SIMPÓSIO DE COMUNICAÇÃO ARTIGO ARTIGO ACADÊMICO ACADÊMICO CONSUMIDORES ON-LINE, MARCAS EM XEQUE Por KÁTIA RAQUEL BONILHA KELLER [email protected] Facomb - UFG Resumo: O presente artigo fala de tendências do Marketing contemporâneo, com ênfase no relacionamento profícuo entre marcas e clientes potenciais e reais via mídias sociais. Os esforços de organizações e marcas atuais para tal têm objetivos bem definidos: serem vistas com bons olhos pelos consumidores e poderem contar com sua boa vontade. Mudam os clientes, muda o Marketing. Palavras-Chave: Marketing 3.0; marcas; mídias sociais. Abstract This article discusses trends of contemporary Marketing, with emphasis in fruitful relationship between brands and potential and real clients through social media. The efforts of current corporations and brands for such have well defined goals: be seen with good eyes by consumers and that they can count on their goodwill. Change the customers, changes the marketing. Key word: Marketing 3.0; brands; social media Introdução O ser humano parece viver, na contemporaneidade, em um caos vertiginoso e permanente, decorrente de um mundo cada vez mais acelerado e imerso em processos de profundas transformações. Em aproximadamente duas décadas, o homem passou de uma era “analógica” para uma vida digital; de um mundo dividido em dois grandes blocos para uma realidade globalizada, com tênues fronteiras colocadas em xeque com o advento da Internet. Pulou, não tão suavemente, do psicodelismo dos anos 70, regado pelo lema “paz e amor”, para um complexo panorama informacional, REVISTA PANORAMA 63 edição on line num.III - agosto.2012 ISSN 2237-1087 instalado pela circulação frenética de conteúdos nas mídias sociais expressivas. Não há muito, o mercado contentavase com um profissional graduado e disciplinado preferencialmente. A atualidade, em contrapartida, tem sede de inovadores, de talentos capazes de ofertar soluções para grandes problemas, de líderes e, idealmente, de visionários. Todos convivem, hoje, com complexos universos que se sobrepõem e, às vezes, contrapõem-se. Os discursos da Propaganda, por exemplo, não podem mais ser SIMPÓSIO DE COMUNICAÇÃO dirigidos a um homem mediano, pertencente a uma massa, sob pena de serem inócuos. A comunicação está, cada vez mais, focada, para conseguir persuadir o público-alvo. Os consumidores são outros. Pertencem a determinadas tribos , mas querem ser tratados como únicos; por intermédio das ferramentas disponíveis na Internet, pesquisam produtos e serviços, comparam marcas e preços, mantêm-se informados e conectados com seus pares, e sentem-se com um poder nunca antes imaginado: o de ter, ao seu dispor, uma mídia que lhes confere influência na formação da opinião de um número imprevisível de pessoas, e sem barreiras geográficas. Tudo ao alcance de um clique, tudo de forma instantânea. Em muitos aspectos para pior, o mundo inegavelmente mudou. A extração de matérias-primas, produção, distribuição, consumo e descarte de bens exauriu o planeta. A natureza sofreu impactos e respondeu ao homem com diversas catástrofes ambientais. Ao lado disso, há pobreza, desemprego, crises, epidemias. Há incerteza e medo. Tudo está em mutação, o mundo, as sociedades, as pessoas; para alcançálas, mudou o Marketing, o qual atua nas organizações no sentido de garantir, a elas, saúde e sobrevivência. Filosofia repensada As mudanças das pessoas empurraram o Marketing para uma nova era, chamada, por Kotler et al. (2010), de geração 3.0. Aqui, vale uma breve REVISTA PANORAMA 64 edição on line num.III - agosto.2012 ISSN 2237-1087 ARTIGO ACADÊMICO contextualização. Os autores levantam algumas características das duas gerações anteriores. O Marketing viveu uma época funcional, na qual eram focadas as vendas. Essa geração 1.0, que se estendeu dos anos 50 aos anos 60, caracterizava-se pela padronização de produtos a um custo menor para um mercado de massa. A pergunta-chave era “como vender?” e os esforços estavam concentrados na gestão de produtos. O Marketing 2.0, por sua vez, foi marcado pelo foco no consumidor. O mercado começa a segmentarse; o acesso à informação inicia sua trajetória ascendente. A pergunta, agora, é “como reter o cliente?”