Economia familiar

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Economia familiar
Clodoaldo Almeida da Paixão*
Entende-se por economia familiar a forma de produção que tem por base a utilização
de mão-de-obra no âmbito da própria família. A principal preocupação dessa forma
de produção é a auto-sustentação familiar e, apenas a parte excedente da produção,
é disponibilizada para a comercialização e viabilização da aquisição de outros bens
necessários à família mas que são produzidos fora da matriz familiar. Os produtos
adquiridos, são de extrema necessidade para assegurar a reprodução social.
O conceito de economia familiar é recente no Brasil, existe há alguns anos. Antes
disso, falava-se em pequena produção, fosse ela uma unidade produtiva urbana ou
rural. Em linhas gerais, hoje, entende-se por economia familiar, um empreendimento
com duas características principais: gestão ou administração familiar e trabalho
predominantemente familiar. Trata-se, por assim dizer, de uma unidade de
produção, de consumo e de reprodução social.
Essa noção, no entanto, começou a ganhar destaque no contexto da crise mundial
da economia de mercado, cuja a centralidade da produção baseia-se na utilização
da mão-de-obra assalariada e que está predominantemente voltada para o mercado.
Isto é, com a chamada reestruturação produtiva, em que as formas clássicas de
produção industrial assegurando certa taxa de empregabilidade encontra-se
esgotada.
Noutros momentos, a alternativa a essas formas dominantes de produção para o
mercado a partir da exploração econômica do homem pelo homem, deram início em
várias partes do mundo às chamadas experiências associativas dos pequenos
produtores como modelos que fundamentariam uma alternativa e perspectiva sócioeconômica em dimensão planetária. E é de fato o que começa a acontecer e que
mereceu um primeiro mapeamento analítico, de dimensão mundial (1), e numa
perspectiva de natureza nacional (2), sobretudo discutindo as experiências do e no
Brasil.
Na mesma perspectiva de análise, porém focando a problemática dos pequenos
empreendimentos urbanos em três estados brasileiros, outros estudos (3) marcam
iniciativas com preocupações locais.
Assim, tem crescido nos dias atuais a crítica ao paradigma histórico e hegemônico
de desenvolvimento baseado sobretudo na economia de mercado. A propósito, só
para se ter uma idéia, na agricultura e, em particular, a brasileira,
“Apesar desta estratégia ter se revelado eficiente sob
determinados aspectos (o Brasil, por exemplo, dobrou
sua produção de grãos, ampliou sua fronteira agrícola e
aumentou a produtividade de alguns produtos,
principalmente as culturas dinâmicas, voltadas à
agroindústria e à exportação), e ter demonstrado uma
enorme capacidade da ciência, este processo tem
aumentado impactos sócio-ambientais indesejados e
provocado uma enorme exclusão sócio-econômica.
Enquanto a agricultura e a economia aparentemente iam
bem, cresceram os problemas na área social e ambiental,
e em muitos casos observou-se um aumento acelerado
do êxodo rural e da rejeição, sobretudo pelos agricultores
familiares, das tecnologias propostas pelo modelo
hegemônico, ao qual a pesquisa e extensão serviram
como instrumento.” (grifo nosso) (4)
Além dos aspectos sócio-ambientais, indicados acima, as críticas têm considerado
ainda a inserção de novas tecnologias não adequadas ao processo brasileiro de
economia familiar. Daí a oportunidade, surgimento e necessidade de um paradigma
diferente para a agricultura familiar cuja a concepção agroecológica (ao contrário das
concepções de monoculturas) tem-se constituído numa das propostas alternativas à
economia familiar no campo numa perspectiva de desenvolvimento agrícola
sustentável.
Essa discussão é também pontuada como crítica que revela a questão agrária
enquanto fator fundamental no processo de concentração de renda no Brasil e um
dos principais dilemas político e social estratégico de um ângulo de análise que tem
como parti pris a chamada economia familiar, muito bem indicada em estudo (5)
recente.
