modernos e importados não podem ser oferecidos, a população com alta renda acaba gerando fluxos de circulação e consumo com municípios mais polarizados, como Fortaleza. É notável, no Crajubar, a maior participação de atividades do circuito inferior, já que este atende não apenas a população local, mas também uma clientela que tem como costume se deslocar do seu município e manter relações de tradição com o comércio local. No entanto algumas atividades relacionadas ao circuito superior podem ser localizadas no espaço urbano do Crajubar, no qual verifica-se um território com atividades relacionadas, por exemplo, aos serviços bancários, comércio e indústria de exportações, comércio atacadista e serviços modernos e de alta tecnologia, embora de baixa intensidade. O circuito inferior pode ser identificado com a presença de atividades econômicas formais e informais diversificadas, como por exemplo, comercio varejista de pequena escala, com maior volume de trabalho aplicado ao invés de alta tecnologia, destacando a presença de vendedores ambulantes e “camelôs”, muito característicos dos chamados “países subdesenvolvidos”. Atualmente a grande maioria dos estabelecimentos comerciais da região são lojas de capitais locais, com apenas uma única unidade, mas nos últimos anos tem aumentado o número de franquias na cidade, dentre elas “Hering”, “Riachuelo”, “Boticário”, “Fisk”, “CCAA”, “C&A”, entre outras. Considerando a realidade do interior cearense, quanto mais um município se destacar no desenvolvimento de atividades comerciais e de serviços, em relação ao seu entorno, mais polarizado este será economicamente, e a partir daí aumenta-se as articulações com municípios de diversos portes da rede urbana, ou devido ao comando de outros municípios mais polarizados ou a procura de tais atividades pela população dos municípios posicionados na rede urbana no nível de hierarquia baixa. A dinâmica econômica da metrópole pode então ser caracterizada por uma concentração econômica expressiva, pela presença de atividades econômicas dinâmicas, por IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1502 ser locus de competitividade da economia e de funções econômicas superiores, sediando empresas e/ou atividades de importância nacional/mundial. A essa dinâmica econômica associa-se a demográfica, evidenciada pela concentração populacional e por elevada densidade, além de uma dinâmica urbana materializada, frequentemente, pela conurbação entre municípios e pelas relações de integração e complementariedade entre núcleo e municípios da área de influência, que resultam em fluxos entre o núcleo e a periferia. Como pressuposto teórico da Lógica Social do Espaço entende-se que os padrões espaciais carregam em si informação e conteúdo social. Em que pesem as cada vez mais recorrentes discussões sobre uma crescente “morte do espaço físico”, no estágio históricoatual continuam a prevalecer as relações sociais que ocorrem no espaço, assim como não faz sentido falar de relações espaciais desvinculadas da sociedade. Hillier (1996) propõe a noção de movimento natural – o movimento resultante primordialmente da configuração espacial – como o fator fundamental de correlação entre a forma e os usos dos espaços, noção que fundamenta a teoria das cidades como economia de movimento. Em outras palavras, argumenta-se que o movimento através dos espaços permeáveis de um logradouro público é mais influenciado pela posição deste em relação ao sistema urbano como um todo do que por seus atributos locais. Cabe ressaltar que: O chamado movimento natural não é um fenômeno invariável, comum a todas as culturas e regiões do mundo: ele assume características próprias de acordo com o escopo cultural que o gerou, efeito que é da forma de articulação e disposição da malha viária. Entretanto, algumas feições são argumentadas como constantes, a exemplo da tendência à concentração de certas atividades em locais precisos. O que seria invariável é a lógica que conecta a configuração espacial com a geração de movimento. (MEDEIROS, 2006, p. 507) Assim, tais usos – especialmente o comercial e de serviços – apropriam-se destas localizações e além de valerem-se do poder de movimento gerado pela própria malha viária atuam como pontos de atração ou magnetos, que multiplicam o movimento local. O entendimento destes aspectos fundamenta o entendimento de padrões de centralidades, conforme explica Hillier (1996): IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1503 A razão dessa fidelidade entre a análise espacial e a realidade funcional deve-se à poderosa influência que o movimento natural – a tendência que apresenta a estrutura da malha para constituir-se na principal influência sobre padrões de movimento – tem sobre a evolução do formato urbano e sua distribuição em termos de uso do solo. (HILLIER, 1996; p.121) Portanto, a dinâmica demográfica é bastante diferenciada entre os tipos socioespaciais, o que sugere a relação com o contexto socioeconômico, as condições de inserção do mercado de trabalho, de moradia. Sendo assim, é possível notar uma relação estreita entre condições socioeconômicas e composição das classes sociais no território com a dinâmica demográfica. Conclusão A metrópole, reconhecida como uma escala superior da urbanização, é um fato que deve ser compreendido em toda a sua amplitude e multidimensionalidade e tratado como fato histórico, social, econômico e cultural, incluído aí o ambiental. Embora o termo metrópole exista desde a antiguidade grega, não há ainda hoje definição precisa para essa categoria urbana, nem consenso sobre as características exigidas para sua caracterização. Porém, existe concordância entre os autores e estudiosos do tema de que as metrópoles são os pontos mais centrais na hierarquia urbana de um país. A depender do seu grau de complexidade, uma metrópole pode chegar a desempenhar papéis de maior destaque na hierarquia urbana no nível internacional, a partir dos quais se exercem funções de comando da economia mundial. Nesse particular, a metropolização mostra, por um lado, problemas de adequação entre os territórios metropolitanos e os quadros institucionais estabelecidos para sua gestão e, por outro, que o processo induz necessidades de cooperação que dificilmente são atendidas por esses quadros institucionais. Derivam daí os problemas relacionados com a questão de limites adequados para a região metropolitana a ser institucionalizada e a multiplicidade de atores envolvidos na governança desses territórios. Também tem se alterado o padrão de constituição simples dessas aglomerações urbanas (de polo e periferia), alcançando uma escala urbana mais complexa e uma dimensão regional mais ampla. Embora haja um reforço do papel centralizador das metrópoles, onde se concentram as novas funções, existe certo grau de pluricentralidade, em função da dispersão IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1504 produtiva e da elevada mobilidade do emprego e da população. O aumento da mobilidade ocorre, notadamente, pela “mudança de escala e pela formação de vastíssimas bacias de habitat e de emprego mais ou menos polarizadas em volta de uma ou várias cidades principais” (ASCHER, 1998, p.10). Referências ASCHER, François. Metapolis: acerca do futuro da cidade. Oeiras: Celta, 1998. DAVIDOVICH, F. e LIMA, O.M. Buarque de (1975). Contribuição ao estudo de aglomerações urbanas no Brasil. REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA, ano 37, n. 1, jan/mar, 1975. DI MÉO, Guy. Introdução ao debate sobre a metropolização, Confins [Online], 4 |2008, posto online em 13 novembre 2008, Consultado o 08 octobre 2011. URL:http://confins.revues.org/5433 ; DOI : 10.4000/confins.5433; GOMES, Paulo Cesar da Costa. O conceito de região e sua discussão. In: CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo Cesar da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato. (Orgs.). 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O reconhecimento de que determinados recursos e potencialidades, advindos da teia de relações interpessoais ou sistemas sociais, não são captados pelas tradicionais formas de capital econômico, humano, físico e natural, coloca o capital social no rol de instrumentos estratégicos na definição de teorias e programas de desenvolvimento. A constituição recente de uma nova ordem social, onde são redefinidas as relações Estado-sociedade, coloca no cenário a importância do Estado na percepção das capacidades e potencialidades locais, a partir de políticas de coordenação e promoção das iniciativas sociais. Diante desse cenário, a presente pesquisa objetiva elaborar um Índice de Capital Social para agricultores familiares que residem em dois assentamentos rurais no município de Crato-Ce, as comunidades 10 de Abril e Malhada, bem como estabelecer reflexões sobre o acesso destes produtores a políticas públicas e a forma de implementação destas de um modo geral. Em linhas gerais, as comunidades apresentam elevado índice de capital social, onde se identifica um elevado estoque de capital social cognitivo, um avanço ou processo de consolidação do capital social relacional, mas subsistem, ainda, fortes indícios de que o capital social estrutural apresenta deficiência e estrangulamentos. Palavras-chave: capital social; políticas públicas; comunidades rurais. 1Introdução 14 Professor Adjunto do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Regional do Cariri e aluno do Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente – DDMA/UFC. Email: [email protected]. Fone: (084) 9948-0028 15 Professora Adjunta do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Regional do Cariri e aluna do Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente – DDMA/UFC. Email: [email protected]. Fone: (085) 9710-6400 16 Professora Adjunta do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Regional do Cariri. Email: [email protected]. Fone: (088) 9965-7314 IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1507 A evolução de paradigmas econômicos em sua interpretação sobre o desenvolvimento é palco de profundas reflexões, mediante a natureza estrutural e sistêmica que assume a crise na sociedade em fins do século XX, que dá a expressão de uma crise civilizatória pluridimensional. Esses elementos contribuem para a releitura e interpretação de paradigmas dominantes e para que sejam traçados caminhos epistemológicos tão profundos e diversos, que se possa incluir nestes os percursos de produção da própria ciência (PINHEIRO; ALVES; RODRIGUES, no prelo). Como campos epistemológicos instituídos a partir dos anos 1970, destacam-se, de um lado, as reflexões em torno das caracterizações relativas ao desenvolvimento sustentável (incorporando à dimensão econômica, elementos de natureza social, institucional e ambiental) e de outro, as abordagens onde prevalece o viés institucionalista, nas quais se reforça o poder das teorias do desenvolvimento local fundadas na “compreensão do movimento dialético entre a pressão heterônoma exercida pelas leis de funcionamento de uma economia global e a reação autônoma suscitada pelas redes e instituições locais” (MULS, 2008, p. 2). A crise do Estado intervencionista, de orientação keynesiana, que marca principalmente a década de 1980, expõe as condições de uma nova ordem social, na qual o espaço público deixa de ser responsabilidade exclusiva do Estado e onde diferentes atores sociais assumem novos papéis para a superação de problemas sociais e ambientais. Em consonância com o ideário neoliberal, apostam-se em estratégias públicas de descentralização e focalização dos gastos e em parcerias com o setor privado, organizações do terceiro setor e sociedade civil organizada. Nessa perspectiva, as abordagens do tipo bottom-up, nas quais indivíduos e organizações devem exercer sua responsabilidade social e ambiental, de baixo para cima, emergem com maior notoriedade. Assim, para Boisier (1997), a sociedade civil, e nela compreendida as formas locais de solidariedade, integração social e cooperação, pode ser considerada o principal agente da modernização e da transformação sócio-econômica em uma região. Porém, o Estado, que tem suas funções redirecionadas para um tipo de intervenção além da ortodoxia tradicional, no estilo de políticas de incentivo ou intervenção direta na IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1508 economia, deve atuar voltado à “percepção das capacidades e potencialidades locais, a partir de políticas de coordenação e promoção das iniciativas sociais” (SOUZA FILHO, 2000, p.6), fortalecendo, portanto, a auto-organização social, estimulando a prática de soluções colaborativas para problemas comuns e promovendo a participação e a abertura ao diálogo com os diversos integrantes das comunidades regionais (SOUZA FILHO, 2000, p.6). As teorias de desenvolvimento revisitadas abrem espaço, portanto, para o reconhecimento da força transformadora da sociabilidade, para a valorização de relações não estritamente monetárias (COSTA et al., 2008) e para as transformações possibilitadas pela interação no espaço social, transferindo a ideia de um capital social restrito ao campo simbólico, para um campo que valoriza o potencial social das relações como indutor de resultados econômicos, aumentando, ao mesmo tempo, benefícios sociais e eficiência econômica. Diante da constituição de uma nova ordem social, onde são redefinidas as relações Estado-sociedade, o capital social tem sido associado a uma atuação política mais protagônica (KLIKSBERG, 2006), e a existência de estruturas comunitárias fortes está associada “não só à promoção do desenvolvimento e da participação comunitária, mas também ao apoio a políticas públicas governamentais” (BAQUERO, 2008, p.398). Dowbor (2005) destaca a importância de compreender a força de estratégias sociais postas em prática e de buscar construir dinâmicas com capacidade para fortalecê-las, avaliando, portanto, ser interessante “proceder a certas pesquisas sobre como está se dando a acumulação de capital social em diversas regiões do país” (DOWBOR, 2005, p. 169). Nessa perspectiva, a presente pesquisa objetiva compreender como se estabelecem relações sociais entre os atores envolvidos na constituição e manutenção das comunidades rurais, utilizando, para isso, a elaboração de um Índice de Capital Social para agricultores familiares que residem em duas comunidades rurais no município de Crato-Ce, as localidades 10 de Abril e Malhada. Adicionalmente, procura-se estabelecer reflexões sobre o acesso dos produtores a políticas públicas e a forma de implementação destas de um modo geral. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1509 2 Capital social: aspectos teórico-conceituais O reconhecimento de que determinados recursos e potencialidades, advindos da teia de relações interpessoais ou sistemas sociais, não são captados pelas tradicionais formas de capital econômico, humano, físico e natural, coloca o capital social no rol de instrumentos estratégicos na definição de teorias e programas de desenvolvimento. As contribuições de Coleman (1988) na construção de um percurso conceitual apontam para o entendimento de que o estabelecimento de uma trama de reciprocidade e confiança, que emerge na capacidade de relacionamento dos indivíduos em sua rede de contatos sociais, potencializa efeitos impossíveis de serem identificados na ação individual. Embora não utilize de forma explícita o conceito de capital social, Granovetter reconhece a força de uma conexão social, ou da rede de relacionamentos, “definida como uma combinação de tempo, intensidade emocional, intimidade e serviços recíprocos que as caracterizam” (GRANOVETTER, 1985, apud MONASTÉRIO, 2005, p. 169). Ao analisar as relações dos agentes em determinado espaço social e não desconsiderando as motivações individuais para a constituição de redes, Bourdieu (2000) considera que capital social implica em existência e manutenção de uma rede durável de relações, mais ou menos institucionalizadas, de compromisso e reconhecimento mútuo. Apesar da abordagem do capital social se constituir num amplo campo de debates das diferentes ciências sociais, ao longo de toda a década de 1980, é através das reflexões de Putnam que a mesma adquire notoriedade acadêmica. Capital social, portanto, “diz respeito a características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas”, destacando-se, na análise, a tomada de ações colaborativas que resultem no benefício de toda comunidade(PUTNAM, 2002, p.177). Tal caracterização é derivada das reflexões do autor ao observar assimetrias no padrão de desenvolvimento entre as regiões norte e sul da Itália, atribuídas a diferenças na capacidade de organização social e tradições cívicas que permeiam determinada sociedade e, por conseguinte, aos fatores socioculturais que lhe identificam. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1510 Nesse sentido, Barquero (1988) já chamava atenção para a identidade da cultura local como elemento favorável a sistemas de relações sociais, servindo de base para o desenvolvimento de determinada região. Também sob tal orientação, Durston (1999, apud COSTA et al., 2008, p.4) reconhece a influência da cultura derivada “das relações sociais que resultam de processos históricos de aprendizagem”, relevante “para o desempenho de programas, além da promoção da participação cívica e superação da pobreza”. Numa perspectiva mais fenomenológica, começa a ganhar destaque a noção de que o sentimento de identidade e pertencimento a determinado lugar aumenta as possibilidades de uma população se unir em torno de um objetivo comum, já que é capaz de criar “forte identificação com os elementos de cultura, crenças, valores e estilo de vida da comunidade, despertando o interesse em participar das formulações e decisões sobre seus destinos” (FREITAS, 2008, p.48). É nesse sentido que identidade e pertencimento tornam-se fundamentais para a manutenção e coesão da comunidade, constituindo-se importantes elementos mobilizadores de capital social. Assim, o fortalecimento da cultura de uma nação ou região se apresenta como um dos pilares para o seu desenvolvimento, pois o sentimento de pertencer a um território de identidade permitirá uma ação transformadora, ao mesmo tempo individual e coletiva. Individual porque é nele que nasce o sentimento de pertencimento e coletivo, porque se pertence a uma identidade coletiva, capaz de reconhecer no outro o seu próprio sentimento; assim, quando se refere ao desejo de transformação de uma realidade, pertencimento e identidade podem ganhar força com poucas palavras, mas com inúmeras ações capazes de tomar dimensões que extrapolam à própria expectativa individual(PINHEIRO; ALVES; RODRIGUES, no prelo, p.7). De modo geral, na maioria das abordagens é explicitada a força dos recursos incorporados em determinada estrutura social, potencializada pelo contexto de proximidade social entre os agentes, deflagrada por ações de confiança mútua, reciprocidade e cooperação. Para Monastério (2005), trata-se de um fator produtivo adicional na função de produção, capaz de potencializar a produtividade dos demais fatores, tal qual se identifica na dotação tecnológica. Desta forma, os resultados econômicos são afetados pelo potencial social IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1511 das relações. Dada a força induzida pela coesão social, o capital social é um bem público, formado por recursos simbólicos e características imateriais como normas de reciprocidade, conduta ou redes de cooperação, formais (ou não), que permitem que os agentes de uma sociedade possam potencializar suas ações e alcançar resultados que de outra forma seriam custosos ou impossíveis (MONASTÉRIO, 2005, p. 166). A ideia da confiança como elemento básico de processos cooperativos que reforça o ambiente de credibilidade e, consequentemente, o contrato social (BAQUEIRO, 2003), associa o capital social a normas de valor e elementos morais. Assim, para Abramovay (2000, p.3-4), a confiança contribui para aumentar o nível de previsibilidade dos agentes, sendo fundamental o entendimento de que, O controle sobre o risco de comportamentos não cooperativos só é efetivo se os atores interiorizarem os elementos morais pressupostos na colaboração entre eles. Existem sanções pela conduta ‘desviante’, mas elas só funcionam pela presença de recursos morais que têm a virtude de aumentar conforme seu uso e dos quais a confiança é o mais importante. Por sua vez, a relevância da cooperação como instrumento mobilizador de capital social e como elemento de vantagem competitiva estratégica em processos de desenvolvimento é ressaltada por Godardet al. (1987), para os quais: Uma das chaves do desenvolvimento local reside na capacidade de cooperação entre seus atores. Também é conveniente particularizar a análise das formas de cooperação institucional ou voluntária que se produzem entre eles contanto que o objetivo seja o desenvolvimento local (Godardet al., 1987, p. 139). A teoria do capital social, ainda, ao dar centralidade à teia de relações que se estabelecem entre os diversos atores sociais, indutiva de uma maior dinamização socioeconômica, reconhece os efeitos e as sinergias geradas pela qualidade e diversidade das instituições, bem como do potencial gerado pelo grau de interação e cooperação entre estas. A partir da compreensão da multiplicidade de interações possíveis de serem estabelecidas em determinado sistema social e do potencial mobilizador das mesmas, o capital IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1512 social pode ser classificado em três modalidades, segundo Monastério (2005). O bonding social capital está associado aos laços existentes entre membros de grupos homogêneos, em que os indivíduos se encontram numa mesma posição. Para Putnam (2002), esse tipo de capital proporciona as bases sociais e psicológicas que as pessoas de determinado grupo necessitam para enfrentar as dificuldades do cotidiano. O brindging social capital relaciona membros de grupos sociais distintos e permite que as diferenças sociais sejam respeitadas. O linking social capital apresenta-se nos tipos de relações em que pessoas economicamente desfavorecidas interagem com agentes em postos de decisão em organizações formais, ou seja, contatos verticais entre estratos diferentes de riqueza e status. Os diversos atributos que caracterizam o capital social são agrupados por Nahapiet e Ghoshal (1998) a partir de três dimensões, que apresentam fortes conexões entre si: i) estrutural (estrutura e configuração da rede): descreve o padrão de conexões em termos de estabilidade, densidade, conectividade, hierarquia etc; ii) relacional: atributos potencializados pela confiança, como reciprocidade, expectativas, participação, normas, obrigações; iii) cognitiva: representa a visão compartilhada pelo grupo, expressa na cultura, valores morais, códigos e narrativas. 