. Entre 1970 e 1980, os profissionais buscavam conquistar sucesso na gestão de clientes, enquanto que, na década subsequente, os olhos – e cérebros – estavam voltados à gestão das marcas. A partir do ano 2000 aproximadamente, os gestores de Marketing percebem novas tendências emergentes das sociedades, impactadas por um mundo novo, globalizado, conectado e paradoxal, no qual subsistem, lado a lado, extrema violência e mobilizações várias, voltadas à tolerância, ao respeito às minorias e aos animais. Enfim, um mundo estilhaçado, mas também fascinante, surpreendente e intrincado, composto por indivíduos perplexos, que passam a exigir das organizações – das quais compram e para as quais geram lucros –, engajamento efetivo em causas sociais e soluções para os problemas ambientais. SIMPÓSIO DE COMUNICAÇÃO Assim, mudaram os destinatários dos discursos persuasivos e, desse modo, o Marketing voltou-se para o espírito humano, para as questões humanas, para os valores. A partir de então, impõe-se como fundamental para as marcas não só o seu alinhamento às práticas sustentáveis, que reflitam sua responsabilidade pelo bem-estar social e ecossistema, como, também, com o compromisso de estabelecer um relacionamento profícuo com seus públicos de interesse, principalmente, clientes potenciais e reais. Chegamos, então, ao coração desse trabalho, que pretende abordar, brevemente, esse relacionamento via mídias sociais. Esse “admirável marketing novo”, utilizando-se uma expressão muito pertinente de Lenderman (2010), pode ser compreendido como filosofia de relacionamento, autêntico e transparente, entre marcas e seres humanos – considerados em suas dimensões de mente, coração e espírito, ensinadas por Kotler et al. (2010). Esse relacionamento pode ser estrategicamente administrado pelas marcas nos ambientes virtuais, com a conquista de benefícios concretos para imagem e reputação. Em contrapartida, as mídias sociais também podem representar uma ameaça àquelas que negligenciam seus clientes e subestimam o poder dos consumidores-internautas. Basta que sejam citados alguns poucos números para um dimensionamento dos impactos da crítica de um REVISTA PANORAMA 65 edição on line num.III - agosto.2012 ISSN 2237-1087 ARTIGO ACADÊMICO consumidor sobre uma marca em mídias sociais expressivas, como os populares Facebook, o Twitter e o YouTube. De acordo com Qualman (2011) – e considerando-se que dados sobre a Internet são essencialmente voláteis, dada a sua vertiginosa dinâmica –, a Internet levou, apenas, quatro anos para atingir a casa dos 50 milhões de usuários, sendo que o Facebook conseguiu, em sua história, atingir os 200 milhões de usuários em menos de um ano. Se essa mídia social fosse um país, seria o terceiro maior do mundo, perdendo somente de China e Índia. São mais de 200 milhões de blogs. A colaboração dos consumidores com suas marcas também se destaca no rol de informações trazidas pelo autor: 25% dos resultados de busca sobre as 20 maiores marcas do mundo são links para conteúdo gerado por usuários; 34% dos bloggers publicam suas opiniões a respeito de produtos e marcas. Boca a boca virtual: o consumidor com a boca no mundo O consumidor contemporâneo tem recebido diversos rótulos. Em Kotler et al (2010), é chamado de prosumer, isto é, o consumidor que também desempenha um papel de produtor de publicidade ou de ideias para uma marca, sendo ou não premiado por sua iniciativa. Souza (2009), por sua vez, fala em neoconsumidor para se referir ao indivíduo que pesquisa, compara e compra pela Internet, cujo perfil ARTIGO ACADÊMICO SIMPÓSIO DE COMUNICAÇÃO é de alguém muito mais exigente e essencialmente infiel. Independente de pertencerem à geração X, Y ou Z, como muitos gostam de classificá-los, de serem fruto do que Qualman (2011) chama de Socialnomics ou, em outras palavras, de uma transformação socioeconômica massiva, fato é que as marcas querem ser amadas por esses consumidores transformados, capazes de influenciar dezenas de outros com os quais se relacionam com freqüência, a baixo custo e, muitas vezes, em tempo real. A conexão, a troca de ideias, a formação de uma opinião sobre um produto, uma busca, uma decisão e a realização de uma compra em tempo recorde ofertam inegável poder ao consumidor. Talvez as marcas nunca tenham vivenciado uma vulnerabilidade de tão grande vulto. Como lidar, a partir de agora, com aqueles