No que sabemos hoje, as transformações e a dinâmica da economia mundial tem
lançado novos desafios à reflexão acerca da agricultura familiar no Brasil. Passado o
período cuja a preocupação primacial dizia respeito sobretudo e principalmente às
questões da produção e da produtividade dos sistemas agropecuários,
contemporaneamente o problema da sustentabilidade ambiental e da equidade de
gênero no campo se nos apresentam como aspectos tradicionalmente impensados
noutros momentos.
Neste contexto, a economia familiar tem sido, para o campo (mas não só), apontada
como uma das grandes oportunidades de inclusão dos produtores familiares de
recursos escassos, sobretudo os mais humildes, na periferia do processo de
exclusão social, agregando as noções de diversidade, solidariedade, cooperação,
respeito à natureza, cidadania e participação, enquanto valores contrários à lógica
da globalização e da padronização. É importante, portanto, neste lugar, observar
que existem diferentes entendimentos para o real significado da palavra economia
familiar, assim como diversas leituras sobre as reais oportunidades de mudança que
ela pode oferecer, embora não seja objetivo neste texto.
Numa perspectiva crítica mais otimista, tal visão sugere, além de uma transição nos
sistemas de produção, perspectivas de promover transformações estruturais nos
atuais sistemas de industrialização e de comercialização dominantes, com
possibilidades efetivas de uma maior distribuição de renda e, consequentemente, de
poder.
Mas como o conceito de economia familiar ainda é um enfoque relativamente novo,
existe a oportunidade de que os processos de ação e aprendizado sejam
construídos socialmente. A sua importância no Brasil, por exemplo, indicada através
2
de números, revelam a existência de 4 milhões de estabelecimentos familiares no
campo, representando 85% do total de estabelecimentos do país. Embora
ocupando, segundo os dados levantados, apenas 30% da área utilizada pela
agricultura nacional, a mesma tem respondido por 38% do valor bruto da produção
agrícola do Brasil e assegura a inserção de 14 milhões de pessoas no processo de
trabalho, correspondendo a 77% da mão-de-obra existente na agricultura brasileira.
Esses são apenas alguns dados. Havendo ainda outros, buscando demonstrar que a
economia familiar no campo produz, em relação ao total do país, 97% do fumo, 84%
da mandioca, 67% do feijão, 58% dos suínos, 52% do leite e 49% do milho, só para
ficarmos nesses exemplos.
No entanto, chama atenção o fato de não ter havido, até recentemente (6), políticas
públicas que priorizassem a economia familiar no campo –– de um ponto de vista
estratégico –– através de programas voltados para o seu incentivo e fortalecimento.
O presente texto, portanto, buscou indicar de forma bastante geral aspectos que
informam uma noção –– ainda recente! –– denominada de economia familiar, com a
finalidade exclusiva de fundamentar um entendimento teórico acerca da temática
objeto de reflexão, na esperança de poder contribuir, ainda que de forma
(in)suficiente, para entusiasmar e estimular os leitores neste processo.
(1) Ver Boaventura de Sousa Santos. Os caminhos da
produção não capitalista no mundo. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001.
(2) Cf. Paul Singer e André Ricardo de Souza (org.). A
economia solidária no Brasil. A autogestão como resposta
ao desemprego. São Paulo: Contexto, 2000.
(3) CEAS-PE/CEDAC-RJ/MOC-BA. Pequenos
Empreendimentos Urbanos e sua viabilidade econômica.
Recife-PE, Novembro, 2001.
(4) Cf. Eros Marion Musol e Sérgio Leite Guimarães
Pinheiros. “Desafios para a Pesquisa e Socialização do
conhecimento em Agroecologia: uma reflexão a partir das
experiências das Instituições Públicas de Pesquisa e
Extensão Rural em Santa Catarina”. In: NEAD-MDA,
Brasília, Brasil.
(5) Ver José Evaldo Gonçalo. Reforma agrária como
política social redistributiva. Brasília, Editora Plano, 2001.
(Série Terceiro Milênio; 2).
(6) O primeiro programa nessa perspectiva data de 1996,
denominado de PRONAF- Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar.
Clodoaldo Almeida da Paixão
é graduado em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS),
mestre em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), professor
assistente da UEFS e autor do livro a ser lançado “O lugar de representação dos
processos sociais na teoria social”.
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