3 Percursos metodológicos 3.1 Área de Estudo e Coleta de Dados As localidades selecionadas para estudo são o assentamento 10 de Abril, com 44 famílias de produtores rurais e Malhada, com 11famílias. Enquanto a localidade 10 de Abril representa assentamento de reforma agrária, Malhada representa beneficiários do crédito fundiário do Governo do Estado. Foram aplicados 48 questionários, que incluíram a população das famílias da localidade Malhada e 37 questionários para o Assentamento 10 de Abril, cuja amostragem foi não probabilística; ressalta-se que não foi possível pesquisar a população assentada desta última comunidade, pelo fato de sete famílias não serem encontradas por ocasião da pesquisa de campo. O instrumento de pesquisa incluiu 111 questões, das quais 46 são relacionadas à IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1513 composição dos indicadores de capital social, enquanto as demais estão relacionadas à investigação do perfil socioeconômico dos agricultores pesquisados, à forma de organização das comunidades e ao acesso e forma de execução das políticas públicas. De forma subsidiária, foram coletadas informações complementares junto a técnicos da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará - Ematerce, Instituto Flor de Pequi e Associação Cristã de Base - ACB, que atuam na conscientização e articulação entre Estado e agricultores familiares da região. De modo a subsidiar a análise e permitir uma adequada caracterização da área de estudo foram coletadas informações sobre o perfil socioeconômico dos agricultores pesquisados. O nível de escolaridade apresenta-se baixo nas duas comunidades, com percentuais de analfabetos em torno de 27%, a grande maioria não terminou o ensino fundamental (43% e 45%, respectivamente nas localidades 10 de Abril e Malhada); porém, apesar dos níveis semelhantes de escolaridade, destaca-se, no assentamento 10 de abril, a presença, entre os pesquisados, de duas pessoas com ensino superior completo, característica não encontrada entre os pesquisados da Malhada, que possui apenas dois habitantes com ensino médio completo. Em termos de número de pessoas que trabalham no campo, as duas comunidades apresentam em média menos do que três trabalhadores rurais por família. No tocante à fonte de renda, na comunidade malhada, 100% dos agricultores pesquisados indicaram a agricultura como principal fonte de renda, percentual significativamente inferior no assentamento 10 de Abril (70%). Apesar disto, nas duas localidades, um percentual superior a 55% dos produtores recebem renda não agrícola, com destaque para aposentadorias e programas de transferência de renda, como Bolsa Família e Seguro Safra, que desempenham um importante papel para a garantia de renda mínima, principalmente se considerarmos um contexto de elevada pobreza, onde a quase totalidade das famílias sobrevivem com até dois salários mínimos (91% na Malhada e 95% no 10 de Abril). Caracterização e trajetória das comunidades IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1514 Em visita a história dos assentamentos do Sítio Malhada e 10 de Abril, foi possível observar que ambos possuem trajetórias de luta pela terra, busca da valorização e da liberdade do homem do campo. Para isso, o apoio de instituições governamentais e não governamentais também foi fundamental na busca de estratégias de luta, sobretudo, no fortalecimento dos laços cooperativos. No Sítio Malhada, a origem do movimento de lutas veio a partir do trabalho de catequese do Padre Frederico, em 1955. Na época, a comunidade recebeu, por doação, um pedaço de terra, construindo ali uma capela, um grupo escolar e 16 casas. A partir daí, o pequeno povoado foi conquistando melhorias, onde o trabalho de mutirão sempre foi a principal característica da comunidade, sendo fortalecido pela criação da Associação de Moradores Padre Frederico (com 65 membros cadastrados.). Esse processo foi resultado do desejo de um grupo já organizado, ali instalado, e da atuação da Ematerce, que já prestava apoio técnico aos agricultores. Já oficialmente organizados, o próximo passo foi pleitear crédito fundiário para aquisição de terra e instalação de infraestrutura necessária para o desenvolvimento das atividades agrícolas. Dos cadastrados, foram contempladas com o crédito apenas 11 famílias, por estarem enquadradas no Programa de Reforma Agrária de Mercado. Em 2003, com o pleito atendido, foi adquirida uma área de 236 hectares, no distrito Ponta da Serra, em CratoCeará, distante 18 km da sede do Crato. Das 11 famílias assentadas, nove residem na vila (PIANCÓ, 2013). Atualmente as famílias desenvolvem atividades de agricultura e pecuária, com destaque para o cultivo da mandioca, fruticultura e apicultura. A área destinada para o cultivo da mandioca no assentamento é de 06 hectares. A mandioca é comercializada in natura, mas também através do processamento semimanufaturado, resultando em produtos como: farinhas, gomas, beijus e tapiocas, comercializados, sobretudo nas comunidades vizinhas e nas feiras regionais, como: Berro, Expocrato, Exproaf e Expo São João (PIANCÓ, 2013). Para a apicultura, 20% dos 236 hectares são utilizados, sendo o período chuvoso a melhor época para a produção, e segundo a pesquisa realizada no assentamento, registram-se em torno de 80 IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1515 colmeias ativas. A pecuária leiteira é destinada tanto ao uso das famílias quanto para a comercialização. Em relação ao assentamento 10 de Abril, sua origem se deu com a busca do resgate histórico da comunidade do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, onde agricultores se instalaram, em meados de 1926, em terras confiadas pelo Padre Cícero ao Beato Zé Lourenço, “líder religioso e comunitário, um dos responsáveis pela criação da comunidade que prosperou em função do seu modo de trabalho, que se contrapunha ao trabalho individual e ao coronelismo nordestino” (SILVA, 2010, p.77). Essa comunidade foi devastada em ação militar, que segundo registros da polícia, citados por Silva (2010), foram 200 mortes, havendo outros relatos de que esse número teria sido três vezes superior ao divulgado oficialmente. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, juntamente com a ACB, Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Crato - SINTRAC, Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado do Ceará - FETRAECE e Comissão Pastoral da Terra - CPT, após consulta em cartórios, descobriu que as terras do Caldeirão não possuíam documentos de propriedade e estavam improdutivas. Além disso, o resgate do movimento de lutas, presente na comunidade do Caldeirão, fazia destas terras as mais adequadas para o assentamento (SILVA, 2010). Segundo Oliveira (2008) e relatos coletados na pesquisa, a partir das reuniões realizadas em horários noturnos, a fim de que não fossem descobertas, foi organizada a ocupação das terras na localidade. Considera-se 10 de abril de 1991 o marco do movimento, que dá nome ao assentamento, onde 250 famílias de trabalhadores rurais, empunhando ferramentas de trabalho e dizendo gritos de guerra, instalaram-se nas terras do antigo Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, construindo barracos de lona preta nas proximidades da igreja, no mesmo local, em que há aproximadamente 60 anos, viviam camponeses que possuíam um modo de vida diferenciado, onde a religiosidade e a ajuda mútua predominavam. Após tentativas fracassadas de negociação com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, na busca da legalização das terras em nome dos assentados, o IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1516 Governo do Estado do Ceará na época, o governador Ciro Gomes, adquiriu faixa de terra nas proximidades do Caldeirão e legalizou as famílias de agricultores. Ao longo de mais de 20 anos de ocupação, o assentamento 10 de Abril foi reduzindo as famílias ali instaladas, sendo atualmente identificadas, pela Ematerce, 54 famílias, das quais 44 assentadas e 10 agregadas (tais famílias representam filhos de agricultores que se casaram e permaneceram na comunidade). Os que ali permaneceram desenvolvem principalmente a agricultura e pecuária, no entanto, outras atividades não rurais são observadas, como é o caso da existência de mototaxistas, comerciantes, pedreiros, costureiras, artesãos, dentre outros (OLIVEIRA, 2008). As dificuldades de toda ordem encontradas na manutenção do homem no campo, sobretudo o nordestino, são também encontradas no assentamento, onde a preocupação da permanência dos jovens como continuadores da história é presente. Assim, faz-se necessário pensar em novas atividades produtivas que contemplem, sobretudo, a juventude que está se formando atualmente no assentamento e que precisam de trabalho e renda. Renda esta que os estimulem a permanecer no 10 de Abril, para que, assim, não se sintam impelidos a migrarem para obter trabalho em outros locais ou mesmo outras regiões do país, fato comum entre a juventude rural caririense que todos os anos são arrebanhados para viajar e trabalhar nas lavouras de cana-de-açúcar da região sudeste do país (SILVA, 2010, p.123). 3.2 Procedimentos para a construção do Índice de Capital Social (ICS) A estimação do Índice de Capital Social (ICS) dos agricultores familiares dos assentamentos pesquisados foi realizada a partir da elaboração de cinco índices que representam as dimensões relacionadas à consolidação do capital social, especificadas posteriormente nesta metodologia. Em termos analíticos, o cálculo do ICS se deu a partir da seguinte equação: 1 𝑘 𝐼𝐶𝑆 = 𝐾 ∑𝑝=1 𝐼𝑝 (1) Onde: ICS = Índice de Capital Social; IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1517 Ip = valor do p-ésimo índice; p = 1,..., k (índice) Cada índice, por sua vez, é formado a partir de um conjunto de indicadores, conforme especificado no quadro 1. Apesar de possuírem número diverso de variáveis, optou-se por estabelecer pesos iguais entre os indicadores na composição do respectivo índice. Assim o valor do p-ésimo índice foi calculado, conforme a seguir: 1 𝑠 𝐼𝑝 = 𝑆 ∑𝑞=1 𝐶𝑞 𝑚 1 𝐶𝑞 = 𝑀 ∑ (2) 1 𝑗=1 𝐸 𝑖𝑗 [𝑁 (∑𝑛𝑖=1 𝐸𝑚𝑎𝑥 )] (3) 𝑖 Onde: Cq = representa a contribuição do q-ésimo indicador no p-ésimo índice dos agricultores familiares; Eij = escore da i-ésima variável do q-ésimo indicador obtida pelo j-ésimo agricultor familiar; Emaxi = escore máximo da i-ésima variável do q-ésimo indicador; i = 1,..., n (variáveis que compõem o indicador “q”); j = 1,..., m (agricultores familiares); q = 1,...s (número de indicadores que compõem o p-ésimo índice). O Índice de Capital Social (ICS) e os índices das diferentes dimensões serãoclassificados, para efeito de análise, em cinco faixas, conforme quadro 1. Quadro 1 – Classificação dos índices por faixa de escores Classificação dos índices Faixa de escores Muito baixo de 0 a 0,199 Baixo de 0,200 a 0,399 Intermediário de 0,400 a 0,599 Alto de 0,600 a 0,799 IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1518 Muito alto De 0,800 a 1,0 Fonte: Elaboração própria. As dimensões propostas para a construção de um índice de capital social em assentamentos rurais, utilizadas neste trabalho, têm por base, além de revisão de literatura, uma adaptação do Questionário Integrado para Medir Capital Social (QI-MCS), proposto por Grootaertet. al. (2003). Encontram-se distribuídas nas esferas: laços de confiança e reciprocidade (ILRC); cooperação e ações coletivas de apoio mútuo (ICAC); redes e organizações (IRO); mobilização e ação política (IMAP); interações sociais, identidade e pertencimento (IIP). i) Laços de confiança e reciprocidade: as características imateriais de confiança e reciprocidade são reconhecidamente elementos orientadores de ações coletivas, fundamentais, portanto, para efetivar ações cooperativas e de integração. Os laços de confiança contribuem para certo nível de previsibilidade entre os agentes, reforçando comportamentos confiáveis e compromissos institucionalizados ou não. Valores e elementos morais comuns na comunidade também acrescentam elementos indispensáveis para processos históricos de aprendizagem, facilitadores, por conseguinte da cooperação espontânea. ii) Cooperação e ações coletivas de apoio mútuo: consideram-se o coletivismo e as ações mobilizadoras comuns, elementos de estabilidade, potencializadores de resultados, que colaboram também para processos de aprendizagem e afirmação de diferentes agentes em determinado espaço social. iii) Redes e organizações: nessa dimensão são consideradas as diferentes conexões entre os diversos sujeitos sociais, o conjunto de redes de relações sociais que materializam ações integradas colaborativas, bem como as articulações entre as diferentes organizações sociais e instituições locais. Esses componentes fazem-se indispensáveis para o fluxo de recursos em determinada rede. Ao mesmo tempo, a presença forte da liderança, sua capacidade de articulação e representação também aumentam a eficiência do fluxo de recursos, reforçam confiança e podem condicionar melhores resultados para o grupo, já que os mesmos podem IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1519 contribuir “para facilitar as conexões entre as comunidades pobres e a assistência externa ao desenvolvimento” (GROOTAERT et. al., 2003, p.7). iv) Mobilização e ação política: ressalta-se, nessa dimensão, as ações de articulação, mobilizadoras de maior acesso a serviços e benefícios para a comunidade, a capacidade de exercer pressão ou influência política, bem como o amadurecimento político no acompanhamento de políticas públicas. v) Interações sociais, identidade e pertencimento: essa dimensão diz respeito ao fortalecimento da comunidade pelos elementos simbólicos da cultura, sentimentos de pertença e identidade com o local, que reforçam comportamentos cooperativos e vínculos com o espaço social. Os indicadores utilizados, correspondentes a cada dimensão proposta, são apresentados na tabela 1. 4 Desvendando o capital social nas comunidades Aqui é discutida a natureza do capital social das comunidades, bem como as diferentes categorias que contribuem para a mobilização do capital social, a partir da construção do Índice de Capital Social relativo a cada assentamento (Tabela 1). Tabela 1 - Índice de Capital Social nas comunidades Malhada e 10 de Abril Indicadores e Índices Confiança Comunhão Baixa Violência ILCR Malhada 10 de Abril 0,724 0,600 0,763 0,696 0,604 0,709 0,770 0,695 Solidariedade Mobilização e Cooperação ICAC 0,958 0,831 0,895 0,802 0,716 0,759 Organização e Articulação Liderança Interações Institucionais IRO 0,696 0,904 0,539 0,713 0,607 0,806 0,577 0,663 Acesso a Serviços Mobilização e Articulação Política 0,875 0,788 0,782 0,666 IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1520 Influencia Política Amadurecimento Político IMAP 0,713 0,567 0,763 0,633 0,514 0,691 Interação e Sociabilidade Identidade e Pertencimento IIP 0,821 0,747 0,784 0,732 0,710 0,721 ICS Fonte: Elaboração Própria, com base em questionário da pesquisa . 0,763 0,691 i) Laços de confiança e reciprocidade Consideram-se os laços de confiança e reciprocidade, as experiências de comunhão, fundamentais para ativação de iniciativas de cooperação e participação em ações coletivas. O índice desta dimensão apresentou valores semelhantes e elevados para as duas comunidades (0,696 para a Malhada e 0,695 para o assentamento 10 de Abril). A semelhança dos indicadores de confiança e comunhão nestas localidades está possivelmente associada à construção de fortes vínculos sociais atrelados a processos históricos, relacionados ao lugar,que vão desde as simbologias dos movimentos de luta pela terra, até a necessidade de cooperação para consolidação de benefícios coletivos da localidade. Destaca-se, na perspectiva de vínculo com o lugar, a interpretação da geografia humanística, do lugar como experiência humana cotidiana, ambiente experienciado, com o qual os usuários se identificam e constroem sua base existencial e cultural. Estando intimamente ligados a processos históricos, lugar, história e comunhão, fazem-se fortemente presentes em ambas as comunidades. Outro indicador analisado na dimensão diz respeito à existência ou não de práticas de violência. Atenta-se que a presença de conflito ou sentimento de insegurança, resultado de situações de violência, pode reverter-se em problemas de confiança, refletindo-se nas formas de coesão social e, posteriormente em manifestação negativa sobre o grau de capital social, através da dificuldade de cooperação. Neste sentido, o valor do indicador de baixa violência, que na realidade representa o sentimento de segurança, apresentou valores considerados altos, IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1521 0,763 para Malhada e 0,770 para o assentamento 10 de Abril, o que reforça a presença de fortes vínculos de confiança nas duas comunidades. ii) Cooperação e ações coletivas de apoio mútuo A solidariedade entre membros pode ser percebida através da cooperação diante de situações hipotéticas nas quais a comunidade pode se reunir para lidar com calamidades, problemas na oferta de determinado serviços etc, abordando de forma coletiva questões de interesse comum, ao invés de ação individual por parte de seus membros. Assim, investiga-se como os agricultores trabalham entre si, a forma como se organizam em projetos conjuntos ou em resposta a situações de crise e dificuldades cotidianas, permitindo inferir sobre o espírito participativo da comunidade. A análise da respectiva dimensão revela, para o índice geral, a classificação de muito alto para Malhada (0,895) e alto para o assentamento 10 de Abril(0,759). No indicador solidariedade, o percentual para a localidade Malhada (0,958) se apresenta quase 20 % superior quando considerado o assentamento 10 de Abril (0,802).Esta diferença relevante pode estar relacionada ao número de famílias na primeira localidade, já que grupos menorestendem a manifestar maior nível de solidariedade em situações adversas; assim, considerando 11 famílias, a ocorrência de uma situação problema com um dos membros, tem maior poder de envolver a totalidade do grupo, do que em um assentamento com maiores dimensões. As ações coletivas são consideradas um indicador de produção de capital social. Em relação à mobilização e cooperação, a localidade Malhada também apresenta índices mais elevados. O tipo de atividade econômica explorada em cada localidade pode lançar algumas questões para análise. Ainda, analisando de forma acessória as questões sobre quais atividades os produtores desenvolvem coletivamente, percebe-se uma significativa diferença entre as duas comunidades; enquanto no 10 de Abril desenvolvem-se mais atividades relacionadas à agricultura de subsistência e organização de atividades como mutirões para a lida com o gado e manutenção da cerca, na Malhada constata-se uma cooperação em atividades associadas à IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1522 dinâmica produtiva da comunidade, onde se destaca a produção de farinha. Como consequência, abre-se a oportunidade de participação da comunidade em feiras e eventos locais, como a Expocrato, que demandam melhor nível de organização, planejamento e mobilização para ações coletivas. Essas ações, permitem ainda, certa rede de interações, troca de experiências entre agricultores de outras localidades, bem como interações com instituições como: Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa - Sebrae, Ematerce, Banco do Nordeste, secretarias estaduais e municipais etc. Interessante observação, diz respeito a forma de percepção dos benefícios oriundos das atividades colaborativas, existindo para a realidade abordada, uma significativa diferença entre as comunidades. Enquanto na comunidade Malhada os agricultores percebem de forma mais explícita o benefício da cooperação nas atividades econômicas, apontando a melhoria no nível de renda como o principal benefício (32%), na comunidade 10 de Abril o espírito colaborativo está mais associado à organização do espaço comunitário e a expectativas de acesso a serviços, políticas públicas e benefícios em geral para os moradores. A percepção na Malhada pode encontrar evidência no fato de, nesta localidade, as atividades colaborativas estarem mais diretamente relacionadas à atividades coletivas de produção e venda de produtos agrícolas, já que se faz presente, além da associação de produtores, uma cooperativa agrícola. iii) Redes e organizações Conforme referido, a multiplicidade de conexões entre os diversos sujeitos sociais, sua participação em redes do cotidiano (amigos, vizinhos, grupos religiosos, associações, sindicatos etc), formais ou informais, são consideradas nessa dimensão, na medida em que contribuem para a existência de estruturas comunitárias fortes, podendo ser ativadas para facilitar ações coletivas. A participação em redes e organizações, portanto, constitui-se um indicador de entrada de capital social, já que são meios através dos quais o capital social pode ser acumulado (GROOTAERT et. al., 2003). Vale enfatiza que para Baquero (2008, p.398): Do ponto de vista democrático, uma participação mais consequente dos cidadãos é considerada essencial, a qual, pressupõe-se, deriva da intensidade com que um indivíduo se envolve em associações formais ou informais e redes. A hipótese básica IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1523 é que quanto mais uma pessoa participa de redes e associações, maiores as possibilidades de desenvolver virtudes cívicas que tangibilizem o bem coletivo. Aqui também é considerada a diversidade das associações de determinado grupo, que pode contribuir para o compartilhamento de ideias, proposições, informações e proporcionar desde uma maior sensação de autoconfiança entre os membros da comunidade, maior segurança e amadurecimento político para a proposição e acompanhamento de políticas públicas. Apesar de, em termos gerais, o índice IRO apresentar valores semelhantes (0,713 e 0,663, respectivamente para a Malhada e 10 de Abril), constata-se pela análise da tabela 1, que no 10 de Abril, os níveis de organização e articulação são menos significativos se comparados à comunidade Malhada.De acordo com a avaliação dos produtores, a ampla maioria (80%) chama a atenção para uma diminuição de sua participação em grupos ou associações nos últimos anos, o que pode se refletir em certo desestímulo a novas ações de mobilização. Diversamente, na Malhada, 55% dos produtores responderam que participam de mais grupos; apesar deste percentual não poder ser interpretado isoladamente, demonstra um claro movimento em direção ao aumento de cooperação, que se reflete numa maior diversidade de atividades comunitárias. No que diz respeito à presença de organizações nas comunidades rurais, identifica-se, em ambos os casos, a existência de uma diversidade de grupos, constituindo redes com múltiplos canais de integração e comunicação com a comunidade, representadas por: associação de produtores, existência de liderança sindical (Sindicato dos Trabalhadores Rurais), grupos religiosos, associação cultural, associação educacional, grupo esportivo, grupo de mulheres e jovens, e no caso da Malhada, constata-se a presença adicional de uma cooperativa agrícola. A avaliação dos agricultores sobre a atuação destes grupos revela o reconhecimento da importância dos mesmos para a solução de problemas locais, indutora, também, de atitudes cooperativas, coesão social e dinâmica participativa da comunidade, em geral. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1524 No indicador de interações institucionais, avaliam-se duas categorias: a primeira diz respeito à interação entre produtores, enquanto a segunda infere sobre a integração entre instituições externas que atuam com a problemática rural. Neste sentido, a evidência empírica da pesquisa mostra um nível intermediário de integração, em relação ao primeiro aspecto, resultado, de certo modo esperado, em virtude de características inerentes à própria agricultura familiar, como: produção para subsistência, menor diversidade de atividades produtivas e menor dependência de insumos externos. Relativo ao segundo aspecto, na percepção dos agricultores, parece existir uma fragilidade nas interações entre as instituições que atuam com a problemática rural, sejam organizações da sociedade civil ou instituições governamentais. Em entrevistas realizadas com representantes destas instituições, o que é avaliado como interações são trocas de informações, de forma geral, participação em reuniões, participações em fórum etc. Questionados sobre quais grupos são mais atuantes, as duas localidades apontaram a importância da associação de produtores, o que se justifica em virtude de ser esta forma de organização imprescindível para a operacionalização e execução de uma série de políticas públicas e programas institucionais. Adicionalmente, esta forma de organização foi apontada, sobretudo no assentamento 10 de Abril, como sendo importante para a elaboração de uma série de projetos que demandam benefícios para a comunidade. Como atributo de condutas participativas dos agricultores, destaca-se a observação sobre a dinâmica de participação destes nas reuniões dos grupos, sobretudo nas reuniões da associação de produtores.Na Malhada, percebe-se maior participação efetiva (reunião mais mobilização para trabalho coletivo): 63,6% responderam que participam das reuniões e trabalhos coletivos, enquanto no 10 de Abril, este percentual se reduz para menos de 30%. Nesta localidade, sobressai-se a participação somente nas reuniões (62%), o que pode lançar alguma luz sobre a forma de organização e força cooperativa da comunidade. Vale ressaltar a dificuldade apontada pelos moradores do Correntinho de participação nestas reuniões devido à distância da localidade e ao fato de acontecerem à noite. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1525 Em termos de presença e efetividade da liderança, destaca-se, nas duas localidades, um elevado nível para o respectivo indicador. Conforme evidenciado, o grau de participação dos produtores em reuniões é elevado, o que possivelmente revela boa capacidade de liderança dos líderes locais, que agrega e aglutina os membros do grupo para as reflexões e tomadas de decisões coletivas, delegando poder aos participantes, que procuram diferentes formas de atuação. Assim, o mecanismo pelo qual as problemáticas coletivas são socializadas e a forma de se encontrar a solução para problemas comuns também se relacionam com liderança e formação de capital social. As formas impositivas de solução denotam menor participação e envolvimento dos agentes locais, reforçando a passividade e dependência em relação a agentes externos ou ao próprio líder, evidenciando deficiência no ‘empoderamento’ da população local. Deste modo, identifica-se, nas duas localidades, um elevado grau de participação da população nos processos decisórios (82% na Malhada e 78,4% no 10 de Abril), apontando que a tomada de decisão acerca dos problemas das localidades se dá de forma democrático-participativa. iv) Mobilização e ação política As ações coletivas também são suporte de aspectos subjetivos, como autoconfiança e segurança, os quais contribuem para condicionar a chamada autoridade ou capacitação (empowerment), que se constituem na habilidade para tomar e influenciar decisões que “afetam as atividades cotidianas e que podem mudar o curso de vida das pessoas” (GROOTAERT et. al., 2003. p.21). Esses elementos garantem maior participação cidadã e protagonismo social. Os resultados podem ser sentidos no melhor acesso a serviços e benefícios para a comunidade. Na categoria mobilização e articulação política, os agricultores podem estar mobilizados através de petições, abaixo assinados, demandando do poder público, algum benefício comunitário. Estas iniciativas se fazem menos presentes na localidade 10 de Abril, considerando o período recente, se comparadas à comunidade Malhada, a despeito da permanência de problemas estruturais locais (abastecimento de água, fechamento da unidade IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1526 escolar). Soma-se a isto a evidência de um baixo nível de articulação da comunidade com líderes políticos e governo local, identificada a partir da avaliação de questões complementares do instrumento de pesquisa. A comunidade Malhada apresenta índices mais elevados de mobilização e articulação e influência política. A fragilidade de mobilizações políticas também distancia líderes e governos locais, prejudicando a percepção das necessidades da comunidade, além de fragilizar importantes elos de cooperação em redes, diminuindo a influência política do grupo. Na categoria acesso a serviços, os agricultores avaliam tanto questões de acesso geral, quanto existência ou não de grupos de pessoas dentro da comunidade que estão excluídas de acesso a serviços básicos. No caso do assentamento 10 de Abril, os principais problemas enfrentados são saúde e educação, fato constatado pelo funcionamento precário da unidade de saúde e pelo fechamento da única unidade escolar do assentamento. Em termos de exclusão, é importante destacar a observação in loco da existência de uma parcela da população do assentamento (moradores do Correntinho), com acesso restrito, ou muitas vezes não beneficiada por determinados projetos (como, por exemplo, o projeto de reforma de moradia que beneficiou apenas moradores da vila). Segundo informações da Ematerce, estas famílias estão presentes desde a fundação do assentamento, mas em virtude de problemas na adaptação cultural (muitos assentados são oriundos de diversas regiões do interior do Estado), preferiram morar nesta localidade mais afastada. No caso da Malhada, 45,5% dos agricultores reforçaram que todos têm acesso a serviços, não identificando exclusão de parcela da população a qualquer serviço essencial. Nas duas comunidades, na opinião dos agricultores, a dificuldade de acesso a serviços tem influenciado na mobilização por políticas públicas, cuja iniciativa se origina principalmente dos produtores e não das lideranças políticas locais. Conforme esperado, apesar do reconhecimento da importância do monitoramento das políticas públicas por parte da população na área de estudo, isto não representa a prática efetiva observada nas comunidades, fato que se mostra consistente com a realidade de agricultores rurais. Como consequência deste baixo nível de amadurecimento político, 60% IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1527 dos agricultores do assentamento 10 de Abril e 73% da Malhada, afirmaram não serem capazes de avaliar as políticas públicas implementadas em sua localidade, o que impossibilita uma avaliação mais profunda do grau de adequação destas políticas aos reais problemas da população local. Assim, o índice IMAP se apresenta elevado, mas coloca em destaque, possivelmente, as deficiências nas duas comunidades em influência e amadurecimento político, o que possivelmente indicaria que estas se encontrariam em uma fase intermediária de empoderamento, carentes de uma maior consciência crítica que possa transformar a situação de receptores de políticas públicas pré-formatadas, para avaliadores mais críticos e propositores de políticas que efetivamente se adequem às demandas locais. v) Interações sociais, identidade e pertencimento Destacam-se, como importantes elementos mobilizadores de capital social, a ocorrência de frequentes interações cotidianas, cuja sociabilidade pode estar atrelada a encontros sociais em espaços públicos, visitas e reuniões entre amigos e parentes, ligações entre colegas de trabalho, vínculos religiosos etc. Bergamasco, Blanc-Pamard e Chonchol (1997, p.57) apontam para o fato de que “nos assentamentos rurais as redes de relações estabelecidas entre vizinhos e parentes se constituem em autênticas estratégias desenvolvidas no espaço rural”. Nessa categoria, considera-se a ideia de topofilia sugerida por Tuan (1980, p.5), vista como “o elo afetivo entre as pessoas e o lugar ou ambiente físico. Difuso como conceito, vívido e concreto como experiência pessoal”. Dos vínculos cotidianos, reforça-se a noção de pertencimento e identidade, entre membros e comunidade. Assim, sugere-se que “o sentimento de pertença surge das relações e interações que acontecem entre os moradores de determinado lugar. Os encontros cotidianos geram afetividade e identidade coletiva” (FREITAS, 2008, p.46). No indicador interação e sociabilidade, os vínculos cotidianos se apresentam fortes, percebidos pelo índicemuito alto na comunidadeMalhada (0,821) e alto no assentamento 10 IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1528 de Abril (0,732). Constata-se que 100% e 73% dos pesquisados (nas localidades Malhada e 10 de Abril, respectivamente) afirmam sobre a existência de predomínio de fortes vínculos de família, vizinhança e amizade, traduzidos em encontros sociais frequentes. Considera-se, ainda, que uma elevada homogeneidade interna entre membros da comunidade possa contribuir para uma maior interação e sociabilidade, melhorando confiança, facilitando troca de informações e tomada de decisões. É importante a ressalva de que a homogeneidade pode comprometer certa diversidade de ideias e posições e o consequente amadurecimento político dos membros da comunidade, mas só a primeira perspectiva é considerada na composição dos indicadores deste trabalho. No caso específico da área de estudo, esta homogeneidade se faz presente, visto que atotalidade dos produtores pesquisados enfatizou a inexistência de grandes diferenças entre os membros (97% e 91%, dos produtores, respectivamente nas comunidades 10 de Abril e Malhada). Relativamente à identidade e pertencimento, os valores dos indicadores mostram-se elevados e semelhantes nas duas comunidades, o que pode estar associado à forte ligação dos agricultores com o lugar, onde os principais elementos apontados para essa ligação são as afinidades sociais e culturais das pessoas e a avaliação do lugar como possuidor de história e culturas próprias. Destaca-se, no assentamento 10 de Abril,um certo orgulho pela história de luta pela terra, remontado, ainda, a formação da comunidade Caldeirão. Mais de 60% dos agricultores pesquisados apontam maior afinidade com habitantes de sua localidade em relação às pessoas da sua idade, cidade ou região. Outro elemento que reforça o sentimento de pertencimento, diz respeito ao fato de 100% dos entrevistados não desejarem se mudar da sua localidade, elencando, como principais fatores, a existência de vínculos com a terra e a atividade agrícola, vínculos afetivos e sentimento de tranquilidade proporcionado pelo lugar. Os elementos apontados explicam o elevado valor do índice interações, identidade e pertencimento, para as duas comunidades estudadas. Percebe-se, aqui, como fortes vínculos sociais, históricos e simbólicos, criam uma ligação com o lugar, produzindo forte sentimento IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1529 de pertencimento, estimulando, assim, a produção de capital social não apenas pela necessidade coletiva de obter renda ou serviços públicos, num contexto de adversidade, mas também de valorização do espaço experienciado. 5 Capital social e políticas públicas: uma primeira aproximação Longe de sinalizar para uma matriz consensual, as relações entre capital social, políticas públicas e desenvolvimento constituem-se campo para amplas reflexões. Na tradição culturalista de Putnam, um conjunto de características do capital social como confiança, altos níveis de associativismo e atitudes positivas relativas ao comportamento cívico podem contribuir para o melhor desempenho das instituições públicas, podendo, também, incidir na promoção de instituições mais confiáveis. Porém, para Baquero (2008), isso não significa que o contrário não possa ser verdadeiro, ou seja, ações governamentais e instituições eficientes e eficazes podem contribuir para a criação de capital social, conforma defendera Durston (1999). A associação mais explícita do Estado como indutor e mobilizador do capital social é defendida na abordagem de Evans. Para o autor, o Estado moderno “é a principal arena para a mobilização das demandas sociais, que determinam o êxito da mobilização e organização social”, tendo responsabilidade “por dar forma à ação coletiva e à interação social no âmbito local”, tendo as condições institucionais para a mobilização (EVANS, 1986, apud SILVA, 2007, p.41). Na observação da realidade das comunidades estudadas, constata-se o acesso a programas e políticas federais e estaduais voltados a comunidades rurais, os quais são executados e monitorados por instituições públicas, como a Emater e organizações do terceiro setor, que atuam também na capacitação dos agricultores. Asong se submetem, muitas vezes, a editais públicos, mas parecem atuar a partir de ações e políticas mais pontuais, não se observando, de modo geral, o tratamento mais sistêmico no enfrentamento das problemáticas locais. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1530 Os agricultores avaliaram a contribuição dada pelo setor público para melhorar o acesso a bens e serviços. Nas duas localidades, os serviços melhor avaliados são: acesso a terra, oferta de financiamento à produção e oferta de insumos básicos, principalmente distribuição de sementes. Os pesquisados valorizam fortemente os programas de assistência técnica rural, mas consideram insuficiente a atuação e acompanhamento das instituições. No que diz respeito às organizações do terceiro setor no estímulo à formação de consciência crítica e mobilização, a ampla maioria reconhece a intervenção positiva destas instituições. No assentamento 10 de Abril, parecem ser fortes a atuação daACB, do MST e do sindicato dos trabalhadores rurais (que possui liderança sindical nas duas comunidades). Os agricultores da Malhada apontam, com participação mais atuante, a própria associação de produtores e o sindicato dos trabalhadores rurais. Vale ressaltar o que destaca Baquero (2008, p. 396-397), segundo o qual essas organizações “são consideradas como catalizadoras de capital social, principalmente para as camadas mais pobres, dotando-as de capacidade mobilizadora, via ação coletiva para assegurar um desenvolvimento comunitário mais incidente nas suas vidas”. Não se identificam, em implementação, planos mais gerais e estruturais voltados para o desenvolvimento rural, seja pela iniciativa das instituições, seja pela demanda das comunidades, que parecem demonstrar pouca capacidade técnica e amadurecimento político para tal. Observam-se apenas iniciativas pontuais nessa direção, como retratado, através da Ematerce, pela elaboração de um plano de manejo para a comunidade 10 de Abril, que responde à necessidade de enquadramento em normas ambientais, já que tal comunidade se localiza em uma Área de Proteção Ambiental - APA. Esses elementos, somados a pouca influência de líderes locais, que priorizem tais demandas, refletem-se na precariedade de atuação de políticos e governo municipal na geração de programas que respondam às especificidades das comunidades locais. O baixo nível de interação das organizações da sociedade civil e instituições públicas também somam para a ausência de programas mais explícitos de desenvolvimento. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1531 A forma como as comunidades têm acesso a serviços e políticas públicas envolve uma via de mão dupla. As comunidades, ao disporem de informações sobre programas disponíveis às populações rurais, muitas vezes procuram órgão técnicos ou se associam às organizações sociais para enquadramento nos referidos programas. Por outro lado, as instituições públicas, principalmente de apoio técnico, também apresentam às populações rurais novos programas disponíveis, bem como as condicionalidades requeridas para o acesso. Nestes casos, os produtores são muitas vezes induzidos a medidas associativas, como condição para participação em certos programas, como é o caso da exigência de associação de produtores em ambas as comunidades. Quando determinados benefícios não são contemplados pelas políticas estatais, federal e estadual, fica mais nítida a insuficiente intervenção do governo local, vista na persistência de certos problemas antigos das localidades, como a precariedade de serviços de transporte público, de infraestrutura de estradas (nas comunidades o acesso se dá por meio de estradas carroçáveis), mais evidente no período de chuvas e no caso da comunidade 10 de Abril, o recorrente problema de acesso à água. Na percepção dos produtores, governos e líderes locais não consideram ou consideram muito pouco, as preocupações manifestadas pelos agricultores na tomada de decisões políticas que afetam a comunidade. Na maioria das vezes, sua atuação se restringe a políticas e programas formatados de cima para baixo, ou na ação em situações emergenciais, sobretudo no prolongamento do período de estiagem, onde se destacam medidas mitigadoras como o abastecimento de água através de carro pipa, e o seguro safra, que se soma a outros programas como o bolsa família para a garantia de uma renda mínima para estes agricultores. Porém, a infraestrutura disponível nas localidades, tanto física, como a que diz respeito à formação de capital humano, é ainda precária e limitada para o fortalecimento do capital social estrutural. Percebe-se forte anseio dos agricultores por uma gestão de políticas públicas que avance mais numa perspectiva participativa, como meio de atuação mais eficaz nos problemas que afligem o setor rural. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1532 6Considerações finais Os assentamentos estudados, 10 de Abril e Malhada, têm igualmente histórias de lutas e de conquistas, onde o fortalecimento da classe de trabalhadores rurais em busca, não de uma utopia, mas de uma realidade possível, são respostas para aqueles que não acreditam que a união, a organização e, sobretudo, a luta consciente e constante são capazes de vencer as mais duras batalhas. O estudo das referidas comunidades mostrou que as famílias de trabalhadores rurais desenvolvem estratégias de organização e associação, de maneira a permitir sua permanência na terra, que deve se traduzir em melhores formas de convivência no campo. A análise das dimensões constitutivas do capital social permite concluir, de modo geral, que as duas comunidades apresentam alto índice de capital social (0,763 para Malhada e 0,691 para o assentamento 10 de abril), porém, percebe-se que ao passo que algumas dimensões apresentam valores elevados, indicando um sólido nível de capital social, em outras constata-se certa fragilidade. Neste sentido, a tipologia utilizada por Nahapiet e Ghoshal (1998) parece pertinente à presente análise. Assim, as duas comunidades mostram-se consolidadas no chamado capital social cognitivo, apresentando fortes laços de comunhão e solidariedade, o que tem se traduzido em nítidas ações colaborativas, intensificação de valores comunitários, interações sociais frequentes e o fortalecimento da identidade com o lugar. No que diz respeito ao capital social relacional, os dois grupos tem avançado na confiança e nas formas de organização e articulação interna, na discussão dos problemas locais e na participação nos processo decisórios. Em relação ao capital social estrutural, as duas comunidades estudadas apresentam pouco amadurecimento político, demonstrando limitações para fiscalizar e avaliar as políticas públicas das quais são beneficiadas, bem como possuem fracas interações institucionais e pouca influência política, que se refletem em um baixo nível de densidade e estabilidade da rede de interações. Ou seja, constatam-se fragilidades no tocante ao linking social capital, que IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1533 como visto, refere-seaos tipos de relações em que pessoas economicamente desfavorecidas interagem com agentes em postos de decisão em organizações formais. No acesso destas famílias às políticas públicas, depreende-se, da percepção dos agricultores edas informações de técnicos da Ematerce e ACB, que há um leque considerável de políticas públicas disponíveis à população rural, porém, apresentam-se pré-formatadas e impostas de cima para baixo, em muitos casos insuficientes face às necessidades da referida população. Outra observação relevante, é que na leitura dos produtores há pouca participação de políticas públicas no âmbito local, prevalecendo intervenções oriundas dos governos estadual e federal, sendo limitada a participação do governo local a situações pontuais e emergenciais.Por fim, deve-se mencionar a falta de um plano de desenvolvimento para as localidades, possuindo apenas o assentamento 10 de Abril um plano de manejo, o que na realidade limita a intervenção pública numa abordagem de longo prazo, confirmando a ausência de uma abordagem territorial para a gestão das políticas públicas. Referências ABRAMOVAY, R. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural. Economia Aplicada. Volume 4, nº 2, abril/junho, 2000. BAQUEIRO, Marcello. Democracia formal, cultura política informal e capital social no Brasil. Opinião Pública, Campinas, v.14, nº 2, nov, 2008. ______. 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Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1537 CAPITAL SOCIAL NO PROCESSO DE GESTÃO DO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL Tallita Soares Justino17 Yunna D’avila Carvalho Batista18 Valéria Feitosa Pinheiro19 Resumo: O presente estudo propõe contribuir com algumas reflexões teóricas sobre Capital Social nos processos de gestão do desenvolvimento territorial. Entendendo o capital social, como um conjunto de recursos capazes de promover a melhor utilização dos ativos econômicos pelos indivíduos, que o torna fundamental e indispensável para o êxito na prática da gestão do desenvolvimento territorial. A partir do qual, os representantes das organizações e instituições atuam no planejamento e consecução de ações direcionadas à promoção de transformações sociais, econômicas, políticas e culturais que constituem os processos de desenvolvimento territorial. Nesse sentido, o desenvolvimento territorial deve ser entendido como um processo complexo capaz de engendrar mudança estrutural, empreendida por uma sociedade organizada territorialmente, com vistas à dinamização econômica e à melhoria da qualidade de vida de sua população. Para tanto, o presente estudo apoia-se, sobretudo, na revisão de literatura, tendo como objetivo compreender os efeitos dinamizadores e potencializadores do capital social sobre a gestão do desenvolvimento territorial. Chegando à conclusão de que o fortalecimento das relações de confiança, reciprocidade e cooperação, importantes para o estabelecimento da comunicação, o entendimento, a formação de redes e do civismo, constituem fatores altamente positivos e indispensáveis no processo de desenvolvimento territorial. Palavras - Chaves:Capital Social; Gestão Territorial; Desenvolvimento Territorial 1 Introdução 17 Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri- URCA, Crato, CE. Email:[email protected]. Telefone: (88) 9663-3899 18 Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri- URCA, Crato, CE.Email:[email protected]. Telefone: (88) 9245-9413 19 Professora Adjunta do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Regional do Cariri. Email: [email protected]. Fone: (088) 9965-7314 IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1538 O desenvolvimento territorial deve ser entendido como um processo complexo capaz de engendrar mudança estrutural, empreendida por uma sociedade organizada territorialmente, sustentado na maximização dos capitais e recursos (materiais e imateriais) existentes no local, com vistas à dinamização econômica e à melhoria da qualidade de vida de sua população. Assim, para Abramovay (2000), trata-se da construção de um novo sujeito coletivo que vai exprimir a capacidade de articulação entre as forças dinâmicas de uma determinada região. É a partir do entendimento do capital social que se desmitifica que a sociedade é um conjunto de indivíduos independentes, cada um agindo para alcançar objetivos individuais e/ou coletivos, mas de forma individual; que o funcionamento do sistema social consiste na combinação destas ações dos indivíduos independentes. Portanto, a noção de capital social permite ver que os indivíduos não agem independentemente, que seus objetivos não são estabelecidos de maneira isolada e seu comportamento nem sempre é estritamente egoísta. Neste sentido, as estruturas sociais devem ser vistas como recursos, um ativo de capital de que os indivíduos podem dispor (COLEMAN apud ABRAMOVAY, 2000). Mas é nas redes institucionais formadas por sindicatos, associações e cooperativas, entre outras, que ocorre o encadeamento de iniciativas para discutir políticas governamentais ou demandas da sociedade, buscando convergências para a implantação de novas iniciativas de interesse de grupos de indivíduos, desenvolvendo predisposições atitudinais por parte das pessoas, no sentido de estarem motivadas a se engajar em ações que redundem na obtenção de um bem coletivo. Nesse sentido, deve-se atuar voltando à “percepção das capacidades e potencialidades locais, a partir de políticas de coordenação e promoção das iniciativas sociais” (SOUZA FILHO, 2000, p. 4). Fortalecendo, portanto, [...] a auto-organização social, estimulando a prática de soluções colaborativas para problemas comuns e promovendo a participação e a abertura ao diálogo com os diversos integrantes das comunidades regionais (SOUZA FILHO, 2000, p.6). O estabelecimento das redes institucionais pressupõe, portanto, amplos processos de engajamento cívico que, por sua vez, faz-se necessária a presença de relações interpessoais, IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1539 com destaque para a confiança, o conhecimento mútuo, a sintonia de valores e aceitação, importantes para que as atividades coletivas sejam devidamente realizadas e os seus resultados possam ser alcançados, de forma homogênea, por todos os envolvidos. Pois é a partir de uma nova figuração do sistema social, baseado na fortificação de relações interpessoais entre atores/agentes e na maior participação em organizações/instituições, isto é, na consolidação do capital social, que se desenvolve um novo processo de gestão do desenvolvimento territorial. Esse novo desenvolvimento territorial, agora, é dirigido e promovido por uma sociedade organizada com indivíduos diretamente engajados em atividades que combinam os recursos do capital social com outros tipos de capital (econômico, humano, físico entre outros). É nessa perspectiva que foi desenvolvido este estudo, buscando compreender a importância do capital social como elemento fundamental na promoção do processo de gestão do desenvolvimento territorial, proporcionando um leque de possibilidades e dinamicidade para o desenvolvimento das localidades. 2 Uma abordagem preliminar dos aspectos teóricos-conceituais do Capital Social A conceituação de capital social foi formulada e contida inicialmente no artigo Actes de laRechercheenSciencesSociales, em 1980, do sociólogo Pierre Bourdieu. Neste trabalho, o autor refere-se ao termo como sendo o agregado dos recursos efetivos ou potenciais ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de conhecimento ou reconhecimento mútuo (BOURDIEU apud PORTES, 2000, p. 134). [...] ao longo de toda a sua análise, Bourdieu acentua a conversibilidade das diversas formas de capital e a redução, em última instância, de todas essas formas a capital económico, definido como trabalho humano acumulado. Assim, os actores podem alcançar, através do capital social, acesso directo a recursos económicos (empréstimos subsidiados, informações de negócios, mercados protegidos); podem aumentar o seu capital cultural através de contactos com especialistas ou com pessoas cultas (i. e., capital cultural incorporado); ou, em alternativa, podem filiar-se IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1540 em instituições que conferem credenciais valorizadas (i.e., capital cultural institucionalizado). (PORTES, 2000, p. 135) Constata-se que o conceito de capital social, embora não seja novo, ganhou notoriedade a partir do livro de Robert Putnam publicado em 1993, com o título MarkinDemocracyWork: Civic Traditions in ModernItaly (Comunidade e Democracia: E experiência da Itália Moderna), onde o capital social é definido por três fatores interrelacionados: confiança, normas e cadeias de reciprocidade e sistema de repartição cívica, sistemas que permitem as pessoas cooperar, ajudar-se mutuamente, zelar belo bem comum (DIAS, 2005).Verifica-se que o capital social depende, fundamentalmente, da estrutura de relações sociais para existir. Nesse sentido, os vínculos estabelecidos a partir das relações entre as pessoas facilitam o fluxo de informações, principalmente no que se refere a inovações e oportunidades de mercado; aumentam a disponibilidade de crédito e reduz seu custo; funcionam como credenciais sociais que facilitam o acesso de agentes econômicos a recursos disponíveis nas redes (SILVA et al, 2006). O conceito de capital social também é pauta de discussão do Banco Mundial que define capital social referindo-se às instituições, valores, atitudes e as relações estáveis de confiança, reciprocidade e cooperação que podem contribuir para reduzir os custos de transação; produzir bens públicos; e facilitar a constituição de organizações de gestão de base efetivas, de atores sociais e de sociedades civis saudáveis; e para o desenvolvimento econômico e a democracia (DALLABRIDA, 2006a). Outros autores, como Coleman apud Candeias (2005) entende o conceito de capital social, da perspectiva do indivíduo para a perspectiva do grupo. Ele traz as relações entre grupos, e não só entre indivíduos como fez Bourdieu, como fonte de vantagens. Por outro lado, ambos os autores admitem a intangibilidade do capital social, pois se o capital econômico pode ser facilmente mensurado e o capital humano é dado a partir das características individuais o capital social dependerá das relações entre os sujeitos. Dessa IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1541 forma, o capital social não está no ambiente e nem nas pessoas, mas nas relações, nos vínculos que são construídos e, que trazem benefícios de curto e longo prazo. Coleman (1988; 1996) apud Albagli e Maciel (2002), em seus primeiros esforços para analisar o capital social, em escolas públicas e católicas, chegou à conclusão de que se tratava do conjunto de recurso intrínsecos nas relações familiares e na organização social comunitária e que são úteis para desenvolvimento cognitivo ou social de uma criança ou de um jovem. Não obstante, eles se aprofundam ainda mais nos estudos e verificam que capital social deve ser