que sustentam os seus negócios? Qualman (2011) informa que 78% dos consumidores confiam em recomendações de outros usuários; apenas 14% confiam na Propaganda das marcas. Das campanhas tradicionais para TV, somente 18% geram um retorno sobre o investimento positivo. As pessoas, como afirma Kotler et al. (2010), estão menos expostas à publicidade e mais conectadas entre si. Muitas se destacam como influenciadoras, críticas, formadoras de opinião e colaboradoras ativas das marcas. Para esses autores, o futuro das comunicações de Marketing REVISTA PANORAMA 66 edição on line num.III - agosto.2012 ISSN 2237-1087 pertence às mídias sociais, as quais, inclusive, são fonte rica de dados sobre os próprios consumidores e a concorrência. A comunicação humana, portanto, é outra, e capaz de ajudar ou prejudicar uma marca. O consumidor insatisfeito nunca teve sua voz tão amplificada, e de uma forma tão simplificada. Um vídeo caseiro publicado no YouTube; uma queixa registrada no Facebook, que pode polarizar a de outras dezenas de indivíduos pertencente a uma rede social, e uma crítica registrada em 140 caracteres no Twitter têm, potencialmente, a capacidade de deixar uma marca em situações extremamente delicadas. Vejamos o que diz Fonseca sobre a preferência do consumidor em manifestar suas opiniões sobre as marcas em suas redes sociais, deixando o velho SAC – Serviço de Atendimento ao Consumidor – como uma opção indesejada: [...] o consumidor, além de fazer o comentário negativo ou positivo na hora em que bem entender, pode compartilhar a sua opinião, conseguindo o apoio, consolo e até o incentivo de seus seguidores. Há casos nos quais o poder de disseminação de informações de um usuário de rede social é enorme por conta de seu grande número de seguidores. Sem contar as inúmeras possibilidades multimídia como a postagem de vídeos, fotos e gravações em áudio para ilustrar e enriquecer a manifestação. Ele observa que empresas com SIMPÓSIO DE COMUNICAÇÃO perfil pioneiro têm se adequado à nova demanda e contratado equipes especializadas no relacionamento com o consumidor via redes sociais, atentas ao crescimento dessas mídias e ao acesso da população a computadores e à banda larga. Aqui, inclui-se o consumidor emergente, de menor renda, ávido também por um relacionamento via mídias sociais com as marcas de sua preferência. Matéria publicada no Portal Exame em 21 de março de 2012 informou que o tempo gasto pelo brasileiro no Facebook aumentou em quase 680% em 2011. Em dezembro do mesmo ano, a rede teria atingido a marca de 36,1 milhões de visitantes únicos, o que representa um aumento de 190%. A fonte dos dados, de acordo com o Portal, é a empresa de métricas comScore, que também apontou o Brasil como o sétimo maior mercado de Internet no mundo em termos de usuários conectados. São 46,2 milhões de pessoas, o que representa um crescimento de 16% em relação a 2011. Atenta ao novo consumidor, a Seven Boys, a partir de 22 de março de 2012, passou a oferecer um batepapo semanal sobre nutrição aos internautas, que acontece todas as quintas-feiras, ao vivo, na Twittcam pelo @Paes_SevenBoys. Ao consumidor interessado, basta acessar o perfil da marca no microblog. Uma ação simples e meramente ilustrativa, mas que seria algo completamente impensável nos anos 90. REVISTA PANORAMA 67 edição on line num.III - agosto.2012 ISSN 2237-1087 ARTIGO ACADÊMICO Novo consumidor, novas estratégias, nova Propaganda O novo panorama que se delineou para as marcas e que se tentou esboçar até aqui exige que as ferramentas de Marketing sejam repensadas, das quais destacamos a Propaganda. Se o destinatário das mensagens apresenta-se imune aos apelos da Publicidade tradicional, conforme explica Lenderman (2010), é premente que suas fórmulas sejam revistas. Essa “imunidade” seria decorrente da superexposição a um semnúmero de mensagens persuasivas, à qual o consumidor é submetido a todo instante. Essa banalização, de acordo com o autor, levaria a maior parte dessas mensagens a passar despercebidas pelos públicos-alvo. A Propaganda tem tentado caminhos diversos e somente o tempo dirá quais estudos e posteriores estratégias adotadas especificamente para cada marca funcionaram. Acredita-se que o primeiro passo esteja, exatamente, na reinvenção das organizações por elas mesmas, com base em rigorosas pesquisas sobre a sociedade e suas constantes transformações como um todo, sobre cada um de seus públicos, sobre cada uma de suas “tribos” (conforme conceito de Godin já exposto) e, tanto quanto possível, sobre cada indivíduo. Quanto mais diretamente a marca falar com cada um de seus clientes, mais ela aumentará a chance de arrebanhar ARTIGO ACADÊMICO SIMPÓSIO DE COMUNICAÇÃO fãs, que, com sorte, passarão a considerá-la como patrimônio próprio: eles irão confiar nela, defendê-la, interagir com ela, participar dela, criar para ela e, o mais importante, amá-la, como acontece com a Coca-Cola, símbolo da felicidade norte-americana. Conclusão A construção de uma marca forte passa por um sem-número de decisões acertadas e oportunas, sendo a correta presença nas mídias sociais uma delas. Manter uma página no Facebook, um microblog no Twitter e um canal no YouTube, ofertando, 24 horas por dia, sete dias por semana, diálogo ao consumidor e conteúdos de seu interesse são fundamentais na contemporaneidade, como tentou-se mostrar ao longo do trabalho. Tal alinhamento às tendências do Marketing tem grande impacto sobre como o consumidor verá a marca e o que ele pensará dela. Se for conquistada uma predisposição favorável com relação à marca, isto é, se ela passar a contar com a boa vontade do consumidor, terá também conquistado um aliado, fundamental em momentos de uma eventual crise. Marcas amadas contam histórias, valorizam seus colaboradores, tratam o cliente como único e oferecem a ele soluções sob medida; são inovadoras e fazem a diferença em seu tempo, entre tantos outros desafios. Marcas amadas dialogam via mídias sociais. Lembramos, para finalizar, o que diz Terra (2011, p. 16) sobre as marcas, seus discursos institucionais e a Internet: A internet evidencia a trajetória e a reputação das organizações, o que acarreta cobrança frequente e cuidados redobrados com a imagem corporativa, visto que por um simples mecanismo de busca é possível verificar o que uma organização diz sobre si própria e o que dizem dela. O ponto levantado pela autora, portanto, remete, novamente, à questão da necessidade premente dos profissionais de repensar a Propaganda, tão pertinente quando se aborda o novo Marketing. E isso é uma tarefa para ontem, que levará tempo de reflexão e discussões, provavelmente, com alternativas fugazes diante de um mundo volátil. De qualquer forma, de nada adianta, como bem ilustra Godin (2010), colocar cobertura de sundae em uma porção de almôndegas, isto é, cobrir de novidades REVISTA PANORAMA 68 edição on line num.III - agosto.2012 ISSN 2237-1087 ARTIGO ACADÊMICO SIMPÓSIO DE COMUNICAÇÃO estruturas ultrapassadas. Cada organização é única e, como tal, pode necessitar de ajustes fundamentais antes da aplicação do novo Marketing. O segredo está em um Marketing sob medida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GODIN, S. Sunday de almôndegas: sua empresa está sintonizada com o Novo Marketing? Rio de Janeiro: Senac Rio, 2010. GOLDMAN, A. Nos bastidores do Google: tudo o que sei sobre marketing aprendi com o Google. São Paulo: Saraiva, 2011. KOTLER, P.; KARTAJAYA, H.; SETIAWAN, I. Marketing 3.0: as forças que estão definindo o novo marketing centrado no ser humano. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. LENDERMAN, M. Admirável marketing novo: como a pirataria, a pobreza e os oligarcas estão reinventando o marketing. Rio de Janeiro: BestSeller, 2010. QUALMAN, E. Socialnomics: como as mídias sociais estão transformando a forma como vivemos e fazemos negócios. São Paulo: Saraiva, 2011. SOUZA, M. G. de (org). Neoconsumidor - digital, multicanal & global. São Paulo: GS&MD, 2009. TERRA, C. F. Mídias sociais... e agora?: O que você precisa saber para implementar um projeto de mídias sociais. São Caetano do Sul, SP: Difusão; RJ: Senac Rio, 2011. KÁTIA RAQUEL BONILHA KELLER é advogada e jornalista, Doutora em Letras, Mestre em Comunicação e Mercado, professora efetiva do curso de Publicidade e Propaganda, da Universidade Federal de Goiás, e autora dos livros Comunicação Organizacional, sobrevivência empresarial, e Século XXI: a Publicidade sem fronteiras?, publicados pelas Editoras Olho D´Água/SP e PUC Goiás. REVISTA PANORAMA 69 edição on line num.III - agosto.2012 ISSN 2237-1087