entendido em uma estrutura teórica mais ampla, onde pode entender o vínculo causal entre capital social e acesso a recursos. A definição apresentada por Coleman (1988, p. 98) apud Milani (2005) é de que o capital social é “a habilidade de as pessoas trabalharem juntas em grupos e organizações para atingir objetivos comuns”. O capital social deve ser analisado tanto individualmente, avaliando a capacidade de relacionamento do indivíduo, aliado às expectativas de reciprocidade e do modo de se comportar que, conjuntamente, auxiliam a eficiência individual, quanto em um caráter coletivo, em que, o capital social tenderia a manter a coesão da sociedade, de acordo com as normas e o modo de negociar em situação de conflito tanto nas escolas quanto na vida pública, e contribuiria para a criação de um modo de vida segundo a associação espontânea, enfim, numa sociedade mais aberta e democrática. No estudo realizado por Reis (2003) sobre a estrutura analítica dos argumentos desenvolvidos por Putnam (1996) no clássico Comunidade e Democracia, procurando explicar as diferenças de engajamento cívico e governos regionais efetivos, o capital social é apontado como recurso capaz de facilitar a cooperação voluntária entre os agentes sociais, sendo assim, desnecessário o uso da força coercitiva. Ele seria decisivo para a “instauração dos círculos virtuosos favorecedores do bom desempenho institucional”. Embora o conceito de capital social não esteja explícito durante toda a exposição. Daí o consenso entre alguns autores de que Coleman traz uma definição bem mais ampla que a de Putnam, por incluir, nos seus trabalhos, todas as maneiras através das quais as relações sociais podem contribuir para a produção: desde a reciprocidade e a confiança entre IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1542 os agentes, laços horizontais, e até mesmo organizações verticais que intencionalmente, ou não, resolvam os problemas de ação coletiva (MONASTÉRIO, 2002). Mas, na verdade cada autor tem contribuído significativamente, a seu modo, para a análise do capital social que pode ser visto sob várias ópticas. É nessa perspectiva que Albagli e Maciel (2002), percebe que Coleman (1990), em seus estudos, pretende explicar os efeitos das relações sociais, enquanto que Putnam (1996) preocupa-se em buscar formas de regenerar a saúde política da sociedade. Apesar das diferenças em termos conceituais do capital social, Assunção (2013) constata que os estudos de Bourdieu (1986), Coleman (1986) e Putnam (1996) corroboram com a ideia de que o Capital Social pode ser considerado de grande valia quando analisado nos aspectos de confiança dentro das redes de relacionamento, fortalecendo, assim, os laços denominados fortes, que contribuem para a realização de certos objetivos que na sua ausência não seria possível. Apresentando mais semelhanças do que aparenta, Putnam (1996) admite na construção de sua definição de capital social, citando o próprio Coleman (1990), que o capital social assim como outras formas de capital20, é produtivo, por gerar fluxos de rendimento aos indivíduos e a sociedade, e conclui dirigindo o conceito: diz respeito a certas características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas (REIS, 2003). Na concepção de Putnam (1996), apesar do capital social ser abordado com definições amplas, operacionalmente ele está presente nas associações e as normas de cooperação entre os indivíduos. As associações civis, por sua vez, contribuem para a eficácia e estabilidade de governos democráticos, à medida que provoca efeitos “internos”, incutindo em seus membros hábitos de cooperação, solidariedade e senso de responsabilidade comuns em empreendimentos coletivos e público; e “externos”, promovendo a articulação e agregação de 20 O autor refere-se ao capital físico e ao capital humano. Considerando que o primeiro termo diz respeito ao capital construído pelo homem, que inclui a infraestrutura etc., enquanto que, o segundo termo indica às habilidades, conhecimentos e criatividade com que os indivíduos contribuem para a vida econômica (KLIKSBERG, 1999). IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1543 interesses que se intensificam com a densa rede de associações secundárias. Considerando que a reciprocidade mútua das instâncias públicas e privadas aumentaria o potencial transformador para o bem-estar da sociedade. Entendendo, assim, que as associações favoráveis para o desempenho econômico seriam aquelas que congregam “agentes que tem o mesmo status e o mesmo poder” (MONASTÉRIO, 2005). Em relação as ações econômicas dos sujeitos, Granovetter (1985) apud Monastério (2005), mesmo sem utilizar a expressão de capital social, no trabalho EconomicActionandthe Social Structure: theproblemofembeddedness, percebe as ações econômicas dos agentes como inseridas numa rede de relações sociais. Os indivíduos realizam suas escolhas dentro de uma determinada “malha de conexões” com outros agentes, importante para a promoção da confiança e de relacionamentos cooperativos. Diferentemente da economia neoclássica que percebe o indivíduo como atomizado, desconsiderando, assim, as relações sociais existentes. Isso não significa dizer que o capital social não pode ser um instrumento para práticas de ação racional, o diferencial está no fato de que essa prática deve ser norteada pelo papel da estrutura social. Os autores que trabalham com a teoria do capital social sinalizam que a reprodução das relações sociais modifica a estrutura social, o modo de agir dos agentes, originando elos de obrigações subjetivas, como sentimentos de gratidão, respeito e amizade, que de certa forma potencializam o capital social. Paldam e Svendsen (1999) apud Monastério (2005) cogitam a inclusão do capital social diretamente na função de produção como um fator, assume o capital social como um argumento adicional na função de produção. Dessa forma, admitindo sua produtividade, é também capaz de elevar a produtividade dos outros fatores: capital, trabalho, tecnologia e capital social. Considerando o fator tecnologia, sempre esteve presente na origem das revoluções industriais, principalmente, como um importante instrumento para o aumento da produtividade e redutor de custos. Para tanto, sempre foi e ainda é necessário a ocorrência de modificações no gerenciamento e na organização das empresas como pré-condição para que IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1544 ocorra melhoramentos tecnológicos. Embora se tenha passado despercebido, o fato de que, as inovações tecnológicas fazem parte das transformações sociais e institucionais, devendo ser entendida e vinculada aos processos de mudança e inovação social que a viabiliza (ALBUQUERQUE, 1998). Haja vista a necessidade de se estabelecer um novo modelo de desenvolvimento, que não esteja calcado na produção em massa, orientado para o consumo padronizado, que seja capaz de promover a flexibilização produtiva e a fragmentação do consumo. Essa nova ordem busca promover modificações nas estruturas institucionais para que se possa realizar a flexibilização dos mecanismos operativos, agora mais descentralizadas, flexíveis e atentas à diversidade identitária21, respeitando as pluralidades culturais e políticas de cada região (FONTES, 1999). A noção de capital social permite ver que os indivíduos não agem independentemente, que seus objetivos não são estabelecidos de maneira isolada e seu comportamento nem sempre é estritamente egoísta, nesse sentido, as estruturas sociais devem ser vistas como recursos, como um ativo de capital de que os indivíduos podem dispor (ABRAMOVAY, 2000). Comprovado por Vidal (2004) apud Silva et al. (2006), que o capital social aumenta as habilidades dos indivíduos, fortalece as organizações, estabelece elos entre os indivíduos e entre as organizações, aumentando, então, a capacidade da comunidade. Na busca de realizar uma síntese das principais abordagens sobre o “capital social”, o Quadro 01, Milani (2005) organizou algumas concepções que facilita a compreensão de sua definição, variáveis e ênfase, a partir da perspectiva de Pierre Bourdieu, James Coleman, Robert Putnam, Mark Granovetter e John Durston. Quadro 01: Síntese de algumas definições de capital social Autor 21 Definição Variáveis Ênfase Conjunto de recursos reais ou potenciais A durabilidade e o tamanho da rede Parte do princípio de que o capital e suas diversas expressões Definido por Fontes (1999) como fator identidade (que pode ter uma base étnica, comunitária, profissional, etc) IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1545 Pierre Bourdieu James Coleman Robert Putnam resultado do fato de pertencer, há muito tempo e de modo mais ou menos institucionalizado, a redes de relações de conhecimento e de reconhecimento mútuos de relações. As conexões que a rede pode efetivamente mobilizar (econômicas, históricas, simbólicas, cultural, social) podem ser projetadas a diferentes aspectos da sociedade capitalista e a outros modos de produção, desde que sejam considerados social e historicamente limitados às circunstâncias que os produzem. O capital social é definido pelas suas funções. Não é uma única entidade (entity), mais uma variedade de entidades tendo duas características em comum: elas são uma forma de estrutura social e facilitam algumas ações dos indivíduos que se encontram dentro de uma estrutura social. Sistema de apoio familiar. Sistema escolares (Católico) na constituição do capital social nos EUA. Organizações horizontais e verticais. Adeptos da teoria da escolha racional (e de suas aplicações na sociologia), acredita que os intercâmbios (social exchanges) social seriam o somatório de interações individuais. Refere-se aos aspectos da organização social, tais como redes, normas e confiança que facilitam a coordenação e a cooperação para benefício mútuo. Intensidade da vida associativa (associações horizontais), leitura da imprensa, número de votantes, membros de corais e clubes de futebol, confiança nas instituições Na visão de Putnam, a dimensão política se sobrepõe a dimensão econômica: as tradições cívicas permitem-nos prever o grau de desenvolvimento, e não contrário. A “performance institucional” está condicionada pela comunidade cívica. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1546 públicas, relevância do voluntariado. As ações econômicas dos agentes estão inseridas em redes de relações sociais (embeddedness). As Mark redes sociais são Granovetter potencialmente criadoras de capital social, podendo contribuir na redução de comportamentos oportunistas e na promoção da confiança mútua entre os agentes econômicos. Duração das relações (consideradas positivas e simétricas). Intimidade. Intensidade emocional. Serviços recíprocos prestados. Granovetter critica as duas visões do comportamento econômico: a visão neoclássica, que ele qualifica de subsocializada, visto que percebe apenas os indivíduos de forma atomizada, desconectados das relações sociais; e a estruturalista e marxista, que ele qualifica de supersocializada, porquanto os indivíduos são considerados em dependência total de seus grupos sociais e do sistema social a que pertencem. Corresponde ao conteúdo de certas relações sociaisaquelas que combinam atitudes de confiança condutas de reciprocidade e cooperação-que proporcionam maiores benefícios àqueles que o possuem. Confiança. Reciprocidade. Cooperação O capital social está para o plano das condutas e estratégias como o capital cultural está para o plano abstrato dos valores, princípios, normas e visões de mundo. Tipologia de capital social: individual (relações entre pessoas em redes egocentradas), grupal (extensão de redes egocentradas), comunitária (caráter coletivo, ser membro é um direito), de ponte (acesso simétrico a pessoas e instituições distantes), de escala (relações assimétricas que, em contexto democráticos, empoderam e produzem sinergias) John Durston IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1547 e da sociedade como um todo Fonte: adaptado de Milani (2005) Portanto, o capital social pode ser considerado um fator de produção intangível, sendo fundamental a confiança mútua, reciprocidade e cooperação no seu fortalecimento, de modo a estruturar as relações sociais, objetivando promover ações que individualmente seriam pouco ou nada eficazes. No entanto, como fatores externos é importante que se promovam elos institucionais, formando um rede, de modo que potencialize as ações do grupo. 3 Redes institucionais na perspectiva do capital social: o empoderamento dos atores sociais no processo de gestão do desenvolvimento territorial O desenvolvimento de redes desempenha papel importante na construção de um indivíduo cívico capaz de mobilizar e defender ativos, uma vez que apresentam elementos necessários para aumentar a capacidade de organização dos atores/agentes que passam a ser preparados para serem atuantes no processo de gestão do desenvolvimento, seja ele no âmbito territorial ou regional (BASSO et al, 2003). Para tanto, pressupõem, ainda, amplos processos de transferência de conhecimento, como estratégia indispensável para fortalecer a conexão e o envolvimento dentro das redes. [...] as redes sociais são construídas através da comunicação e de estratégias de investimento nas relações sociais a fim de alcançar fontes de benefícios, sejam emocionais, operacionais e financeiros. Além disso, ressalta a importância do capital social, para o sucesso nessas conexões, onde, o capital social é visto como um bem social em virtude das conexões dos atores envolvidos e das redes da qual fazem parte, que se refere diretamente às conexões entre os indivíduos (BOURDIEU, 1998, apud LORETO, 2012, p.6). Nesse processo de mudança os indivíduos evoluem, saem de uma zona de conforto da passividade, para se tornarem agentes ativo, capazes de imprimir uma nova imagem da realidade de identificar problemas e coletivamente encontrar soluções. Os recursos necessários para a transformação desse novo indivíduo se encontra no estabelecimento do IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1548 capital social, uma vez que ele possui a capacidade de desenvolver as predisposições atitudinais, no sentido de estimular os indivíduos a se envolverem em ações coletivas. Um agir coletivo e consciente promovido pelo desejo da melhoria da qualidade de vida de uma comunidade (BAQUEIRO, 2006). Dessa forma, o território produtivo resultaria de uma construção dos atores organizados para atingir metas e concretizar objetivos que redundam no bem coletivo. A formação de uma rede institucional pressupõe como característica principal a forte presença de relações de reciprocidade, facilidades nos canais de informações, de intercâmbio e maior predisposição para internalização de normas, possibilitando conexões de cada um dos membros dessas redes com outros membros, cujas ligações se dão por meio de estruturas formais e informais. Sendo importante ressaltar que tanto no sentido econômico quanto político a cooperação voluntária é imperativa para alcançar objetivos comuns. As redes institucionais, de um modo geral, são compostas por atores institucionais, isto é, representam diferentes indivíduos unidos em um contexto social e que buscam um mesmo objetivo, benefício e satisfação. De maneira geral, são considerados atores institucionais de um determinado território, os seguintes representantes: administração pública municipal, representações locais da administração pública estadual ou federal ligadas ao setor produtivo (Ex. EMATER, SENAI, SENAC, SEBRAE, SENAR...); associações comerciais, industriais e de serviços; sindicatos patronais e de trabalhadores; institutos ou fundações técnicas; escolas técnicas; Universidades, principalmente. (DALLABRIDA, 2006 b, p.18) A atuação desses atores institucionais só se dará na compatibilização dos processos utilizados nas respectivas instituições de acordo com as características potenciais de diferentes territórios ou comunidades. Putnam (2002) sublinha que a eficiência das instituições é condicionada fortemente por vários aspectos das relações sociais, sejam eles laços de confiança, normas, sistemas, redes de interação e cadeias de relações sociais. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1549 É por meio da interação e da sintonia entre os agentes sociais e os agentes institucionais que será desenvolvida a troca de valores com a introdução de técnicas das instituições para alavancar o desempenho das redes institucionais. Dessa forma, uma participação mais efetiva dos cidadãos deriva da intensidade com que um indivíduo se envolve em associações, no seu sentido amplo, sejam formais ou informais, pois quanto maior sua participação, maiores são as possibilidades de desenvolver virtudes cívicas que tangibilizem o bem coletivo. As evidências empíricas, na América Latina, advêm das experiências de Villa El Salvador no Peru; das feiras de consumo popular na Venezuela e do orçamento participativo em Porto Alegre; mostrando que a existência de capital social na promoção de cidadãos mais efetivos está associada à promoção do desenvolvimento e da participação comunitária, bem como ao apoio a políticas públicas governamentais (KLIKSBERG, 2000). A existência de redes institucionais possibilita que uma comunidade tenha maior poder de negociação com outros agentes externos, o que permite uma maior mobilidade social (BOURDIEU, 1998 apud FONTENELE et al., 2011). As redes institucionais têm um papel fundamental e indispensável no processo de empoderamento22(empowerment), de desenvolvimento social, bem como no processo de estruturação de ações coletivas, à medida que são capazes de unir pessoas, estender os laços sociais, integrar atores sociais com diferentes posições sociais, que acabam levando as pessoas a agirem para melhorar suas condições de vida, mobilizar e defender ativos. É nessa perspectiva que Salanek Filho (2006) afere que uma comunidade organizada, com relações sociais consistentes e engajamento cívico estará mais unida, o que implica em maior poder de competitividade e geração de capital social. A teoria do capital social, ao dar centralidade à teia de relações que se estabelecem entre os diversos atores sociais, indutiva de uma maior dinamização socioeconômica, reconhece os efeitos e as sinergias geradas pela qualidade e diversidade das instituições, bem como do potencial gerado pelo grau de interação e cooperação entre estas. 22 Diz respeito à democratização do poder que se efetiva com o aumento das possibilidades e da capacidade das populações influírem nas decisões públicas (FONTENELE, 2011 et al.). IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1550 Nesse contexto, as redes institucionais são apontadas como estruturas capazes de facilitar a cooperação voluntária dos atores sociais, bem como fortalecedoras de componentes essenciais do capital social tais como: relações de confiança, espírito coletivo, predisposição a aceitação de normas. Portanto, as redes institucionais são necessárias para o processo de desenvolvimento territorial, além do mais, suas estruturas são capazes de estimular o desenvolvimento da capacidade dos indivíduos em promover ligações dinâmicas que levam a abertura de novas oportunidades com base no aperfeiçoamento do tecido institucional de cada região. Assim, as redes conferem ao território a condição de meio inovador, estas são criadoras de saberes, normas e valores locais capazes de construir uma matriz de desenvolvimento, tornando-o um espaço socioterritorial onde ocorrem dinâmicas de aprendizagens coletiva geradoras de respostas inovadoras às alterações nas condições de enquadramento da atividade econômica local, isto é, o território torna-se um meio inovador na medida que é capaz de expressar suas habilidades coletivas e sua mobilização nos procedimentos mais ou menos informais, a partir do qual, os indivíduos são envolvidos em uma extensa rede de relacionamentos interpessoais, que fazem avançar as problemáticas econômicas propriamente regionais, bem como suas soluções (DALLABRIDA; FERNANDEZ, 2007). 4 A gestão e o desenvolvimento territorial com base no capital social Após salientar os aspectos e a importância do capital social e sua composição em diferentes redes, a discussão gira em torno do desenvolvimento territorial que está longe de ser sancionada e solucionada. Pois ao passo que se presencia a inovação de técnicas, equipamentos e tecnologias deste sistema cada vez mais globalizado surgem e continuam outros dilemas que prejudicam a evolução do desenvolvimento. Nesse sentido, busca-se relacionar o desenvolvimento territorial em consonância com os atores sociais, a governança territorial em determinada região ou localidade que tratem o capital social como elemento fundamental para o processo de desenvolvimento territorial. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1551 Deve-se considerar que o território não se resume a nomenclatura atribuída, geralmente, a um pedaço de terra, mas, sim, considerá-lo num conceito mais amplo, envolvendo aspectos geográficos, culturais, sociológicos, políticos, dentre outros. Na perspectiva de que Albagli (2004) afirmam que o território não se reduz à sua dimensão material, mas que as relações entre indivíduos ou grupos em determinada localidade ou região faz surgir um sentimento de pertencimento, uma territorialidade de nível individual e coletivo. Um território pode ter seu processo de instituição iniciado de forma exógena, mas ter o seu “desenho”23 legitimado pela população local, que dele se apropria e nele se reconhece. Por outro lado, agentes locais despossuídos de representatividade e legitimidade podem iniciar um processo de instituição territorial supostamente endógeno, sem que consigam o reconhecimento da população local.(DE PAULA, 2004, p. 76-77) Dessa forma entende-se que o desenvolvimento se dará por responsabilidade da atuação dos agentes que estão inseridos em determinado local e território. Com outras palavras, Flores (2006, p. 4) sustenta que o conceito de território [...] incorpora o jogo de poder entre os atores que atuam num espaço. Como resultado desse jogo de poder, se define uma identidade relacionada a limites geográficos, ou ao espaço determinado. O território surge, portanto, como resultado de uma ação social que, de forma concreta e abstrata se apropria de um espaço (tanto física como simbolicamente), por isso denominado um processo de construção social.(FLORES, 2006, p. 4) Torna-se claro que o desenvolvimento territorial é resultado da articulação de diferentes atores atuando na coletividade num determinado espaço. Assumimos, então, o conceito de desenvolvimento territorial entendido por Dallabrida e Fernandez (2007), que o toma a partir de sua dimensão intangível tendo como principal causa a capacidade coletiva para realizar ações de interesse social. Nesse sentido o desenvolvimento territorial refere-se a um processo de mudança estrutural empreendida por uma sociedade organizada em um 23 Para o autor o desenho territorial depende da ação de um sujeito que institui um território. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1552 território historicamente construído através de interrelações dos atores sociais, econômicos e institucionais, conquistado a partir de relações de poder sustentado na potencialização dos capitais, nos recursos existentes e em motivações políticas, culturais, econômicas, sociais e religiosas, emandadas do estado, grupos sociais ou corporações, instituições ou indivíduos, com vista na melhoria na qualidade de vida de sua população. A partir dessa nova definição do desenvolvimento territorial, um conjunto de atores que exercem papel de liderança localmente, denominado bloco socioterritorial, constituídos por um conjunto heterogêneo de atores com interesses divergentes, e não poucas vezes conflituosos, representativos dos diferentes segmentos da sociedade organizada territorialmente, assume um papel de protagonistas como instituinte do processo de gestão do desenvolvimento. No entanto, é fundamental que sua articulação ocorra através de procedimentos voluntários de conciliação e mediação, ou seja, através de processos de concertação social, instituindo-se esta como norma no processo de gestão do desenvolvimento (DALLABRIDA, 2007). Fica evidente que para ocorrer o processo de desenvolvimento territorial é fundamental que exista um outro processo o de organização territorial, isto é, o processo de gestão territorial para gerir, principalmente, os assuntos públicos a partir do envolvimento conjunto e cooperativo dos atores sociais, econômicos e institucionais. A esse respeito Dallabrida (2007, p. 56) apresenta a seguinte percepção: Uma prática qualificada de governança territorial é um requisito indispensável para a efetivação da gestão social dos territórios, com vistas ao desenvolvimento territorial. A gestão do desenvolvimento, realizada na perspectiva da concertação públicoprivada, implica numa revalorização da sociedade, assumindo o papel de protagonista, com postura propositiva, sem, no entanto, diminuir o papel das estruturas estatais nas suas diferentes instâncias. Não tão distante dessa percepção, Dowbor (2006) é adepto da concepção de que para um desenvolvimento alternativo é indispensável a existência de um Estado forte, no entanto, não precisa ser pesado no topo, com uma burocracia arrogante e rígida. Será mais bem um Estado atuante e que responde e presta conta aos seus cidadãos. Sobretudo em um Estado que IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1553 se apoia amplamente numa democracia inclusiva na qual os poderes para administrar os problemas serão idealmente manejados localmente, restituídos às unidades locais de governança e ao próprio povo, organizado nas suas próprias comunidades. Daí a participação comunitária, o seu envolvimento direto nos assuntos da gestão racional dos recursos localmente disponíveis, aparece como um mecanismo regulador complementar, acrescentando-se ao mercado que constitui o mecanismo regulador dominante do setor empresarial, e ao direito público administrativo que rege a ação dos órgãos do Estado. Dowbor (2006) enfatiza, ainda, a importância dos trabalhos realizados por Robert Putnam, pois mostram a que ponto os mecanismos participativos não só complementam a regulação do Estado e do mercado, mas constituem uma condição importante da eficiência destes mecanismos. Defende que o capital social aparece como fator importante da qualidade da governança de um território determinado. O estudo sobre a Itália e, sobretudo, na análise dos Estados Unidos, que Putnam mostra a importância da capacidade de organização da sociedade em torno aos seus interesses como um elemento chave da racionalidade do desenvolvimento em geral. O capital social rompeu com todos os paradigmas, conseguiu modificar a ideia convencional de capital, na medida em que amplia o alcance do ator social. O indivíduo deixa de ser considerado isoladamente e interage na coletividade com a sociedade. Na verdade, passa a ser um construtor e reprodutor de laços de coesão, a partir dos quais facilita ações coordenadas para lidar com dilemas coletivos (WOOLCOCK, 1998 apud RIBEIRO, 2012). Com base em Ribeiro (2012), reafirma-se que o capital social – assim como outras formas de capital, como o econômico, o humano e o natural – é mais um componente do desenvolvimento a ser analisado e, a partir da sua observação, torna-se possível promover trajetórias socioeconômicas diversas; construir oportunidades de desenvolvimento por meio de redes sociais de negociação; possibilitar maior relação entre investimento econômico e social; e, por fim, redefinir o espaço público local/regional a partir da negociação entre variados interesses para construir a ideia de que as iniciativas locais de desenvolvimento devem ser estimuladas. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1554 Dallabrida (2006c) avança ainda mais no debate e destaca o papel da densidade institucional e do capital social territorial, conceitos que estão inter-relacionados, como elementos explicativos para o êxito na prática da gestão do desenvolvimento territorial. Diante dessa abordagem, fica evidente que o autor é também adepto da ideia de que a presença mais significativa deste tipo de capital nos territórios ou regiões, constitui-se um fator altamente positivo e benéfico para a institucionalização de processos qualificados de governança territorial, essenciais para a gestão eficiente do desenvolvimento territorial. Seus componentes constitutivos, tais como a cooperação, a confiança, a reciprocidade, o civismo e o bem-estar coletivo, são fundamentais para que ocorra a prática da concertação público privada, através da qual se efetiva a governança territorial. As abordagens acima mencionadas autoriza postular que o desenvolvimento territorial não deve ser totalmente descentralizado, é necessário, também, a atuação do Estado nacional assim como a da própria Região, com seus atores sociais, econômicos e institucionais. Dessa forma, a reestruturação das relações organizacionais, criando e reforçando redes intergovernamentais e redes público-privadas, precisam tornar-se capazes de intermediar as relações com os atores mais poderosos (DALLABRIDA, 2010). Nos dias atuais, a ausência dos componentes do capital social e a predominância dos elementos (egoísmo, individualismo, competitividade etc.) do sistema capitalista sobrepondo aos sentimentos de companheirismo, civismo, pertencimento, confiança, reciprocidade, fatores culturais, entre outros, contribuindo para a intensificação das disparidades dentro de uma mesma região e fora dela. Senetra e Cunha (2012, p.5) esclarecem que: As relações exercidas sobre o espaço-território nos dias atuais são de uma complexidade muito grande e, devido ao modo de produção capitalista ter dinamizado o território a partir de novas necessidades de circulação de pessoas, informações/comunicações e mercadorias, as transformações no cotidiano das pessoas também se alteraram sensivelmente. Verifica-se que a mudança de paradigma na gestão do desenvolvimento territorial torna-se emergência, no entanto Cunha (2000, p. 58) ressalta que, IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1555 A questão torna-se mais complexa tendo em vista que nos processos de desenvolvimento capitalista afloram interesses divergentes entre os diferentes atores individuais e coletivos que atuam num determinado território, os quais têm diversas e conflitantes percepções da realidade. O processo do desenvolvimento territorial encontra vários níveis de complexidade de acordo com cada região ou local, em decorrência de diferentes questões que exigem proporcionalidade de contribuição dos atores sociais, das redes, da governança territorial, tem uma relação direta com a dinâmica (social, econômica, cultural e política) dos diferentes territórios. 5 Conclusões Levando-se em consideração as diversas abordagens aqui apresentadas acerca do capital social no processo de desenvolvimento territorial, percebe-se que há um consenso acerca da importância do capital social para o fortalecimento do tecido institucional, de modo que o beneficiamento coletivo leva a promoção do desenvolvimento territorial. Em que, a prática qualificada de governança territorial é um requisito indispensável no processo de gestão do desenvolvimento territorial, que implica na revalorização da sociedade, assumindo o papel de protagonista, sem no entanto diminuir o papel das estruturas estatais nas suas diferentes instâncias. Vale destacar que a união dos atores/agentes de forma institucionalizada, como sindicatos e associações, e inseridos numa rede institucional, onde cada instituição desempenha o seu papel com objetivos comuns, fortalece o capital social, possibilitando o processo do desenvolvimento de um território em bases sólidas. Dessa maneira, os indivíduos fazem rapidamente conexões cada vez mais firmes através das redes institucionais que, do ponto de vista de Marteleto e Silva (2004), devem se ampliar para criar ligações com outras comunidades semelhantes e assim ampliar o alcance de suas ações, que atribuem mais indivíduos nesse cenário de redes, como é o caso dos atores institucionais, que agregam o conhecimento, a técnica e a parceria por meios de inúmeras IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1556 instituições estas são importantes para o desenvolvimento das capacidades dos indivíduos para concretização de relações necessárias para o desenvolvimento territorial. É a partir do sistema de governança territorial, entendido como o conjunto de estruturas em rede, que atores e instituições territoriais atuam no planejamento e consecução das ações voltadas ao desenvolvimento territorial. Chegando à conclusão de que as estruturas de base para o capital social, como as relações de confiança, reciprocidade e cooperação, juntamente com os benefícios proporcionados pelas redes institucionais, são fundamentais para o estabelecimento da comunicação, o entendimento, o civismo, constituindo fatores altamente positivos e indispensáveis no processo de gestão do desenvolvimento territorial. Referências ABRAMOVAY, R. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural. Economia Aplicada. Volume 4, nº 2, abril/junho, 2000. ALBAGLI, S.; MACIEL, M.L. Capital Social e Empreendedorismo Local. FRGJ, 2004. ALBAGLI, S. Território e territorialidade. In.: LAGES, V. ; BRAGA, C.; MORELLI, G. (orgs.). Territórios em movimento: cultura e identidade como estratégia de inserção competitiva. Rio de Janeiro: RelumeDumará; Brasília, DF: SEBRAE, 2004. ALBUQUERQUE, F. 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Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1561 DESIGN E INCLUSÃO: projeto de acessibilidade para cadeirantes no espaço do Museu do Crato CE Rita Edevanira de Sá Carneiro24 Silvana Morais de Souza25 Yagara de Lima Alves26 Renato Fernandes Feitosa27 Resumo:Tendo em vistaque a disponibilidade a arte e cultura são de direito e inclui acessibilidade a ambientes como escolas, museus, prédios históricos e outros ambientes que promovem conhecimento aos indivíduos e entendendo os designers como sujeitos ativos na sociedade e detentores de conhecimento e técnicas de identificação e solução de problemas sociais, com o dever de colaborar e agir no sentido de promover o bem-estar da sociedade civil, a presente pesquisa tem por objetivo principal propor a solução de um problema de acessibilidade ao Museu do Crato para pessoas com mobilidades físicas reduzida, especificamente “cadeirantes”. Palavras-chave:design, acessibilidade, ergonomia. Abstract:Considering that art and culture are guaranteed by law and includes access to environments such as schools, museums, historic buildings and other environments that promote the knowledge to the people and understanding that the designers as active subjects in society and owners of knowledge and techniques to identify and solve social problems, with the duty to cooperate and act to promote the well-being of civil society, this research aims to propose a solution to a problem of accessibility to the Crato Museum for people with limited physical mobility, wheelchair users specifically. Key-words: design, accessibility, ergonomics. 1. INTRODUÇÃO 24 (88) 35320706 [email protected] (88) [email protected] 26 (88) 35320706 [email protected] 27 Professor Orientador. (88) 3572 0771 25 IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1562 A disponibilidade a arte e cultura são garantidas por lei e inclui acessibilidade a ambientes como escolas, museus, prédios históricos e outras ambientes que promovem conhecimento aos indivíduos. Como exemplo tem-se a Lei Estadual nº 13.126/2001, que cria o programa de remoção de barreiras arquitetônicas ao portador de deficiência, o decreto de nº 5.296/2004, estabelecendo acessibilidade aos meios físicos, de transportes, à comunicação e à informação para pessoas com deficiência físicas, entre outros. Outra norma é a Lei de Acessibilidade de Nº 10.098/2000, que estabelece as condições de alcance para pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, tendo segurança e autonomia, nos espaços mobiliários e equipamentos urbanos, edificações, transportes e nos sistemas e meios de comunicação. Como sujeitos ativos na sociedade e detentores de conhecimento e técnicas de identificação e solução de problemas sociais, os designers tem o dever de colaborar e agir no sentido de promover o bem-estar da sociedade civil. Neste âmbito, deve contribuir no meio social para que haja melhores condições de acessibilidade para todas as pessoas (RODRIGUES, 2009, p. 85). Essa prática nomeada por Gui Bonsiepe (2011, p. 21) por “humanismo projetual” direciona o exercício das capacidades projetuais para interpretar as necessidades de grupos sociais e elaborar propostas viáveis, emancipatórias, seja em forma de artefatos instrumentais ou semióticos. Assim, justifica-se o desenvolvimento desta pesquisa. Foi identificado um problema de acesso ao espaço público do museu Vicente Leite, localizado na cidade do Crato, Ceará, o qual está tombado pela Lei Estadual nº 9.109 de 30 de Julho de 1968, que entende que tombamento é “proteger o patrimônio histórico e Artístico Nacional”. E em face desta realidade foram pensadas em soluções que não prejudicassem as estruturas e ao mesmo tempo fossem adequadas às necessidades dos deficientes físicos e foi criado um projeto em que se buscou promover, através da prática projetual, a acessibilidade de pessoas com deficiência física ou com capacidade motora reduzida no espaço. Assim, o presente artigo tem por objetivo principal propor a solução de um problema de acessibilidade ao Museu do Crato para pessoas com mobilidade físicas reduzida, IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1563 especificamente “cadeirantes”. Por objetivos específicos, tem-se: identificar as principais dificuldades de pessoas “cadeirantes”, sobretudo em museus, em galerias, em exposições ou qualquer outro evento desta natureza; Identificar através de estudos ergonômicos, as normas existentes para acesso de cadeirantes a espaços públicos de cultura e lazer; conceituar pela sociologia, design e ergonomia os esforços direcionados no sentido do entendimento e solução de problemas sociais; elaborar um produto para a solução do problema de acessibilidade para cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida aplicando uma metodologia projetual do design. 2. DESENVOLVIMENTO O Museu está localizado no centro da cidade, na Rua Senador Pompeu, nº 502, próximo a Catedral da Sé. Foi edificado em 1877 para servir de cadeia pública. O acesso ao Museu é feito por uma porta corrida simples de larga dimensão e três degraus à moda antiga de onde está uma antessala que dá acesso para a primeira sala, também com dois degraus bem altos, embora a porta seja larga. Seguindo em frente, a antessala dá vista para um espaço aberto, arejado dando acesso as demais dependências, que para adentrar é necessário ultrapassar os degraus. No final do prédio existe uma escada de alvenaria que dá acesso para o piso superior. Esse acesso está localizado onde antes era a “solitária”, daí ser um espaço bem pequeno. Como se pode perceber, pela descrição acima, existe a necessidade de uma via de acesso para o portador de mobilidade reduzida e o “cadeirante” desde a entrada e continua no interior do prédio, uma vez que todos os acessos às salas possuem degraus. Diante deste contexto, apresenta-se o seguinte problema de pesquisa: como pode reduzir problemas de acesso a um espaço público tombado? O prédio que abriga o Museu de Arte será reformado de modo que, além da restauração do acervo, haverá também a reestruturação e readequação do espaço físico de modo que atenda às necessidades de pessoas portadoras de deficiência. A acessibilidade do IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1564 meio físico pode ser efetuada por meio da construção de rampas de acesso e banheiros adaptados, instalando piso tátil e adequando o meio urbano e demais espaços. Sendo assim, em face do princípio constitucional de que todos têm acesso à educação e de que o museu é um espaço educativo, vê-se a necessidade de criar meios de acesso para pessoas portadoras de necessidades especiais nestes locais por meio de desenvolvimento de produtos capazes de promover a inclusão deste público nos espaços promovedores de cultura, educação e lazer. 2.1Referencial Teórico 2.1.1 Design, Regionalismo e Humanismo Projetual O termo design tem sido bastante aplicado em diversos aspectos. Ouvimos falar sobre um produto que apresenta design moderno, sobre design thinking, design de produtos, entre outras inúmeras aplicações da palavra. Gui Bonsiepe (2011, p. 18) afirma que houve uma popularização da palavra porque “o design se distanciou da ideia de solução de problemas e se aproximou do efêmero, da moda, do obsoletismo rápido, do jogo estético formal e até mesmo do mundo dos objetos”. O autor cita também que os meios de comunicação de massa passam a impressão de que “o design se transformou em evento midiático, em espetáculo”, fugindo do seu objetivo que é “solução inteligente de problema”. Neste sentido ainda afirma que: A respeito da terminologia uso tanto o termo projeto, como o termo design, que, como se sabe, não são coextensivos. Projeto se refere à dimensão antropológica de criação e formação de artefatos materiais e simbólicos, enquanto design significa um modo de atividade projetual de capitalismo tardio... A tradição de design por desenho também foi infeliz, porque o design (no sentido de projeto) pode ser realizado sem a colocação de esboços no papel”. (BONSIEPE, 2011, p.13) Isto desperta o pensamento sobre o verdadeiro significado de tal termo, instigando uma curiosidade sobre uma definição “ideal”. Uma relevante definição, que pode nos ajudar a ter uma melhor compreensão é: "Design é um processo de resolução de problemas atendendo às relações do homem com seu ambiente técnico”. (LÖBACH, 2000, p. 14) IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1565 Diante de tal afirmação pode-se entender que o design é uma ferramenta que busca melhorar os produtos em seus aspectos funcionais, estéticos, ergonômicos assim como procura adequar os produtos a práticas de humanismos projetual, para atender as suas necessidades. Uma ciência que atua no atendimento das necessidades de conforto e adequações físicas é a ergonomia. ItiroIida (2006, p. 02) afirma que também existem muitas definições e todas devem observar a maneira interdisciplinar e seu objeto de estudo que é “a interação entre o homem e o trabalho no sistema homem—máquina-ambiente”. Existem diversas associações nacionais de ergonomia e cada uma tem sua própria definição. A Associação Brasileira de Ergonomia apresenta a seguinte definição: Ergonomia é o estudo das interações das pessoas com a tecnologia, a organização e o ambiente, objetivando intervenções e projetos que visem melhorar de forma integrada e não dissociada, a segurança, o conforto, o bem-estar e a eficácia das atividades humanas”. (idem. ibdem) Além de aspectos ergonômicos, estéticos e funcionais devem-se atender as necessidades do público alvo no que diz respeito a princípios éticos, culturais e até mesmo jurídicas. Ezio Manzini (2008, p. 16) afirma que os “designers podem ser parte da solução porque são os atores sociais que, mais do que os outros, lidam com as interações cotidianas dos seres humanos com seus artefatos”. Nesse sentido, complementa-se com o conceito de Humanismo projetual: Humanismo projetual é o exercício das nossas capacidades projetuais para interpretar as necessidades de grupos sociais e elaborar propostas viáveis, emancipatórias, em forma artefatos instrumentais e semióticos (...) Porque o humanismo implica a redução da dominação e, no caso do design, atenção aos excluídos, aos descriminados, como se diz eufemisticamente no jargão economista, os economicamente menos favorecidos, ou seja a maioria da população do planeta (BONSIEPE, 2011, p. 21). Dessa maneira procurou-se conciliar a função do humanismo projetual, com a essência da profissão designer, a qual busca soluções para as necessidades daqueles cidadãos que se encontram no grupo de indivíduos que são o nosso público alvo. Afinal, como afirma IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1566 Rodrigues (2005, p. 96) “ser design é antes de tudo criar uma consciência de que seu trabalho, também é social, não é casual, portanto exige esforço intelectual”. Do mesmo modo que busca melhorar o ambiente físico e social que se encontra o indivíduo. Tal processo é bem explicado no trecho a seguir: Designers podem e devem ter outro papel, tornando-se, portanto, parte da solução. Isso é possível porque no ‘código genético‘ do design está registrada a ideia de que sua razão de ser é melhorar a qualidade do mundo. É a partir deste ponto que devemos recomeçar, repensando qual é a qualidade do mundo que o design, seguindo sua profunda missão ética, deveria promover. (MANZINI, 2008, p.15) Tendo em vista o valor da identidade regional mostrando-se para o design como “uma fonte de matéria-prima autêntica e valiosa” (RODRIGUES, 2009, p. 92), se procurou representar o âmbito cultural vivido não só pelo público a quem se direciona esta pesquisa, como aos demais cidadãos, pelo fato de o Museu do Crato estar situado em um local onde a cultura é fortemente evidenciada influenciando diretamente a vida das pessoas. Para atender aos objetivos estipulados, tomaram-se como primícias os resultados das pesquisas com cadeirantes membros da Associação dos Cadeirantes de Juazeiro do Norte. Através de suas falas foi possível perceber que o maior problema enfrentado pelos cadeirantes é com relação ao acesso aos serviços públicos, uma questão da mobilidade. De acordo com a Cartilha Acessibilidade e Museus: Um dos desafios da acessibilidade ao patrimônio e aos museus está na capacidade de os grupos interessados nos diferentes tipos de acessibilidade conseguirem bons níveis de articulação, mobilização e militância”. (IBRAM, 2012) Nesse tocante, propõe-se a elaboração de um projeto com proposta de acessibilidade que atenda a Lei nº11. 904, de 14 de janeiro de 2009, que “institui o Estatuto de Museus e dá outras providências”, considera como um dos princípios fundamentais dos museus “a universalidade do acesso”. (Idem, p.11) 2.2 Metodologia A presente pesquisa é de natureza aplicada e de abordagem essencialmente qualitativa, sendo seus objetivos atingidos de forma exploratória com pesquisa bibliográfica por meio de IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1567 livros, artigos e trabalhos científicos, com coleta de dados por meio de sites relacionados, redes sociais, por meio de observação participante e levantamento por meio de entrevistas realizadas com o público alvo. Uma etapa importante do projeto foi a elaboração do briefing, pois segundo o livro DesignThinking do Tim Brown: Quase como uma hipótese científica, o briefing é um conjunto de restrições mentais que proporcionam as equipes de projeto uma referência à parte da qual começar, benchanmarck por meio das quais será possível mensurar o processo e um conjunto de objetivos a serem atingidos: níveis de preço, tecnologia disponível, segmento do mercado e assim por diante (BROWN, 2010, p. 22). As restrições a serem seguidas foram anexadas ao brienfing. As limitações projetuais determinadas inicialmente eram as dificuldades de se modificar a estrutura interna do museu, bem como deveria haver o respeito às leis ergonômicas para cadeirantes. Paralelo a isso, foram realizadas visitas ao museu de Paleontologia de Santana do Cariri e ao Museu do Padre Cícero, no Horto, em Juazeiro do Norte, bem como, passou-se a observar informalmente portadores de deficiência com o intuito de conhecer a fundo as questões relacionadas à acessibilidade. Após a elaboração dos insights iniciais, foram realizadas visitas a dois membros da associação de Cadeirantes de Juazeiro do Norte, Ceará, onde foi aplicada uma entrevista semiestruturada, aquela que possuí uma sequência de perguntas já elaboradas, mas que podem ser alteradas de acordo com a resposta dos entrevistados. indicações de entrevista elucidada a seguir: Entrevista é uma conversa com objetivo. Ela pode ser informal, semiestruturada ou estruturada. (...) Naquela estruturada segue uma sequencia de perguntas previamente elaboradas. Na semielaborada, existem perguntas, mas elas podem ser alteradas ao de acordo com as respostas (IIDA, 2005). Dessa maneira foi criada uma proposta que busca atender as necessidades de pessoas com deficiência física ou com mobilidade reduzida, para que elas obtenham um melhor e mais IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1568 fácil acesso não só ao espaço interno do museu, mas também acessibilidade ao conteúdo cultural e artístico do mesmo. Buscou-se atender com esse produto não apenas a população local, mas também aos futuros turistas com necessidades locomotivas diferenciadas, que o museu pode receber. Além da aplicação de metodologias de pesquisa científica mencionadas, foi adotado uma metodologia projetual. 2.2.1. Metodologia Projetual de design De acordo com Löbach (2001, p. 141) “O trabalho do designer industrial consiste em encontrar uma solução do problema, concretizada em um projeto de produto industrial, incorporando as características que possam satisfazer as necessidades humanas, de forma duradoura”. Diante disso, foram utilizadas algumas etapas (Tabela 1) sugeridas por sua metodologia projetual, visando alcançar uma solução para a problemática deste trabalho por meio da criação de um produto. As etapas desta metodologia serão descritas na Tabela a seguir: Tabela 1 – Etapas Metodologia Projetual Etapa 1. Problema 2. Fase de Preparação: Ações previstas Identificação; Análise da necessidade; análise da relação social (homem-produto); análise da relação com ambiente (produtoambiente); desenvolvimento histórico; análise do mercado; análise da função (funções práticas); análise estrutural (estrutura de construção); análise da configuração (funções estéticas); análise de materiais e processos de fabricação; legislação e normas; análise de sistema de produtos (produto-produto); distribuição, montagem, manutenção; definição das características do novo produto; exigências para com o novo produto. 3. Fase da geração: 4. Fase da avaliação: 5. Fase de - Conceitos do design; -Geração de alternativas; -Modelos. -Avaliação das alternativas de design; -Escolha da melhor solução; -Incorporação das características ao novo produto. -Solução de design; Projeto mecânico; Projeto estrutural; Configuração dos detalhes; Desenvolvimento de modelos; Desenhos técnicos; desenhos de representação; documentação do projeto, relatório. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1569 realização: 6. Solução Fonte: Löbach, 2001, pág.- 142 3. CONCLUSÃO 3.1 resultados 3.1.1 Fase de identificação do problema Inicialmente foi realizada a primeira visita ao museu do Crato (pesquisa de campo) onde se pôde verificar uma gama de problemas existentes no local a espera de soluções. A partir daí, já tendo noção da problemática apresentada pelo museu se deu início a as pesquisas bibliográficas acerca do tema, ampliando-se os conhecimentos sobre este assunto. O museu do Crato passou a ser o objeto de estudo e, através disto, descobriu-se a riqueza cultural e histórica que o mesmo possuí, o que o torna atrativo a pessoas que a ele tem acesso. Sabendo então que portadores de deficiência vivenciam uma maior dificuldade para visitar espaços públicos do que as outras pessoas, devido às poucas condições de acessibilidade que estes espaços oferecem, foi escolhido o público alvo a ser trabalhado: deficientes físicos, mais especificamente os cadeirantes. Definido o público alvo e tendo em mão uma lista dos problemas encontrados no museu foi escolhido o problema que tratava da organização do acervo dos quadros existentes no museu. É importante ressaltar que este problema foi escolhido baseado apenas em sugestões dos membros da equipe com relação a possíveis dificuldades que os cadeirantes encontram em ambientes de exposições visuais. Para colher mais informações sobre o público-alvo aconteceu mais uma pesquisa de campo, desta vez realizada com dois membros de uma Associação de Cadeirantes de Juazeiro do Norte, onde foi feita uma entrevista semiestruturada e, por meio dela percebeu-se a dificuldade real encontrada pelos cadeirantes quando estão em ambientes públicos: a locomoção. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1570 A partir deste contato mais próximo com o público alvo ocorreu que a primeira problemática escolhida não era tão importante quanto à problemática citada pelos próprios cadeirantes durante a entrevista. Diante disso houve uma mudança no foco da pesquisa, e o problema em questão passou a ser o acesso dos cadeirantes ao espaço interno do museu. 3.1.2 Fase da geração As etapas citadas anteriormente foram fundamentais para a iniciação do processo criativo que começou a ser desenvolvido através de um exercício coletivo realizado pelos membros da equipe iniciaram-se os estudos acerca do referencial histórico que o produto a ser criado deveria conter, chegando-se à conclusão que a imagem das platibandas históricas existentes nas faixadas de algumas construções e ainda presentes na cidade do Crato, da região do Cariri e do Brasil, dotadas de beleza e ricas em detalhes serviriam como conceito para a construção do produto final deste trabalho. Estes estudos de forma sintética resultaram em um painel do conceito (Figura 1). Figura 1 – Painel do conceito: “a geometria que toca o céu pelo mundo” Fonte: elaborado pelos autores, com base na pesquisa realizada. Posteriormente foi realizado outro exercício para estimular a criatividade, onde, por meio de analogias pensava-se em vários produtos que tivessem capacidade de resolver o problema carente de solução. Neste caso, usou-se a analogia – elevar (subir/descer), uma vez que existindo no museu vários degraus na entrada das salas e estes não possuírem nenhum mecanismo de acessibilidade para os cadeirantes, deveria se pensar em produtos que usando a IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1571 lógica de subir e descer solucionasse a problemática de deslocamento desses deficientes dentro do museu. A partir daí começaram a surgir várias alternativas (Figura 2) que estão demonstradas a seguir: Figura 2 – Rascunhos: geração de alternativas Fonte: elaborado pelos autores, com base na pesquisa realizada. Foi considerada a possibilidade de sugerir desde a construção de elevadores semelhante aos dos ônibus, até a instalação de rampas convencionais. No entanto, nenhuma das alternativas acima foi colocada em prática, pelo fato de o museu não ser dotado de espaço adequado para a execução dessas ideias e, até mesmo porque sendo o museu do Crato um monumento histórico tombado, o mesmo não pode ter sua estrutura física alterada, tornando ainda mais inviável as hipóteses relatadas acima. 3.1.3 Fase da avaliação Com um pouco mais de análise das opções chegou-se à conclusão de que produto a ser criado seria uma plataforma móvel de acesso. Este produto foi escolhido pelo fato de ser adaptável em cada entrada do museu, sem que a sua estrutura seja modificada, e também por ser um produto inovador e que não exige uma grande quantidade de materiais para ser produzido. A plataforma de acesso (Figura 3) tem a capacidade de transportar os cadeirantes de um local para o outro assumindo o papel de uma rampa, facilitando assim o trajeto dos mesmos dentro do museu para que possam ter acesso a uma maior quantidade de salas, IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1572 contemplando ainda mais todo o espaço. Pode-se ter uma noção de como ela funciona de acordo com a figura abaixo: Figura 3 – Alternativa escolhida: rampa de acesso Fonte: elaborado pelos autores, com base na pesquisa realizada. 3.1.4 Fase de realização Nesta etapa foi construído um mockup do produto (Figura 4). A plataforma de acesso foi pensada de modo a contemplar os padrões ergonômicos existentes, tanto na adequação ao espaço, como aos usuários. Ela não deve ser confundida com uma rampa convencional pelo fato de que uma rampa acessível precisa de, no mínimo, 150 cm de largura, diferente da plataforma de acesso que foi construída de acordo as medidas da porta e dos degraus, mas que permite a passagem dos cadeirantes, visto que uma cadeira de rodas possui 70 cm de largura. Figura 4 – Mockup do produto Autor: Luciana Santos. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1573 Ambos os lados dos degraus são ladeados por cortinas com duplo corrimão, um a 90 cm e outro a 75 cm, respectivamente, e um terceiro situado mais abaixo que serve de encaixe para a plataforma, que fica dobrada quando não está sendo utilizada, mas que pode ser rapidamente montada de acordo com a necessidade, basta que seja desencaixada e aberta sobre os batentes. Outro fator de acessibilidade é o piso tátil existente na plataforma confeccionado com um material que permite uma boa aderência e com diferenciação de textura, e adornado com elementos belíssimos inspirados nas platibandas históricas existentes na cidade do Crato, deixando o produto com uma identidade regional marcante. 3.1.5 Solução Esta sessão contempla as especificações técnicas do produto (Figura 5). A plataforma de acesso é composta por dois corrimãos que, ao serem fixados na parede e no chão, devem ficar posicionadas nas laterais, de que fiquem bem apoiados, de um lado e de outro do degrau. Cada corrimão dispõe de duas barras de aço inox posicionada a 90 cm o primeiro é a 75 cm o segundo, medidas ergonomicamente adequadas a pessoas com deficiência. Uma terceira barra está localizada mais abaixo, onde por meio de ganchos existentes nela, fica encaixada a plataforma, quando a mesma encontra-se fechada. Para a utilização da plataforma deve-se dispor de um guia (pessoa responsável pelo trajeto da visita ao museu), que possa manuseá-la e colocá-la na posição ideal para a passagem da cadeira de rodas. Figura 5 – Especificações técnicas da rampa de acesso IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1574 Fonte: elaborado pelos autores, com base na pesquisa realizada. Primeiramente, devem-se retirar os ganchos que prendem a plataforma, em seguida abri-la de modo que fique reta e então baixa-la sobre os degraus, fazendo isso primeiro de um lado e em seguida do outro. Isto pode ser bem observado no desenho técnico do produto, acima citado. A plataforma de acesso é um produto capaz de se adequar as portas que possuem degraus, por isso ela deve ser produzida de acordo com as medidas do local onde ela vai ser utilizada (medida dos degraus e da porta). No caso desta foi projetada com as seguintes medidas: Largura: 120 cm (60 cm para cada lado). Cumprimento: 148 cm. Materiais adequados: Para os corrimãos - Aço inoxidável (inox) por possuir uma maior resistência a impacto e a fatores climáticos externos. Para a plataforma: chapas de aço por serem resistentes ao peso e a corrosão. Para o piso tátil: Fita antiderrapante que reveste a chapa de aço, visando à segurança dos que tiveram acesso ao produto. Dobradiças e parafusos de aço com pinos de segurança e travas em alguns locais da plataforma para garantir o reforço da mesma. 3.1 considerações finais A presente pesquisa teve por objetivo principal propor a solução de um problema de acessibilidade ao Museu do Crato para pessoas com mobilidades físicas reduzida, especificamente “cadeirantes”. O museu foi tombado pela Lei Estadual nº 9.109 de 30 de Julho de 1968, que entende que tombamento é “proteger o patrimônio histórico e Artístico Nacional”, não podendo ter sua estrutura física alterada. Optou-se pela criação de uma plataforma móvel de acesso, pelo fato de ser adaptável em cada entrada do museu, sem que a sua estrutura seja modificada, e ainda por ser um produto inovador e de baixo custo, atingindo-se o objetivo principal da pesquisa. Foi identificado, através das entrevistas com o público-alvo, que a dificuldade real encontrada pelos cadeirantes quando estão em ambientes públicos é a locomoção. Para a confecção da plataforma foram realizados estudos ergonômicos sobre as normas existentes para acesso de cadeirantes a espaços públicos de IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1575 cultura e lazer. Através de orientações nas áreas de sociologia, design e ergonomia, os esforços foram direcionados no sentido do entendimento e solução de problemas sociais. Foi elaborado o produto para a solução do problema de acessibilidade para cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida aplicando uma metodologia projetual do design. O produto proposto não foi efetivamente construído e, portanto, por hora, a análise de seu funcionamento fica restrita à análise abstrata. Porém, dados os objetivos da pesquisa enquanto prática didática do curso de design de produto foi possível concluir que a plataforma de acesso supostamente teria a capacidade de facilitar o acesso dos cadeirantes ao interior do museu assumindo o papel de uma rampa, contemplando também mais espaços no interior, preservando as limitações impostas pelo briefing ao criar uma proposta que interferisse o menos possível com a construção original aliando princípios visuais ligados ao regionalismo e ergonômicos, na adequação do produto aos usuários e espaço. O projeto contempla ainda uma função social auxiliando na solução para um problema real de um público específico. REFERÊNCIAS CENTRO DE REABILITAÇÃO PROFISSIONAL DE GAIA. Ergonomia. Disponível na internet por http em: <http://www.crpg.pt/empresas/recursos/kitergonomia/Paginas/ergonomia.aspx> Acesso em 16 de dezembro de 2013. COHEN, Regina; DUARTE, Cristiane e BRASILEIRO, Alice. Acessibilidade a Museus. 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Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1577 DIAGNÓSTICO SOCIOECONÔMICO DOS CATADORES DE RESÍDUOS SÓLIDOS ATUANTES NO LIXÃO DE IGUATU AnnyKariny Feitosa28 Mônica Maria Siqueira Damasceno29 Kevin Brasil da Silva30 Priscila Gonçalves Marinho31 RESUMO: A aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS estabelece diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos no Brasil, tendo o catador como um ator importnte na coleta dos materiais reutilizáveis e recicláveis, com gestão compartilhada entre poder público e sociedade civil. O presente projeto teve como objetivo identificar o perfil socioeconômico de catadores atuantes no município de Iguatu. Para tanto, foi realizada pesquisa bibliográfica eentrevistas aplicadas a 22 catadores que atuam no lixão do município de Iguatu. Como resultados, encontrou-se que 86% dos entrevistados são do sexo feminino, reconhecem- se como de cor parda, e alegam que não possuem o ensino fundamental completo. Sobre a renda, 55% informaram que percebem renda inferior a 1/2 salário mínimo. Todos os consultados são beneficiados do programa Bolsa Família e 77% recebem ainda a dedução referente à tarifa social de energia elétrica (baixa renda). Quando questionados sobre o desejo de retomar os estudos, 50% demonstram interesse, além de manifestarem o desejo de ampliar o conhecimento e de auxiliar os filhos nos processos de aprendizagem escolar. Sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos, todos os participantes mencionaram não possuir conhecimento da existência desta política, nem sabiam precisar o papel do catador neste processo. Foi observado que não existe apoio na formação destes atores por nenhuma instituição. Assim sendo, urge a necessidade da formulação de programas que oportunizem a estes agentes o desenvolvimento das competências necessárias para atuarem nos termos da PNRS. 28 Instituto Federal do Ceará – IFCE - Campus Iguatu. [email protected] 29 Instituto Federal do Ceará – IFCE - Campus Iguatu. [email protected] 30 Instituto Federal do Ceará – IFCE - Campus Iguatu. [email protected] 31 Instituto Federal do Ceará – IFCE - Campus Iguatu. [email protected] IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1578 Palavras-chave:Catadores; Perfil Socioeconômico; Política Nacional de Resíduos Sólidos 1. INTRODUÇÃO Com o advento da aprovação da lei 12.305, de 02 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS (BRASIL, 2010) e estabelece diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos, promove-se a inclusão e integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis com gestão compartilhada entre poder público e sociedade civil. Neste sentido, a PNRS tem como destaque a inserção do conceito de responsabilidade compartilhada, o incentivo ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores como forma de uma ação socioambiental. Entretanto, a criação e a plena efetivação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, de forma individualizada e encadeada, envolvendo fabricantes, importadores, distribuidores, comerciante, poder público e consumidores nas várias cadeias de produção e consumo, são um grande desafio para a implementação da PNRS. Outro ponto importante é a inserção da participação efetiva dos catadores nas ações de responsabilidade compartilhada, conforme um dos objetivos da PNRS descritos no Art. 7º, inciso XII da Lei 12.305/2010. Parafraseando Gonçalves (2005), a partir do ano 2002, a ocupação de catador de material reciclável foi incluída na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, sendo atribuições deste profissional: catar, selecionar e vender materiais, como papel, papelão e vidro, bem como, materiais ferrosos e não ferrosos e outros materiais reaproveitáveis. Contudo, o catador ainda é considerado inútil para grande parcela da sociedade, bem como aqueles que trabalham com o lixo são associados a sua matéria prima e recebem, também, os seus estigmas. Não obstante esta realidade social, os principais mecanismos de operacionalidade da PNRS priorizam a participação e a atuação estratégica e incisiva dos catadores de resíduos e suas cooperativas. Inegavelmente, a PNRS e sua regulamentação trouxeram grandes desafios IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1579 aos catadores de materiais reciclados, que precisarão mudar os modelos atualmente adotados para o êxito de sua implementação, por não estarem, em sua maioria, organizados para assumir tal incumbência. Inclusive, por falta de conhecimento da existência da legislação e de outras políticas públicas de gestão de resíduos sólidos. São diversos os desafios enfrentados pelos catadores de materiais reciclados no modelo de gestão de resíduos sólidos, definido pela Lei Federal 12.305/2010 e que veio a ser regulamentado pelo Decreto Federal 7404/2010, consolidando papéis extremamente importantes para as cooperativas de reciclagem, onde seu envolvimento e comprometimento poderão determinar o êxito da implementação da PNRS. Destemodo, com base notemaabordado,formulam- seasquestõesnorteadorasparaopresenteestudo: Qual o perfil socioeconômico dos catadores de resíduos sólidos atuantes no município de Iguatu? Tais catadores estão preparados para atuar nos termos da PNRS? 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA A reciclagem é tida como a recuperação dos materiais descartados, modificando suas características físicas, diferenciando-as de reutilização, em que os descartados mantêm suas feições. Embora polua menos o ambiente e envolva menor uso de matérias-primas virgens, água, e energia, como processo “final” para o tratamento de resíduos. Para a Organização Não Governamental “Compromisso Empresarial para Reciclagem” (CEMPRE, online), a reciclagem de materiais pode ocorrer sem a separação prévia de resíduos nas fontes geradoras. Num programa de coleta seletiva, a própria comunidade contribui separando resíduos nos domicílios e estabelecimentos, e alguns funcionários que concluem esta separação, sem necessidade de maquinário especial, numa central de triagem. Os resíduos que podem ser reciclados em classificação simples são: o papel, o metal, o plástico e o vidro. As vantagens ambientais da reciclagem destes materiais comparadas ao processo de produção a partir de matéria prima virgem passam pela redução do uso de energia e de água, poluição da água e do ar. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1580 O equacionamento da problemática do lixo depende da criação de políticas públicas específicas, como uma Política Nacional de Resíduos Sólidos. Segundo Jacobi et. al. (2006) o Brasil tem multiplicado as experiências de gestão compartilhada de resíduos sólidos por meio de programas municipais de coleta seletiva em parceria com catadores organizados e autônomos. O primeiro projeto de coleta seletiva do Brasil, foi criado em São Paulo, com a tentativa de efetuar a inclusão social de catadores, no qual foi iniciada a primeira Cooperativa dos Catadores de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis – Coopamare, em 1989, estimulada pela Igreja (Pastoral da Rua) e movimentos sociais. Em 2000, a partir do Fórum Lixo e Cidadania, surgiu o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, que conforme aponta Jacobi et. al. (2006), culminou no reconhecimento do trabalho do catador, sendo incorporado ao Código Brasileiro de Ocupações – CBO, que classifica as diversas atividades dos trabalhadores do País, nos mais diferentes setores de atividade, tanto do setor público como privado. É também o documento que reconhece, nomeia e codifica os títulos e descreve as características das ocupações do mercado de trabalho brasileiro. Sua atualização e modernização se devem às profundas mudanças ocorridas no cenário cultural, econômico e social do País nos últimos anos, implicando alterações estruturais no mercado de trabalho. De acordo com Jacobi et. al. (2006), a temática que envolve os resíduos sólidos “exemplifica a formulação de políticas públicas que promovem mudanças nos hábitos e atitudes dos cidadãos, com o objetivo de minimizar ou prevenir a degradação ambiental”. A aprovação da lei 12.305, de 02 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS (BRASIL, 2010), estabelece diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos prevendo a implantação de coleta seletiva com a inclusão e integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis com gestão compartilhada entre poder público, sociedade civil. Citados os caminhos legais e sociais acerca da problemática em torno dos resíduos sólidos tem-se a coleta seletiva como estratégia IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1581 de ação e o catador como um ator de grande importância na coleta dos resíduos sólidos urbanos. A PNRS tem como principais pontos de inovação a inserção do conceito de responsabilidade compartilhada, reconhecendo a necessidade de participação de todos os elos da cadeia, o incentivo ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores como forma de uma ação socioambiental, bem como traz o conceito da logística reversa. A criação e a plena efetivação da Responsabilidade Compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, de forma individualizada e encadeada, envolvendo fabricantes, importadores, distribuidores, comerciante, Poder Público e consumidores nas várias cadeias de produção e consumo, são um grande desafio para a implementação da PNRS. A Lei Federal 12.305/2010 define que: Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por: […] XVII - responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos: conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos, nos termos desta Lei. Outro ponto importante da PNRS é a inserção da participação efetiva dos catadores nas ações de responsabilidade compartilhada, conforme um dos objetivos da PNRS descritos no Art. 7º, § XII da Lei 10.305/2010: “São objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos […] integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos”. Tanto a PNRS quanto sua regulamentação, por meio do Decreto Federal 7.404/2010, asseguram aos catadores formas de melhorias em suas atividades, conforme segue: Art. 44. As políticas públicas voltadas aos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis deverão observar: IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1582 I – a possibilidade de dispensa de licitação, nos termos do inciso XXVII do art. 24 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, para a contratação de cooperativas o associações de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis; II – o estímulo à capaticapão, à incubação e ao fortalecimento institucional de cooperativas, bem como à pesquisa voltada para sua integração nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; e III – a melhoria das condições de trabalho dos catadores. Parágrafo único. Para o atendimento do disposto nos incisos II e III do caput, poderão ser celebrados contratos, convênios ou outros instrumentos de colaboração com pessoas jurídicas de direito público ou privado, que atuem na criação e no desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, observada a legislação vigente. Não obstante, a PNRS e sua regulamentação trouxeram consigo grandes desafios, exigências e necessidade de adequação para os catadores de materiais recicláveis, tais como: adequações legais, o licenciamento ambiental, a adoção de boas práticas, a realização de capacitações, bem como a criação de novos modelos de administração e operacionalização das cooperativas para atendimento da volumosa demanda de resíduos a serem coletados seletivamente para produção em grande escala. 3. MATERIAL E MÉTODOS Conforme Marconi e Lakatos(2006) a metodologia é aexplicação minuciosa, detalhada, Rigorosa e exata de toda a ação desenvolvida no método de trabalho da pesquisa. É a explicação do tipo de pesquisa, do instrumental utilizado, do tempo previsto, da equipe de pesquisadores e da divisão do trabalho, das formas de tabulação e tratamentos de dados. De acordo com Alvarenga (2010,p.61), “o desenho metodológico constitui o plano da investigação, como se colocará em prática o estudo. Orienta a investigação, contem as estratégias a serem seguidas para dar resposta ao problema formulado, alcançar os objetivos e comprovar a hipótese”. O presente trabalho foi elaborado utilizando-se de pesquisa bibliográfica sobre o objeto de estudo, através de coleta de dados em livros, revistas especializadas, artigos científicos e bancos de dados científicos disponíveis na Internet. Além disso, constou de um IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1583 estudo de caso, comum enfoque quantiqualitativo que, conforme Gil (2007), consiste em um estudo profundo que permite um amplo e detalhado conhecimento do objeto estudado. Alvarenga(2010, p.9, 10) diz que O enfoque quantitativo trabalha com amostras probabilísticas, cujos resultados têm possibilidade de generalizar a população em estudo e o paradigma qualitativo tenta descrever e compreender as situações e os processos de maneira integral e profunda, considerando inclusive o contexto que envolve a problemática estudada. A população de catadores informais do lixão da cidade de Iguatu - CE é de aproximadamente 50 pessoas. A pesquisa aconteceu por meio da realização de entrevistas semiestruturadas envolvendo 22 catadores atuantes no referido município, durante o segundo bimestre de 2014, utilizando o seguinte procedimento metodológico: identificação de campo de pesquisa, coleta de dados e tabulação dos resultados. Salienta-se que a pesquisa seguiu obedecendo à Resolução do Conselho Nacional de Saúde, que faz referência às diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa/estudos que envolvam seres humanos (BRASIL, 2012). 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES A apresentação dos resultados está estruturada em tópicos, visando facilitar a leitura de aspectos considerados pertinentes na caraterização do perfil do catador em estudo. 4.1. Identificação Dentre os catadores entrevistados, estão 86% mulheres e 14% homens. De acordo com Martins (2005), as mulheres geralmente são responsáveis pelas atividades que exigem maior concentração e motricidade fina, como a limpeza do local de trabalho, triagem de materiais. Os homens, por sua vez, desempenham predominantemente funções que exigem ou são relacionadas à força física, como o transporte de material e manejo de máquinas pesadas. Observa-se que a faixa etária dos catadores está compreendida com idades entre 20 e 49 anos.De acordo com os dados da pesquisa, 85% dos entrevistados declararam ter cor parda, 5% cor negra, 5% cor amarela, 5% cor amarela e 5% cor branca. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1584 4.2. Situação Familiar Todos os catadores entrevistados são chefes de família, ou seja, trabalham para manter todas as despesas da casa. Pode-se constatar que 86% dos entrevistados têm filhos e 14% não tem filhos. Em relação ao estado civil dos entrevistados, 41% são solteiros, 36% têm união estável, 18% são casados e 5% são divorciados. No questionamento sobre a família dos catadores que moram na mesma residência 32% dos entrevistados responderam que a família é composta por 6 pessoas, 18% por 5 pessoas, 9% com 4 e 2 pessoas, 1% com 1 pessoa e 0,5% com 8 e 7 pessoas. 4.3. Trabalho e Renda do Catador Dos sujeitos da pesquisa, a maioria, que totaliza 55%, recebem até 1/2 salário mínimo, 41% até 1 salário e 4% de 1 a 2 salários mínimos. Este indicativo demonstra que 96% dos catadores auferem renda inferior a 1 salário mínimo, atuando especificamente como catador, o que pode impactar na qualidade de vida destes trabalhadores dada a restrição orçamentária. De acordo com os dados, observa-se que todos os entrevistados recebem o benefício da bolsa família e 77% recebem ainda a dedução referente à tarifa social de energia elétrica (baixa renda). 4.4. Moradia Dos entrevistados, 73% possuem casa própria, 23% alugada e 4% cedidas. Estes indicativos demonstram que mesmo os catadores tendo uma renda familiar baixa, a maioria possui casa própria. 4.5. Escolaridade Dados da pesquisa revelam que apenas 5% dos entrevistados possuem nível médio completo, enquanto 9% possuem nível médio incompleto, 27% fundamental completo, 50% fundamental incompleto e 9% dos sujeitos não são alfabetizados. Como pode ser percebido, a IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1585 maioria dos entrevistados alegam não possuir o ensino fundamental completo e, segundo relatos, não desenvolvem atualmente nenhuma atividade de âmbito educativo. Quando questionados sobre o desejo de retomar os estudos, 50% demonstram interesse, além de manifestarem o desejo de ampliar o conhecimento e de auxiliar os filhos nos processos de aprendizagem escolar. 4.6. Sobre aPolítica Nacional de Resíduos Sólidos Quando perguntados a respeito da Política Nacional de Resíduos Sólidos, todos os participantes mencionaram não possuir conhecimento da existência desta política, nem sabiam precisar o papel do catador neste processo. Além disso, foi observado que não existe apoio na formação destes atores por nenhuma instituição. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa apresentou dados e impressões preliminares no estudo do perfil socioeconômico da população de catadores de resíduos sólidos, atuantes na cidade de Iguatu, Ceará. Um dos dados da entrevista que chamou a atenção foi o fato de nenhum dos participantes possuir conhecimento sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos, o que nos faz acreditar que também desconhecem a importância do papel que desempenham na sociedade, bem como os seus direitos, por meio da atuação em associações e cooperativas. A partir da análise das narrativas construídas durante as entrevistas e dos dados disponíveis, considera-se oportuno encerrar esta pesquisa trazendo uma provocação sobre a necessidade da formulação de programas que oportunizem a estes agentes o desenvolvimento das competências necessárias para atuarem nos termos da PNRS. REFERÊNCIAS ALVARENGA,E.M.MetodologiadaInvestigaçãoquantitativaequalitativa:normastécnicas deapresentaçãodetrabalhoscientíficos.GráficaFas.Assunção-PY,2010. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1586 ASSMANN, H. Reencantar a Educação. Rumo à sociedade aprendente. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. BRASIL. Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993. LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social. BRASIL. Lei no 12.305, de 2 de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos. BRASIL. Decreto Federal nº 7.405/2010 - Institui o Programa Pró-Catador. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia.Capacitação para Comitês de Ética em Pesquisa – CEPs/Ministério da Saúde/Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Ciência e Tecnologia. – Brasília : Ministério da Saúde, 2012. CEMPRE (online). Compromisso Empresarial para Reciclagem. Disponível em: <http://www.cempre.org.br/>. Acesso em: 224 abr 2014. DRIMER, Alícia e DRIMER, Bernardo. Las cooperativas escolares. 3 ed. Intercoop: Buenos Aires, 1987. FERRINHO. Homero. Educação cooperativa. 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C. e GOERGEN, P. (orgs.). ética e educação: reflexões filosóficas e históricas. Campinas, SP: Autores Associados, 2005. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1589 EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA E O CONSUMISMO Susana de Oliveira Sobreira32 Israel Siebra Ferreira33 Alex Silva Gonçalves34 Resumo: A humanidade passa por uma grande realização, entre todos os tempos nunca houve tantos avanços científicos capazes de solucionar problemas que no século XIX pareciam irresolutos. Este otimismo científico proporcionou ao homem a ideia de que tudo pode ser resolvido através da ciência, porém, os novos modos de vida adquiridos pelas novas gerações acrescidas às explosões demográficas resultaram em problemas sociais coevos como é o caso da poluição e degradação ambiental onde a ciência ainda não soluciona problemas que já se tornaram irreversíveis como é de fato a extinção da fauna e flora e a destruição na camada de ozônio. O trabalho tem como objetivo perceber de que forma o consumo desenfreado do ser humano eleva as dificuldades na busca da sustentabilidade. Assim, percebe-se que a ciência encontra, neste novo século, um disparate entre sua evolução a passos largos e o processo de destruição da natureza. A problemática da separação dos resíduos, da impureza das águas, de redução da biodiversidade passa pela mão da ciência que tem como essência encontrar soluções para os principais problemas da humanidade, mas, diante do domínio exercido pelo mercado nas novas sociedades, ela concentra seus esforços na busca do conforto humano que lhe é oferecido sob a forma de consumo. Constitui desafio para a ciência solucionar estes conflitos ambientais como busca para a qualidade futura da vida das próximas gerações, não somente da vida humana, mas de todas as vidas do planeta. Palavras-chave:Degradação ambiental, Relação de consumo, Sustentabilidade. INTRODUÇÃO É notável que este milênio foi dinamizado por muitas descobertas tecnológicas e progresso econômico que nos aproximaram de um mundo mais confortável. Porém, a forma 32 Graduada em Economia pela Universidade Regional do Cariri e Estudante de Especialização pela Faculdade de Juazeiro do Norte. Email: [email protected]. Tel: (88) 88092625 33 Graduando em Direito pela Faculdade Paraíso. Email: [email protected]. Tel: (88) 88092625 34 Professor na Faculdade Paraíso - FAP. Possui graduação em Direito pela Universidade Regional do Cariri (2006). Advogado Militante com Pós-graduação em Direito Ambiental. Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal Militar. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1590 como essas vantagens chegaram ao poder e benefício do homem de modo tão acessível resultaram em um processo de degradação ambiental e poluição do meio ambiente. A humanidade começa a perceber as contradições do mundo moderno e cresce um despertar de consciência ética em relação aos problemas ambientais. Daí surge novas preocupações voltadas à ecologia, apontando que a ciência não trouxe apenas vantagens, mas também efeitos indesejáveis quando não levou em consideração os custos do progresso em relação ao meio ambiente. Pretende-se, nesse artigo, observar como os avanços tecnológicos proporcionaram novos padrões de consumo e trouxeram à sociedade como consequência a problemática da poluição, revelando a distância que existe entre a ciência e a sustentabilidade. Na visão de Edward Wilson (2002, p. 64) Hoje em dia, tornou-se necessária uma visão mais realista do progresso humano. Por toda parte, a superpopulação e o desenvolvimento desordenado estão destruindo os habitats naturais e reduzindo a diversidade biológica. No mundo real, governado igualmente pela economia natural e pela economia de mercado, a humanidade está travando uma guerra feroz contra a natureza.1 Percebe-se que a partir dos processos de desenvolvimento característicos das sociedades modernas, espécimes da fauna e da flora naturaram em processo de extinção, perdendo espaço nos contextos de exploração humana de recursos. Existem vários animais em “Perigo Crítico de Extinção”: O Panda gigante (predominante do sul da China), Orangotangos (nativo da Indonésia e Malásia), Mico-leãopreto (Primata brasileiro), Lobo guará (nativo da América do Sul), Arara azul ( símbolo do pantanal matogrossense - Brasil), Onça Pintada (encontrada nas Américas), Baleia franca e entre tantos outros, podemos citar a tartaruga-das-galápagos, extinta; a última subespécie, conhecida como “George Solitário”, morreu no dia 25/06/2012. No Estado do Ceará, nordeste Brasileiro, a única ave típica da região é o Soldadinho do Araripe, e de acordo com dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) é IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1591 considerada uma das cinco espécies da fauna cearense mais ameaçada de extinção, classificada como “Criticamente Em Perigo”. A destruição de habitats e a caça clandestina são graves preocupações, a comunidade científica internacional, governos e entidades não-governamentais ambientalistas vêm alertando para a perda de biodiversidade em todo o mundo Diante desse contexto, percebe-se quão necessário é a preservação da biodiversidade natural, onde o crescimento e progresso econômico se realizem de forma menos invasiva e hostil para que possa proporcionar melhores possibilidades ao futuro da humanidade. A ideia de sustentabilidade surge como uma proposta de promover o equilíbrio entre a qualidade de vida humana e melhoria nas condições de vida e sobrevida da natureza. Para Georgescu (1976), “Um dos principais problemas ecológicos que se colocam à humanidade é o da relação entre a qualidade de vida de uma geração à outra, e particularmente o da repartição do dote da humanidade entre todas as gerações.” Para José Eli da Veiga é utópica a introdução da gestão ambiental dentro da sociedade. E é ainda um conceito retórico político ideológico, portanto necessário que seja racionalizada: “Por evocar, em última instância, uma espécie de ética de perpetuação da humanidade e da vida, a expressão sustentabilidade passou a exprimir a necessidade de um uso mais responsável dos recursos ambientais, o que só pode ser complicado para qualquer corrente de pensamento que se fundamente no utilitarismo, individualismo e equilíbrio, como é o caso da economia neoclássica.” (2003, p. 165) As discussões sobre uma reinvenção do processo industrial e da economia de consumo provocam tensão nas economias e tornam-se imperativo, portanto, devido seus altos custos somados a dominação do mercado no comando da sociedade, a sustentabilidade é sempre colocada em segundo plano nos processos de produtividade e nos moldes de consumo modernos. O HIATO ENTRE CIÊNCIA E SUSTENTABILIDADE. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1592 É usual tratar desenvolvimento o processo de crescimento da economia, porém estes não são sinônimos. Desenvolvimento compreende o progresso da humanidade aliado a noção de bem-estar, equidade de renda, liberdades nos direitos fundamentais, capacidade de convívio harmônico em sociedade. Celso Furtado foi um dos principais autores a conceituar desenvolvimento e deixou claro a distância entre crescimento e desenvolvimento de uma região, o primeiro é quantitativo e o segundo qualitativo. Essas relações de qualidade se referem à qualidade de vida dos habitantes do local de progresso. “Como negar que essa idéia tem sido de grande utilidade para mobilizar os povos da periferia e levá-los a aceitar enormes sacrifícios, para legitimar a destruição de formas de cultura arcaicas, para explicar e fazer compreender a necessidade de destruir o meio físico, para justificar formas de dependência que reforçam o caráter predatório do sistema produtivo?” (Furtado, 1974: 75-6) O conceito de desenvolvimento se estendeu em anexar a concepção de qualidade de vida conceder direitos ao biossistema, sendo esse ambiente fundamental à vida humana. A natureza não pode ser entendida apenas em função da utilidade de seus recursos para a produção de bens de consumo, de forma que possa ser usada até o seu esgotamento. Os bens naturais são vidas, que estão sendo exterminadas rigorosamente, vidas que são perseguidas, caçadas e extirpadas. Elas fazem parte do ecossistema e muito do que está perdido são recursos raros indispensáveis à qualidade de vida das próximas gerações. É preciso encontrar racionalidade no uso da natureza e que haja reparação do que foi exterminado para que se encontre um caminho para uma economia mais humana. “Se a Terra tiver que perder grande parte de amenidade que deve a coisas que o aumento ilimitado da riqueza e da população extirparia dela, simplesmente para possibilitar à Terra sustentar uma população maior, mas não uma população melhor ou mais feliz, espero sinceramente, por amor à posteridade, que a população se contente com permanecer estacionária, muito antes que a necessidade a obrigue a isso.” ( Mill, 1983: 254) IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1593 Com a ameaça de escassez de água potável no planeta, contaminação dos solos e lençóis freáticos, poluição industrial e com a forma com que se descartam resíduos, sem responsabilidade, a humanidade se encaminha para uma situação precária de garantias de existência para futuras gerações. O desgaste da camada de ozônio provocado pela emissão de gases poluentes de carros, fábricas e liberação de compostos químicos de refrigeradores e ares condicionados, o aumento do efeito estufa produzidos por gazes, principalmente o metano emitido na decomposição de lixo e na digestão de animais (pecuária) são problemas graves que explicam o cerne dos conflitos sociais sobre a sustentabilidade. Todas essas preocupações contemporâneas despontam junto à explosão demográfica e a necessidade de promover bem-estar a todos que possam comprar seu usufruto. Assim nasce o consumo, industrializasse produtos para conseguir abastecer todos os indivíduos, produz-se em massa para atender uma população que seja capaz, financeiramente, de pagar para obter bem-estar. No final da cadeia produtiva do homem, os resíduos consumidos são descartados de forma irracional, sem aproveitamento, sendo devastador a forma com que a formação de grandes quantidades de lixo gera efeitos poluentes e tóxicos nos lençóis freáticos e provoca enchentes, um dos principais problemas hodiernos das grandes cidades, que não permeabilizam seus espaços urbanos. Faz-se necessária uma nova ética de valores humanos, onde o que se consome possa ser avaliado e o que se joga fora, aonde e como se joga fora, possa ser pensado. A poluição proporcionada pelo ser humano está se tornando irreversível, a ciência ainda não encontrou soluções e há poucos mecanismos de controle nos novos hábitos “consumir” e “poluir” do homem moderno. O autor José Renato Nalini (2001, p. 143) salienta: “Só existe economia, porque a ecologia lhe dá suporte. A ecologia permite o desenvolvimento da economia. A exaustão da primeira reverterá em desaparecimento da segunda”. Já para Geogescu , a economia precisa ser absorvida pela ecologia, em sua tese do decrescimento baseia-se na hipótese de que o IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1594 crescimento econômico - entendido como aumento constante do Produto Interno Bruto (PIB) - não é sustentável pelo ecossistema global, e que os recursos naturais são limitados e irreversíveis. As atividades produtivas econômicas na busca de suprir a população de bens materiais e serviços destroem os recursos naturais a uma velocidade superior a capacidade que o ecossistema tem de se recuperar, além de destruir celeremente os habitats naturais ocasionando danos insuperáveis à ecologia. Cabe a ciência deparar soluções para este grave problema presente neste novo século de nobres descobertas científicas. Visto que a união da ciência com a tecnologia nos hodiernos tempos propulsionou um grande progresso a humanidade. É um desafio para a ciência encontrar um caminho para a aliança entre a qualidade de vida dos homens e também da natureza. A sustentabilidade consiste em permitir boa vida à população compatível com a capacidade de suporte ambiental. “O crescimento da população e da produção não deve levar a humanidade a ultrapassar a capacidade de regeneração dos recursos e de absorção dos desejos. Nos países do centro, tanto a produção quanto a reprodução já deveriam estar voltadas apenas à reposição. O crescimento físico deveria cessar, com continuidade exclusiva de alterações qualitativas. Desenvolvimento sustentável quer dizer, para Daly, desenvolvimento sem crescimento.” (Veiga, 2008, p. 138) Enquanto o mercado comandar as forças de produção sem que seja imposto ao poder econômico limites e racionalidade dos recursos naturais e da poluição gerada por esses, jamais chegar-se-à a sustentabilidade, assim também, se as práticas individuais da sociedade não tiverem um vínculo ambiental, com um consumo medido e produção de detritos reaproveitados não chegaremos a qualquer lugar, visto que a natureza vai estar sendo degradada em proporções grandiosas. RESULTADOS IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1595 O papel do consumo na sociedade tem função importante no desenvolvimento da economia, ela proporciona bem-estar e qualidade de vida, além de solucionar problemas entre o tempo-trabalho impulsionado pela modernização, ao mesmo tempo em que, seu uso desmedido provoca um desequilíbrio no ecossistema. A despreocupação no descarte de resíduos tornou-se comum tanto pelos indivíduos como por empresas e grandes corporações, que com essa prática poluem rios, mares e lençóis freáticos. Esse estilo de vida despreocupado da nova “geração descartável” impulsiona as preocupações dos ecologistas que nos alertam sobre o modo de consumo em que estamos habituados. Agregado a uma ideia de status, onde se renova a tecnologia sempre, a cada descoberta, o consumo descarta tipos de lixo cada vez mais tóxicos como baterias, celulares e eletrodomésticos e em quantidades cada vez maiores. Soma-se o fato da falta de estrutura de muitas cidades que não tem planejamento de mobilidade urbana, acrescendo o consumo de meios de transporte individuais, cuja poluição é preocupante. Para o autor Enrique Leff (2004, p. 15): “A crise ambiental veio questionar a racionalidade e os paradigmas teóricos que impulsionaram e legitimaram o crescimento econômico, negando a natureza. A sustentabilidade ecológica aparece assim como um critério normativo para a reconstrução da ordem econômica, como uma condição para a sobrevivência humana e um suporte para chegar a um desenvolvimento duradouro, questionando as próprias bases da produção.” Essas novas posições filosóficas são, tanta um desafio como um dever para a ciência. À medida que não é fácil encontrar soluções também não será fácil viver em um mundo sem os recursos essenciais para a subsistência humana. Diante do modelo econômico atual, a ciência aliada à tecnologia voltou seus esforços a descobertas que proporcionasse bem-estar a população, porém Encontrar a sustentabilidade dentro da nossa sociedade é repensar a forma de organização a que nos submetemos com o fim de atingir progresso. Reinventar conceitos, IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1596 quebrar paradigmas, revolucionar o processo produtivo e o processo de consumo e descarte atual. Conferindo limites ao progresso econômico e a relação de consumo. OBJETIVOS Geral Perceber de que forma a ciência têm potencial em solucionar os problemas ambientais e como o mercado atual propulsiona os processos produtivos para o consumo desregrado do ser humano elevando as dificuldades na busca da sustentabilidade. Específicos • Investigar o papel da ciência como provocador de mudanças no quadro de poluição existente no planeta e como intensificador no processo de conhecimento sobre problemas ambientais; • Identificar como as relações de consumo são causadoras de poluição no meio ambiente; • Estudar as tendências do mercado de consumo e as inclinações para o processo de preservação ambiental; MÉTODOS Ressalto como instrumento metodológico, a seleção de material bibliográfico entre os temas relacionados ao estudo para dar enfoque epistemológico e conceitual aos problemas relacionados à produção e consumo modernos, buscando literaturas que entornem a sustentabilidade, no propósito de construir um referencial teórico. Em seguida, enfocados textos e publicações que envolvam tanto o tratamento clássico da temática, com textos de Celso Furtado (1974), quanto o dimensionamento da cena contemporânea de tríade sustentabilidade – produção - consumo, compondo um referencial sobre a movimentação com a ajuda dos autores Veiga (2008), e Burzstyn (2001). Ao fim da interpretação dos dados bibliográficos será a elaboração do relatório final. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1597 CONCLUSÕES O atual modelo econômico gerou um processo de consumo descomedido, vive-se em uma era entre o progresso e um fracasso de paradigmas, onde o conceito de qualidade de vida criou novas formas na medida em que novas necessidades humanas foram surgindo. Na busca de uma vida mais cômoda, os processos de consumo subsidiaram diversas aspirações humanas, mas este universo de obter muitos bens e produtos gerou uma problemática no processo de descarte de resíduos, que apenas é descartado sem preocupações com o meio ambiente. Na busca da modernização, a demanda de bens de consumo progrediu, assim como cresceu também as condições precárias a que submeteram os recursos naturais. Aos poucos, o tão almejado crescimento econômico mostrou ao mundo sua capacidade destruidora, ao passo que os estímulos ao processo de consumo potencializaram uma devastadora ameaça aos ecossistemas naturais. A poluição do ar, dos recursos hídricos e a falta de propositura no descarte dos resíduos fortalecem a ideia de um planeta cada vez mais insustentável para as futuras gerações. Faz-se urgente perceber o quanto os recursos naturais são finitos e essenciais à sobrevivência humana. É necessário que novos caminhos sejam percorridos, e que a sociedade seja orientada e erguida à luz da ciência, mas que essa esteja voltada a dar suporte aos problemas ambientais. Acreditando na capacidade científica, que tanto nos surpreendeu neste século, contando com uma maior racionalização em estilo de vida humano menos agressivo e hostil, o desafio de descobrir soluções para o caminho da sustentabilidade que se tornou uma nova luta social, pressionada inicialmente por ambientalistas e hoje uma voz ecoa por todos os campos da ciência esperando mudanças para novos tempos. É impreterível saber que não é a ciência, a tecnologia ou o progresso que prejudicam a busca da sustentabilidade, mas sim, o modo com que se permite que a fabricação e o uso das técnicas se realizem de forma agressiva e destruidora do meio ambiente. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1598 Por fim, faz-se inadiável uma ruptura de dogmas e paradoxos, para que se erga uma nova consciência de um consumo e um crescimento sustentado e equilibrado. Destarte, uma nova visão voltada para um progresso onde caiba a qualidade e proteção da vida humana vinculada à vida de todas as espécies do planeta. O ser humano deve perceber que é inviável para sua existência a irreversibilidade de sua fonte de recursos naturais e do funcionamento dos ecossistemas. REFERÊNCIAS BARBIERI, José Carlos. Desenvolvimento e Meio Ambiente. As estratégias de mudanças da Agenda 21. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. BURZSTYN, Marcel org. Ciência, Ética e Sustentabilidade. São Paulo Cortez, 2001. BECKER, DinizarFermiano.(organizador) Desenvolviemnto Sustentável. Necessidade e/ou possibilidade? Santa cruz do Sul: Edunisc, 1997. BRUBAKER, Sterling. Viver na Terra. O homem e seu ambiente em perspectiva. São Paulo: Cultrix, 1976. FURTADO, Celso. O Mito do Desenvolvimento Econômico, 1974 LEFF, Enrique. Saber Ambiental. Rio de Janeiro: Vozes, 2004. p.15 NALINI, José Renato. Ética Ambiental. Campinas: Millennium, 2001. VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento Sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2008. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1599 Impactos da instalação do Aterro Sanitário do Cariri Patrick Leite Santos35 Raíssa Marques Sampaio Sidrim36 Rayane Rodrigues de Araújo37 Pedro José Rebouças Filho38 RESUMO: Evidentemente a implantação de um aterro sanitário trás inúmeros benefícios principalmente pelo fato dos resíduos sólidos terem uma destinação adequada minimizando o impacto do mesmo em relação à população local. A partir desta constatação, este estudo questiona. Quais os impactos da futura instalação do aterro sanitário do Cariri para a população local? Com isso, o objetivo do trabalho é apresentar o conceito de resíduos sólidos, descrever suas classificações, explicar a forma como pode ser reciclado e reutilizado e explicitar os impactos da instalação do aterro sanitário do Cariri para a população local. Metodologicamente este trabalho é baseado em uma revisão de literatura e dados secundários obtidos pelo estudo realizado pela consultoria Lance construções e projetos LTDA (LCPL, 2012) que elaborou o Estudo de impacto ambiental – EIA/ Relatório de impacto ambiental – RIMA/ para a futura implantação do aterro sanitário regional do Cariri em Caririaçu-CE. Diante do que foi exposto, este trabalho alcançou os objetivos propostos. Dentre os principais impactos da futura instalação do aterro sanitário do cariri, podemos destacar: deterioração da qualidade do ar, redução do nível de água subterrânea, desvalorização dos terrenos vizinhos e melhoria das condições sanitárias dos municípios consociados. PALAVRAS-CHAVE: Resíduos sólidos, Aterro sanitário, Cariri. 1. INTRODUÇÃO Aluno do 8º semestre do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Regional do Cariri – URCA; Crato – CE; e-mail: [email protected] 36 Aluna do 8º semestre do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Regional do Cariri – URCA; Crato – CE; e-mail: [email protected] 37 Aluna do 8º semestre do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Regional do Cariri – URCA; Crato – CE; e-mail: [email protected] 38 Prof. Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri – URCA;e-mail: [email protected] 35 IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1600 Para se entender o que é resíduo sólido é necessário compreender o que é lixo. Lixo refere-se a qualquer item proveniente de materiais humanos não mais utilizados ou gerados pela natureza, entretanto, o lixo natural pode ser reaproveitado na própria natureza e ocorrem de forma espontânea. Por outro lado, o lixo de causa humana é derivado de processos químicos e sua decomposição na natureza pode durar milhares de anos (FACHIN, 2004). O processo de criação de resíduos é antigo e a princípio natural, o homem convive com ele desde os primórdios, e até a Revolução Industrial não era problema. Antes da Revolução Industrial os resíduos gerados apresentavam caráter natural e eram em pouco volume, sendo suficiente a ação da natureza para degradá-los(ALBERTIN et al, 2010). A partir desse período, as produções de bens de consumo aumentaram consideravelmente e constantemente, com isso, o consumo da população aumenta, os produtos estão sempre inovando, novos modelos de diversos bens são injetados no mercado e os velhos e desatualizados são descartados, aumentando assim o volume de resíduos sólidos no mundo (CASTRO & ARAÚJO, 2004). Este é consequência do crescente aumento da população conjugado ao perfil consumista desenvolvido nesta época, incentivado pela criação de inúmeros novos produtos (ALBERTIN et al, 2010). Aumenta-se a demanda por produtos, consequentemente eleva-se o volume de produção, resultando-se na crescente geração de resíduos, porém, o meio ambiente não acompanhou esta tendência, não sendo mais capaz de degradar sozinho todo o resíduo gerado, provocando a poluição do meio ambiente (ALBERTIN et al, 2010). Em meio a volumes de produção gigantescos, a destinação de resíduos sólidos (de todas as espécies) se tornou um problema mundial, não se restringindo a grandes ou pequenas regiões. Dentre os vários tipos de resíduos existentes, os resíduos sólidos se destacam pela característica de dificuldade de dispersão, diferente do que se ocorre com os resíduos em outras formas físicas, como gasosos e líquidos (DEMAJOROVIC, 1995). De acordo com Demajorovic(1995), a modificação do termo “lixo” por “resíduos sólidos” se deve a IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1601 conscientização da população das implicações destes sobre o meio ambiente e de seu valor econômico, já que anteriormente era visto como algo não reutilizável. O estudo questiona. Quais os impactos da futura instalação do aterro sanitário do Cariri para a população local? Com isso, o objetivo do trabalho é apresentar o conceito de resíduos sólidos, descrever suas classificações, explicar a forma como pode ser reciclado e reutilizado e explicitar os impactos da instalação do aterro sanitário do Cariri para a população local. Metodologicamente este trabalho é baseado em uma revisão de literatura e dados secundários obtidos pelo estudo realizado pela consultoria Lance construções e projetos LTDA (LCPL, 2012) que elaborou o Estudo de impacto ambiental – EIA/ Relatório de impacto ambiental – RIMA/ para a futura implantação do aterro sanitário regional do Cariri em Caririaçu-CE. Diante do que foi exposto, este trabalho alcançou os objetivos propostos. Para tanto, a pesquisa está desenvolvida em quatro capítulos de desenvolvimento e um de considerações finais. Na primeira sessão será apresentada a classificação e a classe dos resíduos de acordo com a ABNT NBR 10004, na segunda será apresentado como funciona o manejo dos resíduos sólidos nos municípios brasileiros, na terceira estudaremos as possíveis formas de destinação e suas características, e na quarta abordar-se-á os impactos da implantação do aterro sanitário na região metropolitana do Cariri cearense e por fim as considerações finais. 2. CLASSIFICAÇÃO E CLASSE DOS RESÍDUOS De acordo com a ABNT NBR -10.004 (2004) resíduos sólidos são definidos como aqueles: Resíduos nos estados sólido e semi-sólido, que resultam de atividades de origemindustrial, doméstica,hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição. Ficam incluídos nestadefinição os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos einstalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável oseu lançamento na rede pública de esgotos ou corpos de água, ou exijam para isso soluções técnica eeconomicamente inviáveis em face à melhor tecnologia disponível (ABNT NBR - 10.004, 2004, p.1). IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1602 A classificação dos resíduos é efetuada a partir da comparação dos itens que o constituem as substâncias listadas nas normas técnicas. Para conhecimento da composição do resíduo, é necessária a identificação e análise do processo de geração do mesmo. Os resíduos podem ser classificados em duas classes; resíduos classe I – perigosos; e resíduos classe II – não perigosos. A segunda classe é subdividida ainda em resíduos classe II A – não inertes; e resíduos classe II B – inertes (ABNT NBR - 10.004, 2004). Os resíduos da primeira classe são classificados como perigosos devido aos seus altos graus de periculosidade. São compostos por itens inflamáveis, corrosivos, reativos, tóxicos e patogênicos (ABNT NBR - 10.004, 2004). Os resíduos da classe II, não perigosos, são divididos em não inertes e inertes. Não inerte é a denominação dada a substâncias que possuem as propriedades de biodegradabilidade, combustibilidade e solubilidade em água. Inertes são aqueles que, “quando submetidos a um contato dinâmico e estático com água destilada ou desionizada, à temperatura ambiente, não tiverem nenhum de seus constituintes solubilizados”nestes casos, “excetuando-se aspecto, cor, turbidez, dureza e sabor” (ABNT NBR - 10.004, 2004, p. 5). 3. MANEJO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS O gerenciamento dos resíduos sólidos produzidos nas cidades brasileiras é de responsabilidade do poder público local, conforme consta na constituição, de acordo com a Pesquisa nacional de saneamento básico do IBGE (PNSB, 2008).Os dados obtidos pela PNSB (2008) revelam que 61,2% das empresas responsáveis pelo manejo dos resíduos sólidos dos municípios brasileiros possuem vínculo direto com a administração. O custo para manutenção dos serviços de manejo dos resíduos sólidos no Brasil é elevado. De acordo com a PNSB (2008), os gastos com a coleta, limpeza das vias públicas e a destinação final dos resíduos coletados nos municípios é de aproximadamente 20,0% do orçamento para gastos municipais. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1603 Observa-se na região nordeste um movimento em direção à terceirização dos serviços de gerenciamento dos resíduos sólidos, o que já ocorre nas regiões sul e sudeste do país (PNSB, 2008). De acordo com a PNSB (2008), o destino final dos resíduos sólidos em 50,8% das cidades brasileiras é o lixão. Na região nordeste este número é ainda maior, em 89,3% das cidades o destino são os lixões, muito diferente do que ocorre no sul, onde apenas 15,8% dos municípios têm como destino final de seus resíduos os lixões (PNSB, 2008). 4. RECICLAGEM E REUTILIZAÇÃO De acordo com a PNSB (2008), os movimentos pró coleta seletiva e reciclagem dos resíduos sólidos teve seu início na década de 1980, com programas de redução da geração dos resíduos sólidos domésticos e incentivo à reciclagem. Este movimento foi impulsionado pela pressão mundial, ocorrida desde então, pautada nas inúmeras catástrofes ambientais ocorridas e que poderiam vir a ocorrer, e provocou uma corrida no sentido de mobilizar a comunidade mundial para a questão da sustentabilidade. A partir de então, principalmente as indústrias, empresas e governos locais, forçados por meio de imposições do governo, têm desenvolvido formas de separação e classificação dos resíduos nos seus processos produtivos, a fim de facilitar e possibilitar a reciclagem e reutilização dos resíduos sólidos(PNSB, 2008). O primeiro passo durante o processo de reciclagem e reutilização é o de separação dos itens denominados resíduos e dos itens denominados lixo. De acordo com Grimberg(2004) é essencial à diferenciação destes dois termos. O lixo, é a mistura de vários resíduos de características diferentes, que quando misturados impossibilitam sua reciclagem ou reutilização. Mas mesmo com a separação adequada dos itens, nem toda a totalidade poderá ser aproveitada, esta sobra é denominada rejeito (GRIMBERG, 2004). De acordo com a PNSB (2008) em 2008 havia registro da existência de 994 programas de coleta seletiva nos municípios brasileiros, um aumento de 1613,79% em relação à primeira pesquisa, realizada em 1989 pela PNSB, um crescimento significativo. Dentre os resíduos IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1604 sólidos reciclados pelos municípios, destacam-se o papelão/papel, plástico, vidro e metais, devido ao seu valor de reuso no meio produtivo. Estes materiais são negociados em sua maioria com comerciantes de recicláveis, que compram aproximadamente 53,9% do material. Seguido de longe pelas indústrias recicladoras, entidades beneficentes e outras entidades, com respectivamente 19,4%, 12,1% e 18,3% dos materiais reciclados (PNSB 2008). A não reutilização e reciclagem dos resíduos gerados é um desperdício em vários âmbitos. Além do desperdício de inúmeros materiais que terão de ser produzidos novamente para utilização como matéria prima ou produto final, existem os custos elevados na destinação para lixões e aterros que não correspondem com nenhum retorno financeiro e sustentável, prejudicando ainda a saúde de milhares de pessoas que vivem neles e em seu entorno, além ainda da não dinamização do mercado de reciclagem e reutilização, gerador de trabalho e renda (GRIMBERG, 2004). Como exposto por Grimberg (2004, p. 2), os recursos gastos no processo de enterro dos resíduos poderiam “ser redirecionados para finalidades maisrelevantes como educação, meio ambiente, saúde, cultura”. Nesse contexto, é que Castro & Araújo (2004), afirmam: A variedade dos resíduos sólidos e a quantidade produzida de lixo já seriam um problema de grande complexidade para os responsáveis pela sua gerência. Além disso, dispostos inadequadamente, podem contaminar o solo e os lençóis freáticos, constituindo uma séria ameaça à saúde pública(CASTRO & ARAÚJO, 2004, p.6). Vendo isso, é possível afirmar que o controle dos resíduos é de extrema importância, devendo sempre fazer coletas e adotar os melhores métodos para reciclagem e reutilização do mesmo (CASTRO & ARAÚJO, 2004). A seguinte tabela mostra o período de tempo que em os resíduos mais comuns levam para serem absorvidos pela natureza. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1605 TABELA I – TEMPO APROXIMADO DE DECOMPOSIÇÃO Material Papel Tecidos de algodão Corda Meia de lã Vara de bambu Chiclete Estaca de madeira Lata de conserva Lata de alumínio Plástico Fralda descartável Garrafa de vidro Pneu Tempo 2 a 4 semanas 1 a 5 meses 3 a 14 meses 1 ano 1 a 3 anos 5 anos 13 anos 100 anos 200 a 500 anos Até 450 anos Indeterminado Indeterminado Indeterminado Fonte: FACHIN (2004, p. 23, apud Matos, 1999). Segundo Fachin (2004), os resíduos liberados na natureza variam de acordo com o modelo de vida de cada cidade, o seu desenvolvimento industrial, fatores sócio econômicos como renda familiar, pois quanto maior o nível de renda, maior o nível de consumo. Deste modo, as cidades precisam ter politias apropriadas para que o aumento dos resíduos sólidos liberados na natureza e no meio urbano sejam tratados e coletados de forma mais eficiente e de forma que possam ser reutilizados pelo homem (FACHIN, 2004). 5. PROCESSO DE DESTINAÇÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS NO CARIRI Para compreender como se deve fazer uma coleta correta dos resíduos sólidos, é preciso levar em considerações fatores como: aspecto ambiental, sociais, e cultarias para que se efetue um tratamento correto e com melhor eficacia, vendo isso, Jacobi (2012) diz que: No aspecto ambiental, um dos desafios é a necessidade de definirmos as melhores alternativas a serem adotadas, com menores impactos e que não sejam meramente tecnologicas.[...] No que se refere aos aspectos sociais, a inclusão social se impõe como um tema fundamental, que deve ser tratado sem paternalismos, como parte de uma política pública, sob uma lógica institucional, sem ‘glamouriza-la”, e sim trazendo à tona efetivamente as possibilidades que uma política pública pode promover em termos de redução de desigualdades. Em relação aos aspectos IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1606 culturais, com os quais todos nós estamos envolvidos, principalmente nas ideias de se produzir menos, de reutiliza-lo e de reciclagem, está presente um desafio o que se associa aos temas das próprias políticas públicas, tal como a Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS (Lei n. 12.305/2010 apud JACOBI, 2012, p.31). De acordo com a empresa de consultoria Lance construções e projetos LTDA,LCPL (2012), o principal destino dos resíduos sólidos da região do cariri são os lixões a céu aberto. Estes se encontram em zonas rurais e são abastecidos por caminhões da prefeitura que realizam a coleta municipal. Na cidade de Juazeiro do Norte – CE, cidade de maior expressão econômica da região, o lixão vigente hoje foi implantado em 2002 com planejamento de 20 anos de funcionamento útil (LCPL, 2012). Porém, o mesmo deverá ser fechado nos próximos anos, conseqüência do funcionamento fora das normas estabelecidas para se ter a vida útil projetada de duas décadas. O encerramento precoce do lixão é decorrência da “falta de controle, má operação e não disposição de drenos para escoamento do chorume, nem de coletores de biogás”, medidas essenciais para o seu bom funcionamento (LCPL, 2012, p. 97). A situação é mais agravante por não haver nenhum tipo de separação ou tratamento dos resíduos antes de serem dispostos no lixão (LCPL, 2012). São dispostos no mesmo local desde resíduos domésticos (secos e molhados) até resíduos de origem hospitalar, “sem receber tratamento prévio que assegure a eliminação das características perigosas dos resíduos, como exige a Resolução CONAMA Nº 05, de 05 de agosto de 1993” (LCPL, 2012, p. 97). O local é diariamente freqüentado por inúmeras pessoas, dentre elas crianças, jovens, adultos e idosos, que sem nenhum tipo de proteção possuem acesso livre, sem impedimento da administração, tendo ganhos proporcionais ao montante de resíduos que coletam. A administração do lixão informa que em 2004 foi feito um levantamento da quantidade de pessoas que estavam no local sem nenhum vínculo empregatício em busca de itens que pudessem ser reaproveitados. Foram registrados nessa data o número de 138 indivíduos (LCPL, 2012). Os catadores de rua garantem ao município um grande benefício econômico, tanto na proporção que reduzem a quantidade de lixo a ser coletado na limpeza urbana, como também na diminuição de material que será depositado no aterro, contribuindo diretamente para o IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1607 aumento da sua vida útil (LCPL, 2012). Como a existência de depósitos que fazem a compra de materiais recicláveis é escassa no município, é preciso: O incentivo por parte da Prefeitura de Juazeiro na criação de mais depósitos, as parcerias com empresas que utilizam esse material reciclado seria uma alternativa para ocupar/aproveitar toda essa mão-de-obra tão importante, contribuindo de forma direta com o meio ambiente e com o social, além de melhorar a situação econômica dessa parte da população (LCPL, 2012, p. 98). Uma excelente alternativa seria a geração de uma cooperativa com a ajuda da prefeitura, empresas locais, incentivos fiscais, etc. Cooperativa essa que seria responsável por comprar toda a produção dos catadores, que fariam um cadastrado e seriam identificados como recicladores. A implementação de programas de educação ambiental e estímulo à participação da população na coleta seletiva, iria os conscientizar da importância epapel que cada cidadão tem para a redução dos problemas ambientais do planeta (LCPL, 2012). Paralelamente ao lixão, existem na região do Cariri empresas especializadas em destinação de resíduos sólidos, como a Flamax, que realiza incineração, e usinas de reciclagem, como a JF, que recicla e reutiliza plásticos e papelão. Por serem de iniciativa privada e sem vínculo com o governo, essas instituições operam apenas em parceria com empresas privadas (LCPL, 2012). Devido ao elevado custo para o serviço de incineração, apenas as empresas de médio e grande porte da região adotam essa medida. E apenas as adotam porque possuem elevadas produções, e consequentemente geram elevada produção de resíduos, sendo rigorosamente fiscalizadas pela SEMACE, que exige a destinação correta, de forma controlada, por meio de tramites legais (Registro por meio de emissão de NFE) e declarações de destinação por parte dos receptores, que obrigatoriamente devem possuir licença da SEMACE (LCPL, 2012). 5.1 Instalações do Aterro Sanitário do Cariri Tendo em vista a necessidade de melhorias no processo de destinação de resíduos sólidos na região do Cariri, a Secretaria das Cidades do Estado do Ceará tomou a iniciativa IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1608 para a criação do Consórcio Municipal para Aterros de Resíduos Sólidos – Unidade Crato (COMARES – UC), a criação de um aterro sanitário, centro de triagem, estações de transferências e estudos ambientais das cidades de Crato, Barbalha, Juazeiro, Altaneira, Cairiaçu, Farias Brito, Jardim, Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri, que terá vida útil de 20 anos, objetivando ofertar uma solução ambientalmente possível e juridicamente legal para a população da região (LCPL, 2012). O aterro sanitário e o centro de triagem de materiais recicláveis serão construídos no município de Caririaçu, já as estações de transferências ficarão localizadas nas cidades de Barbalha, Crato, Nova Olinda, Farias Brito e Jardim, “tendo a vista a grande distância entre os centros geradores de resíduos e o aterro sanitário”(LCPL, 2012, p. 05). Para reduzir os custos resultantes do tratamento dos resíduos sólidos criados por essas cidades e garantir a realização de tal sistema, as instalações serão construídas através de consórcio (LCPL, 2012). O intuito da criação de um centro de triagem será para que haja a redução do volume de resíduos mandados para o aterro. Nele se realizará a triagem primária, a prensagem e a estocagem dos resíduos sólidos aptos para reciclagem. Esse processo trará benefícios, tal como a geração de empregos, como também o aumento da vida útil do aterro. Nas estações de transferência ocorrerá o acondicionamento temporário dos resíduos, que posteriormente serão encaminhados para o aterro (LCPL, 2012). Os principais objetivos do empreendimento são: destinar corretamente os resíduos gerados pelos municípios do consórcio; otimizar os serviços de limpeza urbana; promover juntamente com os municípios alternativas que visem diminuir os resíduos enviados ao aterro sanitário; atender os parâmetros estabelecidos pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (LCPL, 2012, p. 05). 5.1.2 Impactos causados pelo Aterro Sanitário do Cariri A partir dos resultados do estudo da consultoria Lance construções e projetos LTDA (LCPL, 2012) que elaborou o Estudo de impacto ambiental – EIA/ Relatório de impacto IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1609 ambiental – RIMA/ para implantação do aterro sanitário regional do Cariri – Caririaçu-CE, contratada pelo Governo do Estado do Ceará em 2012. Alguns dos impactos que serão causados pelo planejamento, instalação, operação e posterior fechamento do Aterro Sanitário do Cariri serão aqui identificados, sendo propostas medidas que possam diminuir os efeitos negativos e maximizar os positivos sempre que possível. Segue abaixo os principais impactos causados pelo projeto: Deterioração da qualidade do ar: “A movimentação de terra, de veículos e de máquinas durante a fase de execução das obras resultará em incremento das emissões gasosas, de material particulado e de ruídos” (LCPL, 2012, p. 131).Apesar de essa movimentação chegar ao fim quando as atividades acabarem, a qualidade do ar nesse determinado momento será danificada, podendo causar problemas na saúde e no bem estar da população local (LCPL, 2012). Redução do nível de água subterrânea: “A impermeabilização do solo será resultado de diversas ações, entre elas a terraplenagem, a implantação do sistema impermeável de disposição e formação do maciço de resíduos, as vias e estruturas construídas” (LCPL, 2012, p. 131). A extinção da vegetação dessa área provocará a diminuição da recarga das águas subterrâneas em razão da diminuição do espaço disponível para a infiltração de águas pluviais. Contudo, deve ser levado em consideração que o impacto não será tão grande, pois o Cariri está localizado em uma região capaz de impulsionar a recarga do aquífero (LCPL, 2012). Ameaça a espécies vegetais em risco de extinção: “A supressão de vegetação correspondente à ADA se resume na retirada da cobertura do estrato herbáceo, arbustivo e espécies arbóreas comuns para região.” (LCPL, 201, p. 134). Para que se instale a estrutura física do projeto, se faz necessária essa remoção. Se o órgão competente liberar a licença para que seja feito o corte dessas plantas, esse impacto poderá ser aliviado com o plantio de mudas comuns para o ecossistema da região, proporcionando um equilíbrio ambiental (LCPL, 2012). Caça e captura de animais silvestres: Por causa da presença de trabalhadores do empreendimento, existe a possibilidade de que haja a caça indiscriminada e captura da fauna IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1610 local, usadas tanto para alimentação, como também para a comercialização ilegal de animais. Vale lembrar que na área onde será construído o aterro sanitário já há uma redução no número de espécies causada por processos de antropização (LCPL, 2012). Fuga e afugentamento da fauna: No processo de implementação e operação do aterro haverá um grande fluxo de máquinas, veículos e pessoas, fazendo com que haja um aumento dos níveis de poeira e ruídos, causando, assim, uma fuga da fauna. “Esse impacto também trará prejuízos para a nidificação, acasalamento e alimentação das espécies.” (LCPL, 2012, p. 135). Porém, como a área já está antropizada, o impacto não será tão grande (LCPL, 2012) Fortalecimento do mercado especializado em estudos ambientais e engenharia sanitária: “O desenvolvimento de estudos ambientais e técnicos para elaboração de projetos incidirá positivamente sobre o mercado de trabalho especializado, colaborando na manutenção de empregos e contribuindo na ampliação da renda dos trabalhadores do setor” (LCPL, 2012, p. 137). Desvalorização dos terrenos vizinhos: Devido ao medo que as pessoas têm de uma má operação e de acidentes que provocarão a perda da qualidade ambiental do espaço, juntamente com as atividades de operação e alteração da função do solo, ocorre a desvalorização dos terrenos vizinhos ao aterro (LCPL, 2012). Fortalecimento do mercado regional de construção civil e sanitária: As construções ligadas ao empreendimento irão causar empregos locais, qualificação dos trabalhadores, e, também, gerarão de renda para aqueles fornecerão as matérias primas e equipamentos que vão ser utilizados na construção civil e operação do aterro, aumentando, assim, a qualidade de vida da população (LCPL, 2012). Melhoria das condições sanitárias dos municípios consociados: Com a existência do aterro sanitário os lixões serão desativados, levando à melhoria sanitária, diminuindo consideravelmente o risco de contração de doenças, melhorando qualidade de vida da população residente e dos catadores que lá trabalhavam (LCPL, 2012). IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1611 Desenvolvimento de tecnologias para o tratamento dos resíduos sólidos: “Os mecanismos de controle e monitoramento ambiental e do sistema do aterro sanitário permitirão a produção continuada de dados e incentivará a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias adaptadas ao ambiente onde o empreendimento se insere, tanto pela gestão do aterro quanto pelas ações de pesquisadores e cientistas.” (LCPL, 2012, p. 139). Aumento de recursos públicos municipais: Os empregos gerados pelo aterro juntamente com o desenvolvimento de novas atividades e indústrias criadas a partir da reciclagem, formalizam o trabalho com carteira assinada aumentam a arrecadação tributária no município de Caririaçu, que podem ser convertida no desenvolvimento da cidade (LCPL, 2012). A maior parte dos impactos positivos será no meio socioeconômico, com geração de emprego e renda, aumento da qualidade de vida, estímulo de atividades econômicas ligadas ao desenvolvimento de tecnologias ligadas ao setor. O setor público também se beneficiará com a arrecadação tributária “e, principalmente, com a sua adequação às exigência legais acerca da disposição de resíduos.” (LCPL, 2012, p. 143). O meio biofísico deverá receber a maior parte dos impactos negativos, consequência da alteração dos elementos que fazem parte da paisagem local. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do que foi exposto, este presente trabalho alcançou os objetivos propostos. Os impactos da futura instalação do aterro sanitário do Cariri são destacados no estudo realizado pela consultoria Lance construções e projetos LTDA (LCPL, 2012) que elaborou o Estudo de impacto ambiental – EIA/ Relatório de impacto ambiental – RIMA/ para implantação do aterro sanitário regional do Cariri na cidade de Caririaçu-CE. Dentre os principais impactos da futura instalação do aterro sanitário do cariri, podemos destacar: deterioração da qualidade do ar, redução do nível de água subterrânea, desvalorização dos terrenos vizinhos e melhoria das condições sanitárias dos municípios consociados. IV Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1612 REFERÊNCIAS ABNT [Associação Brasileiro de Normas Técnicas]. Resíduos sólidos - Classificação. NBR 10.004. Rio de Janeiro, 